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Moro é denunciado por revelar informação sigilosa em entrevista

O ex-ministro da Justiça e Segurança Pública Sergio Moro foi denunciado nesta segunda-feira (1/6) na Comissão de Ética Pública da Presidência da República por ter supostamente revelado informações sigilosas durante uma entrevista concedida ao canal argentino La Nación Más.

Segundo denúncia, Moro teria revelado informações sigilosas em entrevista
Marcelo Camargo/Agência Brasil

A denúncia diz respeito a uma declaração feita por Moro no último dia 29, quando comentou uma visita feita pelo presidente da Argentina, Alberto Fernández, ao ex-presidente Lula em julho de 2019. Na ocasião, Fernández era candidato à presidência e Lula estava preso na sede da Polícia Federal em Curitiba. 

“Na época, achei que isso foi um pouco ofensivo. Sinceramente, achei que não fez bem para as relações bilaterais. Não foi muito apropriado”, disse Moro, que também ressaltou que “a relação Brasil-Argentina tem de ficar acima de questões partidárias”. 

A fala, segundo a denúncia, consiste em infração ética, já que o ex-ministro teria divulgado informações privilegiadas, obtidas enquanto chefiava o Ministério da Justiça. 

“A informação relativa a supostos prejuízos causados às relações diplomáticas entre Brasil e Argentina, divulgadas na entrevista referida, traduz um conteúdo logicamente sensível e reservada à alta cúpula governamental e às instâncias diplomáticas”, afirma o documento, assinado, entre outros, pelos juristas Lenio Streck e Celso Antônio Bandeira de Mello; e pela desembargadora aposentada do TJ-SP Kenarik Boujikian.

Também assinam a denúncia Caroline Proner; Marcelo da Costa Pinto Neves; Geraldo de Sousa Junior; Antonio Gomes Moreira Maués; Vera Lúcia Santana Araújo; Marcelo Andrade Cattoni de Oliveira; Gisele Guimarães Cittadino; Geraldo Prado; Weida Zancaner Bandeira de Mello; Fabio Roberto Gaspar; e Marco Aurélio de Carvalho

“Forçoso perceber a falta de cerimônia e a irresponsabilidade com a qual o ex-ministro elabora um juízo delicado, relativo a dificuldades nas relações internacionais do Brasil com um dos seus principais parceiros geopolíticos e comerciais. Deplorável que o ex-ministro Sergio Moro o tenha feito com a finalidade de depreciar a imagem de um cidadão brasileiro que esteve sob a sua jurisdição [Lula], chegando a criticar um Chefe de Estado Estrangeiro por ter se solidarizado com este jurisdicionado”, afirma a denúncia. 

Ainda de acordo com o texto, “o ex-ministro, acuado por seus entrevistadores, não resistiu à tentação de enveredar pela revelação de informações diplomáticas privilegiadas, que pretensamente dariam conta de um desgaste nas relações bilaterais entre duas nações historicamente amigas justamente em razão de um gesto humanitário de respeito protagonizado pelo atual presidente argentino, ao visitar o ex-governante brasileiro em seu controvertido cárcere de Curitiba”.

Moro teria contrariado determinações expressas no artigo 3, II e 6, I, da Lei 12.813/13, que considera como privilegiada a informação que diz respeito a assuntos sigilosos ou aquela relevante ao processo de decisão no âmbito do Poder Executivo. Também qualifica como conflito de interesses divulgar ou fazer uso de informação privilegiada obtida durante exercício de cargo ou emprego no Executivo federal. 

“Nossa denúncia quer mostrar apenas o que todos já sabemos e sabíamos. Moro, além de atuar como juiz parcial, entrou no governo Bolsonaro com promessa de ir ao STF. dentro do governo, solicitou pensão sem previsão legal. E o mais grave: mesmo sabendo de vários atos contrários à ética e à Constituição, que ele mesmo relatou na sua saída, quedou-se silente”, afirmou Streck à ConJur

Advocacia e consultoria 

O documento encaminhado à Comissão de Ética Pública da Presidência da República também cita uma reportagem publicada no jornal O Globo, segundo a qual Moro teria informado que pretende atuar como consultor e advogado de um escritório. 

“Quanto à informação veiculada pelo jornal O Globo, a ex-autoridade terá incorrido, ainda, em inobservância ao dever ético de negociar a sua contratação para atividade de consultoria durante o período vedado pelo artigo 6 da Lei 12.813/13, sob pena de configuração de conflito de interesse após o exercício do cargo”, diz a denúncia. 

