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Alexandre Fidalgo: Marco Aurélio e a justiça aos vencidos

Em 13 de junho de 2020, o Ministro Marco Aurélio Mello completou 30 anos de judicatura no Supremo Tribunal Federal. Convidado a escrever a respeito dessa data comemorativa, de pronto me veio à lembrança episódios marcantes, que diretamente interferiram na minha formação como advogado. Então um iniciante na advocacia, tive a honra e o privilégio de ser recebido pelo Ministro para um despacho em seu gabinete. Para o jovem recém-formado, estar diante de alguém que até aquele momento era inalcançável, com acesso somente por meio das decisões que proferia, era motivo de bastante apreensão. O acolhimento do Ministro Marco Aurélio foi motivador, encorajou-me de forças e me trouxe até aqui. Tive outros contatos, ainda recém chegado na advocacia, com outros Ministros, como o então, vale o registro, presidente do Superior Tribunal de Justiça Asfor Rocha, que igualmente recebeu-me com a simpatia e a segurança dos sábios. Certamente o Ministro Marco Aurélio em nada se lembra desse episódio, mas, de fato, isso alimentou mais ainda a minha admiração já iniciada nos bancos escolares.

O Ministro Marco Aurélio tomou posse em 1990, a partir da Constituição de 1998, indicado pelo presidente José Sarney. Até então, o Supremo julgava com o pensamento da CF 67. A Corte em que ingressava o novo Ministro tinha tantos outros pares indicados por generais e com tendência conservadora que poderia intimidá-lo. Mas, como se viu de 1990 a 2020, com três décadas de judicatura na Corte Suprema, o Ministro Marco Aurélio sempre esteve comprometido com a sua consciência e as suas ideias. Prova disso são os votos divergentes que marcam a sua trajetória no Supremo Tribunal Federal. Essa obstinação pela defesa de suas convicções, produzindo votos brilhantes, por vezes vencidos, ajudam e alimentam a renovação do direito, sem ativismos. Ao comparar os votos vencidos de Marco Aurélio com o do juiz Oliver Wendell, da Suprema Corte americana, que, nas décadas de 20 e 30, defendia o direito de greve e a função social da propriedade, sendo, naqueles anos, voto vencido, o Ministro Celso de Mello registrou que nos votos vencidos do ilustre Ministro “reside, muitas vezes, a semente das grandes transformações”.

É da gestão da presidência do Ministro Marco Aurélio a concepção e a efetivação da TV Justiça no Brasil, que, além de aproximar um dos poderes da República da sociedade, consiste em verdadeira legitimação das decisões da Corte e, porque não, representação maior da transparência dos julgamentos em plenário do Supremo Tribunal Federal, em harmonia com a ideia de que as coisas públicas devem ser postas em púbico.

Outro ponto de aproximação do Ministro com esse advogado está na defesa que faz da inconstitucionalidade da modulação dos efeitos das leis inconstitucionais. Em minhas aulas de mestrado, defendia que essa forma de pensar o direito estimulava leis inconstitucionais ou, como chama o Ministro, contribuía para inconstitucionalidades úteis. Quando tive conhecimento de que o Ministro possuía idêntico pensamento, notei que o jurista inalcançável de outros tempos, ainda que permanecesse bem distante, havia produzido no advogado, já nem tanto jovem, novo encorajamento para defender suas ideias e convicções, ainda que isso lhe custasse alguns dessabores.  

Um jurista tido como garantista e que não dialoga à margem da democracia e da lei do povo, defende, como poucos, a liberdade de expressão e a atividade de imprensa de modo amplo e pleno. No emblemático julgamento da ADPF 130, proposta pelo PDT, sob o argumento de que a então Lei de Imprensa (5.250/67) não havia sido recepcionada pela Constituição democrática de 1988, o Ministro Marco Aurélio foi voto vencido, eis que julgou improcedentes todos os pedidos da ação. Sua reflexão no julgamento não revelava nenhum cerceamento à atividade jornalística e à liberdade de expressão. Muito pelo contrário, entendia o Ministro que tais garantias já estavam asseguradas e enraizadas na novel democracia brasileira, e que o Judiciário já estava a proteger tais liberdades, concluindo que melhor seria deixar para a vocação exclusiva da casa do povo a elaboração de lei a regular questões relativas à imprensa. O Ministro Marco Aurélio, conferindo rendimento ao registro dado pelo Ministro Celso de Mello, criticava o vácuo legislativo que a decisão, pela não recepção da Lei de Imprensa, traria à tutela do direito de resposta. A ADPF 130 foi votada em 30.04.2009 e, 6 anos depois, o parlamento brasileiro aprovou a Lei de Resposta (13.188/2015). Os votos vencidos do Ministro Marco Aurélio fazem jurisprudência e, também, leis.

