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Toron: O HC substitutivo de Recurso Ordinário e a 3ª Seção do STJ

Uma questão instrumental sacudiu o julgamento do HC nº 535.063 realizado pela 3ª Seção do STJ na sessão desta quarta-feira (10/6). O ministro Sebastião Reis Jr. trouxe um tema da maior importância: saber se o conceito de insignificância aplicável pela jurisprudência aos tributos federais sonegados também o pode no caso dos impostos estaduais. O assunto foi ventilado pelo conceituado advogado Leonardo Massud e, de saída, o presidente da seção, ministro Nefi Cordeiro, adiantou que, ressalvada a posição do ministro Rogério Schietti, o colegiado estava a conceder a ordem. O advogado, inteligentemente, desistiu da sustentação oral.

Ocorre que o ministro Reynaldo Soares da Fonseca levantou uma questão de ordem sustentando que o Habeas Corpus não deveria ser conhecido porque se tratava de impetração substitutiva do recurso ordinário, mas “concedido de ofício”. Houve um acendrado debate, apesar da advertência de vários ministros de que o quórum não estava completo para se decidir a questão de ordem. O ministro Rogério Schietti, como noticiou a ConJur (“3ª Seção do STJ acolhe questão de ordem para negar jurisprudência sobre HC”), ponderou (corretamente, diga-se) que o não-conhecimento “cria um embaraço até para fins estatísticos. Temos dificuldade de identificar quando houve a denegação ou o efetivo não-conhecimento, além das hipóteses de manifesto descabimento”.

Deixemos de lado o problema estatístico, que é real e importante, e também o igualmente relevante fato, sobretudo para uma corte que se pretende “de precedentes”, de que o Pleno do STF, ao julgar o HC 152.752, relatado pelo ministro Edson Fachin, firmou o entendimento de que “é admissível, no âmbito desta Suprema Corte impetração originária substitutiva de recurso ordinário constitucional” (DJe 27/6/2018). Esqueçamos também a estranheza de se conceder uma ordem de ofício, mas nos termos em que pedida.

Poderia ser que os defensores do não-conhecimento da ordem substitutiva do recurso ordinário tivessem algum argumento de natureza dogmática, científica, a alicerçar seu posicionamento. Mas não! O que se ouviu é que a 1ª Turma do STF, embora majoritariamente, continuava a “não conhecer” e que, na 2ª, talvez a ministra Carmen Lúcia tivesse o mesmo posicionamento. Decepcionante. Argumento de autoridade por autoridade, melhor seria seguir a orientação definida pelo Pleno do STF no citado HC nº 152.752 (caso Lula). Quanto à ministra Carmen Lúcia, é bom dizer que no julgamento do HC nº 157.627, do famigerado caso da cronologia da entrega dos memoriais, que a 5ª Turma do STJ não havia conhecido, ela conheceu e concedeu a ordem.

Mas o ponto é outro! A gênese da confusão está em querer ressuscitar pela via exegética uma proibição que não existe na Constituição de 1988. Foi com o AI-6, de 1º de fevereiro de 1969, que se mudou o processamento do Habeas Corpus. Das decisões denegatórias proferidas pelos Tribunais de Justiça dos Estados e pelo Tribunal Federal de Recursos (lembremo-nos que os Regionais Federais só vieram com a Constituição Federal de 1988) era perfeitamente possível impetrar-se Habeas Corpus originário substitutivo do RHC. A jurisprudência o admitia desde 1951, como percucientemente anotou o ministro Moreira Alves no voto que proferiu no RHC nº 67.788 (STF, Pleno, DJ 22/2/1991).

Como todos sabemos, o regramento constitucional em vigor, estabelecido pela Constituição de 1988, não reproduziu a proibição constante do AI-6 e por essa razão passou-se a admitir o manejo do Habeas substitutivo do RHC. Elucidativo a esse respeito o acórdão relado pelo ministro Costa Lima: “A Constituição em vigor não opõe restrições à impetração originária de habeas corpus, visando a substituir o recurso ordinário” [1]. No STF, a jurisprudência construída pelo pleno, em julgamento realizado em 1º de agosto de 1990, relatado pelo ministro Moreira Alves, foi clara nesse sentido:

Ora, se a atual Constituição se omitiu quanto a essa proibição, quer quanto ao S.T.F. quer quanto ao S.T.J., nos casos em que admite recurso ordinário de Habeas Corpus para eles, o sentido normal dessa omissão é o de ter deixado de haver a proibição, que tanto não era infensa ao sistema processual do Habeas Corpus que o Supremo Tribunal Federal, de 1951 a 1969, admitiu pacificamente essa substituição (RHC nº 67.788)”.

