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MPF lança coletânea de artigos sobre a “lei anticrime”

A Câmara Criminal do Ministério Público Federal lançou nesta quarta-feira (10/6) a coletânea de artigos Inovações da Lei nº 13.964, de 24 de dezembro de 2019, chamada de “anticrime”.

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O objetivo da publicação é debater, sobre diferentes perspectivas, as mudanças introduzidas pela norma no sistema penal brasileiro. É o sétimo volume de uma série de coletâneas sobre temas relevantes à atuação criminal do Ministério Público brasileiro, como escravidão contemporânea, tráfico de pessoas, crimes cibernéticos, justiça de transição, crimes fiscais, delitos econômicos e financeiros, temas processuais, prova e persecução patrimonial. Publicadas em formato digital e aberto, todas as publicações podem ser conferidas aqui.

A coordenadora da câmara, subprocuradora-geral da República Luiza Frischeisen, explica que o objetivo da série de coletâneas “é ampliar o debate para os diferentes campos profissionais e científicos, oferecendo a todos, e especificamente aos membros do MPF com atuação criminal, uma visão compreensiva das importantes questões tratadas”.

Todas as sete publicações foram produto de seleções públicas de artigos, abertas às inúmeras áreas profissionais e científicas interessadas nos temas debatidos.

Segundo a procuradora regional da República Márcia Noll Barboza, uma das coordenadoras das coletâneas, o escopo dos artigos é tanto científico quanto aplicado, “favorecendo o diálogo entre pontos de vista distintos, por vezes antagônicos, e sempre com o propósito de contribuir à melhor aplicação das normas e entendimentos abordados”.

No caso da sétima coletânea, o foco é a Lei nº 13.964/2019, que, por pretender tornar mais efetiva a persecução penal no Brasil, interesse do Ministério Público, e em razão das discussões científicas que suscita, é tratada em diversos artigos de autoria de membros e servidores do MP, advogados, professores e pesquisadores.

A nova lei resulta do Projeto de Lei nº 882/2019, do então ministro Sergio Moro, e do Projeto de Lei nº 10.372/2018, de comissão presidida pelo ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes. O resultado é um texto legal que imprime mudanças significativas no sistema brasileiro, “algumas consideradas positivas, e outras, negativas, sendo diversas delas polêmicas, o que justifica um estudo inclusivo de diferentes pontos de vista”, como afirmam as coordenadoras e organizadoras na apresentação da obra.

As procuradoras da República Andréa Walmsley e Lígia Cireno Teobaldo, que também coordenam a sétima coletânea, destacam que “os artigos cobrem diferentes aspectos dos acordos de não persecução penal, importante inovação que pode alterar o cenário de inefetividade da persecução e que tem recebido significativo apoio da Câmara Criminal do MPF”. Com informações da assessoria do MPF.

Clique aqui para ler a íntegra da coletânea

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Thiago Rufino: A retrovenda na crise econômica

A legislação brasileira permite às pessoas físicas ou jurídicas a celebração de contratos dispostos expressamente em lei (típicos) e atípicos, desde que não contrariem os bons costumes, a boa-fé dos contratantes e as normas legais.

Em regra, para celebração de qualquer contrato deve ser observada a regra geral dos negócios jurídicos, prevista no Código Civil: a) agente capaz: maior de 18 anos, se menor deverá ser assistido ou representado; b) objeto lícito, como por exemplo, apartamento, casa, fazenda ou bem móvel, entre outros; c) expressa previsão em lei ou forma não proibida; e d) livre manifestação de vontade: a pessoa física ou jurídica não pode sofrer qualquer vício de manifestação de vontade para formalização do negócio jurídico.

Alguns contratos exigem, para sua validade, a formalização por escritura pública, como por exemplo negócios envolvendo a compra e venda de imóveis com valor superior a 30 salários mínimos do país.

Preenchidas as formalidades legais, o contrato pode ter qualquer forma, como assinatura digital ou eletrônica, livre formatação, letra, disposição e negociação de cláusulas contratuais ou estipulação de nome do instrumento contratual mesmo sem qualquer previsão em lei.

Entre inúmeras cláusulas contratuais possíveis na formalização de contrato, uma é aplicável exclusivamente para contratos de compra e venda de imóveis, que é a retrovenda, prevista no artigo 505 do Código Civil.

A retrovenda dá ao vendedor de um imóvel residencial ou comercial o direito de recobrá-lo do comprador, dentro de um prazo máximo de três anos, devendo restituir o valor pago e reembolsando as despesas do adquirente.

A cláusula pode ser uma alternativa para o momento atual que vivemos na nossa economia, tanto para pessoas jurídicas como físicas não realizar empréstimos bancários com altas taxas de juros e oferecimento do imóvel como garantia em alienação fiduciária ou hipoteca.

O contrato com cláusula de retrovenda por ser uma alternativa para obtenção de crédito por pessoas físicas ou jurídicas, mediante auxílio de parceiros, ou familiares, na obtenção de um “empréstimo”, tendo a certeza de que pode ter maior flexibilidade na devolução do valor emprestado durante o período de três anos.

A cláusula incluída no contrato pode ser entendida como um acordo entre as partes, no qual o vendedor se reserva o direito de efetuar uma recompra do seu imóvel, mediante o pagamento do dinheiro recebido e de despesas pactuadas em contrato, recuperando a propriedade do imóvel.

Destacamos que o vendedor, inclusive, tem o direito de requerer judicialmente a devolução do imóvel mediante o preço estipulado em contrato dentro do prazo de três anos, na hipótese de o comprador ter repassado o imóvel a terceiros.

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Superendividados devem ser protegidos com aprovação de PL

O superendividamento dos consumidores tem sido objeto de tratamento específico em  vários países do mundo, sobressaindo dois sistemas que influenciaram os demais por terem sido os primeiros que disciplinaram a matéria: o norte-americano e o francês[1].