Segundo a norma, Moro só poderia exercer a atividade de consultoria seis meses depois de se desligar do cargo no Ministério da Justiça.

“Evidencia-se, assim, que a inserção do denunciado em atividades de consultoria e advocacia privada, sobretudo nas áreas de direito administrativo, regulatório e terceiro setor, configuraria patente conflito de interesses”, diz o texto.

Clique aqui para ler a denúncia

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Föppel e Mangabeira: Processo penal para quê(m)?

Na tarde do último dia 6, tivemos o infeliz desprazer de ouvir o pronunciamento de uma subprocuradora-geral da República perante o STJ. De acordo com a presentante do Ministério Público (até onde se sabe, ainda fiscal da lei), as evidências, em determinado processo, seriam tão robustas que por si só deveriam tornar desnecessária a instrução do caso penal, condenando-se já ali, “adiantadamente”, quem até então seria apenas investigado.

Segundo a subprocuradora-geral, “apresentamos ao ministro relator prova suficiente inclusive para uma condenação adiantada. Sinceramente, tudo o que nós colocamos, desde o início, não haveria nem motivo pra continuar com a ação, seria momento já pronto para uma condenação”.

Pronto. Acabou-se o processo. Não se quer mais nem ouvir o réu, nem instruir, nem judicializar, nem colher em contraditório. Afinal de contas, como já se escreveu um dia, para alguns o “problema é o processo” [1].

O arrojo, o atropelo processual, sepultou até o eufemismo. Não bastasse a idílica e inconstitucional pretensão de cumprimento antecipado da pena, o mote acusatório, agora, sem rodeios ou palavras confortáveis, parece ser o da condenação “adiantada’. De acordo com a estranha lógica da procuradora da República, presentante do MPF, os elementos da “Operação Faroeste” [2], por si só, seriam tão convincentes que toda a instrução, toda a produção dialética de provas, os debates e os memoriais seriam desnecessários. Afinal, de acordo com a vergonhosa lógica acusatória, para que questionar o que “parece” óbvio?

Esse modelo de processo penal, mais rápido, eficientista, impessoal e frígido não é de hoje vem sendo defendido. Em 2018, ataques foram realizados contra o advogado Alberto Zacarias Toron durante audiência realizada na 13ª Vara Federal de Curitiba. Na sessão, o procurador do MPF, Athayde Ribeiro Costa, arvorou-se a questionar a atitude da defesa, como querendo censurar, de orientar seu cliente a não responder perguntas por si formuladas.

Naquele infeliz episódio, o membro da Procuradoria da República disse que a orientação da defesa “é uma clara afronta à paridade das armas, já que há uma fuga covarde ao contraditório. E se a defesa, que tanto preza pelas garantias processuais, age com deslealdade, deveria ela adotar um comportamento digno e se escusar de fazer perguntas também, já que tanto preza por respeito às garantias”.

É preocupante e pesaroso ver que a presentante do Ministério Público, agora no Superior Tribunal de Justiça, defende ideias tão incompatíveis com o Estado Democrático de Direito. Quer-se, além de corromper o constitucional direito ao silêncio, também violar o direito ao processo! Além de juridicamente insustentável (o pseudoargumento é de uma frivolidade tão grande que seria até risível se sério não fosse), o pronunciamento fere o próprio mister da instituição ministerial, estampado no artigo 1º da Lei Complementar 75, que lhe incumbiu a defesa da ordem jurídica e do regime democrático. ‘”Qual democracia as condenações ‘adiantadas’ buscam prestigiar?”. Ou melhor, “condenações antecipadas são compatíveis com a democracia?”.

O silencio eloquente se faz de novo. E as histórias cobrarão de cada um os preços de suas biografias.

Não se quer acreditar que a subprocuradora-geral da República tenha externado um posicionamento institucional (ou mesmo do grupo que chefia), uma vez que ao fazê-lo comprometeria todo o processo. Espera-se, por outro lado, que esse mesmo Ministério Público repudie as afirmações colocadas por aquela que o presentou.

E vamos caminhando, a largos passos, à beira do precipício da exceção processual. E, enquanto muitos atacam o processo, outros tantos emudecem.

Não emudeceremos.

 é advogado, professor da Universidade Federal da Bahia (UFBA), doutor em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e membro das comissões de Reforma do Código Penal e da Lei de Execução Penal, nomeado pelo Senado Federal.

 é graduando em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia.