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Corregedor nacional ordena pagamento de precatórios no TJ-SP

TJ-SP terá que adequar decisão de suspensão temporária de pagamento de precatórios dentro das normas do CNJ
Antonio Carreta/TJ-SP

O corregedor nacional de Justiça, ministro Humberto Martins, deferiu pedido liminar para que o Tribunal de Justiça de São Paulo adeque a decisão de suspensão temporária de pagamento de precatórios às normas da Resolução 303/2019 do CNJ.

A decisão atendeu a pedido de providências apresentado pela Ordem dos Advogados do Brasil, seção São Paulo.

O TJ-SP havia autorizado o estado e os municípios de Santo André, São Bernardo do Campo, São Caetano do Sul, Diadema, Mauá, Ribeirão Pires, Rio Grande da Serra, Guarujá e Cotia a suspender o repasse financeiro mensal de precatórios por 180 dias, a partir de março de 2020, em razão do impacto que a pandemia de Covid-19 gerou nas contas públicas, com a queda de arrecadação e o aumento de gastos sanitários.

Para a OAB-SP, entretanto, a decisão do TJ paulista seria uma moratória por decisão administrativa, ato incabível no sistema constitucional brasileiro. Humberto Martins reconheceu que a repercussão negativa nas finanças públicas, provocadas pelas medidas de enfrentamento ao vírus , não constitui, por si só, fundamento suficiente para que um ato ou decisão administrativa suspenda o repasse financeiro mensal de precatórios, que decorre de regra constitucional.

Para o corregedor, o simples sobrestamento do repasse financeiro, por seis meses, não atende às normas da Resolução CNJ n. 303/2019. O normativo prevê, em seu artigo 64, que a amortização da dívida deve ocorrer conforme proposta em plano de pagamento apresentado anualmente pelo ente devedor ao Tribunal de Justiça.

O dispositivo também estabelece expressamente que os valores dos repasses financeiros podem variar nos meses do exercício a que se refere o plano de pagamento, desde que fique assegurada a disponibilização do importe total devido no período.

“O ato administrativo praticado pelo TJ-SP, ora impugnado, previu adequadamente 180 dias de suspensão de pagamentos. Porém, não há previsão expressa quanto ao dever de cumprimento do plano anual com incremento dos valores omitidos nos repasses relativos aos quatro meses restantes no ano, o que causa insegurança jurídica para os credores e não atende às normas regulamentares”, disse o ministro.

Ainda de acordo com Martins, os valores não repassados durante os seis meses de suspensão devem ser considerados para a fixação dos valores de repasse devidos nos meses seguintes (setembro a dezembro de 2020). Desta forma, no final do exercício, deve ser repassado integralmente o percentual de comprometimento da Receita Corrente Liquida anual previsto no plano de pagamento 2020.

“Com a decisão do corregedor, o TJ-SP, nos casos de suspensão de repasse de valores para pagamento de precatórios pelos entes devedores, tendo como causa a pandemia de Covid-19, deverá operacionalizar a medida por meio de aditivo ao plano anual de pagamentos, fixando-se como termo inicial 1º de março de 2020 e termo final 31 de agosto de 2020”. Com informações da assessoria de comunicação do CNJ.

Clique aqui para ler a decisão

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Miranda da Silva: Contratos de locação comercial e a Covid-19

As medidas de contenção que visam evitar a propagação do novo coronavírus no Brasil, que foram tomadas pelo Governo Federal, Estadual e Municipal, suspendeu e limitou a atividade comercial em vários ramos da economia, inviabilizando a obtenção regular de lucro ou até mesmo a cessando por completo. Isto se deu não só pelos decretos que impediram a abertura dos estabelecimentos em todo país, mas também à recomendação de permanência dos consumidores em suas residências, fato que por si só já prejudicou os negócios desenvolvidos em razão da queda na procura por bens e serviços.

Assim, as medidas afetaram diretamente grandes e pequenos empreendedores no sentido de que honrassem seus contratos, afetando inclusive aquela religiosa quantia destinada mensalmente ao pagamento do aluguel do imóvel compreendido como estabelecimento comercial. Com o impacto econômico que tem dificultado o cumprimento das obrigações por parte desses comerciantes, como o Poder Judiciário Brasileiro tem enfrentado as demandas decorrentes da situação controvertida entre locatários e locadores?