Não constitui um recente tema no âmbito das nações mais desenvolvidas economicamente, eis que, desde a década de 70, foram sendo editados diplomas normativos acerca da problemática. Na França, a Lei Scrivener, de 10 de janeiro de 1978, dispôs sobre a proteção dos consumidores no setor de certas operações de crédito[2].

O altíssimo grau de endividamento dos consumidores norte-americanos conduziu, em 1978, à aprovação do Bankruptcy Reform Act (Lei de Falência). A preocupação do governo francês com esta situação propiciou a edição das leis de 23 de junho de 1989 e de 31 de dezembro de 1989, denominadas de Leis Neiertz[3].  Nessa senda, a lei de 29 de julho de 1998 dispôs tanto do superendividamento na sua forma ativa quanto na sua modalidade passiva[4].   

No Brasil, a Lei Federal n.º 8.078/90 não englobou a matéria e, após quase vinte e dois anos de sua vigência, o Projeto de Lei n.º 283/12 trouxe, à lume, a necessidade da sua regulamentação. A despeito de ter sido convertido, em 2015, no PL n.º 3.515, ainda permanece sem a devida e necessária aprovação mesmo no caótico cenário pandêmico atual. O termo superendividamento corresponde a um neologismo constituído a partir da palavra sur, que advém do latim super e que indica acumulação, excesso e sobrecarga, e endividamento, cujo efeito principal é a existência de carga debitória que não se consegue suportar diante da renda existente e que compromete a sobrevivência do sujeito[5].

Nos Estados Unidos, Reino Unido e Canadá, denomina-se over-indebtedness[6], enquanto na Europa, a nomenclatura varia de acordo com o local, tendo Portugal o designado de sobre-endividamento, falência ou insolvência dos consumidores[7]; na França e Bélgica, utiliza-se o termo surendettement; na Espanha e demais países hispânicos, chama-se sobreendeudamento; e na Alemanha, tem-se o uso de Überschuldung[8].

O superendividamento constitui problema de natureza complexa que pode ser identificado nas diversas partes do mundo e o seu conceito dependerá da estrutura legislativa existente ou dos padrões normativos aplicáveis, quando se tratam de países que integram o sistema common law.

Vislumbra-se, porém, um conceito geral extraído dos sistemas norte-americano e europeu e que fora acolhido pelo parágrafo 1o do art. 104-A do PL n.º 3.515/15, segundo o qual corresponde à impossibilidade manifesta do consumidor, pessoa física, de boa-fé, de pagar o conjunto das suas dívidas não profissionais, exigíveis e vincendas. O parágrafo 2º exclui do processo de repactuação as dívidas de caráter alimentar, fiscais e parafiscais e as oriundas de contratos celebrados dolosamente sem o propósito de realizar o pagamento[9]. No art. 54-A do PL, há menção direta e expressa aos princípios da boa-fé, da função social do crédito e do respeito à dignidade da pessoa humana[10].

A configuração do superendividamento pressupõe uma situação não meramente incidental ou transitória, mas de caráter permanente, a despeito dos arts. 54-A e 104-A não terem predito expressamente[11]. O superendividamento, segundo Paisant, tem gerado situações nefastas que não se pode deixar prosperar, constituindo-se “fonte de tensões no seio da célula familiar que muitas vezes acarretam um divórcio, agravando a situação de endividamento”. É um problema que pode conduzir as pessoas superendividadas “a evitar despesas de tratamentos, mesmo essenciais, ou ainda a negligenciar a educação dos filhos”, podendo comprometer a moradia, dando-se “um passo na direção da exclusão social”. Ele é fonte “de isolamento, de marginalização”, contribuindo para “o aniquilamento social do indivíduo”[12].

Os estudos doutrinários norte-americanos e europeus acerca do superendividamento têm o classificado em passivo e ativo a depender da forma como as dívidas vão se formando acima do limite do razoável. O superendividamento passivo é consequência de uma conjuntura em que o consumidor não contribuiu diretamente para que florescesse, ocorrendo situações alheias à sua vontade ou circunstâncias externas[13], como, verbi gratia, desemprego, acometimento por doença, falecimento de ente familiar, etc – é o que Thomas Wilhelmsson denomina de força social maior[14].

No superendividamento ativo, o consumidor termina por adquirir produtos ou contratar serviços de modo desarrazoado e desequilibrado, de forma imprudente, sem analisar responsavelmente a sua possibilidade financeira e os débitos que está constituindo. Nessas hipóteses, se agir de má-fé, não terá a proteção assegurada, somente obtendo-a quando não tiver o interesse escuso de se livrar irresponsavelmente das dívidas, ou seja, estando imbuído pela boa-fé.  Para Iain Ramsay, a distinção entre superendividamento ativo e passivo é muito difícil de ser visualizada[15].

O consumismo à base do crédito foi-se difundindo de tal forma dos Estados Unidos para a Europa, que, segundo Lendol Calder, o fenômeno alastrou-se exigindo que os cidadãos se comportassem como sujeitos obedientes à disciplina do trabalho e como consumidores livres para terem sonhos e desejos ilimitados[16]. Além da França, Canadá, Inglaterra, Bélgica, Finlândia, Dinamarca, Noruega e Alemanha, outros países instituíram mecanismos para a prevenção e o tratamento dos consumidores superendividados.  No Canadá, a reforma de 1997 do Bankruptcy and Insolvency Act (BIA) teve como meta principal propiciar meios judiciais de incentivar os devedores a se reestruturarem financeiramente e a quitarem os débitos existentes[17].

