Categorias
Notícias

Ricardo Fraga: Dois meses de distanciamento social

Alguns aprendizados, nestes dois meses iniciais. O primeiro deles, com profissionais da medicina, é a expressão “distanciamento social”, ao invés de “isolamento” ou mesmo “quarentena”. Em itens adiante, o registro de outros aprendizados, coincidentes com estes dias, por acaso ou necessariamente nestes.

Desde logo, a lembrança de sabedorias anteriores. Na condição de juiz do Trabalho, com 20 anos em salas de audiência, no primeiro grau, e dez anos em sessões de julgamento, no segundo grau, um sentimento mais forte do que qualquer estudo de Economia ou áreas afins. Trata-se do sentimento, bem internalizado, de que não estamos em um sistema econômico minimamente planificado ou com previsibilidades.

Aqui, a grande maioria das empresas pequenas e médias não possuem “capital de giro” para um segundo ou terceiro mês sem funcionamento.

Dito de outro modo, aqui, “desacelerar” é bem difícil para a grande maioria das pequenas e médias empresas. Um piscar de esperança vem de colega observador, atento ao que ocorre em salas de audiências e realidade próxima, juiz Luis Carlos Pinto Gastal, o que se registra no parágrafo seguinte.

Provavelmente, muitas pequenas e médias empresas possam “retomar” o funcionamento com mais facilidade. Isso porque dependem mais dos conhecimentos e trabalho humano organizado do que do capital investido e do sistema financeiro. Isso, por óbvio, não exclui eventuais necessidades de maior apoio, inclusive creditício, das autoridades públicas, como lembrado pelo advogado Antonio Escosteguy Castro, em debates virtuais desses dias.

Desde logo, sobre a elevada financeirização de nossas economias, lembrem-se os estudos e alertas de Ladislau Dowbor em “O Capitalismo se Desloca – novas arquiteturas sociais”, São Paulo: Sesc, 2020, e também em entrevista.

Ntep Nexo Técnico Epidemiológico
Ocorrida, casualmente, nestes dias, a decisão do Supremo Tribunal Federal, na Adin (ação direta de inconstitucionalidade) número 3931, tem enorme relevância.

A subnotificação dos acidentes e das doenças do trabalho existe em quase todos os países, ao que se tenha notícia. No Uruguai, havia significativa solução contra as subnotificações, com a previsão de fundo nacional, ajustado anualmente, com base no número de doenças e acidentes do ano anterior. Mesmo assim, mais recentemente, foi necessário o auxílio do Direito Penal, com novas regulamentações. Apontado em livro de Ney Fayet Júnior Dos Acidentes de Trabalho: (sociedade de) Risco, Proteção dos Trabalhadores e Direito Criminal”.

Aqui se buscou o auxílio dos conhecimentos da estatística. Aqui, agora e, já antes, quando não deferida a liminar, existe a necessidade de exame da situação mais abrangente na qual inserida a doença ou acidente em julgamento. O contexto do caso em exame tem de ser examinado.

Em Direito processual probatório é inovação, desde muito, não vista. Nenhum dos anteriores conceitos deste ramo do Direito são suficientes para se perceber, inteiramente, o que está sendo construído. Por óbvio, os demais fatos e circunstâncias do caso concreto, igualmente, serão examinados, até mesmo, com os outros anteriores aprendizados do direito processual probatório.

Uniformização da jurisprudência
A urgência da necessidade de uniformização da jurisprudência é cada vez maior. Isso decorre de certa peculiaridade nossa, maior e/ou diferente de outros países.

Aqui, do Poder Judiciário se espera que cumpra diversas funções, de promotor da paz social, de corretor de injustiças, de um dos principais instrumentos para os aperfeiçoamentos civilizatórios, entre outros, acaso o antes indicado não seja tudo, inclusive com provável exagero.

Já superamos os debates sobre súmula vinculantes, contemporâneos à reforma do Poder Judiciário, Emenda Constitucional 45. Eram pretensões com pouco acerto, alimentadas pela imprensa leiga. De certo modo, confundia-se a função jurisdicional com a legislativa, como se fosse viável “julgar casos concretos em abstrato”. Em outro texto, buscou-se compreender aquele momento, “Quais Súmulas?”, com Luiz Alberto de Vargas.  

