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TJ-SP cassa liminar que desobriga apresentação de menor em delegacia

O Estatuto da Criança e do Adolescente, em seus artigos 172 e seguintes, ao determinar o encaminhamento do infrator a uma autoridade policial, refere-se ao delegado de polícia, a quem incumbe colher elementos informativos acerca da autoria e da materialidade de infrações penais, às quais se equiparam os atos infracionais.

ReproduçãoTJ-SP cassa decisão que desobrigava apresentação de menor infrator em delegacia

Com esse entendimento, a desembargadora Lídia Conceição, da Câmara Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo, suspendeu uma decisão de primeiro grau que permitia, em razão da epidemia de Covid-19, que a Polícia Militar encaminhasse diretamente ao e-mail institucional do juízo os boletins de ocorrência contra menores de idade. Conforme a decisão, a PM não precisaria encaminhar os adolescentes a uma delegacia de polícia.

O Ministério Público recorreu ao TJ-SP, alegando que, ao autorizar a Polícia Militar a elaborar boletim de ocorrência com envio direto ao juízo, a decisão violou as atribuições da Polícia Civil, “a quem cabe avaliar juridicamente a gravidade do fato, analisando se o jovem será liberado aos pais ou responsável ou, ainda, se permanecerá apreendido, até deliberação judicial”.

Ao conceder o efeito suspensivo, a desembargadora destacou que, conforme os termos do artigo 144 §§ 4º e 5º da Constituição Federal, cabe à Polícia Civil exercer “as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares”, enquanto a Polícia Militar foi incumbida do policiamento ostensivo e da preservação da ordem pública.

“Embora não se discuta que, ocasionalmente, a Constituição Federal e a lei atribuem à Polícia Militar poderes de polícia judiciária, não é o que se verifica nas hipóteses de apuração de atos infracionais. Posto isto, inexiste exceção constitucional à atribuição da Polícia Civil para atuar como polícia judiciária em atos infracionais como o fez quanto às infrações penais militares”, disse.

Conceição afirmou que a decisão de primeira instância viola o artigo 172 do Estatuto da Criança e do Adolescente, que não pode ter interpretação extensiva, tendo em vista, inclusive, “a clareza com que dispõe das providências que devem ser tomadas pela autoridade policial ao receber o adolescente apreendido em flagrante”. 

Segundo a desembargadora, não se ignora a atual situação de pandemia, nem mesmo o fato de os policiais militares atuarem com elevado risco de contaminação. “Entretanto, ao passo que a disciplina constitucional e infraconstitucional das atribuições da polícia judiciária é clara, conclui-se que a autorização suprimiu incumbências da autoridade policial a ela atribuídas por força de lei, fato que poderá vir em prejuízo do adolescente em conflito com a lei”, completou.

2103772-47.2020.8.26.0000

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Suco contaminado por barata é causa de indenização, diz TJ-MG

A responsabilidade por fato de produto é objetiva, sendo eximido o fornecedor do dever de responder pelos prejuízos causados por acidente de consumo apenas na hipótese em que ele demonstrar a ocorrência de uma das excludentes de responsabilidade previstas em lei. Diante disso, a ingestão de alimento com corpo estranho consiste em circunstância apta a caracterizar dano moral

Consumidora encontrou barata dentro de lata de suco
Reprodução

Esse argumento foi usado pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais para condenar uma empresa a indenizar uma consumidora que ingeriu um suco em lata da marca que continha uma barata no interior.

No voto, o relator do processo, desembargador Pedro Bernardes, afirmou que um produto é defeituoso quando não oferece a segurança esperada aos usuários, conforme previsto no Código de Defesa do Consumidor.

Além disso, segundo Bernardes, o CDC também prevê que é responsabilidade do fabricante reparar qualquer dano causado ao consumidor por defeitos vindos de fabricação, como é o caso dos autos.

O desembargador rejeitou o argumento da defesa da empresa de que o dano não foi comprovado pela perícia e que, portanto, ela não tem o dever de indenizar. Segundo o relator, a consumidora não pode ter a reparação impedida unicamente pela ausência de comprovação do defeito pela perícia.

