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Direitos instituídos na nova lei trabalhista e o PLC 15/2020

O presente artigo tem por escopo rápida e objetiva abordagem dos principais trechos do Projeto de Lei de Conversão 15 de 2020 (fruto da MP 936), após a aprovação pelo Congresso, a fim de oferecer visão trabalhista panorâmica e estratégica aos gestores de empresas e operadores do direito, assim como dar conhecimento aos trabalhadores de direitos instituídos.

A Medida Provisória 936, do último dia 1º de abril, teve por objeto a instituição do Programa Emergencial do Emprego e da Renda e dispôs acerca de medidas complementares para enfrentamento do estado de calamidade pública, nomeadamente instituição do Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda, combinada com a redução proporcional de jornada e de salários e/ou a suspensão temporária do contrato de trabalho. 

Durante o trâmite legislativo, já convertida no Projeto de Lei de Conversão 15 de 2020, passou a tratar em seu art. 32, de matérias abarcadas pela MP 905[3]. Tais temas, no entanto, foram impugnados ao argumento de tratar-se de assuntos estranhos ao escopo da MP 936, ficando rejeitados por maioria.

Acabou por abarcar, no entanto, a Lei 10.101 de 2000, que cuida da participação nos lucros e resultados, especialmente para autorizar a instituição de programa de resultados para entidades do terceiro setor, tal como já defendíamos dado o direito constitucional do empregado de tais entidades.[4]

O principal ponto do PLC 15, contudo, diz respeito à possibilidade de ampliação do prazo das medidas emergenciais previstas na MP 936, consoante se passa a abordar.

Possível ampliação do período das medidas
A MP 936, consoante redação dos arts. 7º e 8º, prevê a redução de jornada e salário proporcionais por até 90 (noventa) dias e a suspensão dos contratos de trabalho por até 60 (sessenta) dias, respectivamente. Tais medidas podem ser combinadas, desde que respeitado o prazo máximo de 90 (noventa) dias.

A novidade do aprovado PLC 15 está nos artigos 7º, §3º; 8º, §6º; 16; 16, parágrafo único; e 18, parágrafo único, que outorgam ao Executivo a faculdade de prorrogar o prazo máximo de redução proporcional de jornada de trabalho e de salário e/ou suspensão de contratos inicialmente previstos, o que espera-se seja levado a efeito já nos próximos dias[5], após a sanção da lei pelo Presidente da República.

Aplicação setorial das medidas
O texto final aprovado pelo Congresso espanca qualquer dúvida quanto à possibilidade de uso das medidas de redução proporcional de jornada de trabalho e de salário e/ou suspensão de contratos, de forma setorial, departamental, parcial ou na totalidade dos postos de trabalho, tal como previsto em seus arts. 7º e 8º, o que confere ao empregador a possibilidade de gerir o negócio por área ou setor, de acordo com as necessidades do mercado, tomando-se o cuidado com práticas que possam ter conotação discriminatória ou não isonômica.  

Contribuição do segurado
O art. 7º, § 2º do PLC 15 permite a complementação dos valores de recolhimento pelo segurado do INSS durante a redução da jornada de trabalho e de salário, ou mesmo o recolhimento como segurado facultativo nos casos de suspensão de contrato de trabalho.

Dedução de IR no pagamento da ajuda compensatória
A exemplo da previsão constante do texto original da MP 936, voltada à empresa que recolhe imposto de renda com base no lucro real, os valores da ajuda compensatória podem também ser deduzidos para efeito de apuração de IR quando se trata de rendimentos do trabalho não assalariado da pessoa física,[6] empregador doméstico e o resultado da atividade rural.[7]

Gestante
O art. 22, a exemplo do art. 10 do texto aprovado, deixa indene de dúvidas a possibilidade de a empregada gestante, inclusive a doméstica, participar do Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda, observadas as condições estabelecidas no PLC 15.

