Categorias
Notícias

TST decide que não há sucessão trabalhista em recuperação judicial

Recurso julgado

TST decide que não há sucessão trabalhista em recuperação judicial

A Sexta Turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST) decidiu de maneira unânime nesta quinta-feira (7/5) que não existe sucessão trabalhista em caso de recuperação judicial. A sentença foi dada no caso de uma profissional da cidade de Fazenda Vilanova, no Rio Grande do Sul, que pleiteava o pagamento de verbas rescisórias por parte da companhia que arrematou a empresa em que ela trabalhava.

O TST julgou o recurso de revista de uma ação da Justiça do Trabalho gaúcha
ASCS — TST

Contratada inicialmente pela Santa Rita Comércio Indústria e Representação, a trabalhadora alegou que seu contrato foi preservado quando a empresa comprou a Laticínios BG, que fazia parte do grupo LBR Lácteos. Tempos depois, a Santa Rita entrou em recuperação judicial e teve algumas unidades arrematadas pela Lactalis do Brasil.

O juízo da 2ª Vara do Trabalho da cidade de Estrela (RS) havia decidido que o empregador da trabalhadora, uma técnica, havia transferido seu contrato para a Lactalis, o que não configurava novo trabalho — dessa maneira, a empresa sucessora seria responsável pela totalidade da condenação. O mesmo entendimento teve o Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região.

Um recurso de revista alcançou o TST e a corte superior decidiu em favor da Lactalis, pois entendeu que a empresa não pode ser responsabilizada por dívidas contraídas antes da aquisição da Santa Rita.

Segundo a relatora do recurso, ministra Kátia Arruda, o Supremo Tribunal Federal (STF) estabeleceu no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 3934 que “o arrematante não tem responsabilidade pelas obrigações do devedor no caso da alienação de filiais ou de unidades produtivas isoladas ocorrida no curso da recuperação judicial” (com informações da assessoria de imprensa do Tribunal Superior do Trabalho).

RR-20218-39.2016.5.04.0782

Revista Consultor Jurídico, 7 de maio de 2020, 19h47

Categorias
Notícias

Cecília Mello: Extensão de trabalho remoto do Judiciário

O contexto de pandemia e isolamento mundialmente vivido levou e está levando a sociedade a vários ajustes e adaptações, de maneira a assegurar a manutenção de suas atividades essenciais. São muitas as mudanças, necessárias. Mas o alerta é no sentido de que essas mudanças possam se tornar permanentes mesmo após o estado de emergência de saúde pública. E isso precisa ser muito bem avaliado.

O Poder Judiciário, investido de competência para solucionar conflitos, de realizar o Direito, seja evitando a violação da ordem jurídica, seja determinando a sua restauração, é um dos sustentáculos do Estado democrático, o guardião da Constituição Federal, tão demandada nesses tempos. Consciente da sua relevância no cenário nacional, o Judiciário rápida e eficientemente se estruturou para evitar a interrupção de atendimento à sociedade e aos jurisdicionados.

O CNJ editou as Resoluções 313 e 314, em 19 de março e 20 de abril, respectivamente, disciplinando de maneira uniforme o funcionamento dos serviços judiciários, com o objetivo de prevenir o contágio e, ao mesmo tempo, garantir o acesso à Justiça no período de emergência de saúde pública. Além da suspensão dos prazos processuais, cuja contagem será retomada para os processos eletrônicos em 4 de maio, restou assegurada a apreciação de matérias mínimas, tais como habeas corpus, mandado de segurança, medidas liminares e de antecipação de tutela, comunicações de prisão em flagrante, pedidos de concessão de liberdade provisória, imposição e substituição de cautelares diversas da prisão, dentre outras medidas revestidas de urgência.

Referidas resoluções facultaram aos tribunais disciplinar o trabalho remoto de magistrados, servidores e colaboradores. A Resolução 314 determina que sejam buscadas soluções colaborativas com os demais órgãos do sistema de Justiça, para a realização dos atos processuais virtualmente. Ou seja: as diretrizes devem ser encontradas no senso comum das necessidades e, evidentemente, por meio de regras claras, realistas e objetivas.