Acrescentou ainda o magistrado que a empresa não conseguiu demonstrar a inexistência de defeito no produto e citou o relato de duas testemunhas que afirmaram ter visto a mulher ingerindo o suco e, depois, o inseto na bebida.

Diante do exposto, os desembargadores da 9 ª Câmara Cível do TJ-MG julgaram razoável o valor de R$ 5 mil, estipulado em primeira instância, para reparar a consumidora pelos transtornos suportados. Com informações da assessoria de imprensa do TJ-MG.

Processo 1.0145.13.061439-2/001

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Teleaudiência não precisa de autorização das partes, decide TJ-SP

O Tribunal de Justiça de São Paulo editou um novo provimento que exclui a necessidade de concordância prévia das partes para realização das teleaudiências durante a epidemia de Covid-19, conforme previsto pela Resolução CNJ 314/2020, que traz redação semelhante.

TJ-SPTJ-SP exclui necessidade de autorização das partes para teleaudiências na epidemia

O TJ-SP levou em consideração que a regra do artigo 6º, §3º, da Resolução CNJ 314/2020, não condiciona a realização das audiências por videoconferência em primeiro grau, durante o período do sistema remoto de trabalho, ao prévio consentimento das partes.

“Poderão ser realizadas audiências por videoconferência, observada, nesse caso, a possibilidade de intimação e de participação das partes e testemunhas no ato, por meio do link de acesso da gravação junto ao Microsoft OneDrive, a ser disponibilizado pelo juízo, observadas as demais disposições dos Comunicados CG 284/2020 e 323/2020”, diz o provimento.

Leia o novo provimento do TJ-SP:

“PROVIMENTO CSM Nº 2557/2020

O CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA, no uso de suas atribuições legais (artigo 16, XVII, do RITJSP),

CONSIDERANDO que a atividade jurisdicional é essencial e ininterrupta, nos termos do art. 93, XII da Constituição Federal, devendo assegurar-se sua continuidade durante o Sistema Remoto de Trabalho, sempre que possível, por meios eletrônicos ou virtuais, o que também se aplica às audiências;

CONSIDERANDO que, nos termos do art. 3º, §2º, da Resolução CNJ 314/2020, e do art. 2º, §1º, do Provimento CSM 2554/2020, compete às partes apontar as impossibilidades técnicas ou práticas que eventualmente impeçam a realização dos atos processuais por meio eletrônico ou virtual, cabendo ao juiz, na sequência, decidir fundamentadamente acerca da matéria;

CONSIDERANDO que a regra do art. 6º, §3º, da Resolução CNJ 314/2020, não condiciona a realização das audiências por videoconferência em primeiro grau de jurisdição, durante o período do Sistema Remoto de Trabalho, ao prévio consentimento das partes.

RESOLVE:

Art. 1º. O §4º do art. 2º do Provimento CSM 2554/2020 passa a contar com a seguinte redação:

“Art. 2º. ………………………………………………………………………..

§4º. Poderão ser realizadas audiências por videoconferência, observada, nesse caso, a possibilidade de intimação e de participação das partes e testemunhas no ato, por meio do link de acesso da gravação junto ao Microsoft OneDrive, a ser disponibilizado pelo juízo, observadas as demais disposições dos Comunicados CG nº 284/2020 e nº 323/2020.”

Art. 2º. Este provimento entra em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário.

PUBLIQUE-SE. REGISTRE-SE. CUMPRA-SE.

São Paulo, 12 de maio de 2020″

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Antonio Ruiz Filho: Nova disciplina da prisão preventiva

No final de 2019 entrou em vigor a Lei nº 13.964/19 que, alterando o Código Penal, e o seu processo, também impôs nova disciplina às medidas cautelares, especialmente no que se refere à prisão preventiva.