Na forma dos §§ seguintes, e por evidente, se ocorrido o evento caracterizador do início do benefício de salário-maternidade, o empregador deverá comunicar ao Ministério da Economia, e a empregada ingressará em auxílio maternidade, pago com base no salário de contribuição, considerado para tanto o valor relativo ao período anterior à redução de jornada e salário e/ou suspensão de contrato, valendo a mesma regra, na forma do art. 22, para a adoção de criança.

Garantia de emprego gestante
A garantia de emprego prevista pela MP 936, relativa ao período de aplicação das medidas de redução de jornada e salário e/ou suspensão de contratos, deve ser computada para a gestante, na forma do art. 10, inciso III, a partir do término da garantia legal de emprego já existente nesta condição, ou seja 5 meses após o parto, consoante alínea b do inciso II do caput do art. 10 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.

Impossibilidade de negociação individual
Empresas com faturamento superior a R$ 4.800.000
Em sua redação original, a MP 936 previa que o acordo poderia ser firmado com qualquer empregado, desde que limitada a 25% de redução de jornada e salário, ou sem essa limitação, desde que o empregado percebesse menos do que três salários mínimos (R$ 3.145) ou detivesse a condição de autossuficiente (salários superiores a dois valores do RGPS e portador de diploma de nível superior).

Há importante modificação no texto final aprovado. Com efeito, consoante art. 12, fica vedado o acordo individual para empregado com salário igual ou inferior a R$ 2.090, na hipótese de o empregador ter auferido, no ano-calendário de 2019, receita bruta superior a R$ 4.800.000, observada a ressalva do §1º do mesmo artigo.

Com efeito, ainda que não enquadrado nas condições admissíveis para o acordo individual, este pode ser firmado quando do acordo não resultar diminuição do valor total recebido mensalmente pelo empregado, incluídos neste valor o Benefício Emergencial, a ajuda compensatória mensal e, em caso de redução da jornada, o salário pago pelo empregador.

Aposentados
Considerada a regra de vedação de percepção do BEm (Benefício Emergencial) pelos aposentados, e conforme art. 12, § 2º, a redução de jornada e salários e/ou suspensão de contratos só será admitida para empregados em gozo de aposentadoria quando, além do enquadramento em alguma das hipóteses de autorização do acordo individual de trabalho, o empregador pagar ajuda compensatória mensal, equivalente no mínimo ao benefício que o empregado receberia se não houvesse a vedação ao percebimento, tomando o seguro desemprego como base de cálculo.

Já se a empresa teve faturamento superior a R$ 4.800.000 em 2019, a ajuda compensatória mensal deverá ser no mínimo igual aos 30% que o empregador já deveria arcar, somado ao valor da ajuda compensatória equivalente ao seguro desemprego que caberia não fosse a vedação.

Digitalização
Observado o cenário de digitalização, inaugurado mais fortemente com a Lei da Liberdade Econômica, e na forma do Decreto 10.278, somado ao isolamento social, o art. 12, § 3º, expressamente prevê que os acordos individuais escritos poderão ser realizados por quaisquer meios físicos ou eletrônicos eficazes.

Conflito de conteúdo entre normas coletivas e acordos individuais
O art. 12, §5º, do PLC 15, expressamente prevê que o acordo individual produz seus efeitos até que sobrevenha norma coletiva, passando a partir de então a se observar o teor do acordo coletivo de trabalho ou convenção coletiva de trabalho, salvo se o acordo individual for mais benéfico, quando este prevalecerá.

Ultratividade da norma coletiva
Consoante art. 17 do texto aprovado, as cláusulas das convenções coletivas ou dos acordos coletivos de trabalho vencidos ou vincendos[8] no período do estado de calamidade pública, permanecerão sendo aplicados aos contratos individuais de trabalho, salvo se sobrevier novo instrumento coletivo.

Vedação da dispensa de pessoa com deficiência
Como norma de proteção, o art. 17, inciso V, expressamente veda a dispensa sem justa causa do empregado pessoa com deficiência. Antes da MP 936, a dispensa já poderia ser objeto de discussões judiciais, especialmente quando implicasse em descumprimento de cota. Com a medida, gera-se uma obrigação inescusável para o empregador em prol do social.