Todavia, no julgamento do HC nº 109.956, em 2011, da relatoria do ministro Marco Aurélio em razão da “sobrecarga de processos”, uma questão funcional, revigorou-se a proibição pela via interpretativa. O próprio ministro Marco Aurélio voltou atrás no julgamento do HC nº 115.601, mas os demais membros da turma, não.

A 2ª Turma do STF não acompanhou o movimento restritivo da 1ª Turma. Em sentido oposto: “Possui entendimento consolidado no sentido da possibilidade de impetração de Habeas Corpus substitutivo de recurso ordinário (HC 122.268, relator ministro Dias Toffoli, 2ª Turma, DJe de 4/8/2015; HC 112.836, relatora ministra Carmen Lúcia, 2ª Turma, DJe de 15/8/2013; HC 116.437, relator ministro Gilmar Mendes, 2ª Turma, DJe 19/6/2013)” [2]. No julgamento do HC nº 106.566, o ministro Gilmar Mendes trouxe à colação o voto proferido no HC 111.670, no qual sustentou o cabimento do Habeas Corpus substitutivo do recurso ordinário. Nesse julgamento, o ministro Gilmar Mendes trouxe um argumento irrebatível e que deveria iluminar essa discussão:

“O valor fundamental da liberdade, que constitui o lastro principiológico do sistema normativo penal, sobrepõe-se a qualquer regra processual cujos efeitos práticos e específicos venham a anular o pleno exercício de direitos fundamentais pelo indivíduo. Ao Supremo Tribunal Federal, como guardião das liberdades fundamentais asseguradas pela Constituição, cabe adotar soluções que, traduzindo as especificidades de cada caso concreto, visem reparar as ilegalidades perpetradas por decisões que, em estrito respeito a normas processuais, acabem criando estados de desvalor constitucional” [3].

Soa especiosa a criação de limites artificiais, ainda mais quando descolados da lei e da Constituição, para se restringir a discussão de temas fundamentais ligados à liberdade quando se proclama, mais e mais, a instrumentalidade das formas, ou será que tal forma de pensar só vale quando se trata de flexibilizar direitos e garantias preteridos?

O sistema de proteção judicial efetiva reclama que as ilegalidades sejam discutidas sem peias e, obviamente, repudia artificialismos que não se compadecem com outras garantias constitucionais (CF, artigo 5º, e Convenção Americana de Direitos Humanos, artigo 25).

 é advogado, doutor e mestre em Direito pela USP, professor de Processo Penal da Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP), ex-presidente do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim) e ex-diretor do Conselho Federal da OAB.

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Lívia Machado: Recuperação judicial durante a crise

Com base no atual cenário, as previsões indicam que o comércio mundial será gravemente afetado pela pandemia da Covid-19, com diversas economias impactadas com redução da oferta de produtos e serviços. A interrupção de fornecimento em diferentes cadeias produtivas por causa da baixa demanda, do aumento do desemprego e da perda de renda já é uma realidade no Brasil, complicando ainda mais a situação de empresas que estão em recuperação judicial.

Estamos caminhando para o terceiro mês de isolamento social no país, medida apontada por autoridades médicas e sanitárias mundiais como fundamental para impedir o avanço da Covid-19. Também é fato notório que o fechamento de empresas e indústrias é extremamente prejudicial à economia brasileira.

Com isso, empresas em recuperação judicial sentem o impacto imediatamente, já que precisam manter suas atividades para honrar o pagamento de seus passivos. E o motivo está bem evidente: a restrição no funcionamento e na operação por causa do distanciamento social impede o cumprimento de compromissos firmados em planos de recuperação judicial.

O Poder Judiciário está atento a essa situação. Um exemplo disso é que decisões até então inéditas já estão sendo proferidas por juízes em diferentes partes do Brasil. Já há, inclusive, casos de suspensão temporária de cumprimento do plano de recuperação judicial em virtude de desequilíbrio econômico-financeiro causado por fatos imprevisíveis. Uma decisão com esse teor foi proferida no início de abril pelo juiz Friedmann Anderson Wendpap, da 1ª Vara Federal de Curitiba, no Paraná.

Nesse caso, a suspensão deve vigorar desde a data da decretação da calamidade pública pelo Congresso Nacional, 20 de março, até o reconhecimento, pelo próprio Congresso, do fim do estado de calamidade.

Outra iniciativa já adotada por Tribunais de Justiça do Brasil diz respeito à ampliação do stay period, prazo de 180 dias no qual ficam suspensos o curso de todas as ações e execuções promovidas em face do devedor, contados do seu deferimento, bem como a abstenção de cortes de serviços essenciais às empresas em recuperação judicial durante a pandemia.