Ao Direito Penal incumbe estabelecer condutas proibidas e as sanções a serem atribuídas aos infratores. A finalidade do Direito Processual Penal é a tutela das liberdades individuais contra os poderes persecutórios do Estado.

Por isso, o processo penal, com apoio constitucional, consagra a paridade de armas, a proibição de utilizar provas ilícitas, o contraditório, a ampla defesa, estabelecendo um complexo de normas que visam a assegurar ao cidadão a oportunidade de se opor à imputação da culpa criminal; trata-se do devido processo legal, que são garantias processuais a serviço da inocência.

Essas balizas, a que todos devem submeter-se, estão atreladas ao conceito de Estado Democrático de Direito, assim reconhecido no preâmbulo da nossa Constituição Federal.

Nesse contexto, já tardava que se fizesse uma reforma relativa às prisões provisórias, hoje estimadas em torno de 40% da população carcerária. Apenas esse dado já era indicativo de que o sistema clamava por urgente reformulação.

A nova redação do art. 282, § 2º, do CPP, deixa claro que a prisão por decisão de ofício deixou de existir, pois o juiz passa a depender de iniciativa das partes ou de representação da autoridade policial.

O art. 311 do CPP também veda a prisão decretada ex officio.

Regra legal nº 1: os juízes, em qualquer hipótese, estão impedidos de mandar prender sem provocação das partes que lhes outorgue essa faculdade.

O § 3º, do art. 282, do CPP, refere que a decretação de medidas cautelares em geral, ressalvados “os casos de urgência e perigo”, “deverão ser justificados e fundamentados em decisão que contenha elementos do caso concreto que justifiquem essa medida excepcional”.

Isto já deveria ser assim, mas, agora, tais exigências estão positivadas na lei, de sorte a inviabilizar decreto prisional que não as adote.

No caso de descumprimento de outras imposições, o § 4º, do art. 282 do CPP, possibilita a prisão preventiva a pedido, apenas “em último caso”.

Regra legal nº 2: as decisões pela prisão preventiva devem conter elementos do caso concreto que justifiquem a aplicação de medida considerada excepcional e, portanto, a ser decretada apenas em último caso.

O § 5º, do artigo 282, do CPP, permite ao juiz que revogue a prisão de ofício ou a substitua por medidas cautelares mais brandas, quando “verificar a falta de motivo para que subsista”. O mesmo dispositivo parece admitir que o juiz volte a decretá-la “se sobrevierem razões que a justifiquem”. Contudo a regra geral das cautelares impõe que haja provação das partes nesse sentido. Caso contrário, o juiz terá de permanecer inerte.

Regra legal nº 3: a prisão deve ser revogada de ofício ou substituída por medidas cautelares mais brandas se deixarem de existir razões que justifiquem a conduta excepcional.

Na sequência, o § 6º, do art. 282, do CPP, condiciona a prisão preventiva, que “somente será determinada” quando não for possível a substituição por outra medida cautelar do art. 319, o que “deverá ser justificado de forma fundamentada nos elementos presentes do caso concreto, de forma individualizada”.  

O citado dispositivo já trazia essa recomendação, que foi, no entanto, sistematicamente ignorada, sendo necessário tornar expressa a exigência.

Regra legal nº 4: a prisão preventiva será cabível apenas quando não for possível a aplicação de medida diversa, entre aquelas previstas pelo artigo 319 do CPP, fundada em elementos concretos e que possam ser atribuídas por circunstâncias individualmente reconhecidas, de modo a tornar evidente que nada além da prisão é suficiente para acautelar o processo ou a sociedade.

O artigo 283 do CPP, objeto de muita discussão, foi encurtado, mas mantido na essência. Sobre a impossibilidade de prisão para cumprimento de pena, o artigo 313, § 2º, do CPP, afirma: “Não será admitida a decretação da prisão preventiva com a finalidade de antecipação de cumprimento de pena ou como decorrência imediata de investigação criminal ou da apresentação ou recebimento de denúncia”.

Neste ponto, inclua-se a prisão decorrente de pronúncia, de modo que a Súmula 21 do STJ[1] tornou-se sem aplicação.

