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Ricardo Hiroshi Botelho Yoshino Advogados é parceiro da ConJur

Ricardo Hiroshi Botelho Yoshino Advogados é o novo parceiro da ConJur

O escritório Ricardo Hiroshi Botelho Yoshino Advogados, com sedes nas cidades de Assis e São Paulo, é o novo parceiro da ConJur.

Fundado em 2002, o escritório tem por objetivo prestar serviços jurídicos com alto padrão de qualidade e excelência em diversas áreas do Direito. A banca tem entre seus objetivos principais: oferecer sempre o melhor aos clientes e os ajudá-los a atingir suas metas corporativas. A equipe proporciona soluções imediatas e eficientes para atender as necessidades dos clientes, com um amplo espectro de serviços jurídicos.

Clique aqui para acessar o site do novo apoiador

Revista Consultor Jurídico, 12 de maio de 2020, 10h28

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BC não é responsável por pedidos via Bacenjud com base na LAI

O ministro Mauro Campbell Marques, do Superior Tribunal de Justiça, negou pedido de habeas data no qual um servidor público, com base na Lei 12.527/2001 (Lei de Acesso à Informação), pretendia que o Banco Central (BC) lhe fornecesse informações sobre bloqueios efetuados em suas contas bancárias por meio do sistema BacenJud.

BC não responde por pedido de informações via Bacenjud com base na LAI

O BacenJud é o sistema que interliga a Justiça ao BC e às instituições bancárias, com o objetivo de agilizar a solicitação de informações e o envio de ordens judiciais ao Sistema Financeiro Nacional, pela internet, permitindo a penhora online de valores em conta-corrente e aplicações financeiras.

Na decisão, o ministro relator concluiu que o Banco Central, por ser responsável apenas pela operacionalização do sistema, não detém legitimidade para responder por pedidos de acesso às informações nessas hipóteses.

De acordo com o servidor público, foram feitos diversos bloqueios judiciais em contas de sua titularidade, razão pela qual ele solicitou ao BC dados sobre a origem dessas medidas, as contas pesquisadas e a destinação dos valores bloqueados.

Em resposta ao pedido, o BC informou que os dados solicitados não poderiam ser fornecidos, porque, entre outros motivos, a autarquia não armazenaria as informações sobre bloqueios judiciais e não teria capacidade de avaliar se os dados estão protegidos por sigilo. Segundo o banco, o interessado poderia obter as informações por meio das varas que determinaram o bloqueio ou nas instituições financeiras que controlam as contas bancárias.

Comprovação de recusa

O ministro Mauro Campbell Marques lembrou que, como previsto no artigo 105, inciso I, alínea “b”, da Constituição Federal, compete ao STJ julgar, originariamente, os habeas data contra ato de ministro de Estado, dos comandantes das Forças Armadas ou do próprio tribunal. Segundo as regras atuais, o cargo de presidente do BC tem status de ministro.

No entanto, o relator sublinhou que, nos termos da Lei 9.507/1997, a petição inicial da ação de habeas data deve ser instruída com a comprovação de resposta negativa ao pedido de acesso aos dados ou do decurso de mais de dez dias sem decisão sobre o pedido.

O ministro destacou que o STJ firmou jurisprudência no sentido de que a impetração do habeas data pressupõe a demonstração da existência de uma pretensão resistida, consubstanciada na recusa injustificada da autoridade coatora, explícita ou implicitamente, em responder à solicitação de informações.

Resposta à petição

No caso dos autos, Mauro Campbell Marques entendeu não ter havido recusa injustificada do BC a se manifestar sobre o pedido, já que a autarquia respondeu aos questionamentos, ainda que de forma contrária às expectativas do peticionante.

Além disso, o ministro ressaltou que, de acordo com regulamento do sistema BacenJud, cabem ao Banco Central as tarefas relativas à operacionalização e manutenção do sistema, ficando a cargo do Poder Judiciário o registro das ordens no sistema e a verificação de seu cumprimento. Por isso, o relator entendeu que o BC não tem legitimidade para fornecer as informações solicitadas pelo servidor.

“O reconhecimento da ilegitimidade da autoridade apontada como coatora afasta a própria competência desta Corte Superior para processar e julgar o habeas data”, concluiu o ministro. Com informações da assessoria de imprensa do STJ.

Clique aqui para ler a decisão

HD 356

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Ramos e Cabral: Investimento em ciência, tecnologia e inovação

Não há como enfrentar a crise atual sem reconhecer a essencialidade dos investimentos públicos em ciência, tecnologia e inovação (CT&I). É certo que trabalhar para apagar os incêndios é necessário: ampliar leitos de UTI, adquirir respiradores, kits de EPIs e de testagem e os demais insumos médico-hospitalares, de um lado; amparar os grupos sociais mais vulneráveis e evitar a quebradeira generalizada de empresas, de outro. No entanto, retomar imediatamente os investimentos em CT&I é central para respondermos aos desafios sanitários e econômicos suscitados pelo novo coronavírus.

Estudo de Priscila Koller, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), aponta que a tendência de queda do dispêndio do governo federal em pesquisa e desenvolvimento (P&D) sobre o Produto Interno Bruto (PIB) remete a 2015 [1]. Trata-se do começo do segundo governo Dilma Rousseff, quando o Brasil entraria em recessão e Joaquim Levy assumiu o Ministério da Fazenda iniciando uma política de cortes de gastos. As políticas de CT&I sentiram na pele.

Em verdade, essa tendência de arrefecimento dos investimentos públicos em CT&I é historicamente observada sempre que há redução de receita decorrente de momentos econômicos de crise [2].

No atual governo, não é possível ignorar o flerte do presidente com posições aparentemente minoritárias no campo científico, que tendem a levar ao isolamento, conforme já reconhecem publicações internacionais [3]. Em termos práticos, o orçamento do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MTIC) foi severamente contingenciado. Em 2019, o MCTIC já tinha a menor previsão orçamentária em 14 anos; como se não bastasse, houve um congelamento de nada menos que 42%, restando apenas R$ 2,9 bilhões para a pasta [4].

Enquanto busca soluções imediatas para cuidar dos seus doentes, a Europa, implacavelmente castigada pela Covid-19, não deixa de considerar o fomento da inovação como estratégico à superação da crise. Em março, chamada foi divulgada pelo Conselho Europeu de Inovação para financiar tecnologias com potencial de contribuir ao tratamento, teste e monitoramento do vírus. As empresas beneficiadas serão startups e pequenas e médias empresas. Só nessa oportunidade, há 164 milhões de euros prometidos [5]. O edital tenta endereçar com tecnologia o drama atual e atende o propósito de estimular empresas de menor porte e de base tecnológica.

O Brasil vem atentando para o papel da CT&I para superarmos a crise? Lenta e, talvez, insuficientemente, mas, sim, a ficha começa a cair.