Opção pelo melhor benefício

Como se sabe, é vedada a cumulação do BEm (Benefício Emergencial para Manutenção do Emprego e da Renda) com auxílio emergencial. Disciplina, no entanto, o art. 18, § 5º, a garantia do direito ao melhor benefício.

Cancelamento do aviso prévio
Nem precisaria, pois já albergado pela autonomia da vontade,  mas o art. 23 do PLC 15 expressamente prevê que empregador e empregado podem, em comum acordo, optar pelo cancelamento de aviso prévio em curso.

Repactuação de operações bancária
Visando preservar a dignidade dos trabalhadores atingidos por medidas de redução de jornada e salário e/ou suspensão de contratos de trabalho, ou mesmo contaminado pela Covid-19,[9] o art. 25 do PLC 15 prevê durante a vigência do estado de calamidade pública, a opção pela repactuação das operações de empréstimos, de financiamentos, de cartões de crédito e de arrendamento mercantil contraídas com o desconto em folha ou remuneração, de que trata a Lei nº 10.820.

E ainda, se repactuado, garantido o direito à redução das prestações na mesma proporção da redução salarial, com carência de até 90 (noventa) dias, e mantidas as condições financeiras de juros e encargos, ou mesmo diminuídas se a instituição assim entender.

Empregados dispensados até 31 de dezembro de 2020, a seu turno, terão direito à novação das operações para um contrato de empréstimo pessoal, com o mesmo saldo devedor anterior e as mesmas condições de taxa de juros, encargos e garantias originalmente pactuadas, acrescida de carência de até 120 dias.

Garantia de mínimo existencial
Na forma do art. 28 do PLC 15, o empregado, inclusive o doméstico, dispensado sem justa causa durante o estado de calamidade pública, perceberá o valor de R$ 600 durante três meses, se não preencher os requisitos de habilitação ao seguro-desemprego.[10]

Na mesma esteira de garantia de um mínimo existencial, o beneficiário que tenha direito à última parcela do seguro-desemprego, nas competências de março ou abril do ano de 2020, fará jus ao recebimento do benefício emergencial, no valor de R$ 600 mensais, pelo período de três meses a contar da competência de recebimento da última parcela.

Fato do Príncipe — Inaplicabilidade
Lembram da manifestação do Presidente da República de que “se o governador ou prefeito mandarem fechar o comércio … tem um artigo lá na CLT que diz que eles pagam a conta!”

Referia-se o Presidente ao art. 486 da CLT, que cuida do fato do príncipe, utilizado por várias empresas que demitiram trabalhadores sequer observando o pagamento das verbas rescisórias previstas no diploma que trata da matéria.

Pois bem, o art. 30 do texto aprovado deixa claro que o art. 486 da CLT não se aplica na hipótese de paralisação ou suspensão de atividades empresariais determinada por ato de autoridade municipal, estadual ou federal, para o enfrentamento do estado de calamidade pública.

Benefícios fiscais
O PLC 15 trata ainda da prorrogação dos benefícios fiscais de 17 setores, dentre os quais tecnologia e construção civil, o que servirá, espera-se para auxiliar as empresas na manutenção de empregos e da atividade econômica, e na retomada do crescimento.

Considerações finais
Em rápidas pinceladas, sem a menor ousadia de esgotar a matéria, julga-se cumprida a missão de oferecer um panorama geral sob o viés trabalhista quanto ao texto aprovado no Projeto de Lei de Conversão 15, de 2020.

[3] Que foi retirada de pauta pelo Governo ante o anúncio do Senado de que não a votaria dentro do prazo legal. Dentre as medidas, alteração da jornada dos bancários, compensação dos valores pagos a título de gratificação de função para bancários, na hipótese de deferimento de horas extras, regras de negociação coletiva para os bancários; além de alteração do art. 457 e outros dispositivos da CLT a fim de deixar clara a natureza não salarial da alimentação; assim como fixação da correção monetária dos débitos trabalhistas para após a sentença; previsão expressa de uso do depósito recursal para diminuição de valores de condenação trabalhista e substituição do depósito recursal a qualquer tempo por fiança bancária ou seguro judicial, sem exigência de acréscimo no valor do depósito, dentre outros.