Na Inglaterra, a lei de The Enterprise Bil tratou da temática, disciplinando a prevenção e o tratamento do superendividamento dos cidadãos[18]. A lei belga de 12-6-1991 estabeleceu um procedimento especial de suspensão das obrigações do devedor quando envolve créditos ao consumo, autorizando o sujeito em franco desequilíbrio financeiro a pedir ao juiz a aplicação de alguma facilidade de pagamento com esteio no seu art. 38[19].  

Em 1993, a Finlândia editou ato normativo sobre o ajuste de débitos individuais (act concerning the adjustment of debts of private individuals) e, em fevereiro de 1997, a lei foi revista com o escopo de restringir mais o acesso ao procedimento contemplado originariamente. Em 1996, a Austrália começou a tratar do debt agreements[20] e a Noruega  também deu início a um procedimento amigável (voluntary debt settlements) conduzido por organizações sociais locais sob a supervisão do município[21].

A Corte Federal da Alemanha, em interessante decisão, pronunciou-se no sentido de que a liberdade contratual não poderia limitar ou eliminar o controle das cláusulas abusivas em um contrato bancário com espeque na consideração do direito fundamental de desenvolvimento da personalidade (art. 2, I, da Grundgesetz).  As cortes civis deveriam realizar a concreção ou a subsunção do que fosse contrário às cláusulas gerais de respeito aos bons costumes e à boa-fé, de acordo, respectivamente, com os parágrafos 138 e 242 do BGB. O legislador alemão, recentemente, aprovou diploma normativo para controlar os efeitos jurídicos da COVID-19 e zelar pela situação dos que se encontram em alarmante estado de desequilíbrio financeiro[22].    

O PL n.º 3.515/15 contempla a crucial modernização do microssistema consumerista, primando pelo fomento e o desenvolvimento de ações visando à educação financeira dos indivíduos e pela implementação de mecanismos de prevenção e tratamento do superendividamento. Ressalta-se que a proposta visa à criação de noveis instrumentos de caráter extrajudicial e judicial para o tratamento do problema mediante a estruturação de núcleos de conciliação e mediação de conflitos. Consagrar-se-á o direito básico dos destinatários finais à garantia de práticas de crédito responsável, conscientizando-os para se evitar e combater o preocupante fenômeno que se alastra, assegurando-se a revisão e a repactuação da dívida, com o fito de preservar o mínimo necessário para a sobrevivência digna.

A proteção contratual será reforçada pelos deveres colaterais provenientes da boa-fé objetiva, detalhando-se o direito à informação no fornecimento de crédito e na venda a prazo. O Brasil não pode continuar alheio ao direito comparado e a mais de 30 milhões de indivíduos superendividados, urgindo a aprovação da aludida proposta legislativa.

Esta coluna é produzida pelos membros e convidados da Rede de Pesquisa de Direito Civil Contemporâneo (USP, Humboldt-Berlim, Coimbra, Lisboa, Porto, Roma II-TorVergata, Girona, UFMG, UFPR, UFRGS, UFSC, UFPE, UFF, UFC, UFMT, UFBA, UFRJ e UFAM).


[1] FERRIER, Les dispositions d’ordre públic visant à préserver la réflexion des contratants. Recueil Dalloz, Paris, Dalloz, Chronique, p. 177-188, 1980,  p. 177. A Lei da Informação e Liberdades de 06 de janeiro de 1978 trata de listas cuja consulta é ligada à concessão e a recuperação do crédito ao consumidor.

[2] Em 1975, Jean Calais-Auloy publica o artigo denominado de “Les cinq réformes qui rendraient le crédit moins dangereux pour les consommateurs”, revelando preocupação com a situação dos endividados dos países europeus. CALAIS-AULOY, Jean. Les cinq réformes qui rendraient le crédit moins dangereux pour les consommateurs. Recueil Dalloz, Chron., 1975, p. 20 e ss. 

[4] KHAYAT, Danielle. Lei droit du surendettement des particuliers. Paris: LGDJ, 1997, p. 12.  

[11] MARQUES, Manuel Leitão et al. O endividamento dos consumidores. Lisboa: Almedina, 2000, p. 2.

[15] MARQUES, Cláudia Lima. Les contrats de crédit dans la législation brésilienne de protection du consommateur. In: RAMSAY, Iain (ed.). Consumer law in the global economy. Aldershot: Ashgate-Dartmouth, 1997, p. 321 e ss.

[19] DOMONT-NAERT, Françoise. Consommateurs défavorisés: credit et endettement. Bruxelas: Story Scientia, 1992, p. 222. 

[22] RODRIGUES JUNIOR, Otavio Luiz. Alemanha aprova legislação para controlar efeitos jurídicos da Covid-19, Revista Consultor Jurídico, Coluna Direito Comparado, 25 de março de 2020.

 é promotora de Justiça do Consumidor do MP-BA, professora adjunta da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e doutora em Direito pela mesma instituição.

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Especialistas debatem sobre Covid-19 e seguros na TV ConJur

Segurança na crise

Especialistas analisam impacto da Covid-19 sobre os seguros na TV ConJur

A epidemia da Covid-19 e seus efeitos econômicos têm afetado de forma específica o setor de seguros. Fatores como o volume de sinistros, a inadimplência, novas contratações e o aumento das demandas judiciais exigem uma análise aprofundada sobre a forma como o momento atual tem impactado a atividade securitária.

Por isso, a TV ConJur promove, nesta quinta-feira (21/5) o debate “Segurança na crise: seguros e Covid-19”, com transmissão ao vivo pelo YouTube a partir das 11h.

Participam da conversa a superintendente da Susep Solange Vieira; o advogado e doutor pela Uerj Ilan Goldberg; o 3º vice-presidente do TJ-RS Ney Wiedemann Neto; e o vice-presidente da seguradora Chubb Leandro Martinez. A mediação fica a cargo de Thiago Junqueira, advogado e doutor pela Uerj.

