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Entidade pede que STF diferencie discurso de ódio de liberdade

A Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD) moveu, nesta quarta-feira (17/6), arguição de descumprimento de preceito fundamental pedindo que o Supremo Tribunal Federal estabeleça os parâmetros de diferença entre discurso de ódio e liberdade de expressão.

Ataques ao Supremo Tribunal Federal são discurso de ódio, diz ABJD

De acordo com a entidade, o discurso de ódio extrapola a liberdade de expressão. Esse abuso “ocorre quando um indivíduo se utiliza de seu direito à liberdade de expressão para inferiorizar e discriminar outrem baseado em suas características, como sexo, etnia, orientação sexual, política, religiosa. Ou quando é adotado em ações para invocar regimes autoritários e antidemocráticos”.

Recentemente, o Brasil tem assistido ao uso de redes sociais para espalhar ódio contra instituições, personalidades públicas, parlamentares e ministros do STF, ajudando a desqualificar o Estado Democrático de Direito, sustenta a ABJD. Ela cita que “milícias digitais” foram uma estratégia essencial da campanha presidencial de Jair Bolsonaro, e seguem sendo usadas nas disputas políticas.

Além disso, a associação ressalta que as mensagens de ódio vêm alimentando uma série de seguidores, que proferem ameaças às instituições. Um exemplo é o movimento paramilitar que ficou acampado na Praça dos Três Poderes, em Brasília.

“O disparo de fogos de artifício na noite de sábado (13/6) na direção do edifício principal do Supremo Tribunal Federal, pelo grupo que se autodenomina ‘300 do Brasil’ na Praça dos Três Poderes, enquanto xingavam os juízes dessa corte, indica que as emoções, sentimentos de ira, raiva, desprezo, que constituem parte essencial do discurso de ódio não podem ser tratados de forma casuística ou natural quando já identificado que seu potencial de ação representa um perigo para o Estado Democrático de Direito, com ameaças explícitas contra a integridade de uma instituição da democracia e seus membros”, avalia.

Por isso, a ABJD pede que o STF estabeleça os parâmetros entre discurso de ódio e liberdade de expressão, com o objetivo de criar uma jurisprudência que esteja de acordo com os pilares do Estado Democrático de Direito e da democracia.

A entidade requer que uma interpretação conforme a Constituição de 1988 proíba manifestações, nas ruas ou redes sociais, que possuam como bandeiras o discurso de ódio, de instigação de crime e violência contra pessoas, autoridades e coletivos, de discriminação racial, de gênero, de religião, de opção política ou de orientação sexual, ou que atentem contra os poderes constituídos e a democracia.

Além disso, a associação pede liminar para retirar os manifestantes acampados na Praça dos Três Poderes, que as redes sociais bloqueiem contas que propagarem discurso de ódio e a declaração de ilegalidade de atos com bandeiras contra a democracia.

Legitimidade ativa

Em parecer anexado à petição inicial, Lenio Streck (professor da Unisinos e da Unesa), Pedro Estevam Serrano (professor da PUC-SP), Paulo Roberto Iotti Vecchiatti (doutor em Direito Constitucional) e Djefferson Amadeus de Souza Ferreira (mestre em Direito e Hermenêutica Filosófica) afirmam que a ABJD tem legitimidade para propor ADPF.

O artigo 2º da Lei 9.882/1999 aponta como legitimados para propor a ação de descumprimento de preceito fundamental os mesmos sujeitos aptos a propor a ação direta de inconstitucionalidade. E o artigo 103, IX, da Constituição, estabelece que “confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional” pode propor ADI.

Para os pareceristas, a interpretação mais coerente com a Constituição é a que diz que devem ser entendidas como entidades de classe com legitimidade ativa para o controle concentrado e abstrato de constitucionalidade todas aquelas que se configurem como entidades de defesa dos direitos fundamentais.