Viveu-se breve período de aprendizados bem mais ricos e superiores. Ao tempo da Lei 13.015, um pouco antes da entrada em vigência do atual Código de Processo Civil, Lei 13.105, o Direito Processual do Trabalho, mais uma vez na história, avançava mais do que o Direito Processual comum. Entre outros tantos estudos, o e-book “NCPC – Próximos do Segundo Ano”, de que participamos a partir da prática judiciária

Após a revogação da mencionada Lei 13.015 pela Lei 13.467, ficamos com os regramentos do CPC, agora atual, apenas. Muito haverá de ser construído. Estamos menos próximos da experiência do Direito Processual da Europa, civil law, e ainda não absorvemos os aprendizados de organização do Judiciário nos Estados Unidos.

Nestes primeiros dias de distanciamento social, leu-se o recente escrito de Estevão Mallet no prefácio do livro “Precedentes no Processo do Trabalho – Teoria Geral e Aspectos Controvertidos” (coordenadores Cesar Zucatti Pritsch, Fernanda Antunes Marques Junqueira, Flavio da Costa Higa e Ney Maranhão, São Paulo: Thomson Reuters e Revista dos Tribunais, 2020, página 11), no sentido de que: “Há que até diga ser impossible to draw a rigid line, a priori, between rationes decidendi and obitter dicta. (…) Em outros casos, especialmente em julgamentos colegiados, a decisão pode resultar de conclusões convergentes, decorrentes de fundamentos divergentes”.

Ora, na situação acima observada é difícil e mesmo equivocado ficar nos limites das práticas contemporâneas às edições de súmulas.

Provavelmente estejamos em condições de nos distanciar o mais possível das antigas práticas contemporâneas às elaborações de súmulas. Nas duas opções adiante, apresentadas de modo bem resumido, certamente, a segunda será a mais adequada:

a) primeiro decidir que irá vincular e depois examinar a(s) situação(ões);

b) primeiro examinar a(s) situação(ões) e depois, se possível, afirmar que irá vincular.

A efetiva contribuição nossa ao Direito Processual e à organização da Justiça poderá ser esta. Julgar o caso concreto, com toda dedicação, inclusive do tempo disponível. No restante, apenas e no máximo, anunciar as prováveis decisões em casos futuros, de conformidade com suas semelhanças, iguais, médias ou totais. Tudo isso respeitando, sempre, a determinação da inafastabilidade da jurisdição, Constituição, artigo 5º, inciso XXXV.

Despedidas em Números Elevados
Integrando a SDC (Secção de Dissídios Coletivos) do Tribunal Regional do Trabalho do Rio Grande do Sul, alguns aprendizados novos. Assim como os demais integrantes, tenho realizado algumas audiências virtuais de mediação coletiva.

Nessas audiências virtuais, um dos temas mais frequentes é o das despedidas e suspensões dos contratos. Acaso outro tivesse sido o resultado do julgamento, no Supremo Tribunal Federal, da Adin 6363 (relator original Ricardo Lewandowski) certamente ainda bem maior seria o número destas mediações coletivas, denominadas “pré-processuais” em outras regiões.

Nessas ocasiões, alguma semelhança com debates anteriores aos dias atuais. Registramos estas controvérsias anteriores no livro “Perguntas e respostas sobre a Lei da Reforma Trabalhista volume 1″ (coordenadores Ricardo Calcini Luiz e Eduardo Amaral de Mendonça).

O novo artigo 477-A, da CLT, inserido pela Lei 13.467, estabelece que:

“Artigo. 477-A  — As dispensas imotivadas individuais, plúrimas ou coletivas equiparam-se para todos os fins, não havendo necessidade de autorização prévia de entidade sindical ou de celebração de convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho para sua efetivação”.

A realidade, inclusive anterior aos dias de pandemia, vinha demonstrando que as despedidas em número expressivo, no maior das vezes, são inviáveis sem o contato com alguma instância da sociedade, para além da empresa. No mínimo, a autoridade policial vinha sendo chamada.

Em 2018 e 2019, no maior número de vezes, fomos procurados pelas entidades sindicais de trabalhadores. Já fomos procurados, por outro lado, pelas próprias empresas. Em mais de uma situação, fomos procurados por ambas as partes.