Os convidados devem elucidar questões sobre o funcionamento do mercado de seguros durante a epidemia, as adaptações feitas para se adequar às novas demandas, as mudanças que essa experiência devem acarretar no futuro e os impactos dessas alterações no sistema judiciário brasileiro.

Clique aqui ou acompanhe a transmissão ao vivo, a partir das 11h:

Revista Consultor Jurídico, 20 de maio de 2020, 9h48

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Celso manda notificar Bolsonaro sobre ação ligada a impeachment

Presidente pode contestar

Celso manda notificar Bolsonaro sobre ação ligada a pedido de impeachment no STF

O ministro do Supremo Tribunal Federal Celso de Mello determinou que o presidente Jair Bolsonaro seja notificado sobre uma ação que pede que o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), seja obrigado a analisar um pedido de impeachment.

Marcos Corrêa/PRBolsonaro será notificado sobre ação relacionada a pedido de impeachment

Os advogados José Rossini Campos do Couto Corrêa e Thiago Santos Aguiar de Pádua protocolaram na Câmara um pedido de impeachment contra Bolsonaro por crime de responsabilidade. Como Maia ainda não analisou a questão, os advogados recorreram ao STF. Na decisão, Celso de Mello permite que o presidente conteste a ação. 

“O ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, manda que o oficial de justiça cite o excelentíssimo senhor presidente da República, Jair Messias Bolsonaro, com endereço no Palácio do Planalto, Praça dos Três Poderes, Brasília (DF), para, na condição de litisconsorte passivo necessário, integrar a relação processual e, querendo, contestar o pedido”, diz a decisão.

Crime de responsabilidade

Os autores do pedido de impeachment acusam Bolsonaro de cometer crimes de responsabilidade durante a epidemia de coronavírus, tais como participar de manifestações com aglomeração de pessoas e se posicionar contra as políticas de isolamento social defendidas pela Organização Mundial da Saúde.

Na ação ao STF, os advogados alegam omissão por parte de Rodrigo Maia por não ter analisado o pedido até o momento. Eles apontam “ato omissivo cuja inércia repercute na conduta do presidente da República”.

Revista Consultor Jurídico, 16 de maio de 2020, 10h54

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Ferramenta facilita acesso a quadro de saúde de pessoas presas

A Comissão de Política Criminal e Penitenciária (CPCP) da OAB-SP lançou nesta terça-feira (12/5) uma iniciativa para facilitar que advogados e defensores saibam se os presos por eles assistidos fazem parte do grupo de risco do novo coronavírus. 

Iniciativa é da Comissão de Política Criminal e Penitenciária da OAB-SP
Stockphoto

A ferramenta foi desenvolvida junto com a Secretaria de Administração Penitenciária de São Paulo (SAP), responsável por levantar informações sobre a situação dentro dos presídios do estado. 

Com a medida, os advogados poderão solicitar, por meio de um formulário, informação a respeito de um preso específico para saber se ele está na relação de pessoas que se encontram no grupo de risco. Por se tratarem de dados sigilosos, a consulta à lista da SAP só poderá ser feita mediante apresentação de procuração. 

A elaboração da iniciativa leva em conta o grande número de ações que buscam reavaliar medidas de privação de liberdade em razão da epidemia, seguindo a Recomendação 62 do Conselho Nacional de Justiça. 

“Estamos facilitando as condições de proteção à saúde de todos no sistema penitenciário, deixando informações à disposição dos interessados para que se dê cumprimento às recomendações da Resolução 62”, afirma Priscila Pâmela, presidente da CPCP. Além dela, encabeçam o projeto os advogados Marcelo Feller e Konstantin Gerber, ambos integrantes da Comissão. 

Pâmela explica que mesmo com a recomendação, alguns pedidos estão sendo indeferidos justamente pela dificuldade em comprovar que os clientes fazem parte do grupo de risco ou estão detidos em penitenciárias com más condições. 

Condição dos presídios

Além do formulário, o CPCP lançou um levantamento sobre a condição das unidades prisionais de São Paulo. Até o momento, os documentos abrangem cerca de 30 presídios.

A ideia, no entanto, é ter documentação referente a todos as 176 unidades prisionais em funcionamento no Estado. Os documentos foram obtidos com base na Lei de Acesso à Informação. Ainda não é possível ter informações sobre todos os presídios porque alguns pedidos da CPCP aguardam resposta.

Por fim, a Comissão também liberou relatórios de inspeção das penitenciárias. Esta última iniciativa foi feita em parceria com o Núcleo de Situação Carcerária da Defensoria Pública de São Paulo.

“O CNJ estabeleceu recomendação para que juízes observem, em casos de pedido de soltura de pessoas em grupo de risco, problemas no presídio, como acionamento de água ou ausência de assistência médica”, explica Pâmela. 

Petição

Fora as três iniciativas voltadas à advocacia, a CPCP protocolou na última quarta-feira (6/5) pedido para que os magistrados possam acessar livremente dados referentes ao quadro de saúde das pessoas presas em São Paulo. 

A solicitação, assinada por Pâmela, Feller e Gerber, é direcionada ao desembargador Ricardo Anafe, corregedor-geral de Justiça do Tribunal de Justiça de São Paulo. 

Caso o pedido seja deferido, os magistrados poderão acessar com facilidade o levantamento feito pela SAP sobre os presos que fazem parte do grupo de risco.

De acordo com os dados, as penitenciárias possuem 14.977 homens com problemas crônicos e respiratórios (tuberculose, hipertensão, asma, hepatite, entre outros) e 3.376 idosos. Entre as mulheres, 4.922 têm filhos de até 12 anos; 211 são idosas; e 1.792 possuem doenças em geral. 

“Referidos dados devem ser cotidianamente atualizados, bem como precisam estar à disposição dos magistrados paulistas, para aferirem a situação de saúde de pessoas presas sob sua responsabilidade, e para verificarem se se enquadram, ou não, dentro de grupos de risco”, diz a petição. 