Como fundamento, eles citam a decisão monocrática do ministro Luís Roberto Barroso na ADPF 527. Na ocasião, o magistrado reconheceu a legitimidade ativa da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos para impetrar ações do controle concentrado de constitucionalidade, enquanto entidade de classe.

Barroso propôs a superação da jurisprudência do STF sobre o tema, que sempre atribuiu ao artigo 103, IX, da Constituição, o sentido de que somente classes profissionais em defesa de direitos trabalhistas poderiam propor ADI e ADPF. Na visão do ministro, essa interpretação restritiva prejudicou a defesa de direitos e garantias fundamentais.

Conforme os pareceristas, as principais decisões do STF sobre minorias e grupos vulneráveis e direitos humanos em geral têm se dado no controle concentrado de constitucionalidade. Exemplos são o reconhecimento da validade de uniões homoafetivas, de cotas sociais e raciais em universidades públicas e da homotransfobia como crime de racismo.

“Isto demonstra, sobremodo, que o controle concentrado é o caminho para a busca da garantia de direitos de grupos minoritários e/ou vulneráveis da sociedade. E isto quer dizer, por consequência, que a tese da taxatividade do rol dos legitimados ou ‘tese restritiva’ inviabiliza o acesso de minorias e grupos vulneráveis ao Supremo Tribunal Federal. Seria algo como ‘a Constituição contra a Constituição’”, afirmam Lenio, Serrano, Vecchiatti e Amadeus.

Como a ABJD tem o objetivo de valorizar a ordem constitucional e tem representatividade nacional, deve ser incluída no rol dos legitimados do artigo 103, IX, da Constituição, enquanto defensora do direito à democracia, sustentam os especialistas.

Clique aqui para ler a petição

Clique aqui para ler o parecer

ADPF 696

 é correspondente da revista Consultor Jurídico no Rio de Janeiro.

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Juíza proíbe venda de sabão em pó que afirma “eliminar o vírus”

A veiculação de publicidade potencialmente apta a configurar concorrência desleal, mas também de causar danos aos consumidores, privados do seu direito de escolha, que deve ser calcado em informações que reflitam a realidade do produto colocado no mercado, configura perigo de dano e justifica a proibição de comercialização.

Kateryna KonJuíza proíbe comercialização de sabão em pó que afirma “eliminar o vírus”

Com esse entendimento, a juíza Renata Mota Maciel, da 2ª Vara Empresarial e de Conflitos Relacionados à Arbitragem de São Paulo, proibiu a comercialização de um sabão em pó que afirma “eliminar o vírus”, em alusão ao coronavírus, em propagandas e na embalagem. A fabricante deve recolher as unidades que estão em supermercados e se abster de realizar novas campanhas publicitárias com o mesmo tema. Foi fixada multa diária de R$ 50 mil em caso de descumprimento.

Segundo a magistrada, o argumento trazido pela empresa ré, no sentido de que “nas embalagens dos citados produtos é informado ‘promove a sanitização’ e ‘elimina o vírus’, mas não que mata o coronavírus” não se sustenta nem mesmo em um juízo sumário dos fatos “e, o que parece mais grave, afronta até mesmo a boa-fé, sobretudo quando se trata de um agente econômico de sua magnitude, em um momento tão delicado para a população em geral e, por consequência, para seus consumidores”.

Para Maciel, toda pessoa, “menos ou mais esclarecida, exceto um especialista em vírus”, ao avistar a embalagem do sabão em pó, fará associação ao combate do coronavírus. “Até porque, infelizmente, não deve haver uma pessoa que não esteja acompanhando o triste contexto de aumento exponencial de casos de Covid-19 em nosso país, ou, ao menos, que não seja atingida pelas informações e notícias que todos os dias são veiculadas sobre o tema, todas, aliás, mencionando que se trata de “vírus” e muitas vezes com o desenho que remete “ao vírus”, coincidentemente idênticos aos veiculados nas embalagens do referido lava-roupas”, completou.

