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Lei da PB que recria cargos comissionados no TJ é inconstitucional

Artigo 37 da Constituição

Lei da PB que recria cargos comissionados no TJ é inconstitucional, decide STF

Por considerar que as atribuições conferidas aos novos cargos não se harmonizam com o princípio da livre nomeação e exoneração, em violação ao artigo 37, incisos II e V, da Constituição Federal, que exige a aprovação prévia em concurso público, o Supremo Tribunal Federal julgou inconstitucional o artigo 5º da Lei estadual 8.223/2007 da Paraíba, que dispõe sobre a criação de órgãos e cargos no TJ-PB.

Ednaldo AraújoLei que recria cargos comissionados no TJ-PB é inconstitucional, decide STF

A decisão, unânime, foi tomada em ação direta de inconstitucionalidade ajuizada pela Procuradoria Geral da República e julgada procedente em sessão virtual do Plenário finalizada em 8/5.

Por maioria, o colegiado acompanhou o voto do relator, ministro Luís Roberto Barroso, para modular os efeitos da decisão no sentido de que os atos já praticados até o julgamento da ação devem ser preservados. O Plenário também estabeleceu que a decisão só terá efeitos 12 meses após a publicação da ata de julgamento.

Por fim, a Corte, por maioria, ressalvou a incidência do acórdão, exclusivamente para efeitos de aposentadoria, ao caso dos servidores aposentados e que implementarem os requisitos para aposentação até a data da publicação da ata.

O artigo 5º da Lei estadual 8.223/2007 instituiu 100 cargos comissionados no quadro de pessoal do Tribunal de Justiça do estado, para dar assistência aos gabinetes e às secretarias. A estrutura e o número de cargos foram criados nos mesmos moldes de um conjunto normativo estadual declarado inconstitucional pelo STF em 2007, na ADI 3.233. Com informações da assessoria de imprensa do STF.

ADI 4.867

Revista Consultor Jurídico, 16 de maio de 2020, 8h23

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AGU não pode forçar estados e municípios a relaxar quarentena

Ainda que a Advocacia-Geral da União venha a tentar forçar judicialmente estados e municípios a seguir as ordens do governo federal sobre relaxamento das medidas de isolamento social — como quer o presidente Jair Bolsonaro —, a ação deve ser inócua. Afinal, o Supremo Tribunal Federal já decidiu que tais entes federativos podem limitar atividades no combate à epidemia do coronavírus.

Jair Bolsonaro quer forçar governadores e prefeitos a liberarem o funcionamento de academias e salões de beleza
Tânia Rêgo/Agência Brasil

Nesta segunda-feira (11/5), um decreto de Bolsonaro incluiu salões de beleza, barbearias e academias de esportes no rol de atividades essenciais, permitindo que os estabelecimentos fiquem abertos no atual estágio da epidemia. No entanto, diversos governadores e prefeitos afirmaram que vão manter as restrições a essas atividades.

Bolsonaro afirmou que os governantes que descumprirem o decreto estarão “partindo para a desobediência civil” — e que usaria a AGU para forçá-los a obedecer a norma.

“Se porventura o governador disser que não vai cumprir, a AGU vai tomar a devida medida. Quando qualquer um de nós achar que uma lei ou decreto está exagerado, tem a Justiça ou o Parlamento. Nós definimos quais eram as profissões essenciais. Fora daquilo, os governadores e prefeitos tomam as próprias providências. Aí entra em descumprimento de uma norma. Tem a ver com descumprimento, a AGU vai se empenhar para que aquele governador cumpra o decreto”, disse o presidente na terça-feira (12/5).

Na quinta-feira (14/5), em reunião com empresários — e da qual participou o ministro da Economia, Paulo Guedes —, o presidente subiu o tom. Referiu-se a “guerra” para descrever o conflito entre a União e alguns governadores.

A AGU exerce advocacia de Estado, representando a União. Dessa maneira, pode ser instada a ir ao Supremo alegar que estados e municípios estão violando o decreto que permitiu a abertura de academias e salões de beleza.

Contudo, a ação muito provavelmente seria inócua, avaliam os ex-advogados-gerais da União Luís Inácio Adams e José Eduardo Cardozo. “Não acho que seja eficiente a AGU mover ação no Supremo por esse motivo, pois a corte decidiu que estados e municípios têm competência para estabelecer regras para combater a epidemia. Eles têm a prerrogativa de ajuizar essa ação. Mas não acho que seja muito frutífero”, opina Adams.