[8] salvo as que dispuserem sobre reajuste salarial e sua repercussão nas demais cláusulas de natureza econômica,

[10] Já o intermitente, diante das regras próprias do art. 18, não perceberá o benefício emergencial na hipótese de extinção de contrato de trabalho.

Célio Pereira Oliveira Neto é doutor, mestre e especialista em Direito do Trabalho pela PUC-SP, professor em cursos de pós-graduação, membro do Instituto Brasileiro de Direito Social Cesarino Júnior (IBDSCJ), da Comunidad para la Investigación y el Estudio Laboral y Ocupacional, coordenador do Conselho de Relações do Trabalho da Associação Comercial do Paraná, do Conselho Deliberativo da Associação Brasileira de Recursos Humanos do Paraná, diretor jurídico da Sociedade Brasileira de Teletrabalho e Teleatividades, vice-presidente da Comissão da Agenda 2030 do IAB, presidente do Instituto Mundo do Trabalho (IMT) e sócio fundador da Célio Neto Advogados.

 é mestre em Direito pela PUC-SP; professor de Direito do Trabalho da FMU; especialista nas Relações Trabalhistas e Sindicais; organizador do e-book digital “Coronavírus e os Impactos Trabalhista” (Editora JH Mizuno); coordenador do e-book “Nova Reforma Trabalhista” (Editora ESA OAB/SP, 2020); organizador das obras coletivas “Perguntas e Respostas sobre a Lei da Reforma Trabalhista” (Editora LTr, 2019) e “Reforma Trabalhista na Prática: Anotada e Comentada” (Editora JH Mizuno, 2019); coordenador do livro digital “Reforma Trabalhista: Primeiras Impressões” (Editora Eduepb, 2018); palestrante e instrutor de eventos corporativos “in company” pela empresa Ricardo Calcini | Cursos e Treinamentos, especializada na área jurídica trabalhista com foco nas empresas, escritórios de advocacia e entidades de classe.

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STF tem maioria para suspender registro automático de agrotóxicos

O Supremo Tribunal Federal já tem maioria de votos para suspender a eficácia de portaria que permitia o registro automático de agrotóxicos. Até o momento, oito ministro votaram no Plenário Virtual para acompanhar o relator do caso, ministro Ricardo Lewandowski. O julgamento será concluído nesta sexta-feira (19/6). 

Ministros concordam em suspender trechos da portaria que estabelecem prazos para aprovação de agrotóxicos e fertilizantes
Gergely Zsolnai

As regras da Portaria 43/2020 do Ministério da Agricultura foram alvo de questionamentos em duas ADPFs. A portaria estabelece prazos para aprovação de agrotóxicos e fertilizantes. Caso o prazo estabelecido seja ultrapassado, haveria a aprovação tácita.

O prazo para a manifestação da autoridade sobre o registro de fertilizantes é de 180 dias. Para aprovação automática de agrotóxicos e afins, o prazo é de 60 dias.

Em 1º de abril, Lewandowski concedeu liminar para suspender a portaria até a devolução da vista do ministro Luís Roberto Barroso. À época, o relator já havia sinalizado entendimento contra a portaria. 

Em seu voto, o relator citou pesquisas científicas recentes com conclusões “absolutamente alarmantes”: “todos os casos notificados no Ministério da Saúde, entre os anos de 2007 a 2014, somados, contabilizaram mais de 25 mil intoxicações por defensivos agrícolas, o que representa uma média de 3.215 por ano ou oito intoxicações diárias”, apontou.

A liberação indiscriminada como pretende a portaria, disse Lewandowski, “contribuiria para aumentar ainda mais o caos que se instaurou em nosso sistema público de saúde, já altamente sobrecarregado com a pandemia que grassa sem controle”.