Nessas situações anteriores, eram mais frequentes algumas soluções, tais como:

a) diminuição do número de despedidas;

b) previsão de planos de demissão voluntária;

c) estabelecimento de cronograma das despedidas;

d) exame das estabilidades legais e normativas;

e) elastecimento de benefícios tais como planos de saúde e alimentação.

Agora temos a nova figura da suspensão temporária dos contratos, trazida por medida provisória ainda não examinada no Congresso Nacional ao tempo destes linhas.

A atenção e o cuidado com as realidades atuais exigirão mais de todos. Já se viu o debate sobre manutenção de grupo de discussão, de todos os trabalhadores, em aplicativo, virtual, sobre eventual venda de máquinas de empresa de porte médio.

Em caso mais anterior aos dias atuais, de empresa de transportes urbanos, estabeleceu-se a apresentação de balancetes diários, ao tempo das três ou quatro semanas das negociações coletivas.

Em debates mundiais, já se viram novas regulamentações registradas em “The regulation of collective dismissals: Economic rationale and legal practice” (Mariya Aleksynska, Angelika Muller, OIT Organização Internacional do Trabalho, maio de 2020), lembrado pelo advogado e professor Estevão Mallet.

Atuação não menor, nem mesmo numericamente
Os exemplos antes mencionados bem confirmam a necessidade da Justiça do Trabalho, mais ainda em dias de pandemia. O Tribunal Regional do Trabalho do Rio Grande do Sul, assim, omo outros, tem divulgado os números de suas atividades em primeiro e em segundo grau.

Pessoalmente, tenho atuado na totalidade das tarefas em quarentena, com números acima de mil, cuidado e dedicação não menores do que em dias antes considerados normais.

Na 3ª Turma do TRT-RS, assim como nas demais, têm sido significativos os números de julgamentos e de sessões.

Nesta 3ª Turma são sessões virtuais e por videoconferência, também denominadas telepresenciais, transmitidas online, estas segundas, assim como eram as sessões presenciais:

a) https://www.trt4.jus.br/portais/trt4/modulos/noticias/301474;

b) https://www.trt4.jus.br/portais/trt4/modulos/noticias/305454;

c) https://www.youtube.com/channel/UChbGL3ivkqi1Cl3Aba2U6Cg/videos

Em todas essas iniciativas, a confirmação de certa convicção. A Constituição e a realidade nos levam, satisfatória e obrigatoriamente, a um Direito Processual mais participativo. Sobre o tema, o texto escrito com o irmão juiz de Direito, “Salas de audiências por 60 anos”.

Futuro
Chegaremos aos dias futuros com os aprendizados do passado. Chegaremos ali, igualmente, depois de termos vivido os dias presentes.

É de todo lúcida certa afirmativa no sentido de que “é necessário ‘achatar a curva’ do empobrecimento geral da massa trabalhadora, formal e informal”, de Fernando Brito, em 12/4/2020.

Por ora, no momento de escrever estas linhas, ao menos algumas dúvidas existem. Acima de tudo, não se tem certeza sobre a duração dos dias atuais.

Alguns aspectos e situações dos dias atuais talvez persistam mais do que outros. Os anos próximos já foram mencionados em documentos de algumas universidades. Entre tantos:

a) “Harvard muito além de 2020″ 

b) Cambridge aulas presenciais bem mais adiante.

Por ora, no momento de escrever estas linhas, ao menos, algumas quase certezas existem. É crescente o interesse de todos pela melhor organização do trabalho remoto ou teletrabalho.

As empresas maiores, mais do que as medias e pequenas, já têm número expressivo de experiências incipientes, ao menos em algumas de suas atividades. Nesse rumo, com exagero visível, todavia indicativo de rumo e buscas, estudo sobre novas mentalidades.

Pesquisas mais recentes e bem elaboradas, seguramente, nos farão melhor conhecer a realidade.

No âmbito do Poder Judiciário, já se tem novo quadro desde momentos um pouco anteriores:

a) Noticia

b) Alteração de fevereiro de 2020; e

c) Resolução 74.

Estamos próximos, inclusive, de um dos maiores programas de renda mínima do Ocidente. O valor de R$ 600, ainda que não expressivo e com inúmeras demoras, terminou alcançando 50 milhões de pessoas. Nos Estados Unidos, existe benefício bem superior, alcançando número um pouco menor de trabalhadores.

Desejamos acreditar que não seremos quase meio milhão de brasileiros a menos, apesar de documento de outra universidade, a de Oxford.