Além disso, afirmou a magistrada, a fabricante do sabão em pó não apresentou nenhuma notícia de que antes da pandemia tivesse usado a expressão “eliminar o vírus” em sua estratégia de marketing. Assim, para Maciel, a propaganda pode induzir o consumidor a acreditar que o lava-roupas apresenta uma especialidade que não está demonstrada, ao menos até o momento, quando comparado aos demais produtos da mesma natureza.

A juíza vislumbrou afronta ao artigo 195 da Lei 9.279/96 (desvio de clientela), aos artigos 36 e 37 da Lei 8.078/90 (publicidade enganosa e abusiva), artigo 36 e seguintes da Lei 12.529/11 (infração à livre concorrência). “A questão é ainda mais grave quando se sabe que mesmo para os produtos saneantes reconhecidos pela Anvisa como da categoria Risco 2 não há autorização para anúncios publicitários que façam menção ao combate do coronavírus”, concluiu.

Processo 1045436-58.2020.8.26.0100

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Renata Gil: Em defesa da democracia, contem com a Justiça

Nos últimos finais de semana, os brasileiros têm acompanhado por meio dos veículos de comunicação a repercussão de manifestações pelo país em que alguns grupos realizam ataques e ameaças à democracia e ao Judiciário. Instigados pelo desrespeito e pelas ações de caráter inconstitucionais nas ruas, a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp) e representantes de mais de 200 entidades saem em defesa da Constituição e das garantias e liberdades que dela emanam. 

O Judiciário acompanha com preocupação as investidas contra os Poderes estabelecidos, e pedidos que vão desde a prisão dos ministros do Supremo Tribunal Federal, até a imposição de uma ditadura no país. O repúdio dos representantes legítimos das funções essenciais à realização da Justiça é compartilhado também por grande parte da sociedade civil, de acordo com recentes pesquisas de opinião pública.

O Poder Judiciário é parte da estrutura que sustenta o Estado de Direito. Sua autonomia e independência são condições para a existência do regime democrático, orientado pela pluralidade política. Neste contexto, a suprema corte do país desempenha importante papel ao delinear a aplicação dos preceitos constitucionais. Críticas, discussões e avaliações são parte da essência do Estado de Direito, mas discursos de ódio e apologia à ditadura e outros regimes autoritários já derrotados no passado, não podem subsistir. A democracia possui mecanismos de defesa para impedir que poderes ocultos a destruam e que seus valores fundamentais sejam atacados.

Devemos proteger o sistema democrático, republicano e pluralista, em que a liberdade e os direitos de todos os cidadãos são respeitados. Clamar por democracia significa reivindicar a atuação republicana dos Poderes que a sustentam.

O país precisa de uma união sólida e efetiva diante da situação agravada pelas crises provocadas pelo coronavírus. As adversidades que assolam o país serão superadas com o diálogo e com a observância dos princípios fundamentais da República. Precisamos continuar caminhando no rumo de um país mais justo, solidário, plural, cidadão, responsável e equilibrado. A harmonia entre os Poderes deve ser preservada, bem como as prerrogativas dos integrantes do sistema de Justiça, das instituições.

Assim, a manifestação organizada pela Associação dos Magistrados Brasileiros e enviada ao STF visa salvaguardar os princípios essenciais da Constituição. Somos defensores máximos da democracia, da liberdade e do Brasil, e estamos unidos para combater as forças que desejam causar instabilidade e incertezas. O Judiciário está alerta, e permanecerá atento e atuante para guardar a ordem constitucional e garantir os direitos de todos os brasileiros. Na dúvida, contem sempre com a Justiça.

 é juíza, presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB).

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Nerylton Lopes: O planejamento tributário das clinicas médicas

Opinião

Planejamento tributário é remédio necessário para as clinicas médicas

Por 

A pandemia da Covid-19 está impactando diretamente a saúde financeira das clínicas médicas, pois as recomendações de isolamento social impuseram uma redução no números de consultas e procedimentos eletivos, o que coloca em risco as atividades das empresas.