O Conselho Nacional do Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e o Ministério da Saúde lançaram edital para financiar pesquisas em distintas áreas de combate ao coronavírus. R$ 50 milhões foram reservados [6]. Voltada para pequenas empresas do estado de São Paulo, a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) e a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) estruturaram chamada pública para o desenvolvimento de produtos, serviços e processos inovadores que contribuam na luta contra a Covid-19. O financiamento é da ordem de R$ 20 milhões [7]. A Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) publicou edital de R$ 70 milhões para apoiar projetos de pesquisa em áreas como epidemiologia, infectologia e imunologia [8]. O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) divulgou cinco linhas de atuação em vista dos efeitos econômicos do coronavírus. Nenhuma delas é explicitamente voltada para o financiamento da inovação, o que é um erro do banco. Contudo, duas parecem amplas e poderiam contemplar projetos inovadores: a “Mais capital de giro” (R$ 5 bilhões) e a “Linha emergencial setor de saúde” (R$ 2 bilhões) [9]. A Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (EMBRAPII) criou canal simplificado para financiar inovações que colaborem no diagnóstico, tratamento ou acompanhamento do vírus. R$ 6 milhões foram disponibilizados, sendo R$ 2 milhões voltados para startups e pequenas empresas [10]. Embora não envolvam propriamente financiamento, duas regulamentações recentes merecem nota: a portaria referente à Lei 13.969/2019, a nova Lei de Informática (Portaria MCTIC 1.294, de 26 de março de 2020), e a Lei da Telemedicina (Lei 13.988, de 15 de abril de 2020).

Esses, entre outros, são passos importantes que, porém, não devem ignorar uma agenda mais estrutural de retomada do papel do Estado como incentivador e promotor da CT&I, como estabelece a Constituição de 1988 e como fizeram os países que conseguiram alcançar desenvolvimento tecnológico e econômico.

Entre as medidas, precisamos de:

 Recuperação dos investimentos em escolas, institutos, universidades e demais Instituições Científicas, Tecnológicas e de Inovação (ICTs) públicas, o que passa não só por recursos para a infraestrutura material, mas também por valorização do professor e do pesquisador público, até para mitigar o êxodo científico (brain drain);

II  Destinação robusta de recursos aos órgãos de fomento à pesquisa, como CNPq, CAPES e Finep, blindando-os, na medida do possível, das políticas de corte;

III — Assunção do financiamento da inovação como uma das estratégias centrais da atuação do BNDES;

IV  Reabilitação do debate a respeito da política industrial, notadamente quanto ao Complexo Industrial da Saúde [11], a fim de pensar a dinamização tecnológica de setores relevantes aos desafios atuais, mantendo no radar temas como indústria 4.0, inteligência artificial, internet das coisas e 5G [12];

 Utilização das encomendas tecnológicas para fomentar o enfrentamento do risco tecnológico pertinente ao desenvolvimento de medicamentos, vacinas e novos materiais;

VI  Busca de mais parcerias entre os setores público e privado, lançando-se mão, por exemplo, dos mecanismos de compartilhamento de laboratórios e equipamentos ou mesmo de capital intelectual de ICTs públicas, previstos na Lei de Inovação;

VII  Ampliação da presença do Estado em ambientes promotores da inovação, como parques tecnológicos e incubadoras, de modo a mapear as necessidades (de amparo financeiro e facilitação burocrática) de empresas de base tecnológica, especialmente startups;

VIII  Simplificação do acesso aos incentivos tributários da Lei do Bem, inclusive com alteração legal para que se deixe de exigir lucro real das empresas interessadas, sem prejuízo da discussão acerca de outras formas de estímulo fiscal à inovação;

IX  Manutenção dos investimentos em P&D das empresas estatais;

Esforço para a constituição da Autoridade Nacional de Proteção de Dados, reconhecendo-se que, em tempos de distanciamento físico, a economia se torna, ainda mais, movida a dados, que também alimentam boa parte das soluções tecnológicas utilizadas no combate à pandemia, devendo-se coibir abusos e, ao mesmo tempo, refletir sobre como os dados podem contribuir à superação da crise [13];

XI  Ações no sentido da inclusão digital (ampliação da oferta de internet gratuita, políticas para a compra de smartphones por pessoas de baixa renda, implantação da identidade digital gratuita [14], etc.) e da inclusão financeira (permitindo à população de baixa renda acesso a serviços financeiros aqui, as fintechs e os caixas eletrônicos multibancos podem desempenhar relevante papel). Tais ações se mostram fundamentais para facilitar o alcance dos benefícios sociais do governo e aquecer as economias locais;

XII  Aproveitamento da inteligência de instituições como o Ipea para desenvolver estudos relacionados aos caminhos, do ponto de vista da inovação tecnológica, que podem ser trilhados para a recuperação econômica.

A falta de entendimento nos últimos anos por distintos governos, acentuando-se no atual de que CT&I devem estar entre as prioridades permanentes vai cobrar um preço. Como estamos constatando, optar pelo sucateamento da CT&I sai muito caro.

O Brasil está longe de participar da fronteira tecnológica em numerosos segmentos econômicos. Isso expressa nossa dependência tecnológica. Fruto da herança colonial e do lugar periférico em que nossa economia historicamente se situa, acostumamo-nos a exportar bens primários e importar tecnologia. Esquecemos que garantir investimentos estatais em CT&I é investir em autonomia tecnológica, a partir da dinamização do mercado interno, como consigna o artigo 219 da Constituição de 1988. Buscar mais autonomia tecnológica nos dará condições para o enfrentamento da presente crise e das próximas. Mais do que isso: é pressuposto para sermos soberanos.

 é advogado e doutor em Direito pela USP com doutorado-sanduíche na Universidade Bielefeld (Alemanha) e Fox Fellow pela Universidade Yale.

 é advogado, professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie e doutor em Direito Econômico pela USP.

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Por Covid-19, desembargador autoriza suspensão de obra em escola

Momento de crise

Por Covid-19, desembargador do TJ-SP autoriza suspensão de obra em escola

Por 

Por considerar relevantes os fundamentos lançados na minuta recursal e levando em consideração que a decisão agravada, tal como deferida, poderá causar lesão grave e de difícil reparação, o desembargador Reinaldo Miluzzi, da 6ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, concedeu liminar para suspender as obras em uma escola municipal de Ribeirão Preto.

123RFPor Covid-19, desembargador do TJ-SP autoriza suspensão de obra em escola

A reforma foi determinada em primeira instância a pedido do Ministério Público, que ajuizou ação civil pública contra o município por melhorias na escola. A prefeitura recorreu ao TJ-SP, sustentando a impossibilidade de cumprimento da decisão judicial no prazo fixado (60 dias) em razão da epidemia de Covid-19. 