Os processos físicos permanecem com os seus prazos suspensos, salvo a hipótese de conversão em eletrônicos, vedado o restabelecimento do expediente presencial. Essas regras têm vigência até 15 de maio, podendo haver ampliação ou redução por ato da Presidência do CNJ.

Os tribunais de todo o país diligenciaram na busca de soluções, procurando manter as atividades de prestação jurisdicional, porém por meio de trabalho remoto e mediante a disponibilização de canais de comunicação virtual franqueados em seus respectivos sites. Além dos trabalhos jurisdicionais propriamente ditos, os tribunais ainda precisaram solucionar inúmeros procedimentos correlatos aos processos, especialmente aqueles pertinentes aos levantamentos de valores decorrentes de pagamentos judiciais, de extrema relevância neste momento, tanto para os advogados quanto para os jurisdicionados.

Embora o sistema ainda não apresente uma nova sistemática que possa ser qualificada de forma plenamente satisfatória, há que se considerar o curto espaço de tempo transcorrido desde a sua implementação e a complexidade dessa nova dinâmica, que impõe ajustes não apenas materiais, mas também humanos, haja vista a necessidade de servidores e magistrados adaptarem-se ao trabalho de atendimento a distância. Mas, independentemente do sentimento geral de apreensão, fato é que os tribunais têm apresentado índices bastante elevados de produtividade, no que diz respeito a decisões proferidas.

Com base no êxito dos resultados obtidos pelo STF com a implementação de atividades remotas, a possibilidade de manutenção desse sistema diferenciado de trabalho foi estendida por meio da Resolução 677, de 29/4/2020, até 21 de janeiro de 2021, outorgando-se aos gabinetes dos ministros liberdade para adotarem outras formas de gestão das suas atividades. Embora não haja novas disposições acerca das sessões de julgamento, tudo leva a crer que também permaneçam por sistema de videoconferência, assim como o atendimento judicial, por meios eletrônicos

Na outra ponta dessa relação, sem absolutamente desconsiderar os demais operadores que a compõem, estão os jurisdicionados, assistidos e representados por seus advogados. Aqui, diferentemente dos tribunais que integram o Poder Judiciário, não há uma uniformidade de recursos materiais e humanos. Ao contrário, pode-se dizer que a diversidade da advocacia guarda relação direta com a diversidade da população e, portanto, dos jurisdicionados. Dessa forma, partir da premissa de que todos os advogados têm condições técnicas e materiais de pronta adaptação ao sistema de trabalho remoto é tão equivocado quanto imaginar que todos os alunos da rede de ensino, seja pública ou privada, têm condições de acesso e aproveitamento a aulas on-line.

As prerrogativas previstas na Lei 8906/94 asseguram aos advogados o direito de exercer a defesa plena de seus clientes e aqui se inclui o direito de postular e argumentar oralmente com o objetivo de convencer o julgador sobre o direito postulado. Em suma: o advogado tem o direito de ser ouvido pelo julgador e esse direito está imbricado no próprio exercício do pleno direito de defesa.

As medidas adotadas no âmbito do STF podem trazer resultados promissores à mais alta Corte de Justiça do país, inclusive ampliando e desonerando o exercício da advocacia perante as suas sessões de julgamento, a medida que sustentações orais ou atendimentos judiciais não dependerão de viagens e deslocamentos. Entretanto, o mesmo não se pode dizer quanto à manutenção desse sistema pelos demais tribunais e, especialmente, pela primeira instância, o que poderá resultar prejuízos incalculáveis de acesso à Justiça.

Não se trata de simples “adaptação” quando a maioria dos advogados e da população não dispõe de condições materiais para implementar essa modalidade de trabalho, que demanda recursos tecnológicos de custos incompatíveis com os auferidos por essa significativa parcela da população. Aqui, a Justiça ficaria reservada a poucos, e a advocacia também.