Obviamente, não têm sido pequena a quantidade de dúvidas contratuais levantadas durante a pandemia provocada pela Covid-19. Do mesmo modo, são inúmeros os estudos que objetivam diminuir as dúvidas surgidas neste campo. De acordo com o Código Civil, o devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado. A partir da análise, vislumbra-se na doutrina que para a configuração do caso fortuito ou força maior, é necessário que sejam verificados os seguintes requisitos: o fato deve ser necessário, não determinado por culpa do devedor, pois, se há culpa, não há caso fortuito; a reciprocamente, se há caso fortuito, não pode haver culpa, na medida em que um exclui o outro; o fato deve ser superveniente e inevitável; e de que o fato deve ser irresistível, fora do alcance do poder humano.

Sendo assim, podemos concluir que, diante de hipóteses de exclusão de responsabilidade civil, é possível que seja reconhecida, em favor de ambos os contratantes, a exclusão de responsabilidade civil, motivada pela inevitabilidade e imprevisibilidade das circunstâncias, como no caso da pandemia causada pela Covid-19, pois, conforme prevê o Código Civil, o nexo causal nas obrigações e responsabilidades advindas das relações locatícias diretamente afetadas pela pandemia seria rompido, afastando, inclusive, a constituição do devedor em protesto.

Pois bem. Antes de verificar a aplicabilidade dessas hipóteses (de exclusão de responsabilidade) na atual crise provocada pela pandemia na seara contratual, convém relembrar que nos moldes do artigo 18 da Lei 8.245/91 (Lei do Inquilinato) tem-se a expressa previsão de que as partes em comum acordo podem renegociar um novo valor de aluguel, o qual também as dá a prerrogativa de modificar a cláusula de reajuste do valor. Assim, com base na boa fé e no bom senso face à pandemia instaurada, entendidas aqui como uma obrigação que se estende a todos os indivíduos nas relações civis, sejam estes pessoas físicas ou jurídicas, o que se espera é que tal acordo seja gesticulado no âmbito administrativo e extrajudicial, onde as partes em consenso poderão flexibilizar as regras obrigacionais decorrentes do contrato de locação, para que todos juntos alcancem o objetivo principal dos tempos atuais: a superação da crise.

Deste modo, sem que haja maiores prejuízos e utilizando para isto o debate, a cooperação e a conciliação desses contratos pode levar em consideração o fato de que muitos estabelecimentos tiveram seu faturamento zerado e, por outro lado, a situação econômica dos locadores de estabelecimentos comerciais, que muitas vezes tem no valor que lhes é pago a título de aluguel como renda primária, não podendo simplesmente dispor dessas quantias em razão de estarem elas vinculadas diretamente à sua subsistência.

Mas se a negociação entre o locador e locatário não tiver resultados positivos, mesmo explícitos os motivos que justificariam tal acordo? A temática se torna densa neste ponto, pois indubitavelmente não restará alternativa senão a provocação do Poder Judiciário para dirimir a controvérsia. As partes podem propor ação revisional de aluguel, cujo requisito temporal é de três anos de vigência de contrato ou do acordo anteriormente realizado entre as partes, nos moldes da Lei do Inquilinato, requisito temporal que pode ser afastado face à excepcionalidade de força maior ou caso fortuito, com base na Teoria da Imprevisão, que considera que quando, por motivos imprevisíveis, acontecer uma desproporção entre o valor da prestação devida e o momento de sua execução, o juiz poderá corrigir o valor. No mesmo sentido, o Código Civil determina que nos contratos de execução continuada, se a prestação se tornar excessivamente onerosa para uma das partes, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, é possível pleitear por sua revisão.

Pioneira na análise de pedidos de redução do valor da prestação de aluguel por motivo da pandemia causada pela Covid-19, a 25ª Vara Cível de Brasília concedeu tutela antecipada para limitar o adimplemento do contrato de aluguel apenas no contexto de faturamento da empresa requerente. Também no mesmo sentido, a 22ª Vara Cível do Foro Central de São Paulo concedeu a redução de 70% do valor do aluguel ao inquilino. Analisando as primeiras decisões, ficou claro que a flexibilização na prestação dos aluguéis depende do fato de a atividade desenvolvida pelo locatário, no imóvel locado, ter sido diretamente atingida com o caso fortuito/força maior em razão da pandemia. Nas decisões avaliadas foram consideradas circunstâncias como: a queda no faturamento da empresa por conta de ato oficial que impediu sua atividade; as condições financeiras do locatário diante da situação pandêmica, isto é, se ele de fato não conseguiria adimplir o aluguel; a situação do locador, se pessoa física ou empresa e a sua dependência em relação aos valores auferidos a título do aluguel do imóvel; e se há outras obrigações a serem cumpridas e que são consideradas de maior urgência, como contratos trabalhistas.

