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Lívia Machado: Recuperação judicial pode salvar empresas

Opinião

Recuperação judicial é uma solução imediata e capaz de salvar empresas

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O cenário momentâneo trouxe dificuldades para pequenas, médias e grandes empresas. Mesmo que as políticas públicas, as ações em saúde e todos os esforços da comunidade internacional contribuam para reduzir os impactos da crise gerada pela pandemia da Covid-19, as consequências serão inevitáveis.

E isso não expressa um pessimismo. Pelo contrário, os empreendedores brasileiros estão esperançosos e batalhando pelos seus negócios. A vontade de prosperar é igual ou maior do que aquela observada no período antes da descoberta da Covid-19, mas os efeitos da paralisação de algumas atividades chegarão a todos. O empresariado deve esperar o pior ocorrer para tomar uma decisão? É certo que não. É preciso aproveitar as oportunidades que a legislação oferece para que os empreendimentos possam permanecer em atividade.

A verdade é que ainda existem mecanismos capazes de salvaguardar as empresas nacionais, como a recuperação judicial (RJ), regulamentada pela lei Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005. E, durante a pandemia, várias decisões de magistrados nacionais deram esperança a esses negócios. É o caso dos adiamentos de assembleias-gerais de credores, prorrogações da suspensão de execuções e arrestos de bens propostos por credores, proibições de fiscalizações por parte de administradores judiciais, medidas protetivas para impedir cortes no fornecimento de água, energia e gás encanado e ainda possibilidades para parcelamentos e prorrogações de dívidas.

É certo que ninguém, nem mesmo os advogados, gostaria que os empresários estivessem nessa situação e pessoa alguma queria ver o mundo, consequentemente o Brasil, em meio a uma pandemia sem precedentes e que colocará em xeque negócios, empregos e a situação socioeconômica de milhões de brasileiros. É preciso pensar, porém, que, enquanto uma solução definitiva no campo da ciência não é encontrada, não dá para tapar o sol com a peneira.

A Lei da Recuperação Judicial existe e a corrente ainda está a favor do empresariado. Apesar de não ser o cenário desejado por muitos, a RJ pode ser uma solução imediata e capaz de salvar empresas. É uma forma de preservar o patrimônio de uma vida toda e ainda beneficiar trabalhadores, com preservação de emprego e renda. Afinal de contas, a crise passa, mas os negócios podem permanecer sendo fonte de desenvolvimento para o país.

Lívia Maria Machado F. Queiroz é advogada especialista em recuperação judicial e associada ao escritório Mestre Medeiros — Advogados Associados.

Revista Consultor Jurídico, 12 de maio de 2020, 11h01

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Miranda da Silva: Contratos de locação comercial e a Covid-19

As medidas de contenção que visam evitar a propagação do novo coronavírus no Brasil, que foram tomadas pelo Governo Federal, Estadual e Municipal, suspendeu e limitou a atividade comercial em vários ramos da economia, inviabilizando a obtenção regular de lucro ou até mesmo a cessando por completo. Isto se deu não só pelos decretos que impediram a abertura dos estabelecimentos em todo país, mas também à recomendação de permanência dos consumidores em suas residências, fato que por si só já prejudicou os negócios desenvolvidos em razão da queda na procura por bens e serviços.

Assim, as medidas afetaram diretamente grandes e pequenos empreendedores no sentido de que honrassem seus contratos, afetando inclusive aquela religiosa quantia destinada mensalmente ao pagamento do aluguel do imóvel compreendido como estabelecimento comercial. Com o impacto econômico que tem dificultado o cumprimento das obrigações por parte desses comerciantes, como o Poder Judiciário Brasileiro tem enfrentado as demandas decorrentes da situação controvertida entre locatários e locadores?

Obviamente, não têm sido pequena a quantidade de dúvidas contratuais levantadas durante a pandemia provocada pela Covid-19. Do mesmo modo, são inúmeros os estudos que objetivam diminuir as dúvidas surgidas neste campo. De acordo com o Código Civil, o devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado. A partir da análise, vislumbra-se na doutrina que para a configuração do caso fortuito ou força maior, é necessário que sejam verificados os seguintes requisitos: o fato deve ser necessário, não determinado por culpa do devedor, pois, se há culpa, não há caso fortuito; a reciprocamente, se há caso fortuito, não pode haver culpa, na medida em que um exclui o outro; o fato deve ser superveniente e inevitável; e de que o fato deve ser irresistível, fora do alcance do poder humano.

Sendo assim, podemos concluir que, diante de hipóteses de exclusão de responsabilidade civil, é possível que seja reconhecida, em favor de ambos os contratantes, a exclusão de responsabilidade civil, motivada pela inevitabilidade e imprevisibilidade das circunstâncias, como no caso da pandemia causada pela Covid-19, pois, conforme prevê o Código Civil, o nexo causal nas obrigações e responsabilidades advindas das relações locatícias diretamente afetadas pela pandemia seria rompido, afastando, inclusive, a constituição do devedor em protesto.