Segundo o desembargador, em decorrência da “natureza extremamente contagiosa desse vírus e visando minimizar sua propagação”, o Poder Público foi impelido a criar dispositivos legais, impondo medidas preventivas, com o objetivo de reduzir o fluxo de pessoas mediante o isolamento social, tal como recomendado pela Organização Mundial de Saúde.

“Com efeito, por ora, o Estado de São Paulo está de quarentena para a prevenção da contaminação, encontrando-se numa situação de pandemia jamais vista, com inúmeros contagiados com o vírus e muitas mortes, o que não permite autorizar quaisquer medidas como a pretendida na ação em comento, por se presumir a dificuldade que a administração pública terá para atender a determinações como as que lhe foram impostas na r. decisão agravada”, disse.

Assim, a Prefeitura de Ribeirão Preto não precisará realizar as obras na escola municipal enquanto perdurar a quarentena no estado. 

3001862-57.2020.8.26.0000

 é repórter da revista Consultor Jurídico

Revista Consultor Jurídico, 12 de maio de 2020, 9h57

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Gravidade de crime tributário depende da qualificação do crédito

Nas hipóteses de crimes tributários contra municípios ou estados, a configuração de grave dano à coletividade — prevista no artigo 12, inciso I, da Lei 8.137/1990 — depende da classificação do crédito, pela Fazenda Pública local, como prioritário, ou, ainda, que o crédito seja destacado como de grande devedor. Essa aferição deve levar em conta o valor total devido, incluídos os acréscimos legais.

A tese foi fixada pela 3ª Seção do Superior Tribunal de Justiça, por maioria de votos. Como consequência, o colegiado afastou o agravamento da pena de um empresário de Santa Catarina pela caracterização de grave dano à sociedade. Com a redução da pena, o colegiado também decretou a prescrição da pretensão punitiva estatal.

Nos termos do artigo 12, inciso I, da Lei 8.137/1990, o grave dano à coletividade é circunstância que aumenta de um terço até a metade a pena por crime contra a ordem tributária.

Créditos indevidos

De acordo com o processo, o empresário teria escriturado documentos fiscais fraudulentos, que não correspondiam à efetiva entrada de mercadorias em seu estabelecimento. Com isso, ele teria se apropriado indevidamente de créditos de ICMS. O valor sonegado seria de cerca de R$ 200 mil — com juros e multa, o montante chegava a aproximadamente R$ 625 mil.

Em primeira instância, o juiz condenou o empresário a três anos e quatro meses de reclusão, em regime aberto, incluindo nesse total a elevação de um terço da pena pela configuração de grave dano à coletividade. A pena restritiva de liberdade foi substituída por duas restritivas de direito, entre elas o pagamento de 50 salários mínimos — valor posteriormente reduzido pelo Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJ-SC) para 20 salários mínimos.

Em relação à incidência da majorante do artigo 12, inciso I, da Lei 8.137/1990, o TJ-SC entendeu que o valor total sonegado era suficiente para caracterizar o grave dano social.

Prioridade da Fazenda

O relator do recurso especial do empresário, ministro Nefi Cordeiro, apontou que o grave dano à coletividade exige a ponderação de situação anormal, que justifique a determinação de agravamento da sanção criminal. No caso de tributos federais, o ministro considerou razoável a adoção do patamar de R$ 1 milhão em débitos, nos termos do artigo 14 da Portaria 320/2008 da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional — que considera essa referência para a definição de devedores cujos processos terão tratamento prioritário por parte dos procuradores.

“Esse patamar, que administrativamente já indica especial atenção a grandes devedores, é razoável para determinar a incidência de desvalor penal também especial. Claro que esse delimitador, como demonstrador do especial interesse tributário federal, será também na esfera criminal reservado como critério à sonegação de tributos da União”, afirmou o relator.

Em se tratando de tributos estaduais ou municipais, Nefi Cordeiro disse que, por equivalência, o critério para caracterização do grave dano à coletividade deve ser aquele definido como prioritário pela Fazenda local.

Abaixo do limite

A 3ª Seção, acompanhando o voto do relator, definiu também que — a despeito de haver precedente em sentido contrário — o valor considerado para a aferição do grave dano à coletividade deve ser a soma dos tributos sonegados com os juros, as multas e outros acréscimos legais.

No caso dos autos, relativo à sonegação de ICMS em Santa Catarina, Nefi Cordeiro ressaltou que a legislação local não prevê prioridade de créditos, mas define como grande devedor o sujeito passivo cuja soma dos débitos seja igual ou superior a R$ 1 milhão.

“Na espécie, o valor sonegado relativo a ICMS (R$ 207.011,50) alcança o valor de R$ 625.464,67 com multa e juros, o que não atinge o patamar diferenciado de dívida tributária acolhido pela Fazenda estadual catarinense e, assim, não se torna, tampouco, apto a caracterizar o grave dano à coletividade do artigo 12, I, da Lei 8.137/1990”, concluiu o ministro ao dar provimento ao recurso especial do empresário. Com informações da assessoria de imprensa do Superior Tribunal de Justiça.

Clique aqui para ler o acórdão

REsp 1.849.120 – SC (2019/0028971-0)

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Geilton Costa: A reparação dos danos morais na pandemia

O estado de emergência em saúde pública (Lei Nacional nº 13.979/2020, Decreto Legislativo nº 6/2020 e Medida Provisória nº 940/2020) vigente no Brasil até 31 de dezembro de 2020, decorrente da pandemia mundial causada pelo coronavírus, exsurge aos aplicadores do Direito para uma necessária reflexão acerca do arbitramento do quantum compensatório a eventuais danos morais (ou abuso do direito) sofridos durante o estado excepcional de calamidade pública.

Como é cediço, as condutas ilícitas praticadas em períodos de calamidade pública sofrem maior reprovação quando sancionadas pelas diversas normas brasileiras.

No Direito Penal, por exemplo, a pena sempre é agravada quando o fato típico é praticado “em ocasião de incêndio, naufrágio, inundação ou qualquer calamidade pública, ou de desgraça particular do ofendido” (CPB, artigo 61, II, letra “j”).

De igual forma, o agravamento da pena conforme o  § 2º do artigo 266 do mesmo diploma, que trata do crime de interrupção ou perturbação de serviço telefônico, quando praticado em vigência de estado de calamidade pública.

O Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.089/90) igualmente, acerca dos crimes contra as relações de consumo prevê em seu artigo 76, inciso I, que: “São circunstâncias agravantes dos crimes tipificados neste Código: I serem cometidos em época de grave crise econômica ou por ocasião de calamidade”.

No que se refere às relações jurídicas cíveis e de consumo travadas durante o estado excepcional, temos que o ordenamento brasileiro tem por premissa as cláusulas gerais da probidade e da boa-fé no que se refere às primeiras (CCB, artigos 113 e 422), assim como nas relações de consumo o respeito a dignidade da pessoa humana, saúde, segurança e a necessária observância dos princípios gerais do Direito, analogia, costumes e equidade (CDC, artigos 4º e 7º) em manifesta permissão ao diálogo de fontes.