Diante dos fatos expostos, ressalta-se da importância de cooperação entre as partes nos contratos de aluguel comercial, sobretudo para que se evite uma quantidade exorbitante de ações no Poder Judiciário, já sobrecarregado, para que se estabeleça um consenso que pode muito bem ser ajustado entre locador e locatário. Vivemos em tempos de crise e isto não compõe novidade. A Ciência do Direito tem por base as relações fundadas nas ciências sociais, esta que vê no indivíduo e na sua conduta a principal causa para sistematizar paradigmas e estabelecer princípios. Considerando isso, é legítima e necessária, nos tempos atuais, a afirmação de necessidade de cooperação nos contratos de locação de imóveis, sobretudo aos destinados ao comércio, considerando o desequilíbrio inevitavelmente instaurado em diversos institutos da seara contratual por conta da Covid-19.

Rafael S. Miranda da Silva é advogado especialista em Direito do Consumidor e atua no Escritório Ribeiro, Goulart, Iurk & Ferreira da Costa Advogados.

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Roberto Wanderley Nogueira: O “AI-5” judiciário

Eis que se calardes, até as pedras falarão.” (Lucas 19:40)

No último dia 13 de dezembro, o país fez memória do Ato Institucional nº 5 (AI-5), um diploma normativo que data de mais de 45 anos, o qual tinha força de norma constitucional, mas compunha uma topografia legal paralela, metajurídica. Era como que uma constituição à parte da Constituição Federal e que, na prática, valia talvez mais do que a outra, muito em função do autoritarismo à época estabelecido, institucionalmente, no Brasil.

Em verdade, o seu valor atual é menos histórico que arqueológico, motivo pelo qual o título deste artigo é apenas uma alegoria, tanto quanto se tem reverberado nos últimos dias pela crônica política da Nação.

Felizmente, deu-se a redemocratização do país, editou-se a Constituição Federal de 1988 – chamada de “cidadã” por Ulysses Guimarães — e mais não existe o traço formal do autoritarismo do passado, embora nossa democracia insista na incipiência de seus fundamentos e no primitivismo corporativista, patrimonialista e fisiológico de suas relações, decorrentes do “constitucionalismo semântico” referenciado por Karl Loewenstein em sua “Teoria da Constituição”.

Nada obstante, hoje em dia, o papel de editar comandos normativos com aspectos de “AI-5” parece ter se transferido às atribuições dos juízes, sobretudo os das Cortes Superiores. Vez ou outra, num crescendo atitudinal que já se convencionou denominar de “ativismo judicial”, eles adotam decisões inteiramente descoladas do sistema jurídico (normativo), atropelando funções próprias dos demais poderes de Estado e vão muito além dos limites das lides, haja vista motivos conjunturais e até estatísticos dos quais não se costuma fazer cerimônia. É prática arraigada.

Sobre isso, há quem na outra ponta do exercício jurisdicional, locupletando-se dessa estranha atmosfera, proponha demandas ao talante de construções voluntarísticas e estritamente subjetivas (chicanas) que, em vez de refutadas, acabam de algum modo acolhidas para a perplexidade das partes e da Nação impactada. É como se múltiplos subsistemas estivessem ativados e em operação mais eficaz do que o próprio sistema de normas em vigor.

A hermenêutica pode operar milagres, quando arbitrariamente gerenciada, o mesmo que acontecia ao tempo dos Militares. Convém lembrar que isso não é exclusividade de instância judiciária alguma, em particular. Nas instâncias inferiores podem-se considerar dois outros fatores igualmente importantes: 1) o desconhecimendo de causa (despreparo e disfuncionalidade associadas ao processo de seleção e de fiscalização dos Magistrados, tudo associado ao volume da demanda e à escassez de recursos para enfrentá-la); e 2) o carreirismo, que açula o receio de impopularidade e o anseio de promoção com a possibilidade de graves prejuízos à prestação jurisdicional devida aos cidadãos.

