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Facilitar o uso de garantias mobiliárias incrementaria a economia

Pandemias de larga abrangência causam inúmeros problemas dos mais variados matizes. Crédito é necessidade permanente para as empresas. Entretanto, em tempos de crise, ele torna-se fator indispensável para evitar que elas fechem ou reduzam suas atividades. Por isso, créditos com menor risco para quem empresta pode ser alternativa para aumentar a oferta e facilitar sua obtenção. Utilizar bens móveis como garantia, comum em muitos países, presta-se para tanto; sendo muito utilizado pelas empresas, mormente pelas de médio ou pequeno porte; além dos microempreendedores.

No Brasil, bens móveis como veículos, máquinas, equipamentos, estoque e ações são pouco aproveitados pelas empresas para se financiar, muito embora cerca de 90% do mercado seja formado por média, pequenas e micro empresas. Das garantias sobre tal tipo de bens, a única usada é a alienação fiduciária em garantia; ficando em plano inferior os penhores comuns, de veículos, de direitos, de caução de títulos de crédito, de animais; ademais dos contratos de compra e venda com reserva de domínio.

Credores nacionais e estrangeiros queixam-se dos obstáculos encontradiços no Brasil: falta de normas adequadas, complexidade do sistema registral, ausência de segurança jurídica, burocracia etc. Tais seriam os motivos da pouca utilização.

Qual seria o roteiro a ser seguido para propiciar maior emprego do crédito, no Brasil, tendo por garantia bens móveis?

Primeiramente, pesquisar junto aos principais representantes de diversos partícipes do mercado, titulares de cartório, bancos, registradoras privadas de valores mobiliários, Receita Federal, organismos internacionais e outras instituições ligadas ao assunto. A seguir examinar cuidadosamente a normativa nacional, com especial atenção para as dificuldades e barreiras registrais, à luz da Lei Modelo da OEA, da Lei Modelo da UNCITRAL; bem como do registro internacional da Convenção da Cidade do Cabo e de seus Protocolos Aeronáutico e MAC (mineração, agricultura e construção).

Na sequência, explorar os vários desafios jurídicos e práticos apresentados pelo tema:

(i) existência de mais de um registro para garantias mobiliárias, que impõe, frequentemente o duplo e contraditório registro no Registro de Títulos e Documentos (RTD) e no de Registro de Imóveis. A regra geral é o registro da maioria das garantias no RTD: penhor comum, penhor de veículos, penhor de direitos, de caução de títulos de crédito, penhor de animais, contratos de compra e venda com reserva de domínio e contratos de alienação fiduciária em garantia. Contudo, há garantias sobre certos bens que, apesar de serem móveis, devem ser registradas, também, no cartório de Registro de Imóveis: penhores rural, mercantil e industrial e a hipoteca de vias férreas. Isso faz com que, frequentemente, apenas parte das garantias móveis, justamente as sujeitas ao Registro de Imóveis, avancem.

(ii) dificuldade classificatória das garantias, a ausência de um corpo normativo que as reúna e a adoção, pelo legislador nacional, de definições rígidas que impedem a introdução de novas formas de garantia.

(iii) o registro de garantias mobiliárias continua sendo realizado majoritariamente em papel, gerando precariedade, insegurança e ineficiência.

(iv) variabilidade das realidades cartoriais, muitas vezes em um mesmo estado federado, que denotam distintas capacidades de os cartórios investirem em infraestrutura, tecnologia e capacitação em recursos humanos; além de perceberem emolumentos não uniformes;

(v) notória dificuldade de armazenamento e segurança dos documentos; assim como na divulgação das transações, especialmente se forem consideradas as adaptações indispensáveis para dar cumprimento aos standards da Lei Geral de Proteção de Dados, a vigorar brevemente.

(vi) não interoperabilidade razoável entre as dezoito mil serventias registrais do país e das centrais estaduais, por motivos operacionais, dificultando sobremaneira a evolução contínua do registro eletrônico e a compilação das informações;

(vii) Falta de base central a que estariam conectadas todas as unidades de serviço do país (cartórios, ofícios e centrais), ou seja, de registro centralizado nacionalmente. Sua adoção: a) acabaria com a necessidade de oficiar os registros do país para a obtenção de informações sobre pessoa física ou jurídica; barateando sensivelmente os custos de due dilligence dos financiadores na verificação da existência de gravames sobre bens oferecidos como garantia; b) melhoraria a comunicação entre as centrais e os cartórios locais, trazendo mais eficiência em razão da padronização de processos; c) ajudaria na interconecção das unidades de registro de bens móveis com o Poder Judiciário, órgãos da administração pública, empresas e cidadãos; e d) beneficiaria os usuários em geral, tornando públicas e disponíveis as certidões e informações registrais a todos.

