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Imagem de torcida em propaganda não gera indenização, diz STJ

Se a imagem é, segundo a doutrina, a emanação de uma pessoa através da qual ela se projeta, se identifica e se individualiza no meio social, não há ofensa a este bem personalíssimo se não configurada a projeção, a identificação e individualização da pessoa nela representada. 

Torcedores do Internacional durante partida no Estádio Beira-Rio, em Porto Alegre 
Ricardo Duarte/Internacional

Com esse entendimento, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça negou recurso especial de um torcedor do Internacional que que teve sua imagem capturada e veiculada, sem sua autorização, em comerciais da Toyota. Ele foi filmado no meio da torcida durante uma partida de futebol.

A indenização foi negada pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, que entendeu que ele não apresentou prova do dano sofrido. Ao STJ, alegou violação de sua privacidade, sendo caso que prescinde de prova de dano.

Relatora, a ministra Nancy Andrighi explicou que, em regra, a utilização da imagem de uma pessoa deve ter autorização expressa, mas que o consentimento pode ser presumido, a depender das circunstâncias: em caso de multidão, por exemplo. Trata-se de situação que deve ser analisada com cautela e interpretada de forma restrita e excepcional.

De um lado, o uso da imagem da torcida, em que aparecem vários integrantes, associado à partida de futebol, é ato esperado pelos torcedores, porque costumeiro nesse tipo de evento. Por outro, quem comparece a partida de futebol não tem expectativa de que sua imagem seja explorada comercialmente, destacou a relatora.

“Embora não seja possível presumir que o recorrente, enquanto torcedor presente no estádio para ver a partida de futebol, tenha tacitamente autorizado a recorrida a usar sua imagem em campanha publicitária de automóvel, não há falar em dano moral, porque o cenário delineado nos autos revela que as filmagens não destacaram sua imagem, senão inserida no contexto de uma torcida, juntamente com outros vários torcedores”, concluiu a ministra.

REsp 1.772.593

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A responsabilidade das plataformas no combate às fake news

O debate legislativo sobre regulação das redes sociais no combate às fake news gira em torno de uma oposição central. De um lado, propostas que atribuem responsabilidade perante terceiros por danos causados pela desinformação veiculada, caso os provedores de aplicação não retirem do ar, no prazo estipulado, o conteúdo reclamado como é o caso do relatório do Senador Ângelo Coronel (PSD-BA) sobre o PL nº 2630/20. De outro, propostas que não atribuem essa responsabilidade, como o PL nº 3063/2020 dos deputados Felipe Rigoni e Tabata Amaral e a Emenda Substitutiva apresentada pelo Senador Antônio Anastasia (PSD-MG) .

Os três projetos avançam na responsabilização das redes, embora em graus bastante distintos, em relação ao que dispõe o art. 19 do Marco Civil da Internet- MCI (Lei nº 12.965/2014). Daí a polêmica, uma vez que aquele dispositivo é considerado, por muitos, como marco para garantia da liberdade de expressão na internet no Brasil. O Supremo Tribunal Federal (RE 1.037.396/SP) deverá enfrentar o tema, ao analisar a constitucionalidade da imposição de necessidade de prévia e específica ordem judicial de exclusão de conteúdo para responsabilização civil de provedor de internet, por danos decorrentes de atos ilícitos praticados por terceiros. Ou seja, não se discute a obrigação de agir do provedor, mas sim em qual momento seria configurada a sua culpa por deixar de agir (e.g. remover conteúdo infringente). Sob a perspectiva das fake news, poderia ser acrescentado ao atual debate: deveria o safe harbor do MCI ser afastado especificamente para o conteúdo desinformativo?

Um dos argumentos a favor da responsabilização aponta que as redes sociais já exercem políticas de moderação e excluem ou ordenam conteúdo, de modo que o art. 19 já estaria superado. Aqui, há duas confusões.

Primeiro, o safe harbor diz respeito apenas a responsabilização pelo ilícito praticado nas redes e não à possibilidade de exclusão espontânea de conteúdo. Se a responsabilidade, conforme o MCI, existe, hoje, apenas por descumprimento de ordem judicial, essa ausência de obrigatoriedade de excluir conteúdo, independentemente de ordem judicial, não implica proibição de fazê-lo. Trata-se de óbvio non sequitur deôntico. A ordem judicial leva à obrigatoriedade de exclusão, mas daí não se infere que somente com ordem judicial seria permitido excluir. A plataforma, pode, de acordo com suas políticas de uso – e sempre em respeito à dignidade da pessoa, à liberdade de expressão, e ao direito à honra – moderar o conteúdo seguindo critérios claros, objetivos e transparentes em relação aos usuários. Essa prática, de forma alguma pode ser considerada em desconformidade ou alguma forma de desuetudo em relação ao art. 19 do MCI.