De fato, a pretextos diversos, interpretação extensiva, historicista, sociológica, conforme ao que se julga ser ou não ser constitucional, dentre outros truísmos, menos o que se revela juridicamente válido em sua literalidade e no seu sentido próprio, adotam-se decisões inteiramente inusitadas em relação à Ordem Constitucional, retarda-se a eficácia de dispositivos superiores, enquanto outros são substituídos por diversos procedimentos de vernissage, assim encarada, referida Ordem, na literalidade de seus conteúdos normativos quanto no seu sentido. Tudo isso sem risco de controle político, jurídico e social, sobretudo quando os veredictos são de última ou única instância. A Constituição até que preconiza remédios sanadores desses quadros e dessas atitudes, mas, no momento, não há atores dispostos a executarem suas regras. A interdependência entre os poderes do Estado brasileiro cedeu, na prática, ao temor reverencial.

A democracia, desse modo, é, paradoxalmente, o cenário político mais favorável à denominada “Ditadura do Judiciário” na qual o primado da ignorância e da prepotência ressurge com força e esmerada aplicação tática, quer no âmbito da jurisdição, propriamente dita, quer na atividade censória dos Tribunais e do Conselho Nacional de Justiça, que é o órgão que encara um suposto controle externo do Poder Judiciário, criado à luz da Emenda Constitucional nº 45/2004. Esse dispositivo (artigo 103-B, § 4º, da CF/EC 45) não faz acepção de Juiz algum, mas se convencionou que os Ministros do Supremo Tribunal Federal não se submetem a ele.

Pois bem. Sobre a iniciativa regulatória das atividades dos juízes nas redes sociais por parte do CNJ, destaco, em primeiro lugar, que o STF não é instância constituinte e nem o CNJ, legisferante. Tratam-se de órgãos constituídos que devem, por isso mesmo, ater-se ao Ordenamento Jurídico, tal como se encontra positivado (“In claris cessat interpretatio”).

A consciência de limites dos seus agentes é fundamental ao Estado de Direito. Se lhes falta essa virtude, dessume-se ser chegada a hora exata de reciclar atores e procedimentos em razão da necessidade de manutenção da higidez do seu sistema de normas, que não deve sofrer abalos idiopáticos ou voluntarísticos de quaisquer espécies, haja vista tratar-se de uma estrutura lógica com unidade de sentido e autopoiética (que se basta a si mesma).

O esforço de regular o que já se acha regulado traduz uma inutilidade jurídica clarificada, no caso, em função da disciplina judiciária preexistente, nos termos da Constituição e da LOMAN. Se a LOMAN, norma específica, que data dos dias de ferro do militarismo, vem se revelando, todavia, hipossuficiente ou inadequada ao justo, democrático e ponderoso regulamento da ação judicial nos dias que correm e da Magistratura Nacional, seria o caso de se enviar ao Congresso a última das disciplinas para carreira de Estado ainda represada pelo burocratismo judiciário da República: o novo Estatuto da Magistratura, cujo projeto foi o constituinte de 1988 que atribuiu ao STF a responsabilidade de empreendê-lo e encaminhá-lo, mesmo que sem data aprazada. Há 31 anos foi passado esse comando, mas até agora ele não foi obedecido e a Magistratura Nacional segue como a última carreira de Estado ainda não regulada sob o pálio da Constituição Federal de 1988.

Com efeito, o CNJ não substitui o STF nessa dinâmica de obediência jurídica à vontade do legislador constituinte, ainda que por vias transversas ou pretextos de um pseudoadministrativismo expresso em resoluções, provimentos, portarias e demais atos autoconsiderados “interna corporis”, mas que disso não se trata em absoluto. A natureza jurídica de certas resoluções do CNJ tem, sim, caráter de legislação primária e isso lhe é vedado pela Constituição Federal. Corre-se, pois, o risco de autoritarismos. Desse modo é que não pode parecer estranho à Nação, crescentemente impactada, que ainda haja dignitários em atividade que exortem, com toda convicção e nenhuma cerimônia, para um suposto caráter “divinal” dos Magistrados, eis que “julgam pessoas”, não condutas. Só acreditei nessa manifestação porque a fonte da informação era boa, mais tarde comprovada, mas se trata, na realidade, de um nada cognitivo. Tempos estranhos, muito estranhos… O fato é que os juízes são tão mortais quanto a quaisquer outras pessoas e estão do mesmo modo sujeitos às misérias desta vida.