Já Cardozo aponta que a AGU deveria orientar Bolsonaro no sentido de que ele está errado nessa situação. Primeiro, pela decisão do STF. Segundo porque o decreto que permitiu a abertura de academias e salões de beleza ofende o princípio da razoabilidade, pois essas atividades não são essenciais durante a epidemia.

“Bolsonaro está fazendo a AGU seguir uma postura juridicamente insustentável. O presidente precisa perceber que a Constituição Federal e o Estado não são ele. E AGU é advocacia de Estado. A postura correta da AGU seria informar o presidente que ele não pode fazer tudo o que quer, porque estamos em um Estado Democrático de Direito”, declara Cardozo.

Decisões do STF

No mês passado (15/4), no julgamento da ADI 6.341, o Supremo estabeleceu que, além do governo federal, os governos estaduais e municipais têm competência administrativa para determinar regras de isolamento, quarentena e restrição de transporte e trânsito em rodovias em razão da epidemia do coronavírus — conforme determina o artigo 23, II, da Constituição de República. Além disso, os ministros fixaram que governadores e prefeitos têm competência para definir quais são as atividades consideradas essenciais durante a crise do coronavírus.

No julgamento da ADPF 672, o ministro Alexandre de Moraes, relator da ação, reconheceu que “não compete ao Poder Executivo federal afastar, unilateralmente, as decisões dos governos estaduais, distrital e municipais que, no exercício de suas competências constitucionais, adotaram ou venham a adotar, no âmbito de seus respectivos territórios, importantes medidas restritivas como a imposição de distanciamento/isolamento social, quarentena, suspensão de atividades de ensino, restrições de comércio, atividades culturais e à circulação de pessoas”. Assim, reconheceu e assegurou a competência concorrente dos governos estaduais e distrital para a adição de medidas de enfrentamento à epidemia — com concorrência suplementar dos municípios (conforme artigo 30, II, da Constituição).

Dessa maneira, ressaltam os ex-advogados-gerais da União, o descumprimento, por governadores e prefeitos, do decreto presidencial não é um ato de “desobediência civil”, como disse Bolsonaro. “Ninguém é obrigado a cumprir uma norma ilícita”, diz Cardozo.

Por sua vez, Adams destaca que, de acordo com as decisões do Supremo, estados e municípios têm competência para adotar medidas específicas para combater a epidemia na região. Portanto, se entenderem que salões de beleza e academias de ginástica não são atividades essenciais em seu território, podem ordenar que os estabelecimentos do tipo permaneçam fechados.

 é correspondente da revista Consultor Jurídico no Rio de Janeiro.

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Responsabilidade civil dos profissionais de saúde ante a Covid-19

A bioética é desde seus inícios uma ética da responsabilidade. Esta é a razão pela qual tem utilizado tanto, desde as próprias origens, o trabalho deliberativo conjunto, na forma de comitês e comissões. E isso também explica por que seus quatro princípios canônicos definem deveres prima facie, que somente se transformam em reais e efetivos após a ponderação de todos os fatores concorrentes, circunstâncias e consequências incluídas. Esta avaliação é inevitavelmente situacional, individual, social e histórica. Não há aqui possibilidade de adotar uma perspectiva absoluta e onicompreensiva, pois esta é tão somente atributo divino.

A Ordem Executiva 202.10, do Estado de Nova York
Em 7 de março de 2020 foi publicada a Ordem Executiva 202.10, do Estado de Nova York, que suspendeu, até 22 de abril, os efeitos de algumas normas referentes às responsabilidades civil e penal dos profissionais de saúde, em razão da pandemia do coronavírus, causador da Covid-19.

Esse texto tem por objetivo analisar a referida Ordem Executiva frente à Bioética e ao Biodireito.

Destacam-se duas questões inseridas na Ordem Executiva:

1. Profissionais de saúde terão imunidade à responsabilidade civil por lesão ou morte, advinda de ação ou omissão, no curso do tratamento da Covid-19. A norma, todavia, excetua da isenção de responsabilidade a lesão ou a morte causada por negligência grave desse profissional.

2. No regime de pandemia, o profissional que atuar de maneira razoável e de boa-fé terá imunidade absoluta quanto a qualquer responsabilidade por falha na manutenção dos registros, inclusive prontuários de pacientes.

Fundamentando nos princípios da Bioética e no ordenamento jurídico brasileiro, avaliar-se-á a conveniência de se editar normas desse tipo no Brasil.