Segundo, a ordenação de conteúdo ou seleção algorítmica do feed de postagens, que é aprimorado e treinado pela própria atividade do usuário da plataforma, não constitui editoração que possa implicar qualquer tipo de participação no conteúdo ou autoria. Vale lembrar que desde a Seção 230 do Communication Decency Act de 1996, os debates sobre a responsabilidade civil das plataformas de internet indicam que os intermediários da internet não devem ser considerados como editores.

Outro argumento a favor da responsabilização aponta o expressivo faturamento das redes com a atividade dos usuários, que deveria ser usado para impedir a desinformação criminosa. Apesar de, muitas vezes, ser veiculado como interjeição indignada com o fenômeno da desinformação, o argumento tem efeito persuasivo para muitos, sendo pertinente identificar e debater suas crenças subjacentes. A primeira é a de que seria possível, com investimentos substantivos, eliminar completamente fake news das redes sociais. A segunda é a de que haveria alguma responsabilidade dos provedores de internet, na medida em que a plataforma torna possível essa prática.

É preciso reconhecer o enorme desafio que enfrentam as plataformas em um modelo de produção descentralizada de conteúdo, fenômeno característico das redes sociais na chamada internet 2.0, que contribuiu para a modificação da a esfera pública. A forma como as informações circulam e são compreendidas mudou, porquanto a sociedade de rede transpassou, em grande parte, a sociedade de organizações, quando a produção de informação era centralizada em grandes empresas jornalísticas.

Na mídia tradicional, centralizada, o controle do conteúdo ocorre antes da publicação pela própria organização de comunicação. Por sua vez, é da essência do modelo de redes que a publicação ocorra espontaneamente pelos usuários, caracterizados por estarem presentes em qualquer tempo e lugar- uma nova condição de leitura e de cognição.

Como em mercados de plataformas de internet, a liderança tende a se consolidar com elevada concentração, não há como o provedor compor uma gestão exclusivamente humana para analisar todo o conteúdo nela veiculado. Os provedores necessariamente terão de lançar mão de tecnologia, como a Inteligência Artificial, para detectar conteúdos que violem suas políticas de uso. Ocorre que há enormes desafios no estado atual de técnicas de processamento de linguagem natural e aprendizagem de máquina para identificar fake news ou hate speech. Assim, para lidar com o problema, as redes devem combinar a detecção e indicação por máquinas com revisores humanos. O equilíbrio nessa combinação é dinâmico e difícil de alcançar, alterando-se conforme evolui a tecnologia. Portanto, as redes deverão aprimorar uma série de procedimentos para apurar denúncias e acompanhar contas com atividade atípica de sistemática propagação de desinformação. O ideal seria manter a flexibilidade nesse ajuste, o que é favorecido pelo modelo de autorregulação.

Por outro lado, deter a infraestrutura que possibilita a propagação de desinformação não implica coparticipação, ainda que esta infraestrutura seja bastante lucrativa para o provedor. Como toda tecnologia, seu efeito é dual, e o modelo descentralizado, de comunicação direta entre pares, traz diversos benefícios à comunicação e à liberdade de expressão.

Se o alvo da regulação das redes é a atividade criminosa e organizada de propagação de desinformação, a responsabilidade por sua persecução e condenação é em primeiro lugar do Estado e não pode ser simplesmente delegada ao particular. Não cabe, de modo oblíquo, transferir esse dever, por meio da responsabilização civil das redes por todo o ilícito nela veiculado.