Portanto, em tempo de escassez de fluxo de caixa, todos os recursos economizados representam um importante protocolo para ajudar imunizar a saúde financeiras das clínicas médicas, especialmente os decorrentes de custos fiscais desnecessários.  

O planejamento tributário, nesse passo, representa um conhecido e importante remédio que permite uma melhora nos resultados financeiros, em razão da redução dos custos. Para citarmos um exemplo da economia fiscal que pode ser obtida, após a realização de um planejamento tributário, recentemente ao analisarmos o tipo de escrituração fiscal escolhido pelo cliente, observamos a possibilidade legal e legítima de reduzir a carga tributária efetiva de 16,33% para 10,93%. Ou seja, uma redução dos custos de 32,77% da carga tributária.

Em outros casos, a escrituração fiscal escolhida pelo cliente estava correta. Todavia, por falta de um planejamento deixava de obter relevantes créditos tributários e de realizar deduções fiscais que tinha direito.  

Por essa razão, o planejamento tributário representa um remédio importante e necessário para ajudar a imunizar a saúde financeiras das clínicas médicas em tempos de escassez de fluxo de caixa. 

Nerylton Thiago Lopes é advogado do escritório Dias, Lopes & Barreto Advogados e mestre em Direito Tributário com foco em reestruturação empresarial e maximização de resultado.

Revista Consultor Jurídico, 17 de maio de 2020, 11h06

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Renata Monteiro: Suprema Corte Americana e a Covid-19

A pandemia da Covid-19 está forçando não apenas as empresas a se adaptarem a esse momento crítico como também as instituições governamentais. A partir de um caso de propriedade intelectual (PI), a Suprema Corte Americana fez pela primeira vez na sua história a transmissão ao vivo dos argumentos orais da corte. É curioso notar que, até então, as câmeras eram barradas na sala de audiências e as gravações eram publicadas apenas dias depois. 

Trata-se do caso Patent & Trademark Office v. Booking.com, que, além de representar esse marco histórico de transformação tecnológica, também discute tema de grande relevância para o mundo da propriedade intelectual. O USPTO (Escritório Nacional de PI Americano) considerou os pedidos de registro de marca Booking.com para serviços de reserva online de hotéis (classe 43) como meramente descritivos, sendo, portanto, impassíveis de proteção como marca de acordo com a lei local (Section 2(e)(1) of the Trademark Act, 15 U.S.C. § 1052(e)(1)).

No entanto, quando a questão foi primeiramente enfrentada pelo Judiciário americano (Eastern District of Virginia), concluiu-se que embora a palavra booking seja um termo genérico para os serviços identificados, a expressão Booking.com passou a ter uma significação secundária. Um dos trunfos utilizados pela empresa foi a apresentação de pesquisa indicando que 74,8% dos consumidores reconheciam Booking.com como marca e não como um serviço genérico de reserva.

Vale salientar que, ainda que exista considerável proximidade entre os textos de diversas legislações de propriedade intelectual de países tão distintos no cenário mundial, a interpretação à letra da lei pelos Escritórios de Propriedade Intelectuais Nacionais pode resultar em visões até mesmo antagônicas decorrentes de normas muito semelhantes.

A lei brasileira, por exemplo, também considera irregistráveis como marcas os sinais de caráter genérico ou simplesmente descritivos (artigo 124, VI, Lei nº 9.279/1996). Todavia, já foram concedidos diversos registros para marcas análogas ao caso discutido em solo americano pelo entendimento, em muitos casos, de que a marca deve ser compreendida em seu conjunto e não por seus termos isoladamente considerados.

Dessa forma, resta acompanhar esse caso emblemático para verificar se a compreensão da Suprema Corte Americana manterá o entendimento firmado pelo USPTO ou se concluirá que a adição de uma extensão de domínio (.com) a um termo genérico é capaz de criar uma marca passível de registro.

Renata Monteiro é advogada e sócia do escritório Daniel Advogados.