Não é possível calcular o número preciso de pessoas em situação de risco, já que um mesmo preso pode fazer parte de mais de uma lista (ter problemas crônicos e ser idoso ao mesmo tempo, por exemplo).

Clique aqui para acessar o formulário

Clique aqui para conferir mapeamento sobre situação dos presídios

Clique aqui para acessar os relatórios de inspeção das penitenciárias

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Desembargador isenta grávida de cumprir rodízio emergencial

Circulação Autorizada

Grávida não precisará cumprir rodízio emergencial de SP nos dias de parto e alta

Por 

 É possível isentar grávida de cumprir o rodízio emergencial estabelecido em São Paulo nas datas de internação e previsão de alta. A decisão, em caráter liminar, foi proferida pelo desembargador Antônio Carlos Malheiros, do Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo.

Novo decreto ampliou rodízio em São Paulo
Jeferson Heroico

A mulher tem parto marcado para esta terça-feira (12/5) e receberá alta na quinta-feira (14/5). A autora afirma que necessita do veículo de seu convivente para o transporte. 

Entretanto, com as novas regras de rodízio em São Paulo, ela poderia receber multa, já que o carro não tem autorização para circular nos dias em que ela irá se deslocar.

Segundo Thiago Hamilton Rufino, da Dasa Advogados e responsável pela defesa da grávida, “foi demonstrado que no Decreto Municipal que ampliou o rodízio não foram previstas necessidades referentes à utilização de veículo para a ida de gestantes ao local do parto, nem de para consultas médicas e eventuais emergências”. 

Decreto

O decreto que institui novo rodízio passou a valer nesta segunda-feira (11/5). Com a mudança, podem circular em dias ímpares, veículos com placa final ímpar. O mesmo vale para os dias pares.

“O rodízio será ainda mais restritivo porque questões extremas exigem medidas extremas. Não dá pra gente não adotá-lo quando a ocupação dos leitos de UTI passam de 80%”, afirmou o prefeito Bruno Covas ao justificar a alteração. 

0015626-64.2020.8.26.0000

 é repórter da revista Consultor Jurídico.

Revista Consultor Jurídico, 12 de maio de 2020, 16h40

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Föppel e Mangabeira: Processo penal para quê(m)?

Na tarde do último dia 6, tivemos o infeliz desprazer de ouvir o pronunciamento de uma subprocuradora-geral da República perante o STJ. De acordo com a presentante do Ministério Público (até onde se sabe, ainda fiscal da lei), as evidências, em determinado processo, seriam tão robustas que por si só deveriam tornar desnecessária a instrução do caso penal, condenando-se já ali, “adiantadamente”, quem até então seria apenas investigado.

Segundo a subprocuradora-geral, “apresentamos ao ministro relator prova suficiente inclusive para uma condenação adiantada. Sinceramente, tudo o que nós colocamos, desde o início, não haveria nem motivo pra continuar com a ação, seria momento já pronto para uma condenação”.

Pronto. Acabou-se o processo. Não se quer mais nem ouvir o réu, nem instruir, nem judicializar, nem colher em contraditório. Afinal de contas, como já se escreveu um dia, para alguns o “problema é o processo” [1].

O arrojo, o atropelo processual, sepultou até o eufemismo. Não bastasse a idílica e inconstitucional pretensão de cumprimento antecipado da pena, o mote acusatório, agora, sem rodeios ou palavras confortáveis, parece ser o da condenação “adiantada’. De acordo com a estranha lógica da procuradora da República, presentante do MPF, os elementos da “Operação Faroeste” [2], por si só, seriam tão convincentes que toda a instrução, toda a produção dialética de provas, os debates e os memoriais seriam desnecessários. Afinal, de acordo com a vergonhosa lógica acusatória, para que questionar o que “parece” óbvio?

Esse modelo de processo penal, mais rápido, eficientista, impessoal e frígido não é de hoje vem sendo defendido. Em 2018, ataques foram realizados contra o advogado Alberto Zacarias Toron durante audiência realizada na 13ª Vara Federal de Curitiba. Na sessão, o procurador do MPF, Athayde Ribeiro Costa, arvorou-se a questionar a atitude da defesa, como querendo censurar, de orientar seu cliente a não responder perguntas por si formuladas.

Naquele infeliz episódio, o membro da Procuradoria da República disse que a orientação da defesa “é uma clara afronta à paridade das armas, já que há uma fuga covarde ao contraditório. E se a defesa, que tanto preza pelas garantias processuais, age com deslealdade, deveria ela adotar um comportamento digno e se escusar de fazer perguntas também, já que tanto preza por respeito às garantias”.

É preocupante e pesaroso ver que a presentante do Ministério Público, agora no Superior Tribunal de Justiça, defende ideias tão incompatíveis com o Estado Democrático de Direito. Quer-se, além de corromper o constitucional direito ao silêncio, também violar o direito ao processo! Além de juridicamente insustentável (o pseudoargumento é de uma frivolidade tão grande que seria até risível se sério não fosse), o pronunciamento fere o próprio mister da instituição ministerial, estampado no artigo 1º da Lei Complementar 75, que lhe incumbiu a defesa da ordem jurídica e do regime democrático. ‘”Qual democracia as condenações ‘adiantadas’ buscam prestigiar?”. Ou melhor, “condenações antecipadas são compatíveis com a democracia?”.

O silencio eloquente se faz de novo. E as histórias cobrarão de cada um os preços de suas biografias.

Não se quer acreditar que a subprocuradora-geral da República tenha externado um posicionamento institucional (ou mesmo do grupo que chefia), uma vez que ao fazê-lo comprometeria todo o processo. Espera-se, por outro lado, que esse mesmo Ministério Público repudie as afirmações colocadas por aquela que o presentou.