As redes sociais ou plataformas de comunicação interpessoal constituem hoje grande parte da infraestrutura que condiciona a atual esfera pública comunicacional, sendo responsáveis por preservar um ambiente no qual a democracia, e a liberdade de expressão sejam preservadas, mitigando riscos de lesão a direitos fundamentais previstos na Constituição Federal brasileira. Aliás, a função social das empresas de internet constitui importante vetor para o exercício de sua atividade econômica, o que lhes impõe deveres positivos a orientar seus serviços na construção de uma esfera pública democrática e que respeite direitos humanos. Porém, isso não significa que os intermediários devam ser responsabilizados por violações de terceiros, que inevitavelmente ocorrerão. Sua responsabilidade não pode ser pelo resultado, mas apenas procedimental, ou seja, por estruturar, dentro dos limites técnicos disponíveis e melhores modelos de governança, os meios para a detecção, identificação e combate à atividade desinformativa, sem perder de vista possíveis caminhos de Online Dispute Resolution, visando trazer maior agilidade e reduzir a judiciallização.


O texto do Senador Antônio Anastasia utiliza o modelo da autorregulação regulada. Sobre o assunto ver MARANHÃO, Juliano; CAMPOS, Ricardo. Exercício de autorregulação regulada das redes sociais no Brasil. In: NERY, N. Campos; ABBOUD, George. (Orgs). Fake news e regulação. São Paulo: RT, 2018

Thomas Vesting, A mudança da esfera pública pela inteligência artificial, em: Ricardo Campos, Georges Abboud, Nelson Nery Jr. (Orgs.) Fake News e Regulação. Coleção Direito e Estado em Transformação, Thomson Reuters-RT Sao Paulo 2018, p. 91 – 108.

Ver sobre o leitor ubíquo em SANTAELLA, Lucia. Comunicação ubíqua: repercussões na cultura e na educação. São Paulo: Paulus, 2013, p.277-279.

Sobre essa dificuldade, ver Wagner, B. Liable, but Not in Control? Ensuring meaningful human agency in automated decision-making systems, Policy & Internet, vol 11, n.1, 2019.

Juliano Maranhão é diretor do instituto LGPD, professor Livre-Docente da Faculdade de Direito da USP, membro do Comitê Diretor da International Association of Artificial Intelligence and Law e pesquisador da Fundação Alexander von Humboldt.

Juliana Abrusio é diretora do instituto LGPD, doutora em Direito e professora da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Sócia da Opice Blum, Bruno, Abrusio e Vainzof Advogados Associados.

Ricardo Campos é diretor do instituto LGPD (Legal Grounds for Privacy Design) e docente assistente na Goethe Universität Frankfurt am Main (ALE).

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O artigo 19-E da Lei 10.522 e sua retroatividade

No nosso artigo desta semana, seguiremos endereçando nossas reflexões à aplicação do novel art. 19-E, da Lei nº 10.522/02[1], sempre com o escopo de fomentar o debate científico acerca do tema, em função de sua grande relevância para os processos em julgamentos ou já julgados no âmbito do Carf.

Hoje, trataremos de outra questão controvertida: a possibilidade de aplicação do artigo 19-E aos processos administrativos já encerrados, sob o rito do Decreto nº 70.235/72[2], pelo voto de qualidade, mas cujas multas seguem sendo executadas cobradas judicialmente. Em suma: a possibilidade de sua aplicação retroativa.

No panorama atual de debate, alguns têm defendido que a regra veiculada pelo art. 19-E teria natureza de norma de direito material, em razão da invocação do art. 112 do CTN em sua “exposição de motivos”. Logo, o novo dispositivo seria apenas interpretativo do art. 112 do CTN, retroagindo, portanto, em razão do prescrito no art. 106, I, do mesmo Código[3] – posição com a qual não concordamos, tendo em vista que o referido artigo “interpretado” nada tem a ver com os critérios de resolução de empates nos julgamentos administrativos. Esse entendimento, entretanto, não contraria o argumento, defendido por muitos, de uma eficácia direta do art. 112 sobre a aplicação de sanções em casos nos quais houve dúvida subjetiva do Colegiado[4], mas apenas sustenta a inaplicabilidade do art. 106, I, do CTN.

Outro desdobramento da premissa de se tratar de uma norma de direito material, foi a proposta de sua aplicação exclusivamente para sanções mantidas por voto de qualidade, com fundamento no art. 106, II, “a” ou “c”, do CTN[5]. Essa posição tampouco nos parece prosperar, pela literal inaplicabilidade das alíneas em questão, em face dos tipos infracionais restarem inalterados após a inserção do artigo 19-E na Lei nº 10.522/02 — não há abolitio total ou parcial de qualquer regra sancionatória, muito menos o abrandamento de suas consequências normativas.