(viii) ausência de padronização dos emolumentos cartorários, uma vez que cada localidade adota critérios próprios para definir os serviços e para fixar custos, geralmente altos. Maior homogeneidade nos serviços e menor onerosidade no registro de garantias sobre bens móveis fomentaria a economia e a eficiência no comércio. Uso incrementado desses registros, ampliaria o ganho dos cartórios.

O final do roteiro consubstanciar-se-ia em indicar alternativas e soluções para fortalecer os pontos fracos do sistema brasileiro de garantias, apontando entre outras soluções práticas a adoção de um sistema de registro de garantias centralizado, eletrônico e de baixo custo.

O Roteiro explicitado acima foi o seguido, com maestria, pela Professora do Curso de Mestrado do Centro de Estudos de Direito Econômico e Social (Cedes), Constanza Bodini, para escrever a obra, recentemente publicada, intitulada “Registro de Garantias Mobiliárias: uma proposta para sua modernização”.

Indubitavelmente: (i) neste momento de pandemia seria de grande ajuda se já tivesse sido implantado registro eletrônico, central e de baixo custo; (ii) por outro lado, racionalizar e modernizar as garantias mobiliárias, facilitando seu uso, contribuiria para ampliar o acesso dos empreendedores ao crédito, ao mesmo tempo que beneficiaria a economia.


Bodini, Constanza, “Registro de Garantias Mobiliárias: uma proposta para sua modernização”, São Paulo, Editora CEDES, 2019.

 é sócio do Grandino Rodas Advogados, ex-reitor da Universidade de São Paulo (USP), professor titular da Faculdade de Direito da USP, mestre em Direito pela Harvard Law School e presidente do Centro de Estudos de Direito Econômico e Social (Cedes).

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OAB pede na prefeitura reabertura dos escritórios em SP

Fase laranja

OAB pede na prefeitura reabertura dos escritórios de advocacia em São Paulo

Dirigentes da OAB, incluindo o presidente da Ordem em São Paulo, Caio Augusto, estiveram nesta quarta-feira (3/6) na Casa Civil da Prefeitura de São Paulo para entregar o protocolo para reabertura dos escritórios de advocacia e da Casa dos Advogados.

Edifício Matarazzo, sede da Prefeitura de SP

A reunião foi intermediada pelo presidente da Câmara Municipal, vereador Eduardo Tuma (PSDB), que também é advogado e professor de Direito da FMU (Faculdades Metropolitanas Unidas). Os escritórios de advocacia estão funcionando em home office — o protocolo é para retomar o atendimento presencial.

Nos últimos três dias, Tuma articulou a entrega de protocolos por entidades dos mais variados segmentos, como restaurantes, bufês e eventos, construção civil, imobiliárias e shoppings populares.

Pelo decreto do governo do Estado do Plano São Paulo, os escritórios poderiam voltar a funcionar na fase 2 (laranja), “a que estamos na capital”. “Só depende do aval da vigilância sanitária para o protocolo apresentado pela entidade. Ainda não há uma data certa, Casa Civil e Covisa [vigilância sanitária] estão trabalhando para que seja o mais rápido possível”, disse Tuma.

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Revista Consultor Jurídico, 3 de junho de 2020, 16h39

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Cresce número de decisões favoráveis a empresas em recuperação

Com o agravamento da crise econômica gerada pela epidemia de Covid-19, as empresas em recuperação judicial, que já passavam por dificuldades, viram a situação piorar ainda mais devido à queda abrupta de receitas. 

Em uma das decisões, juiz prorrogou stay period até que fosse feita a assembleia geral de credores
Reprodução

Para sobreviver, a solução encontrada por muitas delas foi recorrer ao Judiciário. Os pedidos são variados: paralisação total ou parcial dos pagamentos do plano de recuperação; proibição do corte de serviços de energia e água; prorrogação do stay period (período de suspensão das ações e execuções contra a empresa recuperanda).

Antecipando as dificuldades financeiras, o Conselho Nacional de Justiça editou no final de março a Recomendação 63, que orienta juízes a adotar medidas para mitigar o impacto da Covid-19 nas empresas em recuperação judicial. 