Para isso, advogados, administradores e representantes das empresas em recuperação são imprescindíveis. Precisam fazer sua parte ajudando a trazer mais fôlego a esses empreendimentos, o que beneficia empresários com a continuidade de seus negócios e trabalhadores com a manutenção de seus empregos. Uma das formas de fazer isso é elaborar petições e buscar decisões judiciais que possam viabilizar a continuidade das operações e atividades das empresas.

O Conselho Nacional de Justiça elaborou a Recomendação nº 63/2020, com seis orientações aos Tribunais de Justiça para aplicação em processos de recuperação judicial. A ideia é trazer celeridade e segurança jurídica aos processos em andamento neste período de pandemia, marcado por incertezas.

Nesse caso, novamente, cabe a nós, advogados e especialistas atuantes em processos de recuperação judicial, escolher a melhor estratégia para os nossos clientes, peticionando aos magistrados a adoção das medidas constantes na recomendação do CNJ, que são de extrema importância neste momento, tais como prioridade na análise e decisão sobre questões relativas ao levantamento de valores em favor de credores ou empresas recuperandas, suspensão da realização de Assembleias Gerais de Credores presenciais, podendo ser realizadas de forma virtual caso demonstrada urgência em caso especifico, entre outros.

Por fim, fica evidente que a pandemia e o isolamento social, ainda sem data para terminar, representam um período de grande vulnerabilidade, que atinge todos os setores da sociedade. E o nosso papel é garantir que os processos de recuperação judicial já em andamento possam ser conduzidos de maneira adequada, célere e capaz de garantir a saúde das empresas.

Aos empresários, é preciso lembrar que a crise vai passar. E reforçar que a recuperação judicial é um instrumento muito importante, capaz de auxiliar as empresas na superação desse momento de turbulências. Para isso, é preciso escolher uma equipe capacitada, com profissionais competentes, que vão de advogados e contadores até auditores, para conduzir da melhor forma possível o processo de recuperação.

 é advogada especialista em Recuperação Judicial, associada ao escritório Mestre Medeiros — Advogados Associados.

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Lívia Machado: Recuperação judicial pode salvar empresas

Opinião

Recuperação judicial é uma solução imediata e capaz de salvar empresas

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O cenário momentâneo trouxe dificuldades para pequenas, médias e grandes empresas. Mesmo que as políticas públicas, as ações em saúde e todos os esforços da comunidade internacional contribuam para reduzir os impactos da crise gerada pela pandemia da Covid-19, as consequências serão inevitáveis.

E isso não expressa um pessimismo. Pelo contrário, os empreendedores brasileiros estão esperançosos e batalhando pelos seus negócios. A vontade de prosperar é igual ou maior do que aquela observada no período antes da descoberta da Covid-19, mas os efeitos da paralisação de algumas atividades chegarão a todos. O empresariado deve esperar o pior ocorrer para tomar uma decisão? É certo que não. É preciso aproveitar as oportunidades que a legislação oferece para que os empreendimentos possam permanecer em atividade.

A verdade é que ainda existem mecanismos capazes de salvaguardar as empresas nacionais, como a recuperação judicial (RJ), regulamentada pela lei Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005. E, durante a pandemia, várias decisões de magistrados nacionais deram esperança a esses negócios. É o caso dos adiamentos de assembleias-gerais de credores, prorrogações da suspensão de execuções e arrestos de bens propostos por credores, proibições de fiscalizações por parte de administradores judiciais, medidas protetivas para impedir cortes no fornecimento de água, energia e gás encanado e ainda possibilidades para parcelamentos e prorrogações de dívidas.

É certo que ninguém, nem mesmo os advogados, gostaria que os empresários estivessem nessa situação e pessoa alguma queria ver o mundo, consequentemente o Brasil, em meio a uma pandemia sem precedentes e que colocará em xeque negócios, empregos e a situação socioeconômica de milhões de brasileiros. É preciso pensar, porém, que, enquanto uma solução definitiva no campo da ciência não é encontrada, não dá para tapar o sol com a peneira.

A Lei da Recuperação Judicial existe e a corrente ainda está a favor do empresariado. Apesar de não ser o cenário desejado por muitos, a RJ pode ser uma solução imediata e capaz de salvar empresas. É uma forma de preservar o patrimônio de uma vida toda e ainda beneficiar trabalhadores, com preservação de emprego e renda. Afinal de contas, a crise passa, mas os negócios podem permanecer sendo fonte de desenvolvimento para o país.

Lívia Maria Machado F. Queiroz é advogada especialista em recuperação judicial e associada ao escritório Mestre Medeiros — Advogados Associados.

Revista Consultor Jurídico, 12 de maio de 2020, 11h01