Nesse pervagar, faz-se necessário que o aplicador do Direito, quando da difícil tarefa de arbitrar o quantum compensatório ou reparatório ao dano moral ou abuso do direito (CCB, artigo 187) sofrido pela vítima, leve em consideração a excepcionalidade do momento da ocorrência do fato jurídico, se ocorrido antes, durante ou após a vigência do estado de calamidade pública.

Sem ingressar aqui em discussões mais aprofundadas acerca do conceito de justiça e de sua aplicação aos casos concretos, lembramos en passant das reflexões do filósofo belga Chäim Perelman, para o qual sendo pouco provável a extração definitiva e universal do que vem a ser “justiça”, deve como melhor escolha o julgador buscar o “que há de comum entre as diversas concepções de justiça, mesclando-as” [1].

Reconhecendo que os standards culturais de cada aplicador da norma seguramente refletem sobre a sua respectiva concepção de justiça, para adequadamente afastá-los, mitigando as influências que possam ter na aplicação justa do Direito, deve se extrair do ordenamento jurídico a proposição lógica a autorizar a melhor interpretação e aplicação.

Nesse diapasão, duas proposições podem vir a ser levadas em consideração quando das reflexões do intérprete para a aplicação da norma: a primeira consiste no agravamento do valor reparatório fixado, observando a condição da vítima no estado de calamidade. A segunda, ao nosso sentir equivocada na técnica, levando em consideração o aspecto econômico, consistente em eventuais dificuldades financeiras do agente causador do dano (geralmente pessoas jurídicas, sociedades empresárias), reconhecendo-se a sua necessidade de sobrevivência (entendendo-se a empresa como um fenômeno poliédrico, que interesse ao governo, fornecedores, sócios, trabalhadores, clientes) em um contexto de crise [2].

Dentro desse contexto, importa aqui relembrar a construção doutrinária e jurisprudencial brasileira na seara da responsabilidade civil, que em sua tradição levou ao reconhecimento das funções punitiva e dissuasória à indenização. Sendo a primeira voltada ao passado, tendo sob referência as circunstâncias do dano e o comportamento do seu agente causador. Já a segunda, mirando o futuro, objetivando coibir a repetição de comportamentos sequentes do ofensor (com raízes histórico-dogmáticas no punitive damages do sistema commom law[3].

Sob essas premissas, importa atentarmos para o fato de que o arbitramento da indenização se refere ao fato ilícito ocorrido [4], sendo singelo que esse arbitramento, ainda que ocorrendo em vigência do estado de calamidade pública, deverá levar em consideração a data do evento danoso (se antes, durante ou depois a pandemia).

Exatamente por isso, há de se reconhecer que a prática de ilícito civil (dano moral ou abuso do direito), durante a vigência de estado de calamidade pública, como inclusive previsto na legislação penal, evidencia maior carga de culpabilidade do agente, devendo o julgador na dosimetria do dano moral [5], ao sopesar a extensão do dano (artigo 944, CCB), levar esse aspecto em consideração.  

Por fim, não olvidemos que, por ser a solidariedade no Estado de Direito brasileiro um “princípio de natureza normogenética, situando-se assim na base ou se constituindo na ‘ratio’ fundamentante das regras jurídicas, que o dispensa de consagração expressa em preceitos particulares ou infraconstitucionais”, os aplicadores devem sempre levar em consideração o mesmo quando da qualificação das normas sobre as condutas das pessoas, sejam elas naturais ou jurídicas [6].

Maiormente, principalmente, singularmente, em tempos de pandemia.

 


[2] Não se desconhece aqui contudo, a aplicação do Parágrafo Único do artigo 944 do Código Civil Brasileiro, que excepciona a regra geral do caput, mas que além de ser excepcionalmente aplicado, cinge-se somente a regrar a ocorrência rara da desproporção “gravidade” da culpa e o dano (Ex.: culpa grave — dano irrisório). Ao nosso sentir tal aplicação está gizada ao efeito punitivo da indenização, afastado do efeito dissuasório como veremos adiante.

[3] MIRAGEM, Bruno Nubens Barbosa. Direito Civil: responsabilidade civil. São Paulo: Saraiva, 2015. Pág. 389.

[4] Acerca do ilícito civil em tempos de pandemia, temos por valiosa a contribuição de Carlos E. Elias de Oliveira, em artigo publicado no Conjur em 10 de abril de 2020, sob o título “Coronavírus, responsabilidade civil e honorários sucumbenciais”, em especial ao tratar da questão da “dúvida jurídica razoável como excludente da responsabilidade civil”.

[5] Acerca da dosimetria do dano moral, o Ministro Alexandre Agra Belmonte traz importante contribuição doutrinária: BELMONTE, Alexandre Agra. Dosimetria do dano moral. Revista TST, Brasília, vol.79, nº 2, abr/jun/2013.

[6] CARDOSO DA SILVA, Geilton Costa. O Princípio Constitucional da Fraternidade Socioambiental. In: PAGLIARINI, Alexandre Coutinho, Márcia Carla Pereira Ribeiro (Org). Sociedades e Direito. Rio de Janeiro: LMJ Mundo Jurídico, 2013. pág. 156. 

 é juiz de Direito membro da Turma Recursal do Estado de Sergipe (TJ-SE) e mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR).

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Isaías Silva: ‘Escolha de Sofia’ na Covid-19 é ato ilegal

No dia 1º deste mês, foi noticiado por vários portais midiáticos, entre eles o da Revista Exame [1], o protocolo técnico ora em estudo pela Secretária de Saúde do Estado de Rio de Janeiro o qual visa a estabelecer critérios para escolher quais doentes terão direito a tratamento adequado da enfermidade Covid-19 na hipótese de não haver vagas em UTIs para todos.

Consoante o aludido protocolo, quem tiver até 60 anos de idade terá preferência de vaga antes dos que têm entre 61 e 80 anos. E, por fim, as pessoas acima de 80 anos ficarão por último em uma espécie de fila do desespero à espera de, ao menos, serem atendidas em um leito de UTI.

Dessa feita, considerando a existência de um protocolo que define previamente quem deve viver e quem deve morrer, os médicos, em tese, seriam poupados de fazer a tormentosa “escolha de Sofia” (alusão ao romance no qual Sofia Zawistowska, polonesa, foi forçada por um soldado nazista a escolher entre um dos seus dois filhos, ou, caso contrário, mataria ambos).

Contudo, sob o prisma jurídico, esse possível ato normativo fúnebre da Secretária de Saúde fluminense é flagrantemente ilegal.

Sem delongas desnecessárias, todos os atos normativos infralegais (instruções normativas, resoluções, portarias, entre outros), evidentemente, devem respeitar todo o ordenamento jurídico vigente em nosso país, pois, caso contrário, são inválidos.