Haveremos de ouvir os sons da próxima primavera. Haveremos de ouvir os belos sons das Vozes da Primavera, valsa de Johann Strauss Jr.

 é desembargador do Trabalho no Tribunal Regional do Trabalho do Rio Grande do Sul.

Categorias
Notícias

Plantonista nega análise de pedido da DPU sobre dados da Covid-19

A Resolução 71, do Conselho Nacional de Justiça, prevê que o plantão judiciário deve se voltar exclusivamente a análise de pedidos de Habeas Corpus e mandados de segurança, assim como das medidas urgentes, cíveis ou criminais, da competência dos Juizados Especiais.

DPU pediu que Ministério da Saúde divulgue boletim diário sobre o coronavírus até 19h para garantir amplo acesso da população às informações
Geraldo Magela/Agência Senado

Com esse entendimento, o juiz federal Nilson Martins Lopes Jr., plantonista em São Paulo, deixou de analisar ação em que a Defensoria Pública da União pede que o Ministério da Saúde passe a liberar os dados sobre a doença até, no máximo, as 19h.

Na decisão, deste domingo (7/6), o magistrado determinou a remessa dos autos à origem e pediu para haver a indicação de urgência para analise da matéria na 5ª Vara Cível Federal de São Paulo.

A ação civil pública foi protocolada em abril contra a União, o Estado de São Paulo e município de SP. Nela, a DPU pede a coleta e divulgação adequada dos dados da epidemia.  

Mais de um mês depois, a defensoria ingressou com pedido liminar, neste sábado, em que sustenta que a divulgação tardia dos dados diários sobre o coronavírus diminui a eficácia do amplo acesso à informação para a população, por inviabilizar sua inserção nos noticiários.

De acordo com o órgão, desde a última semana, a pasta da saúde passou a divulgar os dados por volta das 22h. No início da epidemia, as informações eram liberadas geralmente no período da tarde. Ainda segundo a DPU, Governo Federal tem feito tentativas de manipular as informações sobre a epidemia do coronavírus no país.

O juiz considera ainda que a demanda pode ser caracterizada como urgente “caso não tenha havido qualquer progresso na fase conciliatória”. No entanto, pontua que o CNJ já fixou que o plantão judiciário não se destina à reiteração de pedido já apreciado no órgão judicial de origem ou em plantão anterior, nem à sua reconsideração ou reexame. 

Desta forma, segundo o juiz, “tal apreciação deve aguardar o pronunciamento do Juízo originariamente competente, sob pena deste plantão judiciário agir como órgão revisor da decisão proferida em mesmo grau de jurisdição”.

Clique aqui para ler a decisão

Processo 5007005-98.2020.4.03.6100

Categorias
Notícias

DPU pede liberação de dados diários sobre o coronavírus até 19h

A divulgação tardia dos dados diários sobre o coronavírus diminui a eficácia do amplo acesso à informação para a população, por inviabilizar sua inserção nos noticiários. É o que afirma a Defensoria Pública da União em ação que pede que o Ministério da Saúde passe a liberar os dados sobre a doença até, no máximo, as 19h.

Jarun OntakraiPara DPU, Governo Federal tem feito tentativas de manipular as informações sobre a epidemia do coronavírus no país

A ação aponta que, desde a última semana, a pasta da saúde passou a divulgar os dados por volta das 22h. No início da epidemia, as informações eram liberadas geralmente no período da tarde. 

Para a DPU, há uma tentativa de manipulação das informações sobre a pandemia. Exemplo disso foi a alteração dos dados divulgados diariamente pelo Ministério da Saúde. Neste sábado, o sistema ficou fora do ar por quase 20 horas.

Na peça, o defensor público João Paulo Dorini afirma que o chefe de poder Executivo não pode escolher tomar providências de enfrentamento ao coronavírus. “Isto é um dever do administrador público.”

O pedido de liminar foi ajuizado neste sábado (6/6) na 5ª Vara Cível Federal de São Paulo. No entanto, a ação civil pública da DPU foi protocolada em abril, contra a União, o Estado de São Paulo e município de SP. A defensoria pede a coleta e divulgação adequada dos dados da epidemia. Até o momento, o pedido não foi apreciado.

Pedido de informações

O Ministério Público Federal informou que vai apurar os motivos que levaram o Ministério da Saúde a excluir do painel de informações da Covid-19 o número acumulado de mortes decorrentes da doença. 

