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Ricardo Fraga: Dois meses de distanciamento social

Alguns aprendizados, nestes dois meses iniciais. O primeiro deles, com profissionais da medicina, é a expressão “distanciamento social”, ao invés de “isolamento” ou mesmo “quarentena”. Em itens adiante, o registro de outros aprendizados, coincidentes com estes dias, por acaso ou necessariamente nestes.

Desde logo, a lembrança de sabedorias anteriores. Na condição de juiz do Trabalho, com 20 anos em salas de audiência, no primeiro grau, e dez anos em sessões de julgamento, no segundo grau, um sentimento mais forte do que qualquer estudo de Economia ou áreas afins. Trata-se do sentimento, bem internalizado, de que não estamos em um sistema econômico minimamente planificado ou com previsibilidades.

Aqui, a grande maioria das empresas pequenas e médias não possuem “capital de giro” para um segundo ou terceiro mês sem funcionamento.

Dito de outro modo, aqui, “desacelerar” é bem difícil para a grande maioria das pequenas e médias empresas. Um piscar de esperança vem de colega observador, atento ao que ocorre em salas de audiências e realidade próxima, juiz Luis Carlos Pinto Gastal, o que se registra no parágrafo seguinte.

Provavelmente, muitas pequenas e médias empresas possam “retomar” o funcionamento com mais facilidade. Isso porque dependem mais dos conhecimentos e trabalho humano organizado do que do capital investido e do sistema financeiro. Isso, por óbvio, não exclui eventuais necessidades de maior apoio, inclusive creditício, das autoridades públicas, como lembrado pelo advogado Antonio Escosteguy Castro, em debates virtuais desses dias.

Desde logo, sobre a elevada financeirização de nossas economias, lembrem-se os estudos e alertas de Ladislau Dowbor em “O Capitalismo se Desloca – novas arquiteturas sociais”, São Paulo: Sesc, 2020, e também em entrevista.

Ntep Nexo Técnico Epidemiológico
Ocorrida, casualmente, nestes dias, a decisão do Supremo Tribunal Federal, na Adin (ação direta de inconstitucionalidade) número 3931, tem enorme relevância.

A subnotificação dos acidentes e das doenças do trabalho existe em quase todos os países, ao que se tenha notícia. No Uruguai, havia significativa solução contra as subnotificações, com a previsão de fundo nacional, ajustado anualmente, com base no número de doenças e acidentes do ano anterior. Mesmo assim, mais recentemente, foi necessário o auxílio do Direito Penal, com novas regulamentações. Apontado em livro de Ney Fayet Júnior Dos Acidentes de Trabalho: (sociedade de) Risco, Proteção dos Trabalhadores e Direito Criminal”.

Aqui se buscou o auxílio dos conhecimentos da estatística. Aqui, agora e, já antes, quando não deferida a liminar, existe a necessidade de exame da situação mais abrangente na qual inserida a doença ou acidente em julgamento. O contexto do caso em exame tem de ser examinado.

Em Direito processual probatório é inovação, desde muito, não vista. Nenhum dos anteriores conceitos deste ramo do Direito são suficientes para se perceber, inteiramente, o que está sendo construído. Por óbvio, os demais fatos e circunstâncias do caso concreto, igualmente, serão examinados, até mesmo, com os outros anteriores aprendizados do direito processual probatório.

Uniformização da jurisprudência
A urgência da necessidade de uniformização da jurisprudência é cada vez maior. Isso decorre de certa peculiaridade nossa, maior e/ou diferente de outros países.

Aqui, do Poder Judiciário se espera que cumpra diversas funções, de promotor da paz social, de corretor de injustiças, de um dos principais instrumentos para os aperfeiçoamentos civilizatórios, entre outros, acaso o antes indicado não seja tudo, inclusive com provável exagero.

Já superamos os debates sobre súmula vinculantes, contemporâneos à reforma do Poder Judiciário, Emenda Constitucional 45. Eram pretensões com pouco acerto, alimentadas pela imprensa leiga. De certo modo, confundia-se a função jurisdicional com a legislativa, como se fosse viável “julgar casos concretos em abstrato”. Em outro texto, buscou-se compreender aquele momento, “Quais Súmulas?”, com Luiz Alberto de Vargas.  