Partindo dessa premissa, vale lembrar que a Lei Ordinária Federal nº 10.741 de 1º de outubro de 2003 instituiu o Estatuto do Idoso, o qual determina exatamente o oposto da linha de raciocínio da secretaria fluminense.

Para início de conversa, a mencionada lei dispõe que idoso é aquele que possui idade igual ou superior a 60 anos [2]. Ademais, em seu artigo 3º, de forma expressa, ressalte-se, aduz que é obrigação do Poder Público assegurar ao idoso, com absoluta prioridade, a efetivação do direito à saúde [3]. Frise-se que a garantia de prioridade compreende o atendimento preferencial imediato e individualizado juntamente aos órgãos públicos e privados prestadores de serviços à população [4].    

Igualmente, urge salientar que a Lei nº 10.741/03 [5] ordena que, entre os idosos, é assegurada prioridade especial aos maiores de 80 anos, atendendo às suas necessidades sempre preferencialmente em relação aos demais idosos.

Assim, é tarefa simplória concluir que, se de fato o estado do Rio de Janeiro proferir algum ato normativo no sentido de os mais jovens terem prioridade ao atendimento à saúde em detrimento dos idosos, tal ato hipotético será flagrantemente ilegal e será questionado judicialmente, podendo, inclusive acarretar em enxurrada de ações judiciais com pedido liminar.

Por derradeiro, este texto não possui o escopo de findar a discussão de tema tão dramático, atual e relevante. A finalidade é chamar a atenção da comunidade jurídica e da sociedade acerca das normas vigentes em nosso país, especialmente as que protegem os idosos de serem tratados como meras mercadorias descartáveis.

É obrigação do Estado aparelhar as UTIs e atender à população, além de ser vedada, expressamente, eventual “escolha de Sofia” em detrimento de nossos idosos.

Em tempos sóbrios, o óbvio precisa ser dito. E, de preferência, por reiteradas vezes.

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OAB ingressa com pedidos de amicus curiae em ação de honorários

O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil ajuizou na última sexta-feira (8/5) pedido de ingresso como amicus curiae em três ações que julgarão se honorários sucumbenciais podem ou não ser fixados por equidade em causas de alto valor. As casos serão julgados pelo Superior Tribunal de Justiça.

Recursos serão julgados pelo STJ
STJ

Os três recursos (REsp 1.822.171/SC, REsp 1.812.301/SC e REsp 1.864.345/SP) foram interpostos contra decisões que se utilizaram do artigo 85, parágrafo 8, do Código de Processo Civil de 2015. 

Segundo o trecho, “nas causas em que for inestimável ou irrisório o proveito econômico ou, ainda, quando o valor da causa for muito baixo, o juiz fixará o valor dos honorários por apreciação equitativa”. 

Ocorre que, segundo a OAB, o dispositivo só vale para causas baixas, o que garante que o trabalho do advogados seja justamente pago mesmo em ações de baixo valor. Nas três causas contestadas, entretanto, o dispositivo foi usado para diminuir honorários referentes a processos de valores altos, sem que haja previsão para tal no CPC. 

“A fixação dos honorários de forma ínfima pode sujeitar o advogado à situação de constrangimento, quando o cliente tiver seu direito integralmente atendido, em função do esforço e conhecimento de seu patrono, mas se ver forçado a prolongar o processo somente para discutir a verba honorária devida, postergando muitas vezes a fruição do direito pela parte”, afirma o documento. 

Além disso, prossegue, “em última análise, tais decisões surgem também como um prejuízo ao Poder Judiciário e, consequentemente, ao Estado, que se vê cada dia mais sobrecarregado e obrigado a dar andamento a recursos que tratam especificamente sobre a matéria de honorários”. 

O pedido é assinado por Felipe Santa Cruz, presidente da OAB; Marcus Vinicius Furtado Coêlho, presidente da Comissão Nacional de Estudos Constitucionais da OAB-DF; José Alberto Simonetti Cabral, secretário geral da OAB Nacional; Alex Sarkis, procurador nacional de Defesa das Prerrogativas; Adriane Cristine Cabral Magalhães, procuradora nacional adjunta de defesa das prerrogativas; Bruno Dias Cândido, procurador de Defesa dos Honorários Advocatícios; e pelas advogadas da procuradoria de prerrogativas da OAB Nacional Bruna Regina da Silva D. Esteves e Priscilla Lisboa Pereira

Os casos serão julgados no regime de recursos repetitivos pela 1ª Seção (que aprecia causas contra a Fazenda Pública) e 2ª Seção (que julgará casos de ações contra privados). 

Aviltamento

À ConJur, Marcus Vinicius Furtado Coêlho afirmou que a inclusão do artigo 85, parágrafo 8, no CPC buscava tão somente abarcar causas de baixo valor, garantindo aos advogados honorários justos.

O atual presidente da Comissão Nacional de Estudos Constitucionais da entidade no DF fez parte da comissão que elaborou o CPC. À época, ele era presidente da OAB Nacional.

“Os membros da comissão queriam evitar o aviltamento dos honorários. Então esse argumento utilizado por alguns magistrados para justificar uma eventual equidade em causas altas fere por completo o motivo pelo qual capítulo foi escrito no novo CPC. Honorários aviltados além de serem indignos ao advogado, beneficiam a parte que deu causa a demanda e prejudicam quem tem direito, sendo por si só uma injustiça. Tem, ainda, a consequência de estimular as demandas judiciais e o descumprimento das obrigações”, afirma. 

Ainda segundo ele, em relação às causas que envolvem a Fazenda Pública, o próprio CPC faz a correspondência dos percentuais com os valores das causas. “Começa no percentual de 10 a 20% nas causas de baixo valor e vai para 1% a 3% nas causas de alto valor”, explica. 

O ex-presidente também conta que na época em que o texto do CPC estava na Câmara foi feito um acordo com o então Advogado Geral da União Luiz Inácio Adams sobre a criação de uma tabela para os casos de alto valor. 

“Ele me disse que algumas causas tinham percentuais muito elevados. Eu propus: ‘Então vamos fazer uma tabela, nas causas grandes, vai de 1% a 3%’. Os honorários de 10 a 20% são só referente às causas de valor muito pequeno, nas quais advogam a grande maioria dos advogados brasileiros. Como presidente da OAB, preferi defender os 10% a 20% da ampla maioria e fixar em 1% a 3% nos casos de causas maiores”.

ADC

A questão está recebendo especial atenção da OAB. No último dia 30, o Conselho Federal ajuizou ação para pedir a declaração de constitucionalidade dos dispositivos do Código de Processo Civil que tratam dos honorários de sucumbência em causas envolvendo a Fazenda Pública. 

A ADC tem por objeto o artigo 85, parágrafos 3, 5 e 8 do CPC, que estabelecem os parâmetros de fixação e a metodologia de aplicação dos honorários nas ações em que a Fazenda é parte, seja vencida ou vencedora.