Regra legal nº 5: não existe prisão provisória possível para o cumprimento de pena, real ou disfarçado, nem pode ser decretada como decorrência natural da evolução das fases processuais.

Os artigos 287 e 310 do CPP incluem a audiência de custódia no direito positivo, até aqui prevista apenas por meio de resolução do CNJ[2]. A rápida avaliação do juiz sobre manter o investigado ou acusado preso vem ocasionando a libertação imediata de inúmeras pessoas, que ficariam encarceradas por meses sem necessidade.

Regra legal nº 6: todo preso será apresentado ao juiz competente, em 24 horas, para a realização da audiência de custódia, com o objetivo de verificar a necessidade de manutenção da prisão provisória.

Incluiu-se, no art. 312 do CPP, um novo pressuposto para a prisão preventiva, o “perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado”. O conceito é vago, o que vai dificultar a sua aplicação.

Criou-se o § 2º para o artigo 312 do CPP, cuja redação estabelece que: “a decisão que decretar a prisão preventiva deve ser motivada e fundamentada em receio de perigo e existência concreta de fatos novos e contemporâneos que justifiquem a aplicação da medida adotada”.

Fato contemporâneo é aquele que se relaciona com o momento da prisão ou subsiste no tempo desde a sua decretação. Assim, acontecimentos pretéritos ou os fatos primitivos que geraram o decreto inicial não são válidos para admitir a prisão cautelar ou a sua manutenção, se os efeitos tiverem cessado ou se esvaído, perdendo a característica de contemporaneidade.

O § 1º, do art. 315, do CPP, repete o binômio “fatos novos ou contemporâneos”.

Regra legal nº 7: o possível infrator, contra quem cabe prisão preventiva, deve oferecer perigo concreto e atual, de maneira que sua liberdade importe em risco provado, para os fins do processo ou para a proteção da paz social.

O caput do art. 315 do CPP impõe que “A decisão que decretar, substituir ou denegar a prisão preventiva será sempre motivada e fundamentada”, com elementos concretos, os motivos, mediante adequada fundamentação legal.

O novo § 2º, do art. 315, do CPP, reprodução do art. 489 do CPC, traz um rol de obviedades, mas que são frequentemente desatendidas. Os erros ali descritos, se cometidos, invalidam a decisão.

Regra legal nº 8: a decisão que promova mudança do status libertatis deverá ser suficientemente motivada e fundamentada, sob pena de nulidade.

Pelo art. 316 do CPP, permite-se a revogação da prisão preventiva de ofício pelo juiz ao “verificar a falta de motivo para que subsista” (ausência de contemporaneidade). Entretanto, não poderá agir sem provocação das partes para decretar nova prisão, conforme os artigos 282, § 2º, e 311, do CPP.

Regra legal nº 9: o juiz deve revogar a prisão cujos motivos se mostrem insubsistentes, mas não pode tornar a decretá-la de ofício, e nem deixar de expor os motivos concretos e contemporâneos de validação, além de afastar a suficiência de medidas cautelares diversas da prisão.

O parágrafo único do art. 316 do CPP criou regra com a seguinte redação: “Decretada a prisão preventiva, deverá o órgão emissor da decisão revisar a necessidade de sua manutenção a cada 90 (noventa) dias, mediante decisão fundamentada, de ofício, sob pena de tornar a prisão ilegal”.

A revisão do despacho que deu origem à prisão, como se observa, deve ser promovida de ofício, e o descumprimento dessa obrigatória revisão gera a ilegalidade do decreto prisional. 

Cumpre enfatizar que o estabelecimento desse prazo de 90 dias, pela leitura sistemática dos novos dispositivos processuais, impõe “revisão de necessidade” cujo despacho não pode ser fruto do frequente “copia e cola”, novamente observadas todas as orientações do art. 315 do CPP. Decisão assim mantida haverá de ser considerada absolutamente ilegal.