Viveu-se breve período de aprendizados bem mais ricos e superiores. Ao tempo da Lei 13.015, um pouco antes da entrada em vigência do atual Código de Processo Civil, Lei 13.105, o Direito Processual do Trabalho, mais uma vez na história, avançava mais do que o Direito Processual comum. Entre outros tantos estudos, o e-book “NCPC – Próximos do Segundo Ano”, de que participamos a partir da prática judiciária

Após a revogação da mencionada Lei 13.015 pela Lei 13.467, ficamos com os regramentos do CPC, agora atual, apenas. Muito haverá de ser construído. Estamos menos próximos da experiência do Direito Processual da Europa, civil law, e ainda não absorvemos os aprendizados de organização do Judiciário nos Estados Unidos.

Nestes primeiros dias de distanciamento social, leu-se o recente escrito de Estevão Mallet no prefácio do livro “Precedentes no Processo do Trabalho – Teoria Geral e Aspectos Controvertidos” (coordenadores Cesar Zucatti Pritsch, Fernanda Antunes Marques Junqueira, Flavio da Costa Higa e Ney Maranhão, São Paulo: Thomson Reuters e Revista dos Tribunais, 2020, página 11), no sentido de que: “Há que até diga ser impossible to draw a rigid line, a priori, between rationes decidendi and obitter dicta. (…) Em outros casos, especialmente em julgamentos colegiados, a decisão pode resultar de conclusões convergentes, decorrentes de fundamentos divergentes”.

Ora, na situação acima observada é difícil e mesmo equivocado ficar nos limites das práticas contemporâneas às edições de súmulas.

Provavelmente estejamos em condições de nos distanciar o mais possível das antigas práticas contemporâneas às elaborações de súmulas. Nas duas opções adiante, apresentadas de modo bem resumido, certamente, a segunda será a mais adequada:

a) primeiro decidir que irá vincular e depois examinar a(s) situação(ões);

b) primeiro examinar a(s) situação(ões) e depois, se possível, afirmar que irá vincular.

A efetiva contribuição nossa ao Direito Processual e à organização da Justiça poderá ser esta. Julgar o caso concreto, com toda dedicação, inclusive do tempo disponível. No restante, apenas e no máximo, anunciar as prováveis decisões em casos futuros, de conformidade com suas semelhanças, iguais, médias ou totais. Tudo isso respeitando, sempre, a determinação da inafastabilidade da jurisdição, Constituição, artigo 5º, inciso XXXV.

Despedidas em Números Elevados
Integrando a SDC (Secção de Dissídios Coletivos) do Tribunal Regional do Trabalho do Rio Grande do Sul, alguns aprendizados novos. Assim como os demais integrantes, tenho realizado algumas audiências virtuais de mediação coletiva.

Nessas audiências virtuais, um dos temas mais frequentes é o das despedidas e suspensões dos contratos. Acaso outro tivesse sido o resultado do julgamento, no Supremo Tribunal Federal, da Adin 6363 (relator original Ricardo Lewandowski) certamente ainda bem maior seria o número destas mediações coletivas, denominadas “pré-processuais” em outras regiões.

Nessas ocasiões, alguma semelhança com debates anteriores aos dias atuais. Registramos estas controvérsias anteriores no livro “Perguntas e respostas sobre a Lei da Reforma Trabalhista volume 1″ (coordenadores Ricardo Calcini Luiz e Eduardo Amaral de Mendonça).

O novo artigo 477-A, da CLT, inserido pela Lei 13.467, estabelece que:

“Artigo. 477-A  — As dispensas imotivadas individuais, plúrimas ou coletivas equiparam-se para todos os fins, não havendo necessidade de autorização prévia de entidade sindical ou de celebração de convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho para sua efetivação”.

A realidade, inclusive anterior aos dias de pandemia, vinha demonstrando que as despedidas em número expressivo, no maior das vezes, são inviáveis sem o contato com alguma instância da sociedade, para além da empresa. No mínimo, a autoridade policial vinha sendo chamada.

Em 2018 e 2019, no maior número de vezes, fomos procurados pelas entidades sindicais de trabalhadores. Já fomos procurados, por outro lado, pelas próprias empresas. Em mais de uma situação, fomos procurados por ambas as partes.

Nessas situações anteriores, eram mais frequentes algumas soluções, tais como:

a) diminuição do número de despedidas;

b) previsão de planos de demissão voluntária;

c) estabelecimento de cronograma das despedidas;

d) exame das estabilidades legais e normativas;

e) elastecimento de benefícios tais como planos de saúde e alimentação.