E vamos caminhando, a largos passos, à beira do precipício da exceção processual. E, enquanto muitos atacam o processo, outros tantos emudecem.

Não emudeceremos.

 é advogado, professor da Universidade Federal da Bahia (UFBA), doutor em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e membro das comissões de Reforma do Código Penal e da Lei de Execução Penal, nomeado pelo Senado Federal.

 é graduando em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia.

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Nunes e Passos: Os tribunais online na pandemia

Não é novidade que a tecnologia tem a capacidade de mudar as sociedades ao interagir com o ser humano, gerando novos comportamentos e novas soluções para problemas antigos, mas também novos problemas e novos conflitos. Basta pensar no aumento do fluxo de informações propiciado pelas redes sociais e, por outro lado, nos impactos negativos decorrentes de sua utilização, como o incremento da polarização política e a divulgação em massa de fake news [1].

No campo do Direito, mais especificamente no Direito Processual, a invasão tecnológica vem gerando debates em relação, por exemplo, à forma como se dará a legitimação de uma decisão judicial em espaços altamente virtualizados. Se há poucos anos os tribunais ainda se preocupavam com a transmissão de documentos por fax [2], atualmente já se iniciaram os esforços para criar algoritmos narrativos capazes de construir uma decisão judicial, bem como proposições no sentido de permitir a adaptação procedimental mediante automação de atos e fatos processuais, não apenas como uma mudança do meio físico para o meio virtual, mas como a criação de novas etapas procedimentais com a utilização das tecnologias [3].

Todas essas mudanças estão inseridas no fenômeno denominado virada tecnológica no Direito que, desde a década de 90, vem promovendo uma simbiose na qual a tecnologia impacta os institutos jurídicos e vice-versa [4]. Não se trata de simples automação de tarefas repetitivas que eram realizadas por advogados, juízes e servidores dos órgãos judiciários, mas, sim, de verdadeira transformação dos institutos processuais, que podem ser reformulados com vistas a proporcionar melhores formas de solucionar os conflitos existentes.

Nesse cenário, ganham destaque os denominados tribunais online, partindo da premissa de que, apesar de estarem no século XXI, os tribunais se mantiveram fundamentalmente instituições dos séculos XIX e XX. Em razão do atraso, os tribunais online seriam, para alguns mais ufanistas, a solução para o problema da ineficiência dos sistemas judiciais, pois poderiam modernizar e simplificar o acesso do cidadão, gerando melhoria no sistema e consequente redução do acervo processual [5].

O termo tribunais online se refere a qualquer tipo de serviço público de gerenciamento e resolução de conflitos fornecido pelo Estado e pode admitir duas concepções: uma específica, referente à solução de casos por juízes humanos, mas não em tribunais físicos; e outra mais ampla, que diz respeito a toda iniciativa de um tribunal para produzir mais do que decisões judiciais, como por exemplo conciliações online, serviços de autoajuda e de orientação jurídica para pro se litigation, por meio das tecnologias cotidianas, como aplicativos, smartphones, etc [6].

A noção mais ampliada dos tribunais online está ligada à Resolução Online de Disputas (Online Dispute Resolution  ODR), que pode ser compreendida como o uso das tecnologias da informação e da comunicação para auxiliar a resolução de conflitos em ambiente virtual. Esse conceito foi introduzido pela primeira vez em meados dos anos 90, depois que a internet foi aberta para atividades comerciais [7], fazendo com que a década fosse o marco no crescimento do acesso à internet, com o aumento das interações no ambiente virtual e, consequentemente, dos conflitos [8].

A ideia central da ODR é a possibilidade de utilizar uma variedade de tecnologias de informação e comunicação que variam do simples serviço de bate-papo ou videoconferência à utilização de inteligência artificial para obtenção de propostas de solução por algoritmos. Ou seja, não se trata de um software específico, mas do uso intencional da tecnologia para facilitar a resolução de problemas [9]. Assim, qualquer ferramenta tecnológica que, de um modo ou de outro, possa influenciar na solução de conflitos, fazendo isso de forma online, será uma ferramenta de ODR.

O campo para utilização da ODR é amplo nos tribunais, pois a utilização das ferramentas tecnológicas pode ser implementada em qualquer fase do procedimento de solução de conflitos, como para fornecer informações legais às partes, em linguagem acessível, estruturar negociações, sugerir soluções e até mesmo auxiliar no cumprimento das decisões [10]. Logo, a ODR não se trata apenas de automação, mas de profunda transformação no dimensionamento dos conflitos, consistente na utilização da tecnologia para executar tarefas e fornecer serviços que não seriam possíveis, ou mesmo concebíveis, no passado [11], não se resumindo à mera reprodução online das ADRs.

Diversos são os tipos de conflitos já submetidos às plataformas de ODR no mundo inteiro, como causas de menor complexidade e valor em Franklin, Ohio [12]; infrações de trânsito em Michigan [13]; litígios decorrentes de contratos de locação em British Columbia [14]; reclamações sobre cobranças indevidas de tributos em Ohio [15]; e até conflitos familiares de menor complexidade, como já ocorre em Michigan, por meio das plataformas MiChildSupport e MyLawBC [16].

Se essa transformação já era uma tendência mundial, a pandemia causada pelo novo coronavírus a acelerou, forçando os tribunais a adotarem medidas para manutenção da atividade jurisdicional mesmo com as limitações de presença física impostas pelas quarentenas decretadas em diversos países.

São exemplos dessas iniciativas a utilização, em audiências, do software Cisco Webex pelos tribunais brasileiros [17] e americanos de Colorado, New Hampshire, Oregon, Pennsylvania, Utah e Virginia, além do software Skype, pelos tribunais de Nova Iorque e Oregon, do software Microsoft Teams pelos tribunais de Oregon e Wyoming e do software Zoom pelos tribunais de Michigan, Nova Jersey e Texas[18].