Como advogado militante na área das liberdades públicas, especialmente nos casos voltados à liberdade de expressão e à atividade de imprensa, a presença do Ministro Marco Aurélio na Corte Suprema constitui um alento e uma garantia de que abusos contra a imprensa não serão tolerados, tampouco — de outro lado — os excessos cometidos pela própria imprensa, eis que sempre ressalta, acertadamente, a responsabilidade desse importante player da democracia. São muitos e emblemáticos os votos do Ministro a respeito desse valor democrático, tão caro e tão necessário no atual momento republicano.

O título que anuncia esse texto, Justiça aos Vencidos, é de autoria de Rui Barbosa, em artigo que escreveu ao Correio da Manhã de Lisboa em 1894, e bem representa o legado deixado pelo Ministro. Como se sabe, Rui Barbosa foi um dos grandes defensores das liberdades, tal como hoje é o Ministro Marco Aurélio, que, dada a sua insuperável subordinação à Constituição Federal e a atualidade da mensagem, bem poderia assinar o discurso também feito por Rui Barbosa no Senado Federal em 11 de novembro de 1914: Abalando a Constituição da República, e o direito, que se entrincheira, para salvar a liberdade, a sorte do prélio vacila, num momento de crise, cujo desenlace, por instantes, chega a não se saber se seria para as instituições nacionais a vida ou a morte. As baionetas vomitam de lada a lado as tremendas ameaças da força armada. Da outra, a razão desarmada se defende com a linguagem da lei.

Nessa data trintenária, um obrigado ao Ministro Marco Aurélio Mendes de Farias Mello.

 é doutorando em Direito na USP, mestre em Direito pela PUC-SP, advogado e sócio do escritório Fidalgo Advogados.

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Ricardo Fraga: Dois meses de distanciamento social

Alguns aprendizados, nestes dois meses iniciais. O primeiro deles, com profissionais da medicina, é a expressão “distanciamento social”, ao invés de “isolamento” ou mesmo “quarentena”. Em itens adiante, o registro de outros aprendizados, coincidentes com estes dias, por acaso ou necessariamente nestes.

Desde logo, a lembrança de sabedorias anteriores. Na condição de juiz do Trabalho, com 20 anos em salas de audiência, no primeiro grau, e dez anos em sessões de julgamento, no segundo grau, um sentimento mais forte do que qualquer estudo de Economia ou áreas afins. Trata-se do sentimento, bem internalizado, de que não estamos em um sistema econômico minimamente planificado ou com previsibilidades.

Aqui, a grande maioria das empresas pequenas e médias não possuem “capital de giro” para um segundo ou terceiro mês sem funcionamento.

Dito de outro modo, aqui, “desacelerar” é bem difícil para a grande maioria das pequenas e médias empresas. Um piscar de esperança vem de colega observador, atento ao que ocorre em salas de audiências e realidade próxima, juiz Luis Carlos Pinto Gastal, o que se registra no parágrafo seguinte.

Provavelmente, muitas pequenas e médias empresas possam “retomar” o funcionamento com mais facilidade. Isso porque dependem mais dos conhecimentos e trabalho humano organizado do que do capital investido e do sistema financeiro. Isso, por óbvio, não exclui eventuais necessidades de maior apoio, inclusive creditício, das autoridades públicas, como lembrado pelo advogado Antonio Escosteguy Castro, em debates virtuais desses dias.

Desde logo, sobre a elevada financeirização de nossas economias, lembrem-se os estudos e alertas de Ladislau Dowbor em “O Capitalismo se Desloca – novas arquiteturas sociais”, São Paulo: Sesc, 2020, e também em entrevista.

Ntep Nexo Técnico Epidemiológico
Ocorrida, casualmente, nestes dias, a decisão do Supremo Tribunal Federal, na Adin (ação direta de inconstitucionalidade) número 3931, tem enorme relevância.