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Kelly Durazzo:Decisões colocam em risco alienação fiduciária

Com o advento da Lei 9.514/97, foi criado o Sistema de Financiamento Imobiliário (SFI) e a alienação fiduciária em garantia de bens imóveis. Essa modalidade de garantia existe quando o devedor, com o escopo de garantia, transfere ao credor a propriedade resolúvel de coisa imóvel. A propriedade resolúvel é aquela condicionada ao pagamento do financiamento imobiliário, ou seja, se o devedor ficar inadimplente a propriedade resolúvel será consolidada em nome do credor fiduciário, após execução extrajudicial do procedimento previsto no artigo 26 e seguintes da Lei 9.514/97.

A alienação fiduciária trouxe celeridade à execução da garantia, eis que todo o procedimento para a recuperação do crédito se resolve por via extrajudicial (registro de imóveis), cabendo ao oficial do Registo de Imóveis a intimação do devedor para a constituição em mora, averbação do leilão realizado e demais atos pertinentes à execução da garantia previstos na citada lei.

Ainda nos termos da lei, a alienação fiduciária em garantia de bem imóvel passou a ser permitida para financiamentos em geral, não sendo privativo do SFI e do SFH (Sistema Financeiro Habitacional) e instrumentalizado por meio de escritura de compra e venda de bem imóvel, com pacto de alienação fiduciária, firmado por instrumento público ou particular, nos termos do artigo 38 da referida lei. Referida escritura estabelece a relação entre o vendedor do imóvel, o comprador e o agente financeiro que financia o saldo do preço, seja ele privado, do SFI ou do SFH.

A celeridade do procedimento de garantia acima e sua validação pelo Judiciário fizeram com que incorporadoras e loteadoras passassem a utilizar referido instituto, cumulando a função de vendedoras e agentes financeiras, pois financiavam diretamente aos seus clientes, praticamente abandonando a hipoteca como modalidade de garantia, eis que esta se mostrava ineficiente havia muito tempo, principalmente pela morosidade na sua execução.  

Consequência disso é que opera-se a plena transferência da propriedade do imóvel ao comprador com o “registro” da escritura junto ao Cartório de Registro de Imóveis, e, ato subsequente, o devedor transfere a propriedade resolúvel do imóvel em favor do credor fiduciário/agente financeiro, que, no caso em análise, trata-se do loteador.  

O problema é que o Poder Judiciário vem dando tratamento judicial equivocado à estrutura jurídica acima apontada, já que trata as escrituras particulares com efeito de escritura pública (artigo 38 da Lei 9.514/97), indevidamente, como se fossem contratos de compromisso de compra e venda de imóveis, decretando sua rescisão judicial, ignorando que trata-se de ato jurídico perfeito e acabado, passível de nulidade somente se constatado vício jurídico.

Exemplo disso são os julgados abaixo: 

“(…) A mera existência de condição resolutiva em contrato de compra e venda com Alienação Fiduciária em garantia não impede que o adquirente pleiteie a rescisão do contrato com base no artigo 53 do Código de Defesa do Consumidor (…)”. h.n.. Voto nº 8439. Apelação Cível nº 1010838-30.2017.8.26.0344 Comarca de Marília Apelante: Couto Rosa Empreendimentos Imobiliários SPE Ltda e Outro Apelado: Félix Otávio Bachega.

(…) A aquisição do imóvel mediante contrato com cláusula de alienação fiduciária em garantia não afasta a incidência do Código de Defesa do Consumidor, sendo possível que o comprador rescinda o contrato, desde que antes da consolidação da propriedade em favor da credora fiduciária. (…) Cabe apontar, ainda, que o procedimento previsto nos artigos 26 e 27 da Lei 6.514/97, se restringe à hipótese de iniciativa da credora fiduciária, diante do vencimento e não pagamento da dívida, de consolidar a propriedade do bem para, posteriormente, promover leilão para sua alienação. (…) Portanto, inexiste óbice à pretensão do consumidor, ainda que inadimplente, de rescindir o negócio por iniciativa própria, com a consequente devolução dos valores pagos”. g.n  Apelação Cível nº 1064135-32.2017.8.26.0576 Comarca de São Jose do Rio Preto Apelante: SPE Terni Nature I Rio Preto Empreendimentos Imobiliários Ltda  Apelada: Fernanda Cristina Gaspar Lemes.