Na China, os tribunais começaram a fazer pleno uso da tecnologia da informação no trabalho contencioso desde o surto da Covid-19 analisando, no período de 3 de fevereiro a 20 de março, quase 550 mil casos online em todo o país, nos quais foram realizados mais de 440 mil pagamentos online, mais de 110 mil sessões judiciais online e mais de 200 mil mediações online [19].

A importância das medidas online para o acesso à jurisdição é sentida quando se percebe que o Civil Resolution Tribunal, de British Columbia, não sofreu maiores impactos com a pandemia, mantendo-se em pleno funcionamento, pois funciona remotamente desde a sua criação, em julho de 2016 [20].

No Brasil, o estado emergencial de saúde provocado pela pandemia da Covid-19 levou o Conselho Nacional de Justiça a implementar uma Plataforma Emergencial de Videoconferência para Atos Processuais, propiciando a criação de salas virtuais pelos juízes para realização de sessões de julgamento, audiências, reuniões, interação com advogados públicos e privados, membros do Ministério Público e defensores públicos e, se necessário, a realização de sustentação oral de modo virtual e ao vivo [21].

No STF, a Emenda Regimental nº 53/2020 [22] e a Resolução 669/2020 autorizaram que qualquer processo, inclusive os de maior relevo, tais como as ações que viabilizam o controle concentrado de constitucionalidade e recursos extraordinários com repercussão geral reconhecida, sejam julgados no plenário virtual. Contra a medida, um grupo composto por mais de cem advogados encaminhou uma carta ao presidente do STF argumentando que haveria violação à publicidade e restrição à participação dos advogados[23]. Uma reflexão necessária, pois audiências, em especial de instrução, e sustentações por videoconferência perdem a tatibilidade do contato corporal, “pela pluridimensionalidade e multiplicidade  de camadas da percepção humana”, uma vez que, como adverte Han sobre os impactos da tecnologia nas relações humanas, “a comunicação digital é uma comunicação pobre de olhar” [24].

Já no STJ, a Resolução STJ/GP nº 9, de 17 de abril de 2020 [25], permitiu que as sessões presenciais de julgamento da Corte Especial, das Seções e das Turmas, ordinárias ou extraordinárias, sejam realizadas por videoconferência até 31 de maio, ressalvando o direito de qualquer parte ou do Ministério Público destacar o processo para ser julgado em sessão sem videoconferência. As videoconferências podem ser acompanhadas ao vivo pelo canal do STJ no Youtube [26].

No âmbito da produção legislativa brasileira, chama atenção a alteração na Lei 9.099/95 (Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais) promovida pela Lei 13.994/20, publicada em 27 de abril. Referida lei teve o objetivo de possibilitar a conciliação não presencial no âmbito dos Juizados Especiais Cíveis, acrescentando ao artigo 22 da Lei 9.099/95 o § 2º, segundo o qual “é cabível a conciliação não presencial conduzida pelo Juizado mediante o emprego dos recursos tecnológicos disponíveis de transmissão de sons e imagens em tempo real, devendo o resultado da tentativa de conciliação ser reduzido a escrito com os anexos pertinentes”.

Ao que parece, a Lei nº 13.994/20 também criou uma espécie de revelia pela recusa em participar da tentativa de conciliação não presencial, o que deve ser lido com todas as cautelas possíveis, em razão das dificuldades de acesso aos meios digitais e da dificuldade que alguns possam ter com o manejo das ferramentas eletrônicas [27].

Como se vê, a crise ressaltou a importância das ferramentas tecnológicas para continuidade da prestação jurisdicional em períodos de distanciamento físico, mas também acelerou o movimento de informatização do judiciário, mostrando que a tecnologia pode contribuir para o aumento da produtividade dos tribunais [28]. No entanto, não se pode confundir o aumento de números com a melhoria da aplicação do direito, o que evidencia a preocupação sobre discursos que atrelam a eficiência à simples melhora quantitativa dos tribunais, olvidando-se que é a melhoria qualitativa que garante a legitimidade das decisões judiciais.

Por isso, os tribunais precisarão encontrar respostas para uma equação nada simples: garantir o acesso à jurisdição em ambientes online, mantendo a eficiência e observando o modelo democrático de processo inaugurado, no Brasil, pela Constituição de 1988 [29]. Não se pode esquecer a advertência de Neil Postman de que para cada vantagem que uma nova tecnologia oferece, sempre há uma desvantagem correspondente e, em cada situação, a desvantagem pode exceder em importância a vantagem; ou a vantagem pode valer custo [30]. Faz-se necessário, assim, um olhar sério e metodológico sobre as implicações da tecnologia no campo do Direito Processual, sobretudo quando os impactos podem atingir direitos fundamentais, como a propriedade, a liberdade, a segurança e o acesso à justiça.

Por fim, não podemos anuir a uma suposta redução do debate da possibilidade dos tribunais online: se as cortes seriam serviços ou locais, como faz Susskind [31], pois essa simplificação despreza o papel do processo como garantia e dos tribunais como instituições de implementação do devido processo constitucional. Ser online não permite descumprimento do ordenamento nem tampouco a redução da atividade jurisdicional a um mero serviço.

 é sócio do Camara, Rodrigues, Oliveira & Nunes Advocacia (CRON Advocacia), doutor em Direito Processual, professor adjunto na PUC Minas e na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Membro da Comissão de Juristas que assessorou na elaboração do CPC/2015 e diretor acadêmico do Instituto de Direito e Inteligência Artificial (Ideia).

 é assessor judiciário no Tribunal de Justiça de Minas Gerais, mestrando em Direito Processual na PUC Minas e especialista em Direito Público.