Segundo a recomendação, os magistrados devem dar prioridade à análise de pedidos de levantamento de valores em favor dos credores ou de empresas recuperandas. 

A medida orienta também que magistrados autorizem a reformulação de planos de recuperação quando comprovada a diminuição da capacidade de cumprir obrigações por parte da companhia afetada. 

Tendo isso em vista, e pensando na “quebradeira” que o coronavírus pode gerar, juízes com competência para julgar ações de recuperação e falência passaram a decidir, quando possível, em favor das companhias. A ConJur separou algumas dessas decisões. 

Paralisação total

Em 25 de março, o juiz Sergio Ludovico Martins, da 2ª Vara de Arujá (SP), determinou a paralisação total dos pagamentos do plano de recuperação de uma empresa de embalagens pelo prazo de 90 dias. O juiz também proibiu, pelo mesmo período, que a concessionária de energia elétrica corte o fornecimento do serviço. 

Segundo os autos, por conta da epidemia, a companhia acabou tendo que reduzir 50% de sua movimentação, que já cambaleava antes da crise gerada pelo coronavírus. A dívida total da recuperanda é de R$ 200 milhões. 

Ao justificar a decisão, o magistrado afirmou que é fato notório a quarentena decretada em decorrência da epidemia, que acabou por interromper bruscamente a atividade econômica nacional. 

“O instituto da recuperação judicial se move na aclamação do princípio da preservação da atividade econômica, ex vi artigo 47 da legislação de regência. Com efeito, a atual pandemia trouxe inegável desequilíbrio econômico financeiro, alterando a quadra fática da concedida recuperação judicial, nos termos do artigo 53”, afirma a decisão. 

Segundo Roberto Carlos Keppler, sócio da Keppler Advogados Associados e responsável pela defesa da empresa, em decisões como essa o magistrado acaba optando por buscar a sobrevivência das companhias.

“Estamos evitando a falência, suspendendo os pagamentos e mantendo a empresa viva. O setor de embalagens é um termômetro da economia e a situação da empresa reflete o que pode acontecer com outras empresas”, diz. 

Não essencial

O juiz Cláudio de Paula Pessoa, da 2ª Vara de Recuperação de Empresas e Falências de Fortaleza (CE), argumentou de modo semelhante ao julgar, em 14 de maio, caso envolvendo uma empresa que atua no mercado de aço. 

Ele ordenou a paralisação total dos pagamentos do plano de recuperação judicial da apelante por 90 dias e impediu o corte dos serviços de energia, água, gás e telefone pelo mesmo período. 

O magistrado amparou sua decisão na Recomendação 63 do CNJ. “Neste contexto, tais ações são voltadas à diminuição dos impactos decorrentes do combate à contaminação pelo coronavírus, a fim de que sejam preservados os postos de trabalho, bem como o desenvolvimento das atividades empresariais”, argumentou. 

Por atuar em um setor considerado não essencial, o juiz entendeu que a empresa acabou sendo muito afetada pelo fechamento do comércio no Ceará.

Ele também disse que a proposta apresentada pela recuperanda não acarreta em diminuição dos valores devidos, mas apenas na postergação do pagamento.

“Percebe-se que não haverá prejuízo aos credores, pois receberão os valores de acordo com o plano de recuperação, possibilitando a não decretação da falência das empresas e, por conseguinte, a manutenção dos postos de trabalho, observando, desse modo, o princípio da função social da empresa”, conclui. 

“Medidas mais incisivas”

Em decisão proferida no último dia 20, o juiz Bruno Paes Straforini, da 1ª Vara Judicial de Santana de Parnaíba (SP), autorizou que uma empresa do setor elétrico pague apenas pela energia que consumir. A companhia havia comprado energia no mercado aberto. Com a queda da produção, o serviço acabou sendo cortado. 

“Os fatos retro apontados pela administradora judicial de confiança do juízo são efetivamente graves, tendo sido confirmado, in loco, a gravidade da situação financeira da empresa”, afirma a decisão. 

“Nesse contexto”, prossegue o magistrado, “apesar dos indeferimentos anteriores, impõe-se a tomada de medidas mais incisivas, a fim de garantir a continuidade da atividade empresarial da empresa em recuperação judicial”. 

Prorrogação do stay period

O juiz Tiago Henriques Papaterra Limongi, da 1ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais de São Paulo, concedeu a uma empresa do ramo da construção civil a prorrogação do stay period até que fosse feita a assembleia geral de credores. A decisão foi proferida em 30 de março. 