Na devolução da vista, Barroso acompanhou o relator e sugeriu a fixação da seguinte tese: “A aprovação final do registro de agrotóxicos pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento não pode ser realizada de forma tácita”.

Além de Barroso, acompanham o relator os ministros Dias Toffoli, Luiz Edson Fachin, Alexandre de Moraes, Gilmar Mendes, Luiz Fux, Rosa Weber e Marco Aurélio.

Clique aqui para ler o voto do relator

ADPFs 656 e 658

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Defesa deve ter acesso à delação firmada em cooperação Brasil-Peru

Para garantir o contraditório e a ampla defesa, a 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal garantiu ao ex-presidente do Peru Ollanta Humala e à ex-primeira dama Nadine Heredia acesso aos documentos de delações compartilhados pelo Ministério Público Federal do Brasil com o MP do Peru.

O ex-presidente do Peru (2011–2016) Ollanta Humala e a esposa, Nadine Heredia
Divulgação

Eles foram investigados por terem supostamente recebido da Odebrecht valores destinados ao financiamento da campanha à Presidência do Peru em 2011. A base da investigação foi a delação de Marcelo Odebrecht, Jorge Barata, Luiz Mameri e Valdemir Pereira Garreta.

Os peruanos pediram então acesso integral à cópia dos documentos ligados aos acordos de delação firmados com o MPF brasileiro. Alegaram que, pelo conteúdo das delações, foi feito um acordo de cooperação internacional e eles se tornaram alvos de ação penal oferecida pelo Ministério Público peruano. 

Em suma, a defesa dos ex-dirigentes peruanos alegou que o acesso aos documentos garantiria o princípio do contraditório e da ampla defesa para subsidiar a defesa.

O agravo foi interposto há dois anos no STF contra decisão monocrática do relator do caso, ministro Luiz Edson Fachin, que negava acesso. O processo seria julgado no Plenário Virtual, mas foi levado para videoconferência nesta terça-feira (19/5) por pedido de destaque do ministro Gilmar Mendes, que divergiu do relator e foi acompanhado pela maioria da turma.

De acordo com Gilmar, o conteúdo das delações que atingem os agravantes foi produzido no Brasil e pode ou não ter havido alguma seleção dos dados a serem compartilhados. Para o ministro, é o caso de aplicação da Súmula Vinculante 14, que garante o direito do defensor ter acesso amplo aos elementos de prova, em conjunto com a  Lei 12.850/2013. 

“O acesso deve ser garantido caso estejam presentes dois requisitos: um positivo, o ato de colaboração deve apontar a responsabilidade criminal do requerente; e outro negativo, o ato de colaboração não deve referir-se à diligência em andamento”, afirmou. 

Gilmar considerou ainda que elementos essenciais para a defesa no processo que tramita no Peru podem não ter sido compartilhados pelo MPF, o que viola os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, já que a prova foi produzida originalmente no Brasil.

Assim, votou para dar acesso ao material para abranger somente documentos em que os peruanos são de mencionados, nos termos da Lei 12.850/2013 e nos limites da Súmula.

Em seu voto, o ministro Ricardo Lewandowski acompanhou Gilmar e criticou a atuação do Ministério Público, apontando que em um passado recente o órgão pecou. “(…) Porque nossa colaboração ao invés de se dar pelos canais próprios, particularmente pelo Ministério da Justiça, nossa Constituição Federal exige que haja concordância do Congresso Nacional, isso ao que consta não foi observado”.

Relator vencido

Fachin afirmou que o fornecimento de provas que estão em sigilo e não incorporados a procedimentos investigatórios devem ser mantidos até a celebração da cooperação jurídica internacional.

O relator apontou ainda que não se tem notícia de homologação do acordo de colaboração no âmbito da República do Peru e afirmou que “eventual compartilhamento dessas provas, a pedido da defesa, para fins de utilização em processo em trâmite no Peru, demandaria admissão probatória do Estado estrangeiro e manejo das vias próprias de cooperação jurídica internacional”.