Agora temos a nova figura da suspensão temporária dos contratos, trazida por medida provisória ainda não examinada no Congresso Nacional ao tempo destes linhas.

A atenção e o cuidado com as realidades atuais exigirão mais de todos. Já se viu o debate sobre manutenção de grupo de discussão, de todos os trabalhadores, em aplicativo, virtual, sobre eventual venda de máquinas de empresa de porte médio.

Em caso mais anterior aos dias atuais, de empresa de transportes urbanos, estabeleceu-se a apresentação de balancetes diários, ao tempo das três ou quatro semanas das negociações coletivas.

Em debates mundiais, já se viram novas regulamentações registradas em “The regulation of collective dismissals: Economic rationale and legal practice” (Mariya Aleksynska, Angelika Muller, OIT Organização Internacional do Trabalho, maio de 2020), lembrado pelo advogado e professor Estevão Mallet.

Atuação não menor, nem mesmo numericamente
Os exemplos antes mencionados bem confirmam a necessidade da Justiça do Trabalho, mais ainda em dias de pandemia. O Tribunal Regional do Trabalho do Rio Grande do Sul, assim, omo outros, tem divulgado os números de suas atividades em primeiro e em segundo grau.

Pessoalmente, tenho atuado na totalidade das tarefas em quarentena, com números acima de mil, cuidado e dedicação não menores do que em dias antes considerados normais.

Na 3ª Turma do TRT-RS, assim como nas demais, têm sido significativos os números de julgamentos e de sessões.

Nesta 3ª Turma são sessões virtuais e por videoconferência, também denominadas telepresenciais, transmitidas online, estas segundas, assim como eram as sessões presenciais:

a) https://www.trt4.jus.br/portais/trt4/modulos/noticias/301474;

b) https://www.trt4.jus.br/portais/trt4/modulos/noticias/305454;

c) https://www.youtube.com/channel/UChbGL3ivkqi1Cl3Aba2U6Cg/videos

Em todas essas iniciativas, a confirmação de certa convicção. A Constituição e a realidade nos levam, satisfatória e obrigatoriamente, a um Direito Processual mais participativo. Sobre o tema, o texto escrito com o irmão juiz de Direito, “Salas de audiências por 60 anos”.

Futuro
Chegaremos aos dias futuros com os aprendizados do passado. Chegaremos ali, igualmente, depois de termos vivido os dias presentes.

É de todo lúcida certa afirmativa no sentido de que “é necessário ‘achatar a curva’ do empobrecimento geral da massa trabalhadora, formal e informal”, de Fernando Brito, em 12/4/2020.

Por ora, no momento de escrever estas linhas, ao menos algumas dúvidas existem. Acima de tudo, não se tem certeza sobre a duração dos dias atuais.

Alguns aspectos e situações dos dias atuais talvez persistam mais do que outros. Os anos próximos já foram mencionados em documentos de algumas universidades. Entre tantos:

a) “Harvard muito além de 2020″ 

b) Cambridge aulas presenciais bem mais adiante.

Por ora, no momento de escrever estas linhas, ao menos, algumas quase certezas existem. É crescente o interesse de todos pela melhor organização do trabalho remoto ou teletrabalho.

As empresas maiores, mais do que as medias e pequenas, já têm número expressivo de experiências incipientes, ao menos em algumas de suas atividades. Nesse rumo, com exagero visível, todavia indicativo de rumo e buscas, estudo sobre novas mentalidades.

Pesquisas mais recentes e bem elaboradas, seguramente, nos farão melhor conhecer a realidade.

No âmbito do Poder Judiciário, já se tem novo quadro desde momentos um pouco anteriores:

a) Noticia

b) Alteração de fevereiro de 2020; e

c) Resolução 74.

Estamos próximos, inclusive, de um dos maiores programas de renda mínima do Ocidente. O valor de R$ 600, ainda que não expressivo e com inúmeras demoras, terminou alcançando 50 milhões de pessoas. Nos Estados Unidos, existe benefício bem superior, alcançando número um pouco menor de trabalhadores.

Desejamos acreditar que não seremos quase meio milhão de brasileiros a menos, apesar de documento de outra universidade, a de Oxford.