Bioética e Responsabilidade Jurídica
Do ponto de vista histórico, a Bioética surge por absoluta necessidade, eis que os cientistas, com o saber biotecnológico, detiveram o poder de investigação e de intervenção na vida humana e extra-humana. O cientista era o novo sacerdote da religião positivista, detentor da chave do verdadeiro e do falso. Aliás, essa foi a origem do paternalismo médico, em que os profissionais se enxergavam como salvadores de pessoas, descobridores de doenças e capazes de proporcionar uma vida distante de intempéries.

O desenvolvimento da Medicina passou a aliar a formação técnica com a formação axiológica, diante de um conteúdo moral de decisões sobre a vida. Mas para a sólida formação axiológica, atribuir limites era mais do que necessário, era o próprio elemento legitimador da intervenção médica. Daí o surgimento da Bioética.

Em seus princípios, a Bioética incluiu a responsabilidade como guia para a qualificação moral da ação do interventor na vida, que dele exige uma consciência prévia, não apenas individual, mas formada dialogicamente no espaço público. Nesse espaço público, destaca-se o papel preventivo e de fomento à reflexão, que deve ser promovido pelos conselhos profissionais e comitês de ética de hospitais e clínicas.

Na Ordem Executiva 202.10, a preocupação do Governador de Nova York foi viabilizar, na maior medida possível, o melhor atendimento às pessoas contaminadas pelo coronavírus, conferindo certa segurança aos profissionais de saúde. A intenção é louvável, pois reconhecemos que a situação é excepcional e a teoria não consegue acompanhar as exigências de difíceis situações práticas – e, portanto, a elas não pode se sobrepor.

Não raro a mídia vem noticiando a saturação dos sistemas de saúde, próprios do ambiente de pandemia. Neles, os profissionais de saúde estão constantemente submetidos a condições estressantes de iminente contágio e de dramas pessoais dos pacientes, devendo decidir por uma alternativa que, por vezes, não é propriamente boa, já que não proporciona ganho a todos, mas é a que menos desgaste e sofrimento causarão na balança entre o caos e o trágico. Essas são as chamadas escolhas trágicas.

Por outro lado, retomando a essência da Bioética, não é possível desvinculá-la do princípio da responsabilidade, mormente quando o que se busca é a aplicação da beneficência e da não maleficência.

Ao trazer tais isenções de responsabilidade, sob o manto da razoabilidade e da boa-fé, questionamos: Como aferir tal razoabilidade e boa-fé do prestador de serviços de saúde? Será que o caos do contexto da pandemia já é suficiente para o eximir da responsabilidade?

A medicina, mais que uma ciência ou um saber puro, é uma prática social, a do cuidado da saúde dos indivíduos e dos grupos sociais. Ocorre que enquanto prática social necessita e depende de muitos fatores – econômicos, políticos, culturais, científicos e técnicos. É impossível entender o desenvolvimento da medicina em qualquer período histórico – e também, claro, no século XX – sem situá-la em relação a todo esse complexo contexto.

A escassez de recursos financeiros e humanos, a necessidade de escolhas trágicas e a constituição de hospitais de campanha formam um universo peculiar, extraordinário e hipersensível, que deve ser considerado quando do contato do profissional com o paciente. Todavia, tais circunstâncias não têm o condão de, por si mesmas e aprioristicamente, eximir os profissionais de responsabilidade ética ou jurídica.

Nesse panorama, a norma do Estado de Nova York permite afastar a imunidade jurídica diante de negligência grave que ocasione lesão ou morte. Mas como provar a gravidade do ato de negligência se a própria norma afasta a necessidade de completos registros do paciente?

Torna-se até mesmo difícil identificar o profissional responsável pelo tratamento ou intervenção de saúde ante a inexigibilidade de preenchimento de prontuários.

As discussões concretas sobre razoabilidade e boa-fé e sobre negligência grave parecem fadadas à inefetividade, pois afastam o principal instrumento comprobatório do nexo causal ou de sua ruptura: o prontuário do paciente.

É certo que a celeridade do atendimento não pode ser razão para diminuição do cuidado com o paciente. O correto preenchimento do prontuário é a segurança para o próximo profissional, que conhecerá o caso do paciente e as medidas tomadas até ali por meio de seus registros.