A subnotificação dos acidentes e das doenças do trabalho existe em quase todos os países, ao que se tenha notícia. No Uruguai, havia significativa solução contra as subnotificações, com a previsão de fundo nacional, ajustado anualmente, com base no número de doenças e acidentes do ano anterior. Mesmo assim, mais recentemente, foi necessário o auxílio do Direito Penal, com novas regulamentações. Apontado em livro de Ney Fayet Júnior Dos Acidentes de Trabalho: (sociedade de) Risco, Proteção dos Trabalhadores e Direito Criminal”.

Aqui se buscou o auxílio dos conhecimentos da estatística. Aqui, agora e, já antes, quando não deferida a liminar, existe a necessidade de exame da situação mais abrangente na qual inserida a doença ou acidente em julgamento. O contexto do caso em exame tem de ser examinado.

Em Direito processual probatório é inovação, desde muito, não vista. Nenhum dos anteriores conceitos deste ramo do Direito são suficientes para se perceber, inteiramente, o que está sendo construído. Por óbvio, os demais fatos e circunstâncias do caso concreto, igualmente, serão examinados, até mesmo, com os outros anteriores aprendizados do direito processual probatório.

Uniformização da jurisprudência
A urgência da necessidade de uniformização da jurisprudência é cada vez maior. Isso decorre de certa peculiaridade nossa, maior e/ou diferente de outros países.

Aqui, do Poder Judiciário se espera que cumpra diversas funções, de promotor da paz social, de corretor de injustiças, de um dos principais instrumentos para os aperfeiçoamentos civilizatórios, entre outros, acaso o antes indicado não seja tudo, inclusive com provável exagero.

Já superamos os debates sobre súmula vinculantes, contemporâneos à reforma do Poder Judiciário, Emenda Constitucional 45. Eram pretensões com pouco acerto, alimentadas pela imprensa leiga. De certo modo, confundia-se a função jurisdicional com a legislativa, como se fosse viável “julgar casos concretos em abstrato”. Em outro texto, buscou-se compreender aquele momento, “Quais Súmulas?”, com Luiz Alberto de Vargas.  

Viveu-se breve período de aprendizados bem mais ricos e superiores. Ao tempo da Lei 13.015, um pouco antes da entrada em vigência do atual Código de Processo Civil, Lei 13.105, o Direito Processual do Trabalho, mais uma vez na história, avançava mais do que o Direito Processual comum. Entre outros tantos estudos, o e-book “NCPC – Próximos do Segundo Ano”, de que participamos a partir da prática judiciária

Após a revogação da mencionada Lei 13.015 pela Lei 13.467, ficamos com os regramentos do CPC, agora atual, apenas. Muito haverá de ser construído. Estamos menos próximos da experiência do Direito Processual da Europa, civil law, e ainda não absorvemos os aprendizados de organização do Judiciário nos Estados Unidos.

Nestes primeiros dias de distanciamento social, leu-se o recente escrito de Estevão Mallet no prefácio do livro “Precedentes no Processo do Trabalho – Teoria Geral e Aspectos Controvertidos” (coordenadores Cesar Zucatti Pritsch, Fernanda Antunes Marques Junqueira, Flavio da Costa Higa e Ney Maranhão, São Paulo: Thomson Reuters e Revista dos Tribunais, 2020, página 11), no sentido de que: “Há que até diga ser impossible to draw a rigid line, a priori, between rationes decidendi and obitter dicta. (…) Em outros casos, especialmente em julgamentos colegiados, a decisão pode resultar de conclusões convergentes, decorrentes de fundamentos divergentes”.

Ora, na situação acima observada é difícil e mesmo equivocado ficar nos limites das práticas contemporâneas às edições de súmulas.

Provavelmente estejamos em condições de nos distanciar o mais possível das antigas práticas contemporâneas às elaborações de súmulas. Nas duas opções adiante, apresentadas de modo bem resumido, certamente, a segunda será a mais adequada:

a) primeiro decidir que irá vincular e depois examinar a(s) situação(ões);

b) primeiro examinar a(s) situação(ões) e depois, se possível, afirmar que irá vincular.