Vários problemas decorrem da rescisão judicial da escritura particular com força de escritura pública, cujos formatos são idênticos aqueles dos contratos de financiamento imobiliário da Caixa e de outras instituições financeiras que são contemplados pelo oficial do Registro de Imóveis, por terem plena validade e não conterem quaisquer vícios.

Se o mesmo julgamento equivocado ocorresse para anular os contratos particulares de financiamento da Caixa e dos demais agentes financeiros, ninguém mais conseguiria financiar sua casa, pois as instituições financeiras deixariam de operar por total afronta à Lei 9.514/97, a qual dá base para as operações do mercado de capitais, a seguir descritas.

Do mercado de capitais
Com base nas parcelas do preço do imóvel contratado no financiamento imobiliário celebrado diretamente entre a loteadora (vendedora) e seu cliente, ocorre a originação e emissão de CCI (Cédula de Crédito Imobiliário) e CRI (Certificado de Recebíveis Imobiliários), colocados no mercado de capitais nos termos do artigo 6º e seguintes da Lei 9.514/97.

Trata-se de uma sequência de negócios jurídicos validados com base nos contratos de financiamento firmados para a venda de lotes, por exemplo, refletindo operações que movimentam o mercado de capitais e imobiliário, podendo denominá-las “operações estruturadas”.

O que se alerta neste arrazoado é que o sistema de operações estruturadas está em iminente risco com atuação discricionária e desenfreada do Poder Judiciário, que vem rescindindo tais escrituras, que não são passíveis de rescisão, salvo se apresentasse  algum vício jurídico.

A Lei 9514/97 tem como um dos seus pilares captar recursos financeiros para estimular o crescimento dos negócios imobiliários. Não se mostra aceitável alguns julgadores tratarem instrumentos particulares, que se assemelham aos Contratos de Financiamento do SFH/SFI emitidos pelas instituições financeiras (a lei equipara ambos a escritura pública), como se fossem meros contratos de promessa de compra e venda.

Quando o Poder Judiciário aplica a esses negócios jurídicos a legislação consumerista, ou do próprio Código Civil, afastando a incidência das normas especiais da Lei nº 9.514 e da Lei nº 10.941, decretando rescisão judicial da escritura de venda e compra (do instrumento que tem a mesma força de escritura pública), isso também afeta a garantia acessória ao contrato principal, ou seja, a alienação fiduciária garantia real constituída não só garantidora do pagamento do preço do imóvel, como também da C.C.I emitida.

Ou seja, a intervenção do Poder Judiciário na equação econômico-financeira da operação acima, gera um ‘efeito cascata” devastador, violando a garantia da imutabilidade do ato jurídico perfeito posta no artigo 5º, XXXVI, da Constituição Federal.

Certo é que o Poder Judiciário deveria compreender a cadeia de negócios originados com o financiamento imobiliário garantido por alienação fiduciária, gerando um equilíbrio de sua atuação com a atividade econômica de empreender no Brasil, em respeito à Lei 9.514/97, sem trazer prejuízo e instabilidade ao negócio jurídico aqui tratado.

Concluindo, o mercado de capitais que fomenta o mercado imobiliário com suas operações estruturadas está em risco de ser prejudicado a ponto de afastar investimentos no país, pois o abalo da segurança jurídica desse tipo de transação inibirá a captação de recursos financeiros, inclusive do exterior, o que certamente reverterá em maiores taxas de juros para qualquer tipo de operação lastreada em C.C.I ou similar, o que certamente, de forma indireta, refletirá negativamente no bolso do comprador de imóvel.  