De acordo com o ministro, não cabe ao Poder Judiciário brasileiro “tutelar a regularidade da apuração que não se encontra sob sua jurisdição”.

Os peruanos foram representados pelo escritório Massud, Sarcedo e Andrade Advogados. De acordo com o advogado Leonardo Massud, a decisão é significativa, por restaurar o direito de defesa em um caso de cooperação internacional que a própria defesa não teve acesso aos documentos. 

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PET 7.494

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Reunião de Bolsonaro: choque entre sigilo e publicidade

Decidir que trechos de uma reunião entre presidente da República e ministros podem ou não ser divulgados é escolha nada trivial — e algo talvez inédito na história democrática brasileira, como é o caso do encontro entre Jair Bolsonaro, o vice-presidente Hamilton Mourão e vários ministros de Estado, ocorrido em 22 de abril.

Caberá ao decano do Supremo Tribunal Federal, ministro Celso de Mello, relator do inquérito 4.831, a intrincada solução jurídica para esse caso concreto.

Inquérito no STF investiga declarações de Sergio Moro sobre pedido de Jair Bolsonaro para interferir na Polícia Federal 
Antonio Cruz/ Agência Brasil

O inquérito 4.831 investiga as acusações feitas pelo ex-ministro da Justiça Sérgio Moro ao pedir demissão da pasta. Segundo ele, nesse meeting de 22 de abril — aniversário de 520 anos do Brasil — Bolsonaro, movido por intenções pouco republicanas, o pressionou para indevidamente trocar o comando da Polícia Federal.

Nesse dilema sobre o que deve prevalecer quando os investigados são membros do alto escalão do governo federal estão, de um lado, a lei da interceptação telefônica (Lei 9.296/96), que limita o conteúdo a ser divulgado; de outro, princípios que norteiam a administração pública, que tem o dever de tornar públicos seus atos (artigo 37 da CF). É nesse diapasão que deve decidir Celso de Mello. 

Cada ator institucional defende um lado. A Advocacia-Geral da União sugere que apenas as falas de Bolsonaro devem ter o sigilo levantado. A Procuradoria-Geral da República pediu que não seja divulgada a íntegra do conteúdo da reunião, mas só as falas do presidente relacionadas ao objeto da investigação — notadamente as relacionadas à atuação da Polícia Federal.

Já a defesa de Sergio Moro quer a divulgação ampla para amparar as acusações do ex-juiz federal conhecido por seus vazamentos seletivos e descumprimento à lei das escutas telefônicas. O decano da corte definiu inicialmente que o inquérito tramitaria com ampla publicidade, mas depois impôs sigilo temporário no caso específico da reunião. A gravação da reunião foi enviada à corte e transcrita. 

Do ponto de vista político, uma grande curiosidade circunda a todos sobre o conteúdo das discussões na reunião. Segundo advogados, porém, é preciso ponderar o alcance e a repercussão que eventual levantamento de sigilo pode ter.

O constitucionalista Eduardo Mendonça explica que a regra geral é dar publicidade aos atos estatais, mas pondera que ela não abrange todas as reuniões. Ele detalha que a ampla divulgação não encontra precedentes em outros países, além de ser impossível pela natureza estratégica e sigilosa das discussões e dos dados.

“O que for pertinente ao objeto do inquérito deve ser tratado como prova e mantido no processo. Sendo prova do processo, a regra é a publicidade. Só poderia deixar de ser divulgado fundamentadamente, se houver falas entremeadas sobre temas que devam ser mantidos em sigilo por segurança nacional”, afirma.

Excepcionalidades

O que está posto é a justificativa do sigilo em relação a temas não relacionados ao inquérito. E uma das principais motivações para essa excepcionalidade é o conteúdo da reunião, que poderia revelar algum segredo de Estado, causar incidentes diplomáticos ou ainda colocar em risco a segurança nacional. 