O adequado registro do paciente é meio de limitação de responsabilidade do próprio profissional da saúde. O princípio bioético da responsabilidade faz derivar a responsabilidade jurídica, que “revela o dever jurídico em que se coloca a pessoa, a fim de satisfazer as obrigações convencionadas ou suportar as sanções legais impostas por seu descumprimento” e “sobreleva-se o aspecto da causalidade, da proporcionalidade e da imputabilidade das consequências atribuíveis à conduta”.

Em busca do caminho para um novo modelo de responsabilidade civil em tempos de pandemia
Historicamente, a responsabilidade civil atravessou um processo de flexibilização de seus requisitos, no sentido de proporcionar uma maior facilidade para a vítima rumo à reparabilidade do dano, seja na facilitação da prova seja na dispensa da culpa do pretenso ofensor, tornando a responsabilidade objetiva.

Esse mesmo percurso pode ser aventado em sentido contrário, a fim de se enrijecer a responsabilidade civil ou flexibilizar suas excludentes diante de situações extremas.

Em se tratando de pandemia, muitas são as variáveis enfrentadas pelos profissionais. A tensão das circunstâncias – com a alta demanda, a incerteza com as técnicas e até o excesso de informações disponíveis, mas por vezes contraditórias e ainda sem comprovação científica – vai produzir um quadro em que a responsabilidade civil do profissional de saúde, já considerada subjetiva no Direito brasileiro, deve ser mais criteriosa para sua configuração. Dito de outra forma, em virtude da concorrência de vários fatores desfavoráveis ao profissional de saúde, é normal que o operador do Direito não entenda pela responsabilização daquele por pequenas falhas. Há que se levar em conta o que dele era exigível diante do caso concreto.

Na relação médico-paciente, os dados de saúde da pessoa natural, como dados sensíveis, são importantes instrumentos de comprovação de prognósticos, diagnósticos, expressão de consentimento e dissentimento; contêm informações sobre comorbidades, exames laboratoriais e outros, que servem para resguardo dos direitos da personalidade do titular e, também, para resguardo dos profissionais de saúde, na medida em que documentam os substratos para sua intervenção.

Isentar o profissional de saúde, mesmo que em momento de pandemia, de responsabilidades inerentes às suas funções, é um descompasso com os princípios bioéticos que fundamentam essas profissões.

Embora o termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE) seja comumente concretizado por meio de um documento escrito, pelo qual o paciente manifesta o acordo com a intervenção, na turbulência da pandemia, é provável que não haja possibilidade de se intensificar a liberdade e o esclarecimento para a expressão do consentimento.

No entanto, ainda que ele não se formalize de maneira ideal, a sua manutenção é exigência para a proteção de direitos do paciente e como meio limitador da responsabilidade civil do profissional da saúde. Mas qual a medida da exigência?

O consentimento livre e esclarecido deve ser expresso, mas não necessariamente escrito. A situação concreta vai dizer o tempo a ser despendido pela equipe de saúde na sua obtenção. Além do mais, é possível que a inconsciência do paciente leve a uma manifestação da família, presencialmente ou por quaisquer outros meios viáveis.

Carlos María Romeo Casabona indica situações excepcionais em que o consentimento pode ser dispensado, como nos casos em que há grave urgência e que não é possível aguardar a obtenção do consentimento, em casos de inconsciência e também nas hipóteses em que a não intervenção do médico importe risco para a saúde pública. Logo, “o médico poderá agir, sem que haja consentimento do paciente, ante a ideia de prevalência […] do interesse público, por exemplo, no caso de uma epidemia ou uma doença infectocontagiosa”.

A excepcionalidade da situação permite a não obtenção do consentimento em alguma medida, mas não a admite por completo e, muito menos, afasta a necessidade de que as informações das práticas realizadas com o paciente sejam registradas.

Em conclusão, podemos afirmar que o sistema jurídico brasileiro não acata a isenção de responsabilidade civil de profissionais de saúde, mesmo diante da pandemia de Covid-19, por corolário advindo da Bioética e da impossibilidade do agir profissional, em qualquer circunstância, sem sua observância. Ainda que haja a dispensa pontual do TCLE, não há como aceitar a total falta dos registros do paciente, de um lado, para a garantia dos direitos da personalidade dele, de outro, para fins de imputação ou limitação da própria responsabilidade civil do profissional de saúde.

Esta coluna é produzida com a colaboração dos programas de pós-graduação em Direito do Brasil e destina-se a publicar materiais de divulgação de pesquisas ou estudos relacionados à pandemia do Coronavírus (Covid-19).


GRACIA, Diego. Pensar a bioética: metas e desafios. São Paulo: Centro Universitário São Camilo; Loyola, 2010, p. 522-523.