O magistrado entendeu que a prorrogação dá à recuperanda a possibilidade de que seu patrimônio não seja objeto de constrição até que haja segurança para proceder com a votação do plano de recuperação.

Segundo ele, é recomendável, “à luz das orientações das autoridades públicas competentes no sentido da ampliação de afastamento social, que a assembleia geral de credores não se realize até que haja segurança na realização de eventos que importem reunião de grande número de pessoas”. 

Roberto Carlos Keppler também atuou defendendo a companhia neste caso. Segundo ele, a decisão representa uma vitória importante, já que “a empresa ganhou um fôlego para se organizar até a ocorrência da assembleia”. 

Veja outros casos:

Setor de bebida 

Uma empresa de bebidas conseguiu a suspensão dos pagamentos de credores trabalhistas e demais despesas oriundas do plano de recuperação judicial pelo período de 90 dias. 

No caso, o juiz Josias Martins de Almeida Júnior, da 1ª Vara de São Manuel (SP), embasou sua decisão na recomendação 63 do Conselho Nacional de Justiça. Ele também autorizou o levantamento de R$ 800 mil que estavam bloqueados em outra demanda judicial. 

Setor têxtil

O juiz Paulo Henrique Stahlberg Natal, da 2ª Vara Cível de Santa Bárbara D’Oeste, determinou a suspensão da exigibilidade do cumprimento de todas as obrigações do plano de recuperação judicial de uma empresa do ramo têxtil. 

Por conta da crise, a empresa demonstrou ter sido impactado pelas medidas de restrição e isolamento social. Ela argumentou que sua produção se encontra paralisada, com funcionários em fruição de férias coletivas. 

Setor portuário

O juiz Alexandre de Carvalho Mesquita, da 1ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro, proibiu que concessionárias de energia elétrica e água cortem o fornecimento dos serviços de uma empresa do setor portuário pelo prazo de 90 dias.  A empresa acumula dívidas de R$ 1,5 bilhão. 

Novas demandas

Conforme já noticiou a ConJur, especialistas estimam que será grande o volume de novos pedidos de recuperação judicial.

Segundo estimativa da consultoria Alvares & Marsal divulgada pelo jornal O Estado de S. Paulo em 22/4, por exemplo, uma queda de 3% do PIB pode gerar 2,2 mil pedidos de recuperação judicial. O boletim Focus divulgado pelo Banco Central nesta segunda-feira (20/4) previu retração de 2,96% do PIB para este ano.

De acordo com a mesma consultoria, caso a queda do PIB fique em 5% — o Fundo Monetário Internacional projetou recuo de 5,3% —, a estimativa é que 2,5 mil empresas batam às portas do Judiciário invocando a Lei 11.101/05, que trata da recuperação judicial, extrajudicial e da falência.

O número de casos, se verificado, será 40% maior ao registrado em 2016, quando 1,8 mil sociedades empresárias recorreram à Justiça — cifra até então recorde.

0002974-50.2015.8.26.0045

0149274-71.2015.8.06.0001

1000018-37.2017.8.26.0542

0035171-19.2017.8.26.0100

1000627-68.2015.8.26.0581

1004884-18.2017.8.26.0533

0012633-08.2018.8.19.0002

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Natália Santos: A tecnologia blockchain e o Direito

A tecnologia blockchain, também conhecida como “protocolo de confiança”, foi criada em 2008 por Satoshi Nakamoto como a principal inovação tecnológica do bitcoin, porém não se confunde com a conhecida criptomoeda. Na verdade, a blockchain é a tecnologia por trás do bitcoin e de todas as criptomoedas, mas também pode ser utilizada nos mais variados seguimentos, como no setor educacional, alimentício, automobilístico, marketing, na área da saúde e até mesmo no campo do direito.

A tecnologia propõe imutabilidade, transparência e descentralização como medida de segurança, funcionando como um livro-razão público sem o intermédio de terceiros. Trata-se de uma base de dados distribuída que guarda um registro de transações permanentes e à prova de violação, não podendo ser alterada, eis que armazena informações em blocos dependentes uns dos outros, formando uma cadeia de blocos.