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Thiago Teraoka: Audiências virtuais nos tempos de coronavírus

A substituição de atos processuais presenciais pelos realizados de forma virtuais não é novidade. No âmbito dos tribunais, há algum tempo já existe a prática da realização de julgamentos colegiados virtuais.

Por exemplo, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) aplica o julgamento virtual em segundo grau desde 2011 [1]. Atualmente, mesmo os colégios recursais paulistas julgam processos de maneira virtual. Nos tribunais superiores, os julgamentos virtuais são realizados com frequência. Em 2017, por exemplo, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal julgou, em decisões finais, 4.317 processos [2].

Apesar da experiência muito bem-sucedida nos tribunais, no primeiro grau de jurisdição as audiências continuavam sendo realizadas da maneira antiga, presencialmente.

O arcabouço normativo favorecia, mas apenas em parte. A Lei nº 11.900/2009, que alterou o Código de Processo Penal, prevê o interrogatório de réu preso por videoconferência, mas somente de forma excepcional e justificada [3]. A mesma lei previu que a oitiva de testemunhas também poderia ser feita por videoconferência [4]. O Código de Processo Civil de 2015 previu a realização de audiências virtuais, em vários de seus artigos, em especial o artigo 385, § 3º, (depoimento pessoal) e 453, § 1º (oitiva de testemunhas).

A Resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) nº 105/2010 obrigava que os tribunais disponibilizassem em todos os fóruns salas de videoconferência, o que nunca foi plenamente cumprido, nem mesmo nas grandes cidades. Se houvesse tal sala (e quase não há), certamente seria em número insuficiente para servir a todos os magistrados. Assim, na prática, simplesmente não se usava o sistema de videoconferência, sendo que o deslocamento de réus presos e a oitiva de testemunhas de modo tradicional, pelos juízos deprecados, eram a realidade na imensa maioria dos casos.

A jurisprudência, por outro lado, também não ajudava. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do HC 88.914/SP, um pouco antes da Lei nº 11.900/2009, havia decidido que o interrogatório por videoconferência feria a ampla defesa [5]. Em julgado recente, pouco anterior à pandemia da Covid-19, o Superior Tribunal de Justiça decidiu pela ilegalidade de audiência de custódia realizada de maneira virtual [6].

Mas a necessidade fez o gato pular.

Poucos meses depois, com o recrudescimento da pandemia da Covid-19, o CNJ recomendou a suspensão das audiências de custódia, que atualmente não vêm sendo realizadas sequer de maneira virtual [7].

É verdade que o TJ-SP, em comunicado pouco anterior à pandemia, já facultava aos seus juízes a realização de audiências virtuais [8]. No entanto, na prática, o procedimento ainda não se aplicava com regularidade.

Após a pandemia, a utilização da audiência virtual foi reiterada no Provimento CG/TJSP 284/2020. Na oportunidade, o critério de marcar a audiência era do juiz, mas a adesão das partes à audiência virtual também foi facultativa [9].

Tal facultatividade às partes não está expressa na Resolução CNJ nº 314/2020, editada posteriormente. A Resolução do CNJ apenas estabeleceu que o juiz deve levar em conta a dificuldade das partes ao acesso aos meios tecnológicos e intimações [10], mas não exigiu previamente a concordância das partes para se marcar a audiência virtual.

Ainda nessa lógica, o legislador federal, dessa vez, andou ainda mais rápido do que os tribunais e o CNJ. Com a edição da Lei Federal 13.944/2020, pelo menos nos juizados especiais, passou a ser obrigatória a presença das partes nas audiências de conciliação virtuais, sob pena de extinção (e condenação em custas) ou revelia [11]. Assim, sem qualquer ressalva, as audiências virtuais poderão ser realizadas no âmbito dos juizados. Por se tratar de uma regra permanente, será aplicada após o fim da pandemia.

Na minha opinião, obviamente, cada juiz deve ter em conta a realidade de sua comarca. A audiência deve ficar a critério do juiz, o sujeito imparcial. Não se pretende, com isso, prejudicar alguém que não tenha acesso a tecnologia. Aliás, um juiz que tenha intenção de prejudicar alguém sequer deveria ser juiz. Todavia, convenhamos, também não pode ficar a critério da parte interessada a realização ou não da audiência virtual. Não se mostra razoável, por exemplo, ficar prejudicada uma audiência virtual em que as partes são empresas, representadas por advogados, apenas por decisão injustificada de alguém.

Com todo o respeito, uma audiência virtual, uma vez marcada pelo cartório, não tem maiores dificuldades do que uma videochamada por WhatsApp, por exemplo. O Brasil é um país gigantesco e desigual, mas, pelo menos nas grandes cidades de São Paulo, deve-se presumir que a maioria das pessoas que ingressam com ações no Judiciário tem acesso a celular e internet. Por outro lado, os advogados já estão acostumados ao processo digital, muito mais complexo do que uma simples videochamada.

Desde o início da pandemia, intensificou-se a realização das audiências virtuais. No Estado de São Paulo, foram marcadas 195 audiências virtuais em estabelecimentos prisionais [12]. Houve experiências bem sucedidas em Tatuí [13], Dracena, São Sebastião [14] e Catanduva [15], cidades bem distintas umas das outras.

As crises são também oportunidades. A crise da pandemia da Covid-19 ainda não tem consequências plenamente conhecidas. A esperança é que, passada a crise, fique consolidada a realização de audiências virtuais. Afinal, o gato já aprendeu a pular.

 


[6] STJ, CC 168522/PR, Terceira Seção, Rel. Min. Laurita Vaz, DJe 17/12/2019

 é juiz de Direito do estado de São Paulo, diretor da Apamagis, professor da Escola Paulista da Magistratura (EPM), doutor e mestre em Direito do Estado (Direito Constitucional) pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) e especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (IBET).