GRACIA, Diego. Pensar a bioética: metas e desafios. São Paulo: Centro Universitário São Camilo; Loyola, 2010.

GRACIA, Diego. Pensar a bioética: metas e desafios. São Paulo: Centro Universitário São Camilo; Loyola, 2010, p. 49.

SÁ, Maria de Fátima Freire de; NAVES, Bruno Torquato de Oliveira. Bioética e biodireito. 4ª ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2018, p. 43.

ROMEO-CASABONA, Carlos María. O consentimento informado na relação entre médico e paciente: aspectos jurídicos. In: ROMEO-CASABONA, Carlos Maria; QUEIROZ, Juliane Fernandes (Coords.). Biotecnologia e suas implicações ético-jurídicas. Belo Horizonte: Del Rey, 2004, p. 128-172.

SÁ, Maria de Fátima Freire de; SOUZA, Iara Antunes de. Termo de consentimento livre e esclarecido e responsabilidade civil do médico e do hospital. In: MENEZES, Joyceane Bezerra de; DADALTO, Luciana; ROSENVALD, Nelson (Coords.). Responsabilidade civil e medicina. 9ª ed. Indaiatuba, SP: Foco, 2020, p. 70.

Iara Antunes de Souza é doutora e mestre em Direito; professora na graduação e no Programa de Pós-graduação em Direito da UFOP; pesquisadora do CEBID; e membro do IBERC.

Bruno Torquato de Oliveira Naves é doutor e mestre em Direito; professor da PUC Minas e no Programa de Pós-graduação em Direito da Dom Helder Câmara; pesquisador do CEBID; e membro do IBERC.

Maria de Fátima Freire de Sá é doutora e mestre em Direito; professora na graduação e no Programa de Pós-graduação em Direito da PUC Minas; pesquisadora do CEBID; e membro do IBERC.

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Controle judicial, competência concorrente e a pandemia

A atual pandemia tem sido motivo de contínuos conflitos entre a presidência da república, estados e municípios. Em meio a ela, prefeitos e governadores, com maior ou menor sintonia, têm tomado medidas mais ou menos restritivas — conforme suas convicções as condições específicas de suas regiões — que por vezes divergem daquelas tomadas por Jair Bolsonaro. Em meio a essa crise, o judiciário tem sido provocado a controlar tais medidas e, diante de eventuais conflitos entre normas emitidas pelos diversos entes federativos, estabelecer qual delas deverá prevalecer.

O primeiro ato desse conflito se deu com a edição da MP 926/2020 pelo presidente, suspensa em parte por decisão cautelar do ministro Marco Aurélio, depois confirmada por unanimidade no plenário do Supremo Tribunal Federal, na ADI 6.341. O segundo ato se iniciou com o posterior Decreto 10.344/2020, editado por Bolsonaro, estabelecendo serem “serviços públicos e atividades essenciais”, dentre outros, as “atividades de construção civil”, as “atividades industriais”, “salões de beleza e barbearias” e as “academias de esporte de todas as modalidades”, em conflito com diversas medidas municipais e estaduais mais restritivas.

Essa sucessão de decisões governamentais e judiciais tem gerado perplexidade, confusão e dúvidas, dentre as quais destaca-se a seguinte:  diante de conflito entre normas mais restritivas e menos restritivas, qual delas prevalece, a mais específica ou a mais restritiva?

Responder a essa pergunta exige compreender o que foi decidido pelo Supremo nas ADI 6.341 e a relação do Decreto 10.344/2020 com ela, mas exige também compreender que, 5.570 municípios, 26 estados e um distrito federal, esses conflitos específicos serão geralmente decididos não pelo Supremo, mas pelos diversos juízes e desembargadores dos diferentes tribunais brasileiros.

A decisão do Supremo deixou clara a competência concorrente entre a União, estados e municípios para tomar medidas para enfrentamento de emergência de saúde pública. Tão clara que a única divergência foi sobre a necessidade de se explicitar isso ou não, declarando que a interpretação conforme do art. 3º da Lei 13.979/2020 (com redação dada pela MP 926)  determina que pesar de a União poder legislar sobre o tema, é resguardada a autonomia de estados e municípios para decidir sobre ele. Os ministros Marco Aurélio e Dias Toffoli, apesar de concordarem com os demais, consideraram desnecessário explicitar essa competência, que decorre do texto Constitucional, ficando vencidos diante do voto dos demais sete ministros que votaram pela necessidade dessa didática explicitação, conforme proposto pelo ministro Edson Fachin. O tempo e o novo Decreto 10.344 aparentemente vindicam a preocupação da maioria, demonstrando que na atual crise clareza e didatismo nunca são demais.