A efetiva contribuição nossa ao Direito Processual e à organização da Justiça poderá ser esta. Julgar o caso concreto, com toda dedicação, inclusive do tempo disponível. No restante, apenas e no máximo, anunciar as prováveis decisões em casos futuros, de conformidade com suas semelhanças, iguais, médias ou totais. Tudo isso respeitando, sempre, a determinação da inafastabilidade da jurisdição, Constituição, artigo 5º, inciso XXXV.

Despedidas em Números Elevados
Integrando a SDC (Secção de Dissídios Coletivos) do Tribunal Regional do Trabalho do Rio Grande do Sul, alguns aprendizados novos. Assim como os demais integrantes, tenho realizado algumas audiências virtuais de mediação coletiva.

Nessas audiências virtuais, um dos temas mais frequentes é o das despedidas e suspensões dos contratos. Acaso outro tivesse sido o resultado do julgamento, no Supremo Tribunal Federal, da Adin 6363 (relator original Ricardo Lewandowski) certamente ainda bem maior seria o número destas mediações coletivas, denominadas “pré-processuais” em outras regiões.

Nessas ocasiões, alguma semelhança com debates anteriores aos dias atuais. Registramos estas controvérsias anteriores no livro “Perguntas e respostas sobre a Lei da Reforma Trabalhista volume 1″ (coordenadores Ricardo Calcini Luiz e Eduardo Amaral de Mendonça).

O novo artigo 477-A, da CLT, inserido pela Lei 13.467, estabelece que:

“Artigo. 477-A  — As dispensas imotivadas individuais, plúrimas ou coletivas equiparam-se para todos os fins, não havendo necessidade de autorização prévia de entidade sindical ou de celebração de convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho para sua efetivação”.

A realidade, inclusive anterior aos dias de pandemia, vinha demonstrando que as despedidas em número expressivo, no maior das vezes, são inviáveis sem o contato com alguma instância da sociedade, para além da empresa. No mínimo, a autoridade policial vinha sendo chamada.

Em 2018 e 2019, no maior número de vezes, fomos procurados pelas entidades sindicais de trabalhadores. Já fomos procurados, por outro lado, pelas próprias empresas. Em mais de uma situação, fomos procurados por ambas as partes.

Nessas situações anteriores, eram mais frequentes algumas soluções, tais como:

a) diminuição do número de despedidas;

b) previsão de planos de demissão voluntária;

c) estabelecimento de cronograma das despedidas;

d) exame das estabilidades legais e normativas;

e) elastecimento de benefícios tais como planos de saúde e alimentação.

Agora temos a nova figura da suspensão temporária dos contratos, trazida por medida provisória ainda não examinada no Congresso Nacional ao tempo destes linhas.

A atenção e o cuidado com as realidades atuais exigirão mais de todos. Já se viu o debate sobre manutenção de grupo de discussão, de todos os trabalhadores, em aplicativo, virtual, sobre eventual venda de máquinas de empresa de porte médio.

Em caso mais anterior aos dias atuais, de empresa de transportes urbanos, estabeleceu-se a apresentação de balancetes diários, ao tempo das três ou quatro semanas das negociações coletivas.

Em debates mundiais, já se viram novas regulamentações registradas em “The regulation of collective dismissals: Economic rationale and legal practice” (Mariya Aleksynska, Angelika Muller, OIT Organização Internacional do Trabalho, maio de 2020), lembrado pelo advogado e professor Estevão Mallet.

Atuação não menor, nem mesmo numericamente
Os exemplos antes mencionados bem confirmam a necessidade da Justiça do Trabalho, mais ainda em dias de pandemia. O Tribunal Regional do Trabalho do Rio Grande do Sul, assim, omo outros, tem divulgado os números de suas atividades em primeiro e em segundo grau.

Pessoalmente, tenho atuado na totalidade das tarefas em quarentena, com números acima de mil, cuidado e dedicação não menores do que em dias antes considerados normais.

Na 3ª Turma do TRT-RS, assim como nas demais, têm sido significativos os números de julgamentos e de sessões.