Haveremos de ouvir os sons da próxima primavera. Haveremos de ouvir os belos sons das Vozes da Primavera, valsa de Johann Strauss Jr.

 é desembargador do Trabalho no Tribunal Regional do Trabalho do Rio Grande do Sul.

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Marcos Torres: É preciso criar um Simples ambiental

As micro e pequenas empresas (MPEs) gozam de proteção jurídica destacada: a Constituição (artigo 179) e o Estatuto das MPEs (Lei Complementar 123/2003) estabelecem que toda nova obrigação que as atinja deverá prever tratamento diferenciado, simplificado e favorecido.

As micro e pequenas não possuem a mesmas estrutura e condições das grandes empresas para competir no mercado. Possuem poucos ativos e capital de giro e sofrem com dificuldades no acesso ao crédito, baixo nível de qualificação de pessoal (principalmente no nível gerencial), elevado grau de informalidade, entre outras dificuldades.

Apesar dos obstáculos, sua importância na economia é refletida nos seguintes números: constituem 99% do total de empresas registradas no país, são responsáveis por 52% dos empregos formais e geram 27% do PIB.

Salvo algumas iniciativas pontuais, a legislação ambiental deixa a desejar no que se refere ao tratamento diferenciado, simplificado e favorecido às MPEs. Em análise que fiz das cem principais normas ambientais aprovadas pela União (leis, decretos, resoluções do Conama e instruções normativas do Ibama e do ICMBio), apenas uma delas foi elaborada especialmente para a realidade dessas empresas: trata-se da Instrução Normativa Ibama n° 8/2014, estabelecendo critérios para a fiscalização orientadora.

Dez das cem normas analisadas preveem algum grau de tratamento específico para essas empresas. Treze, apesar de não direcionar nenhuma regra específica às MPEs, contêm comandos que de algum modo podem lhes conferir algum tratamento distinto, a depender do caso concreto (são exemplos a previsão de licenciamentos ambientais simplificados com base nas características da atividade ou empreendimento, conforme determina a Resolução Conama nº 237/1997). A maior parte das normas ambientais analisadas (76) não prevê nada de especial às MPEs.

Uma possível explicação para essa escassez é que a classificação prevista no Estatuto das MPEs leva em consideração apenas o aspecto financeiro “receita bruta anual”. Embora empresas lucrativas tenham maiores oportunidades de ser ambientalmente eficientes, a receita de uma empresa não necessariamente possui relação direta com seu desempenho ambiental: uma micro ou pequena pode exercer atividades com alto potencial poluidor, enquanto empresas altamente lucrativas podem desempenhar atividades com baixo potencial poluidor.

Para a legislação ambiental, importa mais diferenciar empresas com base em outros aspectos, como o tipo de atividade desenvolvida, o uso de recursos naturais, sua localização, a estrutura física, a tecnologia utilizada, a adesão a programas voluntários de gestão ambiental etc.

Pode não ser viável fazer ajustes nas obrigações legais materiais, a exemplo das normas que estabelecem padrões de qualidade ambiental (fixam índices máximos de emissões, captações ou lançamentos) e das normas de design (orientam como determinado produto pode ser fabricado e colocado no mercado). É que o potencial poluidor de uma empresa nem sempre será proporcional ao seu porte.

Por isso, o esforço maior deve concentrar-se na previsão de tratamento diferenciado, simplificado e favorecido no campo das obrigações procedimentais, ou assessórias: rito do licenciamento, prazos, custos e isenções, prioridades e preferências, valores de multas, entre outros, podendo, inclusive, ser feito, na maior parte das vezes, por normas de caráter infralegal.

Esse desafio não é só da União. Estados e Municípios também devem estar atentos à sustentabilidade das MPEs. Padrões nacionais podem ser amigáveis para grandes empresas, que atuam em mais de uma região, mas padrões específicos, adaptados às realidades locais, podem ser melhor para as MPEs. Os padrões nacionais geralmente são altos e a uniformidade tende a extinguir as iniciativas locais – em condições de igualdade, as menores são incapazes de competir com as grandes, que, devido à produção em escala, conseguem operar com custos mais baixos.