As alternativas encontradas para a manutenção dos serviços e atividades da sociedade em tempos de pandemia precisam ser rigorosamente avaliadas antes de se tornarem perenes, sob pena de criarmos “bolhas” instransponíveis em diversos segmentos, que ficarão reservadas a poucos, mas em detrimento de muitos.  Como diz Yuval Harari: “O verdadeiro antídoto para epidemias não é a segregação, mas a cooperação”.

 é criminalista, sócia do Cecilia Mello Advogados. Foi desembargadora federal por 14 anos no TRF-3.

Categorias
Notícias

Yarshell e Laspro: Recuperação judicial em tempos de pandemia

A Comissão de Estudos de Recuperação Judicial e Falência da OAB-SP e a Escola Paulista da Magistratura, em conjunto, realizaram recentemente dois importantes eventos para discutir as repercussões da pandemia sobre os processos de recuperação judicial. Os painéis contaram com a presença de magistrados, advogados, administradores judiciais e acadêmicos e deles resultaram reflexões importantes, que podem e devem orientar não apenas os debates que por certo prosseguirão, mas igualmente as políticas públicas que venham a ser adotadas — que não necessariamente significam a intervenção do Estado para a solução de todos os problemas.

De fato, nas últimas décadas, criou-se a falsa expectativa de que a simples mudança legislativa ou até mesmo a intervenção jurisdicional fossem capazes de resolver todos os problemas, como se grande parte deles não tivesse origem muito mais complexa, no campo social e econômico, e que não pode ser resolvida como se o legislador ou o juiz tivessem uma vara mágica com a qual, com um simples toque, resolveriam todo e qualquer conflito.

Como era de se esperar, as opiniões manifestadas nos dois eventos ainda estão consideravelmente divididas sobre a maior parte dos temas relevantes. Isso é compreensível e, por paradoxal que possa parecer, também é, em alguma medida, salutar. Com efeito, embora o momento clame por segurança jurídica, mercê de decisões uniformes e estáveis, a eventual precipitação de órgãos superiores em fixar teses — antes que algum debate possa levar ao amadurecimento do problema e das soluções — pode também ser indesejável. De se lembrar que o sistema jurídico brasileiro, no que tange à interpretação da lei federal, sempre optou pela construção difusa e não concentrada baseado na crença de que o debate e o tempo de maturação são essenciais para a interpretação da norma. Ademais, sob certo ângulo, a potencial instabilidade pode funcionar como incentivo às soluções consensuais, diante dos riscos que a imprevisibilidade das decisões judiciais pode trazer.

Associado a esse aspecto parece residir ao menos um ponto de convergência nos pronunciamentos realizados nos dois eventos: há uma convicção generalizada de que, na maior extensão possível, é preciso empregar técnicas que levem à solução não adjudicada do conflito; o que tanto mais se justifica no contexto da recuperação, em que a superação da controvérsia resulta da vontade dos credores e em que o controle jurisdicional é consideravelmente limitado. Há alguma controvérsia quanto aos meios para tanto, sendo ponderável o argumento de que a confidencialidade inerente à conciliação e à mediação são obstáculos de difícil superação no contexto em tela. Além disso, há a circunstancial dificuldade do isolamento social, que pode dificultar — mas que seguramente não impede — o diálogo e a negociação.

Isso parece levar a um outro ponto de convergência: é possível e é preciso seguir com a realização das assembleias de credores à distância, mediante o emprego de ferramentas eletrônicas. Também aqui parece haver um juízo quase unânime de que a utilização desses recursos é irreversível e tende a subsistir em boa escala mesmo depois que as restrições do convívio presencial forem superadas. Há mesmo quem chegue a destacar as vantagens que o uso da tecnologia tem para o sistema de justiça de um modo geral, do que inclusive teria resultado maior eficiência.