Revisar significa passar em revista, rever, reexaminar todos os elementos antes considerados para o decreto inicial de prisão preventiva.

A partir da excepcionalidade, expressa de forma abundante nos dispositivos da Lei nº 13.963/19, as prisões cautelares finalmente devem ser reduzidas ao mínimo, para que, de uma vez por todas, cessem os abusos, não apenas quanto à utilização, mas também quanto à duração por prazo excessivo.

Diante de tantas exigências legais para justificar um decreto prisional de índole cautelar, não faria o menor sentido permitir que a prorrogação da prisão preventiva para além dos 90 dias — cuja provisoriedade impõe que seja rápida, breve, efêmera, precária —, fosse derivada de simples renovação ou mera ratificação da decisão cautelar anterior.

Nesse ambiente de expressa excepcionalidade, depois de afastada a possibilidade da aplicação do rol de todas as outras medidas cautelares previstas pelo artigo 319 do CPP, a prisão preventiva poderá perdurar por 90 dias; ao final desse prazo deverá ser criteriosamente avaliada ainda de forma mais exigente por se tratar de ato revisional obrigatório.

Essas prisões provisórias que se eternizam no tempo e em tudo se assemelham a cumprimento antecipado de pena sem julgamento definitivo de mérito, agora expressamente proibidos na lei, devem deixar de existir.

É evidente que, depois de tantos anteparos para a decretação da medida de força de especial excepcionalidade, o parágrafo único do art. 316 do CPP remete a 90 dias, naturalmente, o prazo máximo da prisão preventiva a partir de agora. Aliás, durante muito tempo a duração da prisão provisória foi de 81 dias[3]. Ao final desse período, mesmo sem força de lei, a soltura era praticamente imediata.

Com o passar dos anos esse limite temporal foi sendo abandonado e se permitindo prisões provisórias de muitos meses e até de vários anos, o que não se pode mais admitir.

Se a decisão original de prisão preventiva, ante a nova sistemática, há de ser extremamente bem motivada e fundamentada, com o apontamento de fatos concretos de urgência, perigo e contemporaneidade (art. 282, º 3º, 312 e 315, § 1º, do CPP), e, ainda, com os rigores estabelecidos por vários dispositivos de contenção (art. 315, § 2º, I a IV, do CPP), o que se dirá em relação ao despacho que decide pela sua revalidação depois de três meses de duração?

Regra legal nº 10: a prisão preventiva tem prazo certo de 90 dias, devendo sua prorrogação, de caráter excepcionalíssimo, ser obrigatoriamente revisada após esse período e ser mantida apenas diante de circunstâncias ainda mais especiais, mediante o apontamento de motivos concretos e contemporâneos, uma vez mais afastando-se a possibilidade e suficiência de outras cautelas.

Eis o decálogo das novas diretrizes para a prisão preventiva. 

Ainda, o descumprimento dessas novas regras legais, mediante a comprovação do exigido dolo específico, deverão ser enquadradas como crimes de abuso de autoridade (Lei nº 13.869/19), sendo responsabilizado penalmente o juiz que decretar privação da liberdade em manifesto desacordo com as hipóteses legais (art. 9º, caput), ou que, dentro de prazo razoável, deixe de relaxar prisão manifestamente ilegal (art. 9º, I), de substituir a prisão preventiva por medida cautelar diversa ou de conceder liberdade provisória, quando manifestamente cabível (art. 9º, II).

Tudo isso elevará a qualidade da nossa Justiça criminal, que se tornará mais célere e eficiente, em prol da proteção social e do respeito aos direitos individuais.

 


[1] Súmula 21 do STJ: “Pronunciado o réu, fica superada a alegação do constrangimento ilegal da prisão por excesso de prazo da instrução”.

[2] Resolução nº 213/2015, do Conselho Nacional de Justiça: “Dispõe sobre a apresentação de toda pessoa presa à autoridade judicial no prazo de 24 horas”.