As MPEs se encaixam como uma luva no desenvolvimento sustentável: são imprescindíveis para a economia e a inclusão social – como já demonstrado nos números de renda e emprego que geram –, e do ponto de vista ambiental também apresentam números importantes. Pesquisas do Sebrae (Engajamento dos Pequenos Negócios Brasileiros em Sustentabilidade e aos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, 2018) indicam que 93% dos micro e pequenos empresários estão comprometidos com a sustentabilidade e 94% acreditam que a sustentabilidade é uma forte alavanca para inovação e novos negócios.

Ademais, sua capilaridade e a velocidade de produção e adaptabilidade (com estruturas mais enxutas e poucos níveis hierárquicos) podem ser fatores favoráveis para uma transição bem sucedida aos novos paradigmas da indústria 4.0 e da economia circular.

As MPEs necessitam de um Simples ambiental (inspirado no exitoso programa tributário), que de fato calibre a legislação ambiental à realidade da maioria das empresas existentes no país. É possível fazer isso reformando, principalmente, as obrigações acessórias, gerando efeitos positivos econômicos e sociais, sem comprometer a qualidade do meio ambiente.

Seria um pequeno passo para o Estado, mas um grande passo para as micro e pequenas empresas e para o país.

Marcos Abreu Torres é advogado e autor de “Conflito de Normas Ambientais na Federação”.

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Angelo Pitombo: Medidas tributárias dos estados na Covid-19

Diante da imprevisível crise econômica global procedente da pandêmica Covid-19, sucederam-se providências emergenciais para preservar a saúde econômica das empresas, muitas delas voltadas para as obrigações tributárias de curto prazo.

Em que pesem as limitadas alternativas, fruto dos efeitos da crise sobre suas receitas, é oportuno assentar que os estados e municípios adotaram medidas tributárias, basicamente adstritas ao Simples Nacional, de vigor insuficiente para abrandar o impacto econômico, consequente do declínio do faturamento e fluxo de caixa de seus contribuintes. 

Com amparo nos levantamentos da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), 73% das empresas precisarão de crédito para capital de giro no montante de 43% de seu faturamento. Do total desses créditos obtidos, 89% serão destinados ao pagamento de salários, 63% para insumos e 39% para custo de energia. Essas não são as mesmas necessidades de outras atividades econômicas voltadas ao comércio e serviços, bem como de regiões distintas do país, contudo é um indicativo.

Com efeito, nesse período de contração generalizada do fluxo de caixa das empresas o Imposto Sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e Sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual, Intermunicipal e de Comunicação (ICMS), que é de competência dos estados e do Distrito Federal, produz o maior impacto na carga tributária de seus contribuintes e passa a ter equivalente relevância para a higidez financeira dessas empresas.

Em linhas gerais, a obrigação de pagar o aludido imposto nasce após a ocorrência de seu fato gerador, comumente a venda das mercadorias ou prestação dos serviços que estão inseridos em seu campo de incidência.

Não obstante, por meio do Regime de Substituição Tributária associado à Antecipação do ICMS (RST/AT), que, para a maior parte dos estados, está incluída mais da metade do valor das mercadorias neles comercializados, o imposto é pago antes mesmo que ocorram as saídas das mercadorias, fruto de suas vendas.

Nessa senda, o pagamento do ICMS de toda cadeia econômica, da produção até o consumo, deve ser realizado pelo contribuinte, em geral, que der início à circulação da mercadoria nas operações interestaduais ou internas, a depender da origem da mercadoria e da existência de acordos interestaduais ou enquadramento do produto no regime interno do estado.

Mesmo em ocasiões de estabilidade econômica, a operacionalização do RST/AT exige um significativo esforço de caixa dos contribuintes para anteciparem o pagamento do imposto, além da consequência de reduzir a competitividade daquelas com menor disponibilidade de capital de giro.

Em período de crise com tamanha e generalizada desidratação do fluxo de caixa das empresas, ajustes precisam ser efetuados para que se assegure o funcionamento regular do sistema.

Importa lembrar que o Estado de Santa Catarina, após a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), visando a reduzir os pedidos de restituição e demandas jurídicas relativas à base de cálculo do RST/AT, bem como atrair empresas e oferecer oxigênio para as já existentes, antecipou-se em 2019 e promoveu a mais ampla mudança nesse intricado microssistema tributário.

No rol das medidas adotadas pelo Estado de Santa Cataria se destacam as exclusões de diversos produtos RST/AT, a exemplo de materiais de construção e congêneres, materiais elétricos, produtos de papelaria, produtos eletrônicos, eletroeletrônicos e eletrodomésticos, tintas, vernizes e outras mercadorias da indústria química, lâmpadas, reatores e starters, ferramentas, máquinas e aparelhos mecânicos, elétricos, eletromecânicos e automáticos.