A OAB diz que embora os parágrafos 3 e 5 sejam claros, “diversos tribunais tem afastado sua aplicação, sobretudo em causas de condenação elevada, sob os argumentos de afronta a princípios, tais como a equidade, a razoabilidade e a proporcionalidade”. 

Já no caso do parágrafo 8º, a entidade afirma que os magistrados por vezes conferem interpretação ampliativa, autorizando o arbitramento equitativo dos honorários de sucumbência fora das hipóteses estritamente previstas no texto legal. 

“Ao deixar de observar os comandos objetivos da legislação processual, os tribunais afrontam o princípio de legalidade e da segurança jurídica, bem como ofendem o direito à justa remuneração dos advogados, ínsito ao desempenho de atividade essencial à administração da justiça”, afirma a OAB.

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REsp 1.822.171/SC, REsp 1.812.301/SC e REsp 1.864.345/SP

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Eficácia do orçamento de guerra depende de ação do Executivo

Na mesma semana em que foi comemorado o Dia Internacional da Liberdade de Imprensa (3/5) e os 20 anos da publicação da Lei de Responsabilidade Fiscal (5/5), outro tema de Direito Financeiro se impõe à análise nesta coluna quinzenal, que é o da promulgação da EC 106, que aprovou o chamado Orçamento de Guerra.

Até pelo nome que foi adotado, lembra os ensinamentos do economista John Maynard Keynes para a ultrapassagem dos escombros da 1ª Guerra Mundial (As consequências econômicas da paz, de 1919) até as perspectivas de uma nova guerra mundial (Como pagar pela guerra, de 1940), passando por sua obra máxima (Teoria geral do emprego, do juro e da moeda, de 1936). Enfrentamos atualmente uma nova Guerra Mundial, desta vez contra um vírus inesperado, de proporções assustadoras, que nos obriga a revisitar as ideias de Keynes, que pregam a intervenção do Estado para combater um problema que afeta a todos, de uma forma ou de outra. Tudo indica que nos livros de história esta pandemia será registrada como o evento que inaugurou o século XXI, tal como a queda do Muro de Berlim encerrou o breve século XX, nas palavras de Eric Hobsbawm, concorrendo com a queda das Torres Gêmeas, em Nova Iorque, em 2001.

O Orçamento de Guerra, promulgado pelo Congresso Nacional como a Emenda Constitucional 106, é a resposta brasileira aos esforços de guerra contra a Covid-19, que está assolando muitas vidas e a saúde dos brasileiros (mais de 11 mil mortos e 160 mil contaminados até aqui, segundo as estatísticas oficiais subdimensionadas) e devastará nossa economia (previsão de queda do PIB superior a 7%, segundo as mais recentes projeções).

O mecanismo criado busca isolar os gastos com o combate à Covid-19 dos demais gastos previstos no orçamento anual. Trata-se de uma técnica de planejamento e gestão orçamentária para permitir que se afaste temporariamente a responsabilidade fiscal e a busca de certo equilíbrio, apontando para a necessária prioridade de gastos para a preservação da vida e da saúde da população brasileira e a manutenção das empresas. Isso certamente acarretará maiores dispêndios públicos com saúde e preservação dos empregos e das empresas, ao mesmo tempo em que gerará maior endividamento público, pois as receitas correntes cairão de forma drástica.

Quais as principais determinações da EC 106?

Estabelece para a União um regime extraordinário fiscal, financeiro e de contratações que vigorará durante o estado de calamidade pública reconhecido pelo Congresso Nacional decorrente de pandemia (art. 1º), com efeitos retroativos a 20/03/20 (art. 10), que se encerrará quando o Congresso Nacional declarar encerrado o estado de calamidade pública (art. 11), hoje datado para 31/12/2020, segundo o Decreto Legislativo 02/20.

É atribuída a possibilidade de o Poder Executivo Federal adotar processos simplificados de contratação de pessoal, em caráter temporário e emergencial, e de obras, serviços e compras, com flexibilização de forma temporal e objetivada da LRF e de exigências constitucionais (art. 2º), tal como foram afastadas as limitações legais quanto à criação, à expansão ou ao aperfeiçoamento de ação governamental que acarrete aumento de despesa e à concessão ou à ampliação de incentivo ou benefício de natureza tributária da qual decorra renúncia de receita (art. 3º). Está sendo permitida a contratação de empresas em débito com a previdência social (art. 3º, parágrafo único).

A regra de ouro financeira está sendo relativizada, ou seja, a União poderá se endividar para fazer frente a despesas correntes, e não apenas para despesas de capital (art. 4º, caput).

O pagamento dos juros e encargos da dívida pública foram expressamente ressalvados, como de hábito, podendo ser realizados (art. 6º).

Durante esse período pandêmico foi autorizado ao Banco Central a compra e venda de: (a) títulos de emissão do Tesouro Nacional, bem como de (b) ativos de empresas privadas que, no momento da compra, tenham classificação em categoria de risco de crédito equivalente a BB- ou superior, conferida por pelo menos uma das três maiores agências internacionais de classificação de risco, e preço de referência publicado por entidade do mercado financeiro (art. 7º). Destaca-se que nestas operações deve ser dada preferência à aquisição de títulos emitidos por microempresas e por pequenas e médias empresas — o que, embora meritório, parece algo de difícil operacionalização pois, qual pequena ou média empresa possui classificação de risco?

Para estas operações de crédito o Banco Central do Brasil editará regulamentação sobre exigências de contrapartidas, vedando que as empresas: (a) paguem juros sobre o capital próprio e dividendos acima do mínimo obrigatório estabelecido em lei ou no estatuto social vigente na data de entrada em vigor da EC; e (b) aumentem a remuneração, fixa ou variável, de diretores, membros do conselho de administração e dos administradores das empresas privadas envolvidas na operação, incluindo bônus, participação nos lucros e quaisquer parcelas de remuneração diferidas e outros incentivos remuneratórios associados ao desempenho (art. 8º). Trata-se de uma boa iniciativa, de muito difícil acompanhamento e controle, porém bastante adequada para a operação proposta.

A preocupação com a transparência de todas essas operações está bastante evidenciada na EC 106, como se vê: (a) o Ministério da Economia publicará, a cada trinta dias, relatório com os valores e o custo das operações de crédito realizadas (art. 4º, parágrafo único); (b) as autorizações de despesas relacionadas ao enfrentamento do covid-19 devem constar de programações orçamentárias específicas (art. 5º, I); e (c) o Banco Central do Brasil fará publicar diariamente as operações realizadas, de forma individualizada, com todas as respectivas informações, inclusive as condições financeiras e econômicas das operações, como taxas de juros pactuadas, valores envolvidos e prazos (art. 7º, §2º).