O MPF também oficiou o ministro interino da Saúde, Eduardo Pazuello, para que forneça informações detalhadas sobre o tema, no prazo de 72 horas. 

Dentre os pedidos estão: a cópia do ato administrativo que determinou a retirada do número acumulado de mortes do painel e o inteiro teor do procedimento administrativo que resultou na adoção desse ato.

Clique aqui para ler o pedido

Processo 5007005-98.2020.4.03.6100

Categorias
Notícias

Pedidos de recuperação judicial sobem 69% em maio, diz Boa Vista

Os pedidos de recuperação judicial deram um salto em maio, crescendo 68,6%. As recuperações deferidas aumentaram 61,5% na comparação com abril deste ano, segundo dados da Boa Vista serviços. O levantamento foi feito com base em informações colhidas no Serviço Central de Proteção ao Crédito (SCPC), oriunda de fóruns, varas de falência e Diários Oficiais e da Justiça dos Estados. 

Tribunais podem não dar conta do grande número de processos

Os pedidos de falência subiram 30% na mesma comparação; as falências decretadas, por outro lado, diminuíram 3,3%.

Já no acumulado de 12 meses, os pedidos de recuperação cresceram apenas 3,7%, enquanto as recuperações deferidas aumentaram 2,4%. Os pedidos de falência, em contrapartida, diminuíram 25%, enquanto as decretações caíram 21,6%. 

“De acordo com os resultados acumulados em 12 meses, ainda se observa a continuidade da tendência de queda nos pedidos de falência e falências decretadas. No entanto, esse movimento estava atrelado à melhora nas condições econômicas apresentadas entre 2017 e o início deste ano. Agora, com os impactos econômicos causados pela chegada do novo coronavírus, e como já observado na análise mensal, a tendência é de que as empresas encontrem maiores dificuldades em dar continuidade a esse movimento nos próximos meses”, diz a Boa Vista.

Queda no PIB

O aumento dos pedidos de recuperação judicial está intimamente atrelado à queda do PIB, segundo estimativa da consultoria Alvares & Marsal, divulgada em abril pelo jornal O Estado de S. Paulo.

Segundo o estudo, uma queda de 3% do PIB pode gerar 2,2 mil pedidos de recuperação judicial. O boletim Focus, divulgado pelo Banco Central em abril previu retração de 2,96% do PIB para este ano. 

De acordo com a mesma consultoria, caso a queda do PIB fique em 5% — o Fundo Monetário Internacional projetou recuo de 5,3% —, a estimativa é que 2,5 mil empresas batam às portas do Judiciário invocando a Lei 11.101/05, que trata da recuperação judicial, extrajudicial e de falências. 

O número de casos, se verificado, será 40% maior ao registrado em 2016, quando 1,8 mil sociedades empresárias recorreram à Justiça — cifra até então recorde.

A situação ganha contornos pouco alvissareiros quando se considera, também, que pequenas e médias empresas de São Paulo têm, em média, disponibilidade de caixa para apenas 12 dias caso haja algum comprometimento no faturamento. Os microempreendedores são os que mais sofrem, com cerca de oito dias de caixa, de acordo com dados do Sebrae. 

Segundo mostrou a ConJur, em reportagem de abril, magistrados e advogados já preveem um aumento nos pedidos de recuperação. Segundo eles, a situação delicada, decorrente da inadimplência e das dificuldades que as empresas têm para cumprirem suas obrigações, pode levar a uma avalanche de solicitações, fazendo com que os tribunais não consigam lidar com a demanda. 

Processos trabalhistas

Além do impacto nas varas e tribunais com competência para julgar recuperações judiciais e falências, o fechamento das empresas reflete nas cortes trabalhistas, que receberam uma enxurrada de ações desde o início da epidemia. 

Segundo levantamento do Termômetro Covid-19 na Justiça do Trabalho, iniciativa da ConJur, em parceria com a Fintedlab e a Datalawyer Insights, mais de 29 mil ações contendo os termos “pandemia”, “covid” ou “Covid-19” foram ajuizadas desde 1º de janeiro.  O valor total das causas já passa de R$ 1,68 bilhões.