Embora tudo isso seja correto e o uso da tecnologia seja hoje um imperativo, é preciso cautela em considerar como permanentes soluções tomadas ao ensejo de situações excepcionais e passageiras — aliás, outra advertência colhida, ainda que de forma generalizada, em vários dos pronunciamentos feitos nos aludidos encontros. Não se pode ignorar que em nosso país parte relevante da população é alijada dos meios tecnológicos e, a pretexto da pandemia, não se pode afastar a representatividade real de todas as classes de credores.

O contato virtual pode ser útil em muitas circunstâncias e ele realmente pode gerar maior eficiência e economia. Mas, ele não pode ser erigido a uma espécie de fetiche, limitador do convívio humano e do exercício de direitos. Parece prematuro dizer, por exemplo, que a oralidade no processo esteja ou suprimida ou fadada a se submeter ao ambiente virtual — e isso em todos os graus de jurisdição em que, sob diferentes formas ela é exercida. Por sorte, a justiça ainda é uma atividade realizada por seres humanos para a solução de problemas de seres humanos e lembrar disso, em tempos de avanço rápido da inteligência artificial, pode ser uma boa prática, para que um dia não nos arrependamos todos de termos renunciado aos vínculos humanos e reais.

No campo da recuperação, a realização das assembleias mediante o emprego de ferramenta eletrônica precisa enfrentar questões como a relativa ao efetivo acesso de todos os interessados à tecnologia e, portanto, à informação que propicie efetiva participação; a titularidade do poder de decidir sobre o uso do expediente; as invalidades que possam decorrer de imperfeição no emprego da tecnologia; o momento em que se deva objetar tal emprego e os limites do controle jurisdicional sobre tudo isso. São questões que foram lembradas, mas para as quais, como era de se esperar, ainda não foram apresentadas soluções adequadas.

Também há aparente convergência sobre o fato de que o fenômeno a enfrentar não é apenas jurídico, mas sobretudo econômico.

Primeiro, embora haja uma razoável consciência de sua complexidade, não parece haver ainda uma consciência plena e generalizada sobre como lidar com o problema econômico ou, em palavras simples, quem deve arcar com a conta. A propósito, muito judiciosas ponderações destacaram que a pura e simples autorização para suspensão de pagamentos não parece ser solução adequada, por considerar apenas um dos lados da equação: beneficiar o devedor é prejudicar o credor que, portanto, pode passar a ter dificuldades de se manter no mercado. De igual modo, a eventual possibilidade de o juiz intervir nas relações privadas, ainda que a pretexto da aplicação da teoria da imprevisão ou na pretensa defesa dos hipossuficientes, pode gerar desequilíbrios econômicos muito mais graves, frutos de uma espécie de efeito dominó. A consciência de que se está diante de vasos comunicantes, portanto, é fundamental, sob pena de a intervenção estatal — legislativa ou jurisdicional — acabar involuntariamente por aumentar o problema, ao invés de resolvê-lo.

Segundo, na mesma linha de raciocínio, há controvérsia sobre qual o papel do Estado diante do custo econômico gerado pela pandemia. Embora haja uma aparente aceitação de que isso deva, dentre outros, dar-se mediante políticas fiscais, não há consenso sobre como isso deva se efetivar. Não se trata apenas do problema de os créditos do Fisco estarem fora da recuperação, mas também de saber até que ponto o Estado deve contribuir para a recuperação econômica, abrindo mão de parte de sua receita tributária.

Como se percebe, trata-se de problema ainda mais amplo e complexo, bem ilustrado no debate acerca da possível e temporária suspensão da exigibilidade dos créditos fiscais. Por outras palavras, a dúvida reside em saber de que forma o custo da pandemia pode e deve ser suportado por toda a sociedade e, nesse caso, qual a forma mais justa de o fazer.

 é advogado e professor titular da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP).

Oreste Nestor de Souza Laspro é advogado, administrador judicial, professor doutor da Faculdade de Direito da USP e presidente da Comissão de Estudos de Recuperação e falência da OAB-SP.