[3] “(…) A demora na formação de culpa, excedendo os 81 dias, sem motivo dado pela defesa, caracteriza constrangimento ilegal. Habeas deferido.” – STF, HC 78978/PI, Rel. Min. NELSON JOBIM: 09/05/2000.

 é advogado criminalista, ex-presidente da Associação dos Advogados de São Paulo (Aasp), foi conselheiro e diretor da seccional paulista da OAB e presidente da Comissão de Direitos e Prerrogativas. Também foi diretor-adjunto do Instituto dos Advogados de São Paulo (Iasp) por duas gestões.

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Thaís Oliveira: Dispensa de licitação e “Lei do Coronavírus”

A imprevisível crise da pandemia do novo coronavírus gera fortes impactos sociais, econômicos e políticos. Por consequência, o regime de contratações públicas foi cabalmente afetado, em diversos âmbitos. Diante desse cenário, o poder público precisa adotar medidas urgentes para solução de problemas extraordinários de várias ordens. A urgência da situação clama pela flexibilização dos trâmites e exigências nos procedimentos administrativos.

Nesse contexto, foi publicada a Lei n.º 13.979/2020, popularmente conhecida como “Lei do Coronavírus”, que prevê nova hipótese de dispensa de licitação:

Artigo 4º — É dispensável a licitação para aquisição de bens, serviços, inclusive de engenharia, e insumos destinados ao enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus de que trata esta Lei”.

O §1º do supracitado artigo 4º estabelece que essa hipótese de dispensa é temporária, aplicando-se apenas enquanto perdurar a emergência de saúde pública. Trata-se, portanto, de lei excepcional, conforme prevê a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro. Segundo os juristas Luciano Elias Reis Marcus e Vinícius Reis de Alcântara, tal prazo não poderá ser superior ao que for declarado pela OMS [1].

Cumpre ressaltar que a referida lei é uma norma geral de licitações e contratos públicos, nos termos do artigo 22, XXVII, da Constituição Federal. Aplica-se, portanto, a Administração Pública direta e indireta, além de abranger todos os entes federativos, que poderão regulamentá-la, considerando suas respectivas competências. Importante esclarecer que, embora as estatais sejam regidas atualmente pela Lei 13.303/2016, a hipótese de dispensa também se aplica a estas, pois o diploma abrange todo e qualquer contrato necessário ao enfrentamento da emergência de saúde pública [2].

Frisa-se que essas contratações de objetos relacionados à solução da crise de enfrentamento não dispensam a observância aos princípios regentes da Administração Pública. Nesse sentido, leciona o professor Marçal Justen Filho:

A pandemia pode gerar situações de atendimento imediato, insuscetível de aguardar dias ou horas. Basta considerar hipóteses em que instalações ou serviços de terceiros sejam indispensáveis para tentar evitar o óbito de um sujeito ou para impedir a disseminação do vírus. É evidente que as regras constitucionais, que privilegiam o atendimento às necessidades coletivas e a realização do interesse público, impõem a adoção de medidas práticas e efetivas por parte da Administração Pública, independentemente, de formalização num procedimento administrativo burocrático” (JUSTEN FILHO, 2020, pg. 2) [3].

O princípio da publicidade deve ser cabalmente observado, conforme dispõe o artigo 4º §2º, devendo o procedimento ser publicado em sítio oficial específico na rede mundial de computadores (internet). Os professores Luciano Elias Reis e Marcus Vinícius Reis de Alcântara entendem que não é necessária a publicação em imprensa oficial, por não haver menção à utilização subsidiária da Lei nº 8.666/1993, além de considerarem a publicidade na internet mais eficaz e transparente do que a realizada no diário oficial [4].

Importante ressaltar que a lei não abre a possibilidade de dispensa de licitação para nenhuma outra necessidade pública senão às inerentes ao combate da  pandemia, no que se refere à “emergência de saúde pública”. Desse modo, é necessário avaliar se a hipótese de contratação realmente tem como causa à situação de calamidade, sob pena de burlar o dever constitucional de licitar.