Categorias
Notícias

Lauar Leite: Reunião e locomoção não estão sujeitas a lockdown

Emergência de saúde pública internacional. Pandemia. Incubação por até 14 dias. Transmissão comunitária de fácil propagação. Sintomas comuns a outras viroses. Inexistência de vacina ou tratamento específico. Mais de cento e cinquenta mil casos confirmados e dez mil mortes[1]. Curva ascendente em eixo gráfico. Carência quantitativa e qualitativa de leitos hospitalares.

Pela ementa e pelos diários oficiais, a temporada de lockdowns parece estar aberta e, com ela, manifesto alguma surpresa em, a par das publicações aqui mesmo do ConJur[2], estar do lado aparentemente contrarian[3] quando o assunto são as liberdades de reunião e locomoção — ir e vir, deslocamento, circulação — em tempos da pandemia. Sem mistérios: os decretos recém editados por unidades federativas municipais, na medida em que firam esses direitos, são inconstitucionais.

Primeiramente, decretos são atos normativos secundários com finalidades de regulamentação ou execução de atos normativos primários[4]. E o que diz o ato normativo primário de referência[5]? Que, em relação às liberdades de reunião e circulação, as autoridades poderão adotar medidas como isolamento, quarentena e restrição excepcional e temporária de entrada e saída do País, além de locomoção interestadual e intermunicipal, conforme recomendação técnica e fundamentada da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

Embora o rol seja exemplificativo, nem o presidente da República, muito menos governadores ou prefeitos, podem contrariar suas condições de aplicação, quais sejam:

  1. as medidas de quarentena ou isolamento só podem ser determinadas face a pessoas, respectivamente, suspeitas ou comprovadamente contaminadas (art. 2º); e,
  2. por derivação às previsões sobre a locomoção interestadual e intermunicipal, qualquer interferência na liberdade de ir e vir em âmbito intramunicipal (não prevista expressamente pela Lei) também requer recomendação técnica e fundamentada da ANVISA[6].

Em segundo lugar, independentemente de inovação, acaso fosse veiculada proibição de circulação pela referida Lei, ainda haveria inconstitucionalidade. Claro que o parlamento tem competência para refinar direitos fundamentais – limitando alcance e conteúdo em benefício de titulares de outros fundamentais, inclusive[7] –, mas esse não é um poder ilimitado. Pouco importa a nobreza do objetivo, há restrição na restrição, sendo inadmissível romper-se o conteúdo (núcleo) essencial de um direito[8], mormente quando em direção à sua aniquilação.

Ilustro. Todos podem conduzir carros, respeitadas as condições aperfeiçoadas no processo legislativo —v.g., não se pode trafegar embriagado, inabilitado ou na contramão. Mesmo assim, dados do Ministério da Saúde apontam que mais de trinta mil pessoas morrem anualmente por acidentes de trânsito. É incalculável quanto sofrimento poderia ser evitado se a lei impedisse a fabricação, a comercialização e o uso de veículos terrestres no Brasil. Sem carros, ônibus e caminhões, as pessoas circulariam de outras maneiras — mais caras/baratas, rápidas/lentas, eficientes/ineficientes.

De certo, mesmo se modelos estatísticos indicarem que, entre um e outro réveillon, dezenas de milhares de vítimas padecerão em acidentes de trânsito, impedir a locomoção por veículos terrestres seria inaceitável. Mais do que o reconhecimento e o respeito a direitos fundamentais alheios — no caso, a vida — limitações sobre outros destes — aqui, a liberdade — também precisam ir ao encontro das justas exigências do bem-estar coletivo[9], como aquelas ligadas a valores como autonomia, independência, conforto, celeridade e outros interesses ligados à qualidade de vida[10] de uma sociedade.

A relação entre essa restrição hipotética e a levada a efeito por vários decretos de lockdown é evidente. Por vários deles, de maneira até mais gravosa, há a obrigação de permanência em casa para todas as pessoas, independentemente de suspeita ou contaminação, sendo o trânsito autorizado em poucas situações[11]. Por decreto — insisto —, cidades puseram seus munícipes em uma prisão domiciliar sui generis, chegando ao cúmulo de proibir e sancionar o contato entre familiares[12]. A essa altura, não é mais novidade a aplicação de multas e a detenção de pessoas que circulam em áreas de passeio público[13]. Sob nossos narizes, a liberdade tornou-se a exceção.