Pois bem. Antes de verificar a aplicabilidade dessas hipóteses (de exclusão de responsabilidade) na atual crise provocada pela pandemia na seara contratual, convém relembrar que nos moldes do artigo 18 da Lei 8.245/91 (Lei do Inquilinato) tem-se a expressa previsão de que as partes em comum acordo podem renegociar um novo valor de aluguel, o qual também as dá a prerrogativa de modificar a cláusula de reajuste do valor. Assim, com base na boa fé e no bom senso face à pandemia instaurada, entendidas aqui como uma obrigação que se estende a todos os indivíduos nas relações civis, sejam estes pessoas físicas ou jurídicas, o que se espera é que tal acordo seja gesticulado no âmbito administrativo e extrajudicial, onde as partes em consenso poderão flexibilizar as regras obrigacionais decorrentes do contrato de locação, para que todos juntos alcancem o objetivo principal dos tempos atuais: a superação da crise.

Deste modo, sem que haja maiores prejuízos e utilizando para isto o debate, a cooperação e a conciliação desses contratos pode levar em consideração o fato de que muitos estabelecimentos tiveram seu faturamento zerado e, por outro lado, a situação econômica dos locadores de estabelecimentos comerciais, que muitas vezes tem no valor que lhes é pago a título de aluguel como renda primária, não podendo simplesmente dispor dessas quantias em razão de estarem elas vinculadas diretamente à sua subsistência.

Mas se a negociação entre o locador e locatário não tiver resultados positivos, mesmo explícitos os motivos que justificariam tal acordo? A temática se torna densa neste ponto, pois indubitavelmente não restará alternativa senão a provocação do Poder Judiciário para dirimir a controvérsia. As partes podem propor ação revisional de aluguel, cujo requisito temporal é de três anos de vigência de contrato ou do acordo anteriormente realizado entre as partes, nos moldes da Lei do Inquilinato, requisito temporal que pode ser afastado face à excepcionalidade de força maior ou caso fortuito, com base na Teoria da Imprevisão, que considera que quando, por motivos imprevisíveis, acontecer uma desproporção entre o valor da prestação devida e o momento de sua execução, o juiz poderá corrigir o valor. No mesmo sentido, o Código Civil determina que nos contratos de execução continuada, se a prestação se tornar excessivamente onerosa para uma das partes, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, é possível pleitear por sua revisão.

Pioneira na análise de pedidos de redução do valor da prestação de aluguel por motivo da pandemia causada pela Covid-19, a 25ª Vara Cível de Brasília concedeu tutela antecipada para limitar o adimplemento do contrato de aluguel apenas no contexto de faturamento da empresa requerente. Também no mesmo sentido, a 22ª Vara Cível do Foro Central de São Paulo concedeu a redução de 70% do valor do aluguel ao inquilino. Analisando as primeiras decisões, ficou claro que a flexibilização na prestação dos aluguéis depende do fato de a atividade desenvolvida pelo locatário, no imóvel locado, ter sido diretamente atingida com o caso fortuito/força maior em razão da pandemia. Nas decisões avaliadas foram consideradas circunstâncias como: a queda no faturamento da empresa por conta de ato oficial que impediu sua atividade; as condições financeiras do locatário diante da situação pandêmica, isto é, se ele de fato não conseguiria adimplir o aluguel; a situação do locador, se pessoa física ou empresa e a sua dependência em relação aos valores auferidos a título do aluguel do imóvel; e se há outras obrigações a serem cumpridas e que são consideradas de maior urgência, como contratos trabalhistas.

Diante dos fatos expostos, ressalta-se da importância de cooperação entre as partes nos contratos de aluguel comercial, sobretudo para que se evite uma quantidade exorbitante de ações no Poder Judiciário, já sobrecarregado, para que se estabeleça um consenso que pode muito bem ser ajustado entre locador e locatário. Vivemos em tempos de crise e isto não compõe novidade. A Ciência do Direito tem por base as relações fundadas nas ciências sociais, esta que vê no indivíduo e na sua conduta a principal causa para sistematizar paradigmas e estabelecer princípios. Considerando isso, é legítima e necessária, nos tempos atuais, a afirmação de necessidade de cooperação nos contratos de locação de imóveis, sobretudo aos destinados ao comércio, considerando o desequilíbrio inevitavelmente instaurado em diversos institutos da seara contratual por conta da Covid-19.

Rafael S. Miranda da Silva é advogado especialista em Direito do Consumidor e atua no Escritório Ribeiro, Goulart, Iurk & Ferreira da Costa Advogados.