A nossa divergência, no fundo, remete à própria premissa assumida: não vislumbramos a possibilidade de adjudicarmos a uma regra que diz respeito ao resultado de julgamentos de processos administrativos federais uma estrita natureza de direito material. Ora, a regra do artigo 25, §9, do Decreto nº 70.325/72 era de regra de direito processual, e a norma que a revogou parcialmente também tem igual natureza.

As regras de direito processual, como é sabido por todos, têm a particularidade de aplicadas sempre prospectivamente (tempus regit actum), é dizer, sem retroagir sobre casos julgados no passado, conforme se verifica no artigo 14 da Lei nº 13.105/2015 (CPC) e artigo 2º do Decreto-lei nº 3.689/1941 (CPP), verbis:

Art. 14. A norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos em curso, respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada.

Art. 2º A lei processual penal aplicar-se-á desde logo, sem prejuízo da validade dos atos realizados sob a vigência da lei anterior.

Por outro lado, é preciso também ponderar que o processo administrativo regido pelo Decreto nº 70.235/72 não se restringe à determinação e exigência de tributos, mas também é instrumento para a aplicação de sanções, tanto de natureza tributária[6] (multas de ofício ou isoladas), como também de não-tributárias (a exemplo da multa decorrente da conversão de pena de perdimento, nos casos de interposição fraudulenta na importação). O fato de eventualmente envolver a cobrança de tributos não desnatura a possibilidade de também se pôr juridicamente como um processo administrativo sancionatório.

Nesse sentido, a regra inserida pelo art. 19-E da Lei nº 10.522/02 tem uma natureza bifronte, na medida em que, ao mesmo tempo, veicula i) uma regra processual, pondo fim a um julgamento colegiado na hipótese da votação terminar empatada, de modo que o processo possa seguir seu curso procedimental lógico, e ii) também estabelece a diretriz quanto ao cumprimento (exequibilidade) ou não de uma sanção.

Assim, parece-nos que ela guarda similitude com um tipo de regra processual amplamente reconhecida e estudada na doutrina e jurisprudência processual penal, quais sejam, as normas processuais mistas ou híbridas.

Há divergências doutrinárias sobre o alcance dessa categoria de regras, o que desemboca em uma corrente mais i) restritiva e outra mais ii) ampliativa. O ponto em comum entre ambas, todavia, é a mesma premissa de que é possível encontrar no ordenamento jurídico normas que, simultaneamente, encerrem comandos de natureza processual-penal e de natureza penal-substancial[7][8].

Segundo a corrente mais restritiva, normas processuais mistas ou híbridas são aquelas que, de alguma forma, digam respeito à pretensão punitiva ou, como prefere Eduardo Espínola Filho, apresentem conteúdo de direito substancial, i.e., atribuam, virtualmente, ao Estado ou a particulares o poder de disposição do conteúdo material do processo, isto é, da pretensão punitiva, ou da pena[9].

Por sua vez, na corrente ampliativa, as normas aqui estudadas seriam aquelas que, ultima ratio, digam respeito ao substantive due process. Daí Gustavo Badaró afirmar que para tal corrente doutrinária seriam normas híbridas aquelas que estabelecem condições de procedibilidade, constituição e competência dos tribunais, meio de prova e eficácia probatória, graus de recurso, liberdade condicional, prisão preventiva, fiança, modalidade de execução da pena e todas as demais normas que tenham por conteúdo matéria que seja direito ou garantia constitucional do cidadão[10].

Contrapondo as duas correntes doutrinárias, e mesmo adotando a linha mais restritiva de caracterização, é possível concluir que normas processuais que tratem da pretensão punitiva apresentam típico caráter de regra de direito material e, portanto, estariam sujeitas também ao regime jurídico de normas dessa natureza, incluindo aí a possibilidade de aplicação retroativa, apenas nas hipóteses em que beneficie o réu ou acusado. Esse é o entendimento dos nossos Tribunais Superiores:

1. RECURSO. Extraordinário. Pedido. Inconstitucionalidade do art. 411 do Código de Processo Penal. Dispositivo revogado pela Lei n° 11.689/2008. Perda superveniente do interesse recursal. Recurso prejudicado. O pedido da recorrente está prejudicado ante a revogação do art. 411, do Código de Processo Penal, pela Lei n° 11.689/2008, que introduziu, no art. 415, novas regras para a absolvição sumária nos processos da competência do Tribunal do Júri. 2. AÇÃO PENAL. Tribunal do Júri. Absolvição sumária imprópria. Revogação do art. 411, do Código de Processo Penal, pela Lei n° 11.689/2008. Retroatividade da lei mais benéfica. Concessão de habeas corpus de ofício. As novas regras, mais benignas, aplicam-se retroativamente. Ordem concedida para que o juízo de 1º grau examine, à luz da nova redação, se estão presentes os requisitos para a absolvição sumária, oportunizada prévia manifestação da defesa. (RE n. 602.561/SP – São Paulo. Recurso Extraordinário. Relator: Min. CEZAR PELUSO. Julgamento: 27/10/2009 Órgão Julgador: Segunda Turma).