Havendo irregularidade ou descumprimento dos limites estabelecidos na EC, o Congresso Nacional poderá sustar o ato (art. 9º), o que aponta para o efetivo poder de controle do Legislativo Federal, que se espera seja fortemente exercido.

Também se verifica a preocupação com a prestação de contas apartada e continuada do orçamento geral, como se identifica nos seguintes itens: (a) as autorizações para as despesas serão avaliadas separadamente na prestação de contas bimensal que a Presidência da República deve encaminhar ao Congresso (art. 5º, II); e (b) o Presidente do Banco Central do Brasil prestará contas ao Congresso Nacional, a cada 30 (trinta) dias, do conjunto das operações de crédito realizadas (art. 7º, §3º).

Enfim, considerando um primeiro olhar sobre a EC 106, a impressão geral é que se trata de um bom produto legislativo, com pesos e contrapesos bastante adequados, mantido o poder de controle no Congresso, que se espera venha a ser exercido com atenção e responsabilidade. Na verdade, trata-se de uma moldura, cuja tela deve ser preenchida pelo Executivo, pois afasta de suas obrigações a busca pelo equilíbrio fiscal, retirando diversos limites financeiros estabelecidos pela Constituição e pela LRF, por período certo e para objetivos específicos. Nenhum presidente teve tanta folga para usar o orçamento nos últimos vinte anos.

Neste passo, espera-se que o Poder Executivo federal tenha capacidade para enfrentar a pandemia, criando um já tardio gabinete de crise, capaz de gerenciar com presteza e habilidade as medidas nacionais a serem adotadas, o que envolve as necessárias transferências governamentais para Estados e Municípios. Seguramente existem técnicos no governo federal bastante habilitados para esta tarefa — espera-se que eles sejam colocados à frente dessas funções e que tenham a possibilidade de exercer suas competências sem ingerências nefastas ao escopo pretendido.

Permanece a lição de Keynes, de que a intervenção do Estado nos momentos de crise seja determinante para retornarmos a trilhar os caminhos da boa governança de modo ágil e responsável. Não é uma fase para a adoção de um receituário liberal, pois a mão invisível do mercado foi atacada pela Covid-19 e precisa de uma boa dose de keynesianismo para ser recuperada.

 é Professor Titular de Direito Financeiro da Universidade de São Paulo (USP) e sócio do Silveira, Athias, Soriano de Melo, Guimarães, Pinheiro & Scaff – Advogados.

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Audiência de instrução virtual em tempos de epidemia

A virtualização do processo no Brasil impediu o colapso do Poder Judiciário em tempos de pandemia. Os atos seguiram sendo praticados e os prazos já foram retomados. O problema está concentrado nos processos físicos remanescentes — uma parte bem menor.

Nos processos virtuais, as audiências de conciliação também já estão sendo realizadas no ambiente virtual. Os tribunais estão identificando um único gargalo para a integral virtualização do processo: as audiências de instrução. Atos administrativos do Poder Judiciário têm reputado incontornáveis os óbices à realização de audiências de instrução não presenciais.

O texto é para sustentar que não há óbice algum. As audiências de instrução podem e devem ser realizadas em ambiente virtual, nas plataformas disponíveis — especialmente a do Conselho Nacional de Justiça. Não realizar audiências de instrução paralisará milhões de processo desnecessariamente até fim do isolamento social, sem que ninguém possa apostar no prazo. É enorme o espaço do desconhecido na pandemia.

É claro que as audiências de instrução têm no ambiente físico um espaço mais apropriado, especialmente porque o CPC estabelece uma série de previsões que dependem do controle exercido pelo Juiz. Um controle que alguns estão reputando impossível no ambiente virtual.

O principal óbice cogitado diz respeito à incomunicabilidade das testemunhas (art. 456, CPC). Há também a vedação ao acompanhamento do depoimento pessoal por quem ainda não depôs (art. 386, § 2º) e a proibição do depoimento “pré-arranjado” e apoiado em escritos previamente preparados (art. 387 do CPC).Sem que haja o controle do espaço físico, é inegável a maior facilidade do acesso antecipado de uma testemunha ao depoimento de outra. Ou, ainda, a utilização de teleprompter ou afim durante o depoimento pessoal.

Nada disso é incontornável. Antes é importante compreender o que o CPC efetivamente pretende tutelar com tais controles na audiência de instrução.

A vedação ao acesso antecipado ao depoimento da parte ou testemunha pretende evitar que um depoimento “contamine” o da parte que ainda não depôs[1]. Proibir que o depoimento pessoal se paute em escritos tem finalidade similar: pretende garantir a autenticidade do relato, que é mais bem aferida a partir de uma oralidade espontânea.

A Resolução nº 314/2020 do CNJ chancela a possibilidade de realização de audiências de instrução por videoconferência, ressalvando eventuais “dificuldades de intimação de partes e testemunhas, realizando-se esses atos somente quando for possível a participação” (art. 6º,§ 3º). O CPC prevê (mesmo sem pandemia) que atos da audiência de instrução (depoimentos e oitivas) possam ser realizados por videoconferência (arts. 385, § 3º e 453, § 1º). A preocupação do CNJ está com eventual falha da infraestrutura para a realização virtual da audiência, mas não há nada sobre as repercussões da falta de controle do Juiz sobre o espaço virtual.

O Tribunal de Justiça do Paraná replicou, nos mesmos termos,previsão acerca da realização de audiências por videoconferência[2]. Questionada especificamente a acerca do fator incomunicabilidade das testemunhas, a Presidência do TJ-PR definiu que, não existindo consenso entre as partes, eventual risco de violação à incomunicabilidade não permitiria a realização do ato[3]. Claramente a realização da audiência de instrução ficou condicionada a um negócio processual (art. 190, CPC).

Na prática, a orientação deixa nas mãos dos advogados e partes a opção pela realização ou não da audiência de instrução enquanto perdurarem as políticas de isolamento social e não for possível realizar o ato presencialmente. Afinal, risco de eventual violação à incomunicabilidade sempre existirá diante da realização virtual do ato. Idêntica conclusão para o acesso antecipado ao depoimento pessoal e utilização de escritos previamente preparados.

O problema é que, mais frequente do que se admite, uma das partes não tem interesse em acelerar o processo, tornando improvável o negócio processual para a realização do ato. O princípio da cooperação, previsto no art. 6º do CPC, não evita essa espécie de inércia tática, amparada em Resolução do Poder Judiciário. Adiar indefinidamente uma audiência de instrução sob a pretensa justificativa de garantir a incomunicabilidade das testemunhas é um subterfúgio extremamente eficiente para impedir o prosseguimento do processo. O Poder Judiciário não deve deixar aberta essa janela para protelar.

