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Morador de Santos é proibido de circular pelas ruas sem máscara

Em tempos de pandemia, é recomendável a preponderância da medida que melhor salvaguarda os interesses públicos, sobretudo o bem maior da saúde e da vida. Com esse entendimento, a 13ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo proibiu um morador de Santos de circular pelas ruas da cidade e pelo transporte privado sem usar máscara facial.

Satjawat BoontanataweepolMorador de Santos é proibido pelo TJ-SP de circular pelas ruas sem máscara facial

Em primeira instância, o cidadão conseguiu uma liminar que o desobrigava de usar a máscara. No TJ-SP, porém, o entendimento foi outro. A relatora, Isabel Cogan, classificou de “drástico e sem precedentes” o contexto de pandemia. “O vírus Covid-19 propaga-se em escalada avassaladora pelo país e pelo mundo, revelando, dia-a-dia, perspectivas assustadoras”, completou.

Na visão da desembargadora, esse “estado de anormalidade, de situação extrema”, pode autorizar a adoção de medidas excepcionais, condizentes com o quadro fático, “mitigando-se a legalidade estrita, em prol de proteger o bem maior da saúde e vida da população”. Nesse ponto, afirmou Cogan, o uso da máscara está em conformidade com as recomendações dos especialistas.

“Trata-se de cuidado eficiente, equipamento simples, de fácil produção e um grande aliado no combate à propagação da doença, cujo uso, pela população, decorre da mais verdadeira postura cívica, daqueles que se adequam e respeitam os valores de uma sociedade, entendem e se sensibilizam com o contexto atual, de crise sanitária gravíssima, sendo, aliás, pouco compreensível a resistência quanto ao seu uso, nesses tempos de pandemia, o que significa expor a própria saúde e a dos outros”, disse.

No entanto, ao contrário da multa prevista no decreto municipal que obriga o uso da máscara nas ruas de Santos, a relatora considerou a advertência como medida suficiente para a conscientização do cidadão sobre a “gravidade da crise e de seus danos irreparáveis”. Assim, ele deverá ser advertido em caso de descumprimento da decisão.

Processo 2080659-64.2020.8.26.0000

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TJ-SP cassa liminar que desobriga apresentação de menor em delegacia

O Estatuto da Criança e do Adolescente, em seus artigos 172 e seguintes, ao determinar o encaminhamento do infrator a uma autoridade policial, refere-se ao delegado de polícia, a quem incumbe colher elementos informativos acerca da autoria e da materialidade de infrações penais, às quais se equiparam os atos infracionais.

ReproduçãoTJ-SP cassa decisão que desobrigava apresentação de menor infrator em delegacia

Com esse entendimento, a desembargadora Lídia Conceição, da Câmara Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo, suspendeu uma decisão de primeiro grau que permitia, em razão da epidemia de Covid-19, que a Polícia Militar encaminhasse diretamente ao e-mail institucional do juízo os boletins de ocorrência contra menores de idade. Conforme a decisão, a PM não precisaria encaminhar os adolescentes a uma delegacia de polícia.

O Ministério Público recorreu ao TJ-SP, alegando que, ao autorizar a Polícia Militar a elaborar boletim de ocorrência com envio direto ao juízo, a decisão violou as atribuições da Polícia Civil, “a quem cabe avaliar juridicamente a gravidade do fato, analisando se o jovem será liberado aos pais ou responsável ou, ainda, se permanecerá apreendido, até deliberação judicial”.

Ao conceder o efeito suspensivo, a desembargadora destacou que, conforme os termos do artigo 144 §§ 4º e 5º da Constituição Federal, cabe à Polícia Civil exercer “as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares”, enquanto a Polícia Militar foi incumbida do policiamento ostensivo e da preservação da ordem pública.