Essas informações não são armazenadas em um computador central, mas sim em milhares de computadores, cada qual com o seu backup, o que significa que não há um ponto único de falha, pois se um nó deixa a rede, outros nós já têm armazenada uma cópia exata de toda a informação compartilhada. Isso faz com que a tecnologia seja segura, pois um hacker não poderia modificar informações na blockchain sem controlar toda a rede.

Quais são as vantagens e desvantagens?
A maior vantagem da tecnologia é que suas informações são criptografadas exigindo uma assinatura digital, o que gera segurança nas transações e garante a proteção contra possíveis ameaças, sendo um mecanismo inviolável para armazenamento de dados.

A dificuldade da tecnologia está na exigência de uma grande capacidade de processamento ou de uma rede capaz de aguentar um grande volume de dados, para evitar sobrecarga. Além disso, a sua implementação carece da reunião de diversos projetos, como a tecnologia da informação, dependendo da colaboração de terceiros, o que pode tornar o processo de aplicação um pouco complicado. Portanto, é importante que a implantação seja bem avaliada e planejada para o seu bom desempenho.

Diferentes tipos de blockchain
A tecnologia pode ser utilizada em diversos negócios em função da sua base de registro de transações. Na área da educação, apresentamos como principal exemplo a emissão de diplomas, certificados, credenciais e históricos de múltiplos cursos. Nesse segmento, a Universidade Federal da Paraíba (UFPB) foi considerada a primeira universidade do Brasil a emitir diplomas via blockchain.

A tecnologia na esfera jurídica
No campo do Direito, ela pode refletir de inúmeras formas, sendo muito utilizada em consultoria consultiva. O OriginalMy é um dos exemplos mais relevantes, por se tratar de um protocolo de verificação de identidade pessoal que aproveita a tecnologia para gerenciar as identidades digitais. Ou seja, ele pode constatar a autenticidade de diversos tipos de documentos digitais, como contratos e a identidade de pessoas. Desse modo, a segurança e a confiança oferecida têm sido comparadas à fé pública dos cartórios na autenticação, além de facilitar o registro e transferência de bens móveis e imóveis, evitando o risco de falsificação e todo o procedimento burocrático.

Segundo a Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI), é possível usar a tecnologia para identificar a origem e autoria de uma obra, agilizar a concessão de registros de marcas e patentes e controlar e combater a pirataria. Isso porque o autor de uma obra pode certificar uma peça na medida em que ela será criada, aplicando-se a proteção contra plágios, ou mesmo enquanto estiver aguardando a confirmação do registro no órgão oficial, podendo ser utilizada como meio adicional de proteção.

Nos contratos, também pode ser uma importante aliada, pois por se tratar de uma base de dados imutável, as partes podem garantir a impossibilidade de adulteração do conteúdo depois que ele for assinado, conferindo integridade e autenticidade nos documentos, além de trazer maior segurança por meio do uso de identidades verificadas por assinatura eletrônica.

A tecnologia também poderá contribuir no processo de compliance da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), já que pode ser facilmente integrada em sites, portais ou aplicativos, permitindo ao usuário que assine contratos ou documentos digitais e requerimentos de autorização para acessar os dados pessoais. Portanto, poderá ser incorporada na preservação dos dados e para evitar a invasão de hackers e sanções por descumprimento da legislação.

Outro importante exemplo de utilização da blockchain são os contratos inteligentes, conhecidos como smart contracts. Trata-se de contrato autoexecutável criado para facilitar a negociação, proporcionando confiança nas transações online, com objetivo de consentir que pessoas desconhecidas façam negócios online sem o intermédio de uma autoridade central. Com a referida tecnologia, um contrato de locação, por exemplo, pode ser firmado por meio de um software de automação, no qual os dados das partes e da locação são preenchidos automaticamente, com assinatura digital e os envolvidos podem acessar os documentos com uma senha única, sem possibilidade de alteração do conteúdo.

É importante ressaltar que tais aplicações ainda estão emergindo no campo do Direito, por se tratar de uma tecnologia nova, sendo necessária sua regulamentação para assegurar as relações jurídicas.

No cenário atual, com o aumento das transações online, é imprescindível maior segurança dos dados, o que pode ser perfeitamente fornecido pela tecnologia blockchain, mas ainda é preciso crescimento e credibilidade frente ao novo mercado virtual.

Natália Marques dos Santos é advogada do escritório Costa Marfori.