A tal exortação pública, outrossim, evoca uma outra tragédia do Poder Judiciário Nacional: o formato personalista e antirrepublicano de como suas composições são comumente eleitas e as brechas legais que permitem serem elevados aos Tribunais quadros inteiramente inusinados à função jurisdicional e à vida dos pretórios. Ora, não é difícil especular acerca das razões de certos experimentalismos que são comumente observados no sistema de Justiça brasileiro, e pelos quais a imprevisibilidade resulta bem aflorada na vida forense com alguns adminículos corporativos altamente perniciosos à boa imagem da Magistratura Nacional, a exemplo do carreirismo judiciário e de um espectro de emulações na evolução dessas carreiras e até mesmo de seus cargos isolados. O apego ao poder, sobretudo nas esperas mais acima da jurisdição, parece patológico ao ponto de atropelar dispositivos constitucionais muito específicos como os resultantes da Emenda Constitucional nº 88/2015 (“PEC da Bengala”), que obrigou os membros dos Tribunais Superiores a se submeterem a uma sabatina de retenção de seus cargos perante o Senado Federal, ao ensejo de completarem a idade limite de 70 anos para fins de permanência na atividade por mais um lustro. Essa regra, todavia, continua sendo negligenciada por força de decisão liminar adotada, por maioria, pelo próprio STF, que a considerou contrária às garantias da Magistratura, desconsiderando, outrossim, que o tema era outro: Regime Jurídico da Administração Pública Judiciária para o quê não há direito adquirido, inclusive (ADI nº 5.316).

Ao fim, a estrutura das liberdades públicas, mesmo aquelas que dizem respeito aos Juízes, é intocável por meio de medidas administrativas, não previstas em lei. Ainda, aos Juízes é deferida essa pauta de liberdades, nos termos do que a lei e somente a lei delimita. A Magistratura, sobre restringir algumas condutas de seus membros, “ex-vi-legis”, não retira dos Juízes a própria cidadania. Pensar diferente é idiossincrático, quando não traduzir abuso.

O juiz que não se sente livre na sociedade em que atua, simplesmente não decide coisa alguma, guardados os limites que a lei lhe impõe por dever de seu ofício. O valor da liberdade forja os talentos mais necessários à arte de julgar. O juiz que não se sente livre, porém, jamais estará apto a decidir os destinos de seus semelhantes.

Desse modo, a iniciativa do CNJ em regular ou restringir, para além dos limites legais, a liberdade do juiz quanto ao uso das redes sociais, é de fato um monumental contrassenso, para dizer o mínimo. Estamos, pois, diante da possibilidade de cerceamento da liberdade de expressão dos Juízes, predicado da cidadania, para além do que preconizam a Constituição Federal e a Loman. Esse tipo de experimentalismo judiciário diverge do Estado de Direito e conduz o sistema de controle da Magistratura ao arbítrio. Sobre isto, o Poder Judiciário precisa ser revisto nos mecanismos de formação de seus quadros e o controle externo da Magistratura Nacional deve ser social e jamais corporativo.

Nada obstante, cada qual deve fazer a autorregulamentação da própria atividade, justamente à luz da Constituição e da Loman. O CNJ e as Corregedorias de Justiça sempre exercerão o controle censório da disciplina judiciária, fenômeno bem distinto daquele que se intenta agora proceder sem amparo jurídico e por argumento de pura autoridade.

Diante de todo o exposto, pode-se concluir que os Juízes estão fazendo na democracia (“ativismo judicial”) o mesmo papel que os Militares fizeram na ditadura (“AI-5”).

Roberto Wanderley Nogueira

Doutor em Direito

 é juiz federal em Recife e doutor em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).

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Parvati Gonzalez: Como monetizar crédito declarado em MS

Após o trânsito em julgado de decisão que reconhece o direito à restituição de tributos em sede de mandado de segurança, as empresas logo questionam seus gestores sobre como monetizar esse crédito tributário. Ou seja, como transformar essa decisão judicial em dinheiro, com a efetiva entrada de valores no caixa da empresa?

Essa pergunta, que poderia ser respondida de forma bem simples, pode trazer consigo uma série de implicações, não sendo raras as situações em que o contribuinte se mostra diante do jargão “ganhou, mas não levou”.