As hipóteses de contratação direta no ordenamento jurídico brasileiro, em regra, são dispostas na Lei 8.666/93. A MP 926/2020, em seu artigo 4º-B, traz um elenco de situações com presunção absoluta de atendimento aos requisitos de contratação direta: a) ocorrência de situação de emergência; b) necessidade de pronto atendimento da situação de emergência;  c) existência de risco a segurança de pessoas, obras, prestação de serviços, equipamentos e outros bens, públicos ou particulares;  e d) limitação da contratação à parcela necessária ao atendimento da situação de emergência.      

Presume-se, portanto, preenchidas as circunstâncias autorizadoras de contratação direta, nas hipóteses listadas pelo supracitado dispositivo legal. O legislador teve a intenção de proteger o gestor público e o contratante de eventual responsabilização por eventual alegação de que a hipótese contratada não se trata de emergência ou calamidade pública.

A decisão se mostra necessária na medida em que a realização de um procedimento licitatório poderia inviabilizar o objeto do contrato, considerando a morosidade, seja na fase interna ou externa. Marçal Justen Filho leciona, contudo, que “alguma espécie de emergência deve existir para autorizar a dispensa de licitação”. A hipótese de dispensa não abrange um procedimento de contratação em que o serviço ou produto não possam ser efetivado em um curto intervalo de tempo.

Não obstante, a contratação direta deve observar os  princípios e normas básicas que regem a Administração Pública, de modo a atender a contratação mais vantajosa, isonomia, transparência e publicidade. Desse modo, necessária a abertura de um procedimento administrativo, para análise de preços de obras e serviços, sempre atendendo ao princípio da motivação, justificando a escolha do objeto e preço contratado.

O artigo 8º do Decreto Federal nº 10.024/2019 prevê, entre outras exigências, a apresentação de estudos preliminares nos processos que envolvem o pregão eletrônico. O artigo 4º-C da MP 926/2020, por sua vez, dispensou a elaboração destes estudos preliminares, quando se tratar de “bens e serviços comuns”. O conceito de bem ou serviço  comum é trazido pela Lei 10.520/2002, que define como “aqueles cujos padrões de desempenho e qualidade possam ser objetivamente definidos pelo edital, por meio de especificações usuais de mercado”.

O artigo 4º-E da “Lei do Coronavírus” estabelece um procedimento simplificado para contratações, admitindo a apresentação do “termo de referência simplificado ou de projeto básico simplificado”. Exigem-se, no entanto, algumas condições para o termo como: a) declaração do objeto; b) fundamentação simplificada da contratação; c) descrição resumida da solução apresentada; d) requisitos da contratação; e) critérios de medição e pagamento; f) estimativas dos preços obtidos; e g) adequação orçamentária.

Em relação à estimativa de preços, a lei impõe o atendimento a, no mínimo, um dos parâmetros estabelecidos pelas alíneas do inciso VI, do §1º do artigo 4º-E, quais sejam: a) Portal de Compras do Governo Federal; b) pesquisa publicada em mídia especializada; c) sítios eletrônicos especializados ou de domínio amplo; d) contratações similares de outros entes públicos; ou e) pesquisa realizada com os potenciais fornecedores.

Não obstante, o §2º do artigo 4º-E excepciona a exigência do atendimento a tais parâmetros: “Excepcionalmente, mediante justificativa da autoridade competente, será dispensada a estimativa de preços de que trata o inciso VI do caput”. Essa exceção se aplica apenas a situações excepcionalíssimas, que não permitem a pesquisa da estimativa quanto ao preço.

“Artigo 4º-E, § 3º — Os preços obtidos a partir da estimativa de que trata o inciso VI do caput não impedem a contratação pelo Poder Público por valores superiores decorrentes de oscilações ocasionadas pela variação de preços, hipótese em que deverá haver justificativa nos autos. (Incluído pela Medida Provisória nº 926, de 2020)

4º-F  Na hipótese de haver restrição de fornecedores ou prestadores de serviço, a autoridade competente, excepcionalmente e mediante justificativa, poderá dispensar a apresentação de documentação relativa à regularidade fiscal e trabalhista ou, ainda, o cumprimento de um ou mais requisitos de habilitação, ressalvados a exigência de apresentação de prova de regularidade relativa à Seguridade Social e o cumprimento do disposto no inciso XXXIII do caput do artigo 7º da Constituição”.