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Kfouri e Knoerr: Monitoramento por celular é ofensa à intimidade

Não se pode negar que o avanço tecnológico multiplica desmedidamente a capacidade humana de conhecer dados e informações. E, assim, embora a tecnologia possibilite o monitoramento do aparelho celular para a localização de seu usuário por parte da companhia telefônica, esse uso é ilícito. E é ilícito para qualquer fim. Deve-se abandonar a justificação despótica dos fins pelos meios.

Há, nesse caso, uma violação ao direito de intimidade. Mas de que forma alguém pode sofrer uma violação de sua intimidade sendo monitorado em plena via pública?

Quem faz uso de um telefone celular emprega o aparelho para, quando e onde quiser, fazer chamadas telefônicas e até mesmo para outros variados fins, todos, no entanto, dependentes da vontade do próprio usuário, que, em qualquer hipótese, estará protegido pelo sigilo telefônico previsto pelo artigo 5º, XII, da Constituição Federal, pois “é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e  das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal”.

É claro, portanto, que o uso do telefone celular, para qualquer finalidade, depende do consentimento de seu usuário, exceto nos casos em que a interceptação for autorizada pelo Poder Judiciário.

Por isso, não importa o fato de o usuário estar ou não em via pública. Fato é que a interceptação de dados oriundos do telefone celular, sem autorização do usuário e sem enquadramento na hipótese constitucional de interceptação excepcionalmente permitida pela Constituição Federal, atinge o seu direito de ser dono de sua própria individualidade.

Acordos feitos para esse fim por entes do poder público com as companhias exploradoras do serviço de telefonia celular não podem ter esse alcance, por mais que a tecnologia o permita, pois, como ensinou Paulo José de Costa Júnior no livro “O Direito de Estar Só”, “o mais desconcertante não é a verificação objetiva do fenômeno, não é observar que a tecnologia acoberta, estimula e facilita o devassamento da vida privada; é tomar conhecimento de que as pessoas condicionadas pelos meios de divulgação da era tecnológica (a serviço, portanto, de seus desígnios, em termos estritamente apologéticos), sentem-se com intimidade”. (Editora RT, 4ª edição, p. 15).

Os direitos fundamentais são definidos pelo caput do artigo 5º da Constituição Federal, essencialmente da liberdade e da segurança jurídicas, proclamadas como direitos fundamentais e direitos subjetivos do indivíduo em face do Estado, aqueles oponíveis em razão da sanção estatal, por sua vez, no caso de repressão submissíveis ao Poder Judiciário.

Note-se o inciso décimo desse mesmo artigo quando define a inviolabilidade da intimidade da vida privada das pessoas, na mesma medida, complementa o inciso XII quanto à inviolabilidade das telecomunicações, salvo na parte final, quando excepciona para investigação criminal ou para produção probatória, no curso das instruções penais, que são limitadas e definíveis quanto ao rito, quanto ao procedimento e à justificação pelo artigo primeiro da Lei 9.296 de 96, inclusive o artigo 2º confere expressas redações para a quebra de sigilos.

Pois bem, quando se trata da intervenção do estado na vida privada do cidadão, tem-se de questionar, ou seja, quais são os limites da competência? A partir do momento em que os estados e os entes públicos devem agir de forma adstrita na juridicidade.

O artigo 25 da Constituição Federal define que são competências dos estados e membros aquelas não vedadas pela Constituição Federal, note o parágrafo 1º, e daí nos remetemos à leitura do artigo 21, inciso XVII, quanto à competência da União, quer seja de planejar e de promover a defesa permanente quanto as calamidades públicas. E daí que numa leitura conjugada no artigo 21, inciso 5º, nota-se que não estamos no âmbito do estado de defesa, no estado do sítio ou no âmbito de uma intervenção federal dos estados ou dos municípios, enfim.

Aí há de se questionar as ações invasivas dos estados em razão da intimidade do cidadão, que são submissíveis ao Poder Judiciário pois parecem patentemente inconstitucionais e ilegais.

Gustavo Swain Kfouri é advogado, mestre em Direito Constitucional pela UNIBRASIL, professor visitante da Universidade Nacional Autônoma do México (UNAM), membro fundador da Academia Brasileira de Direito Constitucional (ABDCONST) e doutor em Direito do Estado pela Universidade Federal de Santa Catarina.

Fernando Gustavo Knoerr é advogado, professor do programa de Mestrado e Doutorado em Direito do UNICURITIBA, pós-doutor em Direitos Humanos pelo Ius Gentium Conimbrigae da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra (Portugal) e doutor e mestre em Direito do Estado pela Universidade Federal do Paraná.