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. PENAL E PROCESSUAL PENAL. LESÃO CORPORAL LEVE E GRAVE. REPARAÇÃO PELOS DANOS CAUSADOS À VÍTIMA PREVISTA NO ART. 387, INCISO IV, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. NORMA DE DIREITO PROCESSUAL E MATERIAL. IRRETROATIVIDADE. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. A regra do art. 387, inciso IV, do Código de Processo Penal, que dispõe sobre a fixação, na sentença condenatória, de valor mínimo para reparação civil dos danos causados ao ofendido, é norma híbrida, de direito processual e material, razão pela que não se aplica a delitos praticados antes da entrada em vigor da Lei n.º 11.719/2008, que deu nova redação ao dispositivo. Precedentes da Quinta Turma. 2. Agravo regimental desprovido. (AgRg no REsp 1254742/RS, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 22/10/2013, DJe 05/11/2013)

PENAL. PROCESSUAL PENAL. RECURSO ESPECIAL. RÉU REVEL. SUSPENSÃO DO PROCESSO E DO LAPSO PRESCRICIONAL. CRIME COMETIDO ANTES DA LEI 9.271/96. INAPLICABILIDADE. Reiterada jurisprudência desta Corte no sentido de que as disposições do art. 366 do CPP, com a sua nova redação dada pela Lei 9.271/96, sendo norma de natureza híbrida, processual (suspensão do processo) e material (suspensão da prescrição), não podem ser cindidas, sendo inaplicável por inteiro o citado dispositivo legal às infrações cometidas antes da vigência da Lei 9.271/96. Precedentes. Recurso conhecido e provido. (REsp 280.656/RJ, Rel. Ministro JOSÉ ARNALDO DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 13/03/2001, DJ 04/06/2001, p. 227)[11]

Ao se analisar os casos julgados pelo Carf e, portanto, sujeitos à regra do art. 19-E da Lei nº 10.522/02, é possível observar que há a apreciação da imposição de sanções (de natureza tributária ou não), como dito anteriormente, e, ao assim fazer, o Tribunal define a exequibilidade da pretensão punitiva daí decorrente. Em outras palavras, a sua decisão definitiva é condição objetiva de punibilidade dos agentes autuados. Sem tal manifestação judicativa, não é possível cobra a pena (multa) imposta pelo Estado.

Esse entendimento, ressalte-se, encontra amparo na jurisprudência do STF, em especial nos precedentes que orientaram a Súmula Vinculante nº 24[12]. Nesse sentido, por exemplo, o voto do Ministro Gilmar Mendes, no HC nº 102.477, pontua que o “a decisão definitiva do processo administrativo consubstancia condição objetiva de punibilidade”, ou o HC 81.611, de relatoria do Ministro Sepúlveda Pertence, que aduz que “se considere o lançamento definitivo uma condição objetiva de punibilidade”.

Ora, não se nega que os precedentes em questão foram julgados para analisar a procedibilidade de denúncias de crimes contra a ordem tributária, mas seus fundamentos descortinam a natureza jurídica da decisão definitiva dos processos administrativos. Se a decisão final em processo tributário é condição para a aplicação das sanções penais decorrentes dos crimes capitulados no art. 1º da Lei nº 8.137/90[13], é inegável que as sanções de natureza administrativa (tributárias ou não), constituídas por meio de ato administrativo, só poderão ser exigidas após a decisão definitiva no processo administrativo sancionatório, razão pela qual ela se põe como condição objetiva da punibilidade do agente.