Outros estados, como Goiás e Rio Grande do Sul, adotaram também algumas modestas iniciativas e, por razões semelhantes, em alguns aspectos, excluíram produtos desse mecanismo de arrecadação.

Em momento de crise econômica, manter e até incrementar a receita tributária exige amplo alinhamento entre os órgãos técnicos que se ocupam do desenvolvimento econômico e aqueles que dirigem a administração tributária. A máquina de arrecadação precisa ser calibrada com sabedoria.

Nesse sentido, convêm realçar que o Regime de Substituição Tributária com Antecipação encurta a disponibilidade de caixa, por meio do pagamento dos tributos antes mesmo de serem realizadas as vendas das mercadorias com a ocorrência do fato gerador, e, para lhe conceder o imperativo fundamento de validade, foi necessária uma emenda que inseriu o §7º no artigo 150 da Constituição Federal. Esse fato provocou uma expansão desregrada do regime, com a inclusão de inúmeros e desnecessários novos produtos, além de regras de difícil operacionalidade.

É importante sublinhar que esse é um momento oportuno e necessário para que os estados, detentores de detalhadas informações sobre as operações que envolvem esse regime, o reavaliem, repensem e adotem providências para reduzir a sua aplicação a um rol de produtos que originariamente dele faziam parte.

Necessário, portanto, examinar a exclusão dos itens que são irrelevantes para a arrecadação, os que têm oscilações constantes no preço final de venda a varejo, além dos produtos que não se ajustam à forma apropriada para esse tratamento tributário, a exemplo daqueles com quantidade elevada de contribuintes substitutos em detrimento dos substituídos e os que concentram maior número de substitutos dentro do próprio estado.

Trazendo essas considerações para o campo prático, a exclusão de produtos demanda análises e estudos que são de fácil realização, tendo em vista o volume de informações disponíveis nas Secretarias de Fazenda, sobre a participação de cada produto na arrecadação, suas margens de valor agregado, a estabilidade dos preços finais de vendas a varejo, o número e a localização dos contribuintes substitutos e substituídos e a eficiência dos sistemas de controle e acompanhamento da arrecadação. Elas, contudo, podem demandar mudanças em acordos interestaduais que envolvem outros estados signatários.

Nesse contexto, visando a harmonizar o recebimento das vendas e serviços com o pagamento do aludido imposto, são necessárias providências precedentes que alarguem os prazos ou parcelem o recolhimento do imposto exigido antecipadamente, almejando uma sincronia entre o prazo de seu pagamento e o giro dos estoques, bem como, fruto dos efeitos da crise no comércio, reavaliar, por meio dos atuais preços de venda a varejo praticados, a base de cálculo do regime para cada produto.

Acrescente-se ainda outras alternativas disponíveis para os estados, a exemplo da revogação temporária da antecipação parcial do ICMS, cuja manutenção é impensável nesse momento; celeridade nos processos de restituição de impostos pagos a mais indevidamente, inclusive em relação à diferença de base de cálculo na Substituição Tributária; flexibilização para transferências de créditos fiscais acumulados para outros contribuintes; dilação da vigência de benefícios fiscais com vencimento neste ano de 2020; suspensão temporária das execuções fiscais, além de conter medidas que possam restringir o acesso das empresas a linhas de créditos.

As medidas elencadas no campo tributário alcançam apenas a restrita competência dos estados e Distrito Federal, que devem se somar a outras tributárias, bem como de ordem macro e microeconômicas, dirigidas a mitigar os efeitos da crise, especialmente sobre as empresas de pequeno e médio porte, na medida em que enfrentarão dificuldades para manter o faturamento e empregos, cumprirem tempestivamente suas obrigações tributárias e, sob os efeitos da consequente redução da economia de escala, manterem-se no mercado obtendo razoáveis condições nas aquisições de insumos e mercadorias.

 é advogado tributarista, sócio-fundador do escritório Angelo Pitombo Advogados Associados, auditor aposentado, conselheiro do Conselho de Assuntos Tributários da Fecomercio-SP, ex-conselheiro do Contencioso Administrativo Tributário da Bahia (Consef) e doutorando em Direito.