Contudo, a publicação da Portaria nº 9.917/2020 da PGFN pode mudar o rumo dessa realidade, pois inaugurou novas formas de se operacionalizar esse encontro de contas, com mecanismos mais racionais para a apuração de débitos e créditos.

Por meio da portaria, o contribuinte poderá utilizar créditos líquidos e certos reconhecidos em decisão judicial transitada em julgado ou até mesmo precatório de terceiro para amortizar ou liquidar saldo devedor com a União.

Há exigências a serem cumpridas, tais como a formalização de transação individual, inclusive liquidando em dinheiro eventual entrada mínima, mas é certo que, para muitas empresas, essa será uma saída muito mais eficiente.

A cessão de precatório a terceiros, inclusive, pode ser a única forma de monetizar créditos tributários reconhecidos judicialmente em favor de empresas que já não tenham operações ativas ou que sejam notadamente credoras com a União, em razão de benefício fiscal ou acúmulo de prejuízos fiscais, por exemplo.

Assim, é preciso atentar-se ao fato de que, além da restituição administrativa ou a compensação dos créditos tributários com débitos de tributos de qualquer natureza administrados pela Receita Federal [1], há outros meios para viabilizar a monetização de créditos reconhecidos judicialmente.

Dentro desse contexto, cabe afirmar que os tribunais pátrios admitem a possibilidade de o contribuinte optar pela restituição via precatório de crédito reconhecido por sentença declaratória em sede de mandado de segurança.

O STJ, em decisão proferida em sede de recursos repetitivos, aceitou a opção, o que ensejou o enunciado da Súmula 461 do STJ, segundo o qual “o contribuinte pode optar por receber, por meio de precatório ou por compensação, o indébito tributário certificado por sentença declaratória transitada em julgado”.

Por sua vez, o STF, em sede de repercussão geral, também definiu que “o pagamento dos valores devidos pela Fazenda Pública entre a data da impetração do mandado de segurança e a efetiva implementação da ordem concessiva deve observar o regime de precatórios previsto no artigo 100 da Constituição Federal” [2].

Prevalecia na jurisprudência o entendimento de que o mandado de segurança não podia fazer as vezes de ação de cobrança, de modo que a sentença ali proferida somente teria cunho declaratório e não executório. Esse entendimento inclusive foi sumulado pelo STF, ensejando o enunciado da Súmula 269, segundo o qual: “o mandado de segurança não é substitutivo de ação de cobrança”.  Nesse mesmo contexto, foi editada a Súmula 213 do STJ, segundo a qual “o mandado de segurança constitui ação adequada para a declaração do direito à compensação tributária”.

Com base nisso, a expectativa de direito firmada após o trânsito em julgado de uma decisão favorável em sede de mandado de segurança era no sentido de que se poderia prosseguir com a execução do julgado apenas na esfera administrativa, o que, inclusive, ensejaria o pedido de restituição para aqueles contribuintes que não possuíssem débitos tributários à compensar.

Contudo, o entendimento passou a ser questionado, principalmente porque o rito da restituição administrativa é muito mais célere do que o rito dos precatórios, o que poderia acarretar em ofensa à ordem prevista no artigo 100 da Constituição Federal, pelo qual “os pagamentos devidos pelas Fazendas Públicas Federal, Estaduais, Distrital e Municipais, em virtude de sentença judiciária, far-se-ão exclusivamente na ordem cronológica de apresentação dos precatórios e à conta dos créditos respectivos, proibida a designação de casos ou de pessoas nas dotações orçamentárias e nos créditos adicionais abertos para este fim”.

Assim, mesmo em caso de mandado de segurança em que se pleiteia a declaração do direito à restituição ou compensação na esfera administrativa, poderá ser assegurando ao contribuinte o direito à execução judicial do título com o pedido de expedição de precatório.

Portanto, a pergunta sobre como monetizar o crédito tributário declarado em mandado de segurança está longe de ser simples.

Apesar de ser indiscutível que seguir com a compensação na esfera administrativa será o meio mais rápido para tanto, é importante ter em mente que os contribuintes poderão ter à sua disposição a possibilidade de executar judicialmente a sentença transitada em julgado e, posteriormente, utilizar os valores liquidados para quitar saldo devedor com a União. Ou, ainda, requerer a expedição de precatório, o qual poderá ser cedido a terceiros para fins de transação com a União.

 é advogada especialista em Direito Tributário da Advocacia Lunardelli e pós-graduada em Direito Tributário pelo IBET.