Antes de tudo é necessário questionar: qual papel as garantias de autenticidade do teor do depoimento (no que se inclui a incomunicabilidade das testemunhas, vedação ao acesso antecipado aos depoimentos e proibição de depoimento baseado em escritos) ocupam no processo civil contemporâneo? É razoável atrasar indefinidamente os processos a fim de privilegiar essas garantias? A resposta é negativa.

Na prática forense, enquanto uma testemunha ou parte é inquirida pelo Juiz, as demais permanecem em local externo próximo à sala de audiência, aguardando chamada.Nunca houve irrestrita preocupação — seja dos advogados, seja dos Juízes ou servidores — em garantir uma absoluta incomunicabilidade entre as partes que irão depor.

Para reiterar, a doutrina reconhece que o principal a se impedir não é propriamente a comunicação, mas apenas evitar que testemunhas e partes acompanhem os depoimentos precedentes. E isso é possível evitar no ambiente virtual. Difícil seria apenas impedir a comunicação por smartphones, mas em audiências físicas a dificuldade é similar. Os smartphones nunca são recolhidos.Disfarçadamente, em tese, pode haver comunicação com quem aguarda na parte externa da sala de audiência.[4] E o CPC já prevê as videoconferências – que também prejudicam o controle.

Em geral, havendo mais de duas pessoas para depor,enquanto aguardam sua inquirição, as testemunhas e partes permanecem no mesmo espaço físico. Nunca há um servidor no papel de fiscal de incomunicabilidade.

É claro, esta seria uma prática reprovável e sancionável do ponto de vista processual e ético-profissional. Ocorre que as normas que pretendem garantir a autenticidade do depoimento sempre foram interpretadas como parâmetro de boa-fé processual, e não regra de incidência absoluta. E aqui fica claro que não há um óbice instransponível.

Contraria frontalmente a boa-fé processual, não há dúvida, que uma testemunha ou parte advogado assedie outra antes da sua inquirição. No entanto, isso nunca se materializou em uma preocupação exacerbada na garantia da absoluta ausência de qualquer tipo de comunicação entre depoentes ou acesso ao teor dos depoimentos.

Tanto é assim que o próprio CPC estabelece hipóteses em que é inegável a possibilidade de acesso antecipado aos depoimentos. A audiência de instrução pode ser interrompida e retomada em data posterior (art. 365); a prova testemunhal pode ser objeto de produção antecipada (art. 381 e art. 453, I); e a testemunha pode ser ouvida por carta precatória ou rogatória (art. 453, II). Em todos esses casos não há dúvidas de que, havendo interesse, os demais depoentes terão acesso ao teor do depoimento prestado antes de suas respectivas inquirições. Ainda assim, não há presunção de prejuízo ao processo.

Mesmo no processo penal — cuja base principiológica torna a formalidade processual ainda mais relevante do que no processo civil[5] – há diversos precedentes do STJ indicando que a violação à incomunicabilidade entre testemunhas não é, por si só, razão suficiente para que se decrete a nulidade do ato processual[6]. O prejuízo não é presumido, mas deve ser comprovado.

Há uma razão clara para o tratamento flexível que se confere ao eventual acesso antecipado ao teor dos depoimentos e à quebra da incomunicabilidade: a prova produzida será valorada pelo Juiz ao decidir. Há um amplo escrutínio do Juiz sobre o teor do depoimento pessoal ou da testemunha. É possível perceber se eventual violação à incomunicabilidade prejudicou a produção da prova.E como reconheceu o juiz federal Erik Navarro Wolkart, há toda uma (lícita) preparação prévia das testemunhas pelos advogados. O que chega para o Juiz já é uma fração do que poderia chegar[7]. A genuinidade absolta da testemunha é ficcional.

Não se pode buscar autenticidade de depoimentos e oitivas a qualquer custo porque, no processo civil contemporâneo, não mais se sustenta uma visão objetiva da verdade.

O processo civil é pautado por outros valores e interesses de relevância — como a tutela jurisdicional adequada e tempestiva e a efetividade do processo —, de modo que não pretende e “sequer tem condições de oferecer a verdade absoluta em seu trabalho de aferição dos fatos[8]. Uma busca eterna e incansável da mais perfeita e objetiva reconstrução dos fatos impede a atuação célere a Justiça.

É necessário que se trabalhe com uma noção de verdade factível e operacionalizável, tradicionalmente traduzida no processo por meio da verossimilhança e da argumentação[9].

A jurisdição se destina a garantir a pacificação social por meio de uma tutela jurisdicional adequada, célere e tempestiva. Não se pode dar à garantia da autenticidade dos depoimentos e oitivas a relevância cogitada. Ainda mais quando essa primazia se coloca em contraposição aos fins da jurisdição — especialmente quando impede o avanço do processo. Em um contexto de pandemia, com um isolamento social sem data para acabar, tratar a autenticidade absoluta como dogma intransponível é incogitável.

As audiências de instrução virtuais devem ser realizadas. A genérica alegação de risco eventual não pode justificar o adiamento indefinido. A tal risco doutrina e jurisprudência jamais deram relevante importância.

Mesmo porque se presume a boa-fé de todos os atores do processo. Advogados e partes devem atuar de forma proba, respeitando as vedações legais mesmo diante da facilitação à desonestidade proporcionada pelos meios eletrônicos(mesmo antes da pandemia). É este, por excelência, o lugar que ocupam as normas de integridade do depoimento: parâmetros de boa-fé processual.

Autorizadas as audiências de instrução virtuais, o Juiz passa a ter um papel mais relevante de direção do processo. Deve, primeiro, alertar a todos os envolvidos que condutas ímprobas não serão toleradas, cabíveis as respectivas sanções processuais e ético-profissionais. No mais, a valoração da prova deve levar em consideração as impressões do Juiz acerca da autenticidade do depoimento prestado. É e sempre foi assim.

Com isso, privilegia-se a celeridade e eficiência do processo. Com a audiência de instrução virtual, haverá um processo integralmente adaptado ao período de restrições da pandemia e também – por que não? — ao “novo normal”.

Esta coluna é produzida pelos membros e convidados da Rede de Pesquisa de Direito Civil Contemporâneo (USP, Humboldt-Berlim, Coimbra, Lisboa, Porto, Roma II-TorVergata, Girona, UFMG, UFPR, UFRGS, UFSC, UFPE, UFF, UFC, UFMT, UFBA, UFRJ e UFAM).

 


[5] Tendo em vista que o processo penal constitui instrumento de controle ao arbítrio do Estado diante de possíveis restrições à liberdade do acusado. Por todos: BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Processo civil e processo penal: mão e contramão? In: Temas de direito processual, vol. 7, São Paulo: Saraiva, 2001, p. 201-215.

 é doutor e mestre em Direito Processual Civil pela UFPR; advogado e consultor; sócio-fundador do VGP Advogados.

Caio César Bueno Schinemann é mestrando em Direito Processual na USP; bacharel em Direito pela UFPR; e advogado, sócio da área de Direito Administrativo do VGP Advogados.