“Embora não se discuta que, ocasionalmente, a Constituição Federal e a lei atribuem à Polícia Militar poderes de polícia judiciária, não é o que se verifica nas hipóteses de apuração de atos infracionais. Posto isto, inexiste exceção constitucional à atribuição da Polícia Civil para atuar como polícia judiciária em atos infracionais como o fez quanto às infrações penais militares”, disse.

Conceição afirmou que a decisão de primeira instância viola o artigo 172 do Estatuto da Criança e do Adolescente, que não pode ter interpretação extensiva, tendo em vista, inclusive, “a clareza com que dispõe das providências que devem ser tomadas pela autoridade policial ao receber o adolescente apreendido em flagrante”. 

Segundo a desembargadora, não se ignora a atual situação de pandemia, nem mesmo o fato de os policiais militares atuarem com elevado risco de contaminação. “Entretanto, ao passo que a disciplina constitucional e infraconstitucional das atribuições da polícia judiciária é clara, conclui-se que a autorização suprimiu incumbências da autoridade policial a ela atribuídas por força de lei, fato que poderá vir em prejuízo do adolescente em conflito com a lei”, completou.

2103772-47.2020.8.26.0000

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Santana da Silva: Os municípios podem reabrir o comércio?

O avanço da contaminação causada pela Covid-19 no Brasil provocou pânico nas pessoas e acendeu a necessidade de os entes federativos adotarem medidas para fins de prevenção e enfrentamento à pandemia. Porém, não houve uniformidade na edição dos administrativos; pelo contrário, os decretos foram publicados com restrição às atividades essências, em uns casos, e o funcionamento em quase totalidade das atividades comerciais, em outros.

Para contextualizarmos, a Organização Mundial de Saúde (OMS) declarou Emergência em Saúde Pública de Importância Internacional em 30 de janeiro [1]. Em 3 de fevereiro, editou-se a Portaria nº 188/GM/SMS, pela qual se reconheceu tal surto, nos termos do Decreto 7.616/2011, como emergência de saúde pública de importância nacional. A Lei 13.979/2020 [2], aprovada no Congresso, foi sancionada pelo presidente Bolsonaro e no dia 20 de março o Governo Federal publicou a Medida Provisória nº 926 [3].

Por conseguinte, as restrições impostas pelos estados e municípios ocasionaram um convulsionamento do mercado financeiro nacional e, por consequência, queda de ativos e desemprego. Com isso, o setor empresarial iniciou uma pressão aos chefes do executivo para flexibilizarem o funcionamento das atividades em alinhamento ao desejo do presidente da República, o qual defende o isolamento vertical (distanciamento seletivo).

Devido a essa súplica do setor econômico, o novo ministro da Saúde, Nelson Teich, informou no dia 22 de abril que o Governo Federal prepara uma diretriz com objetivo de orientar municípios e estados na flexibilização do distanciamento social [4]. Mas, antes disso, decretos estão sendo editados, pelo ente municipal, com as flexibilizações, e muitas das medidas estão em desacordo com as regras estaduais.

À luz da Constituição Federal [5], o artigo 24, XII, dispõe sobre a competência de União, estados e Distrito Federal em legislar sobre a defesa da saúde; e o 23, II, sobre a competência comum entre todos os entes para cuidar do assunto. Além disso, a própria Lei 13.979/2020, no caput do artigo 3º, prevê que, para enfrentamento da emergência de saúde pública, as autoridades poderão adotar medidas no âmbito de suas competências.

Nesse contexto, a repartição de competências entre todos os entes para o enfrentamento do novo coronavírus foi reconhecida por medida cautelar deferida em março pelo ministro Marco Aurélio e, por unanimidade, referendada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no dia 15 de abril [6]. A corte reconheceu que as medidas adotadas pelo Governo Federal, por meio da Medida Provisória 926/2020, não afastam a competência concorrente, nem a tomada de providências normativas e administrativas pelos estados, pelo Distrito Federal e pelos municípios.