Nesta 3ª Turma são sessões virtuais e por videoconferência, também denominadas telepresenciais, transmitidas online, estas segundas, assim como eram as sessões presenciais:

a) https://www.trt4.jus.br/portais/trt4/modulos/noticias/301474;

b) https://www.trt4.jus.br/portais/trt4/modulos/noticias/305454;

c) https://www.youtube.com/channel/UChbGL3ivkqi1Cl3Aba2U6Cg/videos

Em todas essas iniciativas, a confirmação de certa convicção. A Constituição e a realidade nos levam, satisfatória e obrigatoriamente, a um Direito Processual mais participativo. Sobre o tema, o texto escrito com o irmão juiz de Direito, “Salas de audiências por 60 anos”.

Futuro
Chegaremos aos dias futuros com os aprendizados do passado. Chegaremos ali, igualmente, depois de termos vivido os dias presentes.

É de todo lúcida certa afirmativa no sentido de que “é necessário ‘achatar a curva’ do empobrecimento geral da massa trabalhadora, formal e informal”, de Fernando Brito, em 12/4/2020.

Por ora, no momento de escrever estas linhas, ao menos algumas dúvidas existem. Acima de tudo, não se tem certeza sobre a duração dos dias atuais.

Alguns aspectos e situações dos dias atuais talvez persistam mais do que outros. Os anos próximos já foram mencionados em documentos de algumas universidades. Entre tantos:

a) “Harvard muito além de 2020″ 

b) Cambridge aulas presenciais bem mais adiante.

Por ora, no momento de escrever estas linhas, ao menos, algumas quase certezas existem. É crescente o interesse de todos pela melhor organização do trabalho remoto ou teletrabalho.

As empresas maiores, mais do que as medias e pequenas, já têm número expressivo de experiências incipientes, ao menos em algumas de suas atividades. Nesse rumo, com exagero visível, todavia indicativo de rumo e buscas, estudo sobre novas mentalidades.

Pesquisas mais recentes e bem elaboradas, seguramente, nos farão melhor conhecer a realidade.

No âmbito do Poder Judiciário, já se tem novo quadro desde momentos um pouco anteriores:

a) Noticia

b) Alteração de fevereiro de 2020; e

c) Resolução 74.

Estamos próximos, inclusive, de um dos maiores programas de renda mínima do Ocidente. O valor de R$ 600, ainda que não expressivo e com inúmeras demoras, terminou alcançando 50 milhões de pessoas. Nos Estados Unidos, existe benefício bem superior, alcançando número um pouco menor de trabalhadores.

Desejamos acreditar que não seremos quase meio milhão de brasileiros a menos, apesar de documento de outra universidade, a de Oxford.

Haveremos de ouvir os sons da próxima primavera. Haveremos de ouvir os belos sons das Vozes da Primavera, valsa de Johann Strauss Jr.

 é desembargador do Trabalho no Tribunal Regional do Trabalho do Rio Grande do Sul.

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DPU pede que STJ afaste Sergio Camargo da Fundação Palmares

Se em fevereiro deste ano a nomeação de Sergio Camargo para presidir a Fundação Palmares parecia trazer à sociedade um risco menor, hoje o dano já é concreto. É o que alega a Defensoria Pública da União em pedido de tutela de urgência encaminhado nesta quarta-feira (3/6) ao presidente do Superior Tribunal de Justiça, ministro João Otávio de Noronha.

Sérgio Nascimento de Camargo, presidente da Fundação Palmares Reprodução

Os defensores apontam que ao longo dos meses de março a maio a página Fundação Palmares publicou textos que “ofendem a lembrança, a ancestralidade e as tradições da população negra”.

Pedem para o que o presidente do STJ retifique e impeça “a instrumentalização dessa cosmovisão pelo executivo federal”. Sustentam que é exigida transparência e “integral adesão aos propósitos que a lei lhe atribui” àquele que conduz a Fundação Palmares.

Além disso, a DPU afirma que não é possível identificar a revogação da portaria que suspendeu os efeitos da nomeação, o que aponta para “dúvida razoável sobre a própria legitimidade do exercício da função de presidente da Fundação Cultural Palmares pelo Sr. Sérgio Nascimento de Camargo”.

Histórico problemático

Personagem controverso nas redes sociais, Camargo se classifica como “um negro de direita, contrário ao vitimismo e ao politicamente correto”. Em seu perfil Facebook, afirmou que a escravidão foi terrível, “mas benéfica para os descendentes”, e que “cotas raciais para negros são mais que um absurdo”.