Em suma, ao mesmo tempo que o art. 19-E da Lei nº 10.522/02 veicula uma norma de direito processual, ele também encerra, nos casos em que há exigências de caráter sancionatório (multas), natureza processual híbrida, na medida em que condiciona a exequibilidade da pretensão punitiva do Estado. Ainda que a incidência normativa se dê com o ato administrativo que imputou a sanção, a sua exequibilidade, em havendo contestação, fica condicionada ao conteúdo da decisão definitiva no processo administrativo.

Portanto, em se tratando de norma dessa natureza, entendemos que ela deverá retroagir para abranger  apenas as exigências de caráter sancionatório, tributárias ou não, cobradas conjunta ou separadamente de tributos, que foram mantidas, no âmbito do Carf, por meio de decisão final proferida pelo voto de qualidade, e que prosseguem sendo cobradas judicialmente, na esteira de diversos precedentes dos tribunais superiores, e por força da retroatividade benigna do art. 5º, XL, da Constituição Federal de 1988[14], excepcionadora do caráter prospectivo da eficácia de normas processuais deste jaez. Não obstante, ante tudo o que fora aqui afirmado, não nos parece que tal retroatividade não se aplicaria para a cobrança de crédito tributário decorrente de tributos, mesmo que tenha sido mantido por meio do voto de qualidade.

Por fim, em uma abordagem próxima, ainda que não coincidente àquela perfilhada aqui, defendendo  os reflexos do art. 19-E da Lei nº 10.522/02 no âmbito dos processos penais de crimes contra a ordem tributária, remetemos ao artigo de Fernando Hideo I. Lacerda, no qual defendeu a retroatividade da regra, afirmando que com o fim do voto de qualidade, operou-se abolitio criminis referente a todas as condutas que à época foram julgadas ilícitas pelo Carf e, segundo os critérios da lei atual, passaram a ser resolvidos favoravelmente ao contribuinte[15].

 é sócio do Daniel & Diniz Advocacia Tributária, doutor em Direito Tributário pela Universidade de São Paulo (USP), mestre em Direito Tributário pela PUC-SP, ex-conselheiro titular da 1ª e 3ª Seções do Carf, e professor em cursos de pós-graduação.”

 é advogado tributarista, sócio do Daniel & Diniz Advocacia e Consultoria Tributária, ex-conselheiro titular do Carf na 3ª Seção de Julgamento, professor de Direito Tributário, Processo Tributário e Processo Civil. Doutorando em Processo Civil pela USP e Mestre em Direito Tributário pela PUC-SP e pós-graduado em Direito Tributário pelo Ibet.

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CNJ apura ofensas de magistrado a Lewandowski e a outros juízes

Comentários depreciativos

CNJ apura ofensas de magistrado a ministro do STF e a outros juízes

O corregedor nacional de Justiça, ministro Humberto Martins, instaurou, na tarde desta segunda-feira (20/4), reclamação disciplinar contra o juiz do Trabalho Gustavo Cisneiros Barbosa, do Tribunal Regional do Trabalho de Pernambuco (TRT-6). Os comentários tratariam de resultado do julgamento da medida cautelar interposta na ADI 6.363, pelo STF, no último dia 17 de abril.

O magistrado deve prestar esclarecimentos à Corregedoria Nacional de Justiça sobre a reprodução de mensagem, veiculada em vídeos pelas redes sociais e, em especial, no Youtube, em que teceu críticas e fez comentários depreciativos em relação ao ministro do Supremo Tribunal Federal Ricardo Lewandowski e aos juízes do Trabalho Leandro Fernandez Teixeira, Roberta Corrêa de Araújo Monteiro e Hugo Cavalcanti Melo Filho.

Segundo a decisão, caso, realmente, o referido vídeo seja de autoria do juiz do Trabalho, em tese, pode estar caracterizada conduta vedada a magistrados, porque foi utilizada linguagem incompatível com o decoro e juízo depreciativo a decisões judiciais de outros membros da magistratura, com potencial para expor negativamente a imagem do Poder Judiciário (Loman, Código de Ética da Magistratura e Resolução 305/2019 do CNJ).

O corregedor nacional determinou à Presidência do TRT-6 que, no prazo de cinco dias, intime o juiz do Trabalho Gustavo Cisneiros a apresentar defesa prévia, de acordo com os artigos 69 e 70 do Regimento Interno do CNJ, devolvendo-a à Corregedoria Nacional acompanhada de cópia da ficha funcional do referido magistrado. Com informações da assessoria de imprensa do Conselho Nacional de Justiça.

Revista Consultor Jurídico, 20 de abril de 2020, 17h26