O STF decidiu sobre situações de regras mais protetivas criadas pelos estados e municípios no combate à Covid-19. Todavia, os municípios, aos poucos, vêm determinando à reabertura do comércio, ampliando, em alguns casos, as exceções das atividades comerciais previstas nos decretos estaduais.

Em regra, havendo conflitos entre as decisões administrativas, devem prevalecer as decisões estaduais sobre as municipais. Como destaca Ingo Wolfgang Sarlet [7]: “O caráter suplementar da legislação municipal, em caso de conflito deve prevalecer a legislação federal ou estadual, de tal sorte que a superveniência de lei estadual ou federal contrária à lei municipal suspende a eficácia da última”.

Em uma análise sistemática da Lei 13.979/2020 e do Decreto 10.282/2020 [8], fica claro que os demais entes federativos, ao decretarem isolamento social, ficam condicionados a determinações com base em fundamentos científicos e estatísticas. E, em caso dos termos editados pelo ente municipal, que autoriza atividades vedadas em âmbito estadual, fere tanto a lei de âmbito federal como o decreto estadual.

Em alguns estados, a exemplo do Rio Grande do Sul, o governo permitiu que as prefeituras reabram o comércio das cidades do interior, o que exclui a Região Metropolitana de Porto Alegre e a Serra Gaúcha. O governador usa como critério o boletim epidemiológico que aponta a incidência da doença nessas cidades. Nesse caso, o estado flexibilizou os locais em que estão permitidos o retorno das atividades.

No entanto, no estado de Sergipe, municípios destoam do Decreto Estadual 40.576 [9] ao adotar medidas mais brandas de enfrentamento à Covid-19. No município de Ribeirópolis, o Decreto nº 85/2020 atualizou as medidas com a reabertura de alguns setores do comércio, contrariando o decreto do governo estadual.

Em casos submetidos ao STF, a corte tem entendimento que a competência dos municípios para legislar sobre assuntos de interesse local — com base na CF, no artigo 30, I — não afasta a incidência das normas estaduais e federais expedidas com base na competência concorrente, conforme a SS nº 5.369 [11].

Concluímos que, no que tange ao ente municipal, a saída progressiva do distanciamento social deve ser realizada em reciprocidade com o estado-membro. Pois, em se tratando da proteção do direito à vida e à saúde (artigos 5º, caput, 6º e 196 da Constituição Federal), devem ser adotas as medidas com maior nível de amparo aos direitos fundamentais. Destarte, a mudança de estratégia deve trazer segurança, bem como evitar o conflito entre os decretos.

 

[1] Recomendações do Conselho Nacional de Saúde. Disponível em: https://conselho.saude.gov.br/recomendacoes-cns/1112-recomendac-a-o-n-022-de-09-de-abril-de-2020

[2] Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/lei/L13979.htm

[3] Medida Provisória nº 926. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/Mpv/mpv926.htm

[4] Teich prepara “saída progressiva, estruturada e planejada” da quarentena. Disponível em: https://veja.abril.com.br/politica/teich-prepara-saida-progressiva-estruturada-e-planejada-da-quarentena/

[5] BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988.

[6] ADI 6341. Disponível em: http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=5880765

[7] SARLET, Ingo Wolfgang; MARINONI; Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Curso de Direito Constitucional, 8. Ed. São Paulo: RT, 2019.

[8] Decreto 10.282/2020. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/decreto/D10282.htm

[9] Decreto nº 40.576. Disponível em https://www.se.gov.br/uploads/download/midia/18/6c027e40e5739027fa81174ab5d0e9c7.pdf

[10] Decreto nº 40.576. Disponível em: https://www.ribeiropolis.se.gov.br/Handler.ashx?f=diario&query=855&c=952&m=0

[11] Suspensão de Segurança (SS) 5369. Disponível em http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=5894195

 José Aparecido Santana da Silva é jornalista, escritor e graduando em direito pela Universidade Tiradentes (Unit-SE).