Ele foi nomeado em novembro de 2019 pelo ex-secretário de cultura Roberto Alvim, que deixou o governo após divulgar um vídeo cheio de referências a discursos do ministro da propaganda nazista Joseph Goebbels.

A nomeação foi tumultuada desde o início. Logo após ser indicado, decisão da 18ª Vara Federal do Ceará suspendeu liminarmente a nomeação, por entender que houve desvio de finalidade. A medida foi mantida pelo Tribunal Federal da 5ª Região.

No entanto, em fevereiro, o ministro João Otávio de Noronha acatou pedido da Advocacia Geral da União e liberou a nomeação. A DPU já havia recorrido da decisão, dizendo que a indicação “desafia a própria Constituição” e configura desvio de finalidade, uma vez que os posicionamentos de Camargo colidem frontalmente com os objetivos da instituição que ele pretende presidir. 

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Covid-19 traz lições históricas a tomar

Já se escreveu (Antonio Manuel Hespanha) que a história é um guarda-roupa no qual cabe qualquer fantasia. Tudo se exemplifica, se justifica, se explica. Para tudo há uma lembrança pronta. Eu sempre resisti à armadilha posta por aqueles que acham que a história traz lições e que se repete. É o pensamento de Cícero, o tribuno romano que acreditava que a história era a mestra da vida. Será? Pensava que não. Acho que chegou a hora de mudar de ideia. Penso agora que sim, que a história também ensina e ilustra. Em tempos de Covid-19 há lições históricas a tomar. Quais?

Além de ação (muita ação) o enfrentamento da Covid-19 sugere alguma (muita) reflexão. Há problemas historiográficos, comparativos, dramatúrgicos, políticos (principalmente), epistemológicos (de paradigmas científicos). A Covid-19 sugere também algumas leituras, isto é, para privilegiados que podemos substituir o deslocamento e o trânsito e a espera pela paz dos livros.

Há títulos disputadíssimos. De algum modo são livros que tratam de pestes e de mortes incontáveis. Nessa lista, “A Peste”, de Albert Camus, “O Decameron”, de Giovanni Boccaccio, “Morte em Veneza”, de Thomas Mann. Cristiano Paixão, competentíssimo professor de História do Direito, inclui ainda “O ensaio sobre a cegueira”, do José Saramago. Nesse último livro há dois personagens que sobressaem: a mulher do médico e o cão das lágrimas. Simbolizam a solidariedade, a compreensão para com o outro e a disponibilidade permanente para ajudar. Precisamos imitar a mulher do médico e o cão das lágrimas. Necessitamos de solidariedade e de compreensão.

Quanto ao tema da história há semelhanças e paralelos com fatos passados que chamam a atenção, e que dão ao registro histórico uma autoridade inegável. Refiro-me ao problema da varíola e a revolta da vacina (1904), à gripe espanhola (1918) e ao surto de meningite (meados da década de 1970). Pode-se compreender nosso tempo e nossos horrores no contexto dessas experiências? Claro que sim. Tenho a impressão de que sempre houve negacionistas, ignorantes, brutamontes, aproveitadores da desgraça. Mas também há bem-intencionados. Identifiquemos e dialoguemos com essas figuras. Apoiemos essas últimas, repudiemos aquelas primeiras.

Em 1904 o então presidente Rodrigues Alves (que morreu de gripe espanhola 15 anos depois) contou com uma trinca imbatível: Pereira Passos (o prefeito do Rio, que havia estudado a reforma do Barão Haussmann em Paris), Lauro Müller (que coordenou a reforma do porto do Rio de Janeiro) e Oswaldo Cruz (diretor da saúde pública, o tirano da vacina, como seus críticos o definiam). No combate à varíola a vacinação tornou-se obrigatória.

Contra a ciência e a vacina estavam os positivistas, os florianistas, Lauro Sodré e o próprio Rui Barbosa. Quem diria, Rui, a (suposta) mente mais iluminada da época, condenava a vacina, não admitindo se envenenar, com a introdução, em seu corpo “de um vírus cuja influência existem [iam] os mais bem fundados receios de que seja condutor da moléstia ou da morte”. Estava de olho nas eleições, que sempre perdeu. Já havia a necropolítica, bem antes da criação desse neologismo macabro. A má política já tinha a mania de negar a ciência.