 é advogada especializada em Direito Imobiliário, membro do Conselho Jurídico da Aelo (Associação das Empresas de Loteamento e Desenvolvimento Urbano) e da Comissão de Loteamento da OAB-SP, diretora estadual em São Paulo da CRF (Comissão de Regularização Fundiária) e pós-graduada em Direito Contratual pela PUC-SP e Direito Empresarial Imobiliário.

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Lins Barbosa: Câmara de SP responde à pandemia com plenário virtual

O município de São Paulo destaca-se no cenário nacional por ser o mais populoso do país, com mais de 12 milhões de habitantes. Como esperado, é o município brasileiro mais afetado pela pandemia da Covid-19, computando isoladamente quase um quarto das mortes registradas no Brasil.

Nesse cenário crítico, a Câmara Municipal de São Paulo está respondendo bem e rapidamente, com sessões e votações no seu plenário virtual que ajudam a enfrentar a crise. Em abril foram aprovadas ao menos quatro leis de grande impacto [1], que trataram do desbloqueio de recursos para ações de saúde e assistência no combate à pandemia. Outra lei de relevante impacto social garantiu o pagamento integral da mão-de-obra terceirizada no setor público, mesmo com a diminuição do serviço prestado. Além disso, a Câmara, entre outras medidas, reduziu gastos com verbas de gabinete e destinou R$ 38 milhões do seu Fundo de Despesas para o enfrentamento da Covid-19.

Essa prontidão de resposta legislativa foi possível porque, já em 2019, a Câmara Municipal de São Paulo tinha alterado seu regimento para permitir que todo o processo legislativo, em alguns casos, tramitasse em meio exclusivamente digital. Significa dizer que não apenas o protocolo da propositura seria eletrônico, mas também todo o processo de discussão e de votação, sob a forma de um autêntico plenário virtual. As ferramentas de informática necessárias para essa pequena revolução foram desenvolvidas de modo competente, contínuo e gradual por servidores concursados do Centro de Tecnologia e Informação da casa, em estreita colaboração com a Secretaria Parlamentar e a Procuradoria da Câmara.

Em um primeiro momento, o plenário virtual foi admitido no regimento interno apenas para projetos de baixa complexidade, como denominação de logradouros, instituição de datas comemorativas e concessão de honrarias. Com a crise da pandemia, nova alteração do regimento admitiu o plenário virtual para que a tramitação das matérias relativas ao coronavírus fosse virtual e em regime de urgência. Com isso, a cidade pôde acompanhar online as discussões da Câmara e a construção dos consensos em torno das leis e resoluções já aprovadas.

Mas não só as sessões plenárias estão sendo realizadas virtualmente. Nos últimos dias, o secretário de Saúde e o secretário de Finanças do município foram chamados a prestar esclarecimentos sobre o uso de recursos públicos e as medidas adotadas pelo prefeito nas reuniões extraordinárias virtuais das Comissões de Saúde e de Finanças da Câmara. A Comissão Parlamentar de Inquérito que investiga a violência contra as mulheres que aumentou durante a quarentena também se reuniu virtualmente. E tudo isso é transmitido ao vivo no portal da Câmara e em suas redes sociais.

Verifica-se, assim, que a crise da pandemia está desenhando uma nova arquitetura nas Casas Legislativas. No plenário físico, as interações com a sociedade se acentuam no momento final de deliberação, com o público presente nas galerias, manifestando-se com faixas, aplausos ou vaias. No plenário virtual, a tramitação de todos os projetos é desde o início acessível ao público e as interações com a sociedade são ampliadas em transmissões e comentários em redes sociais. No ano passado, durante as audiências públicas do orçamento promovidas pela Câmara e transmitidas online, o cidadão podia encaminhar propostas em formulário disponível no site. A Câmara recebeu neste formato 2,4 mil propostas, número inalcançável nas audiências exclusivamente presenciais. 

 é procuradora-chefe da Câmara Municipal de São Paulo, mestre e doutora em Administração Pública e Governo pela FGV.