    Esse dispositivo é aplicável apenas quando não houver outro modo de atender a necessidade pública, senão contratando as empresas sem a regularidade fiscal ou trabalhista ou mais de um requisito para habilitação.

    Marçal Justen Filho leciona: “Admite-se o afastamento de apenas alguns requisitos de habilitação ou da sua generalidade. Anote-se que a MP 926, ressalvou os requisitos de habilitação exigíveis em nível constitucional. Não se admite a contratação de sujeitos em débito com a seguridade social ou que infrinjam limites atinentes à utilização do trabalho de menores” [5].

    Por fim, o artigo 4º-G da “Lei do Coronavírus” prevê disposições relativas à modalidade de licitação pregão:

    “Artigo 4º-G  Nos casos de licitação na modalidade pregão, eletrônico ou presencial, cujo objeto seja a aquisição de bens, serviços e insumos necessários ao enfrentamento da emergência de que trata esta Lei, os prazos dos procedimentos licitatórios serão reduzidos pela metade. 

    § 1º  Quando o prazo original de que trata o caput for número ímpar, este será arredondado para o número inteiro antecedente.

    § — Os recursos dos procedimentos licitatórios somente terão efeito devolutivo”.

    Marçal aponta que essa previsão do artigo 4º-G denota que nem sempre será necessário ao Administrador Público adotar a dispensa de licitação. Desse modo, a administração pode se utilizar também do pregão simplificado. O administrativista aponta o problema hermenêutico gerado, na medida em que  a lei trouxe presunções absolutas da possibilidade de dispensa para situações emergência [6]. Para compatibilizar o possível problema gerado, entende-se que existe competência discricionária da Administração Pública, para escolher entre as duas alternativas, tendo em vista o caso concreto. Para casos mais urgentes, o poder público poderá se valer da contratação direta. Para casos menos urgentes, o poderá ser realizado o pregão, se não houver risco para o interesse público.

    Se for realizado o pregão, este pode ser feito de modo simplificado, ou seja, adotando-se o termo de referência simplificado, trazido pela MP 926, além de prazos reduzidos pela metade e recursos apenas no efeito devolutivo. Assim, a lei do pregão, que prevê prazo mínimo de oito dias úteis entre a publicação do edital e o recebimento das propostas, será reduzido para quatro dias úteis.

    O prazo de apresentação das razões recursais passará a ser de um dia  útil. O  prazo de até três dias úteis anteriores à data de abertura da sessão pública para impugnação do edital, previsto pelo Decreto 10.024, será reduzido para apenas um dia útil.

    Por fim, cumpre ressaltar que a “Lei do Coronavírus” não afasta por completo o artigo 26 da Lei 8.666/93, que prevê formalidades a serem observadas na dispensa de licitação. Desse modo, a justificativa dos objetos contrato, sujeito e preço continua plenamente exigível, além da observância de todos os princípios regentes da Administração Pública. Por outro lado, os órgãos de controle deverão levar em consideração todos os obstáculos práticos enfrentados pela Administração, ao analisar as hipóteses de contratação direta, enquanto perdurar a crise do coronavírus.

    Referências bibliográficas
    FURTADO, Lucas Rocha. Curso de licitações e contratos administrativos. 6. ed. rev. atual. e ampl. Belo Horizonte: Fórum, 2015.

    JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 16. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014.

    JUSTEN FILHO, Marçal. Efeitos Jurídicos da Crise sobre as Contratações Administrativas, 2020. Disponível em: < https://www.justen.com.br/pdfs/IE157/IE%20-%20MJF%20-%20200318-Crise.pdf >. Acesso em 21/4/2020.

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