O combate à febre amarela foi conspurcado com uma obstinada perseguição de pobres que habitavam o centro do Rio de Janeiro, o que justificou a revolta popular. Bondes incendiados, barricadas e muitas prisões. A necropolítica aproveitou o momento para negligenciar o pobre. Nenhuma novidade.

Sigo com a “influenza”. A censura em tempos de epidemia explica, inclusive, o batismo da gripe de 18-19 como “espanhola”. Era o tempo da primeira guerra mundial. Os países envolvidos no conflito não noticiavam as mortes pela gripe; era propaganda negativa. A Espanha, porque fora da guerra, não se submetia a essa regra. Os jornais espanhóis tratavam do assunto, o que resultou na identificação da gripe com o país. A gripe espanhola é, assim, mais um exemplo do odioso controle de informações, em desfavor da população. A gripe era um segredo de guerra. Matou mais do que os campos de batalha. A necropolítica política desinforma. Ilude.

Nas primeiras páginas do recentemente lançado “Metrópole à beira-mar” o escritor Ruy Castro narra com precisão de pormenores a tragédia da gripe no Rio de Janeiro. Um contemporâneo da tragédia, Lima Barreto, não tratou da gripe espanhola em suas crônicas, talvez porque internado pelo alcoolismo. No entanto, em seu Diário, registrou a violência policial na revolta da vacina. Lê-se em outro contemporâneo, João do Rio, na “Alma encantadora das ruas”, uma crônica, “Sono calmo”, que descreve o ambiente dos cortiços, cujos proprietários alugavam esteiras para dormir. Os locatários foram sistematicamente dizimados pelas autoridades. Pedro Nava, o grande memorialista, conta que viu uma criança tentando mamar no seio da mãe, morta pela gripe, caída no chão. Gilberto Amado, intelectual e político sergipano que vivia no Rio, conta-nos que via defuntos jogados em caminhões.

A Biblioteca Nacional disponibiliza em sua hemeroteca digital os jornais da época. Sugiro a leitura dos classificados do Jornal do Brasil. Vendiam todos os tipos de remédios milagrosos. Pregava-se o uso do sal de quinino, que na verdade matava por intoxicação. Difundia-se o uso da aspirina, que em doses cavalares era letal. Tragédias se equivalem.

Há também uma dramaturgia que acompanha essas levas de mortes maciças. Parece-me a dramaturgia de toda tragédia. Nega-se o fato, resiste-se a um novo cotidiano, o que fundamental para a retomada da situação perdida. Essa negação se fazia por intermédio da divulgação de informações falsas, a exemplo de um reclame do sindicato dos trabalhadores do comércio no Rio, que afirmava que a gripe era benigna e que apenas atacava os mais fracos. Recomendavam um purgante como remédio certeiro.

No caso da meningite, e nesse caso meu registro é biográfico, e não bibliográfico, recordo-me que se confundia meningite com insolação, retomando-se um determinismo sanitário paliativo. Não se explicou o que houve. E também não se perguntava. Por quê?

Uma reflexão em torno dessas três epidemias (varíola, gripe espanhola e meningite) pode permitir o alcance de denominadores comuns de orientação para qualquer forma de ação no momento presente: informação e precaução. A boa informação (o que de imediato exclui a mensagem do zap do tio mala que todos temos ou somos) exige que nos preocupemos com as fontes. Quem disse? Quem escreveu? O que de fato foi dito? O que de fato foi escrito? Há provas ou outras referências? O uso malicioso de informações, nesse campo sanitário, é imperdoável. E se dúvidas há, a precaução é guia seguro para a ação segura.

No limite, a precaução justifica o medo. Filho de Ares e de Afrodite, o Medo era também uma figura mitológica que acompanhava o deus da guerra (Ares) nas batalhas. Apavorava os inimigos, que em desespero fugiam. O medo tem uma função estabilizadora de nossas defesas. Não se confunde com a covardia. A lição histórica que se tira dos fatos aqui narrados, parece-me, consiste em pensarmos que viver cautelosamente, e de par com a informação qualificada, pode ser, em momento crítico, um meio adequado para vivermos mais, e melhor, bem como para acudirmos quem precisa de ajuda nessa hora difícil. E também no limite, como a mulher do médico e como o cão das lágrimas, precisamos ser solidários.

 é livre-docente pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) e doutor pela PUC-SP.