Mas não é o caso, segundo um dos interessados na divulgação integral do conteúdo, Sergio Moro. Segundo o ex-ministro, o fato de alguns ministros terem feito declarações potencialmente ofensivas não justifica a manutenção do sigilo.

Mesmo diante da possibilidade de ter informações sensíveis, chamou a atenção do criminalista Welington Arruda que o Planalto defenda a divulgação de parte do diálogo entre o presidente e Moro. “Quem garante que durante a reunião, como um todo, não houve manifestação do chefe do Executivo no sentido de interferir na PF, tal qual acusou o ex-ministro, em outros diálogos, que não com Moro?”, questiona.

Segundo o advogado, a reunião faz parte de uma investigação e a lei define que ela precisa ser pública, com exceção de “motivos que garantam o sigilo das informações e de documentos, ou vedar sua publicidade, a fim de evitar dissabores políticos que virão do Planalto”.

Direitos balanceados

A constitucionalista Vera Chemim analisa que o cenário das gravações sobre as tratativas entre agentes públicos remetem inevitavelmente aos princípios constitucionais.

Ela ressalva que os direitos fundamentais individuais não são absolutos e aponta que as informações gravadas dizem respeito à função pública exercida por pessoas físicas. Neste contexto, diz, o artigo 21 do Código Civil prevê o direito à privacidade a pessoa natural e não a função pública de um agente público.

“Portanto, a ‘pessoa natural’ tem direito à vida privada mas, os atos dos agentes públicos, ou seja, as funções públicas exercidas por eles são de ‘interesse público’ e devem ser divulgadas, prevalecendo incondicionalmente sobre o seu direito à privacidade enquanto ‘pessoa natural’, ainda mais num contexto permeado de indícios que permitem deduzir que se está diante de ‘desvios de finalidade’ na condução da Administração Pública”, explica.

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PGR pede que Celso divulgue apenas falas específicas de Bolsonaro

A Procuradoria-Geral da República pediu que não seja divulgada a íntegra do conteúdo de uma reunião ministerial ocorrida em abril. Augusto Aras defende que só sejam publicizadas as falas do presidente Jair Bolsonaro relacionadas à troca de comando da Polícia Federal, à “segurança”, ao Ministério da Justiça e à Agência Brasileira de Inteligência (Abin).

Antonio Cruz/ Agência BrasilJair Bolsonaro e Sérgio Moro

Assim, a PGR limitou o pedido de divulgação a apenas três trechos do vídeo (“arquivo 02, a partir do minuto 11; primeiros

40 segundos do arquivo 03; e arquivo 07, a partir do minuto 6″, conforme consta no pedido).

O inquérito 4.831 investiga as acusações feitas pelo ex-ministro da Justiça Sérgio Moro ao anunciar sua saída do Ministério da Justiça. A presidência entregou ao relator do inquérito, ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, a íntegra de um vídeo da reunião de 22 de abril, na qual, segundo Moro, Bolsonaro teria cobrado relatórios de inteligência da Polícia Federal e exigido troca de comando.

Segundo a manifestação da PGR, a divulgação integral do conteúdo “o converteria, de instrumento técnico e legal de busca da reconstrução histórica de fatos, em arsenal de uso político, pré-eleitoral (2022), de instabilidade pública e de proliferação de querelas e de pretexto para investigações genéricas sobre pessoas, falas, opiniões e modos de expressão totalmente diversas do objeto das investigações, de modo a configurar fishing expedition”.

AGU e Moro

A Advocacia-Geral da União também tinha defendido, no mesmo processo, que só as falas de Bolsonaro fossem divulgadas. A petição da AGU contém transcrição de dois trechos em que o presidente faria pressão pela troca no comando da PF.

A defesa de Sérgio Moro, por sua vez, que defende a divulgação do vídeo na íntegra, alegou que a transcrição apresentada pela AGU revela “disparidade de armas, pois demonstra que a AGU tem acesso ao vídeo, enquanto a defesa de Sergio Moro não tem”.

Clique aqui para ler o pedido da PGR

Inq 4.831