Então, como proteger a vida das pessoas frente a uma propagação viral que tem nelas seu principal vetor? Pela aplicação científica do critério da proporcionalidade. Se várias são as medidas adequadas para a redução da velocidade de contágio, qual delas guarda suficiência e menor impacto sobre outros direitos fundamentais?

As possibilidades são imensas. Campanhas educativas para o distanciamento social, regimes de trabalho remoto, aumento substancial de oferta no transporte público, limitação do número de pessoas em ambientes fechados abertos ao público, ampliação dos horários de atendimento em serviços essenciais, testagem em massa, controle rigoroso no cumprimento de quarentena para os suspeitos e o isolamento de infectados, uso obrigatório de máscaras para a população em geral, etc. No entanto, qual plano de ação está sendo adotado hoje[14]? Que medidas foram efetivamente realizadas, fiscalizadas e mensuradas? Quais modelos de análise subsidiam as restrições aplicadas? Não se sabe.

Enquanto isso, as contenções decretadas parecem justificadas a olhos comuns, mormente quando, de um lado, o presidente da República coleciona crimes de responsabilidade e ignora autoridades sanitárias nacionais e internacionais[15]; de outro, o Ministério da Saúde declara que estamos “navegando às cegas” porque “não se sabe o que fazer”[16]. Por crível desespero de Prefeitos, criminalizar[17] o exercício de direitos fundamentais de locomoção e reunião passou a ser visto como alternativa plausível quando, em um estado de normalidade constitucional[18], não o é.

Independentemente das recomendações sanitárias, a Constituição não é derrogável por nenhum chefe de Poder Executivo. A essa altura, urge que a magistratura aja como sua última guarda defensiva ou, in dubio, pro liberdade, abstendo-se de ativismos despóticos. Parte da dificuldade de preservação de um sistema de liberdade está na exigência de uma constante rejeição de medidas aparentemente importantes para assegurar determinados resultados, mesmo sem que se saiba os custos dessa escolha[19]. O sistema de direitos e garantias fundamentais deve ser respeitado, inclusive — e sobretudo — em momentos de crise.

 


[8] MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. v. 4. 3. ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2000, p. 338-340.

 é advogado, professor da Universidade Federal Rural do Semi-Árido (Ufersa) e doutorando em Ciências Jurídico-Empresariais pela Universidade de Coimbra.

Categorias
Notícias

STJ mantém prisão cautelar de ex-presidente do TJ-BA

A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça decidiu manter, nesta quarta-feira (20/5), a prisão preventiva da desembargadora Maria do Socorro, ex-presidente do Tribunal de Justiça da Bahia. O colegiado referendou decisão do relator do caso, ministro Og Fernandes, para quem não há mudanças que impliquem na substituição da cautelar.

Relator, ministro Og Fernandes recebe informes diários sobre situação dos presos TSE

A desembargadora teve sua prisão preventiva decretada pelo STJ por supostamente integrar uma organização criminosa especializada na venda de decisões judiciais relacionadas a processo de grilagem na região do oeste baiano. Ela é investigada na chamada operação faroeste.

O mesmo pedido já havia sido negado no Supremo Tribunal Federal pelo ministro Gilmar Mendes, apresentado pela defesa como extensão no Habeas Corpus 182.596, concedido anteriormente ao ex-deputado estadual Gilberto Furieri. 

Dessa vez, a defesa levou à Corte Especial a consideração relativa ao estado de saúde da desembargadora, diabética e hipertensa, sua idade e outros fatores que recomendariam a substituição da cautelar, principalmente em face da pandemia do coronavírus.

Fernandes apontou que recebe relatórios diários sobre a situação dos presos na operação faroeste. Assim, sabe-se que a acusada se encontra em sala de estado maior, em instalações consideradas excelentes pelo Conselho Nacional de Justiça. Sua cela é individual, e portanto não há superlotação. E o local possui equipe de saúde.

“Quanto às doenças alegadas — hipertensão e diabetes — são tidas como comuns a grande parte da população e controláveis por remédios ou mudança de habito e alimentação adequada. Os detentos estão tendo acesso a medicações especificas que foram recomendadas, bem como dieta por conta da diabetes”, ressaltou.

No começo do mês, a Corte Especial recebeu a denúncia do Ministério Público Federal contra quatro desembargadores e três juízes do Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA), além de outras oito pessoas — entre empresários, advogados e servidores públicos

AgRg na Pet 13.212