Diante do novo decreto de Bolsonaro novas perguntas surgiram. Seria isso uma afronta à decisão do Supremo? As novas atividades incluídas na lista de serviços públicos e atividades essenciais estariam então de fato liberadas?Como resolver os conflitos entre a liberação presidencial e as restrições estaduais e municipais?

Se, politicamente, a decisão de Bolsonaro pode ser vista como uma afronta ao consenso de especialistas sobre a importância do isolamento social e uma maneira de apelar para sua base, juridicamente a decisão do Supremo ao mesmo tempo a permitia e a tornava, a priori, ineficaz. Se é verdade que a União tem competência para legislar sobre as medidas de combate a pandemia, tendo sido resguardada a autonomia dos estados e municípios, suas normas específicas mais restritivas prevaleceriam.

A lógica da competência se relaciona com a necessidade de medidas como essas se adequarem à realidade específica de cada região. Medidas mais ou menos restritivas podem ser mais ou menos necessárias dependendo da extensão da contaminação em cada ente da federação, bem como da capacidade do sistema de saúde local tratar adequadamente os doentes. Mais especificamente, decisões sobre o funcionamento do transporte público, do comércio e sobre a essencialidade de uma determinada atividade dependem do contexto social, econômico, demográfico e urbano dos estados e municípios. Prevaleceria, assim, em princípio, desde que dentro de sua competência, a norma mais específica.

Essa prevalência se justifica juridicamente, como já explicado, pela competência concorrente, mas também por um componente pragmático: proibições tendem a prevalecer sobre autorizações enquanto não forem suspensas pelo judiciário.

Diante de proibições municipais e estaduais, sendo fiscalizadas por agentes de segurança e fiscais, desobedecer a essas normas traz o risco de uma punição. Por isso, na prática, a liberação presidencial não produziria efeitos imediatos diante de medidas mais restritivas de governadores e prefeitos. O conflito seria provavelmente levado ao judiciário, o qual teria uma tarefa dupla, em primeiro lugar, verificar se a norma estadual ou municipal está dentro da competência concorrente estabelecida pela Constituição e, em segundo lugar, verificar se há uma relação razoável entre a realidade fática e a medida local. Note-se, no entanto, que independentemente de tal decreto o judiciário já vem sendo provocado a fazer ambas essas tarefas e que, em relação a esse exame, o novo decreto presidencial acrescenta quase nada.

O ponto até aqui é simples: seja pela competência concorrente, seja por elementos pragmáticos, sempre que a medida mais específica for também a mais restritiva, a priori, ela prevaleceria; e mesmo diante de um eventual controle judicial, desde que a restrição seja justificada por argumentos razoáveis, ela tenderia a prevalecer.

Há, no entanto, uma segunda possibilidade ainda não explorada. O que prevaleceria quando a norma mais específica (municipal) divergisse de uma norma menos específica (estatual) que fosse também mais restritiva.

Se é verdade que municípios têm competência concorrente e, com base em seu conhecimento específico das peculiaridades locais, têm autonomia resguardada para tomar medidas para enfrentamento de emergência de saúde pública, poderiam então prefeitos tomar medidas menos restritivas que o governador de seu estado? É essa a questão concreta fundamental por trás da pergunta se, havendo conflito, o que prevalece é a medida mais específica ou a mais restritiva. Uma vez que, evidentemente, essa dúvida só se coloca quando a medida mais específica não for também a mais restritiva.

Quanto a isso, a resposta pragmática é a mesma: a priori, proibições prevaleceriam sobre autorizações enquanto essas não forem suspensas pelo judiciário. Mas qual seria a resposta jurídica. Ou seja, em outras palavras, uma vez provocado, qual deveria ser a decisão judicial ao diante de tais conflitos normativos?

Formalmente a resposta é a mesma, se a competência concorrente se justifica pela proximidade do governante local com o contexto fático específico, o que estaria em jogo seria, a princípio, a capacidade de o prefeito demonstrar que as peculiaridades locais justificam a medida menos restritiva. No entanto, há, no caso, duas considerações adicionais. Em primeiro lugar, no julgamento da ADI 6.341 diversos ministros salientaram a importância de coordenação entre os entes federados, criticando especificamente o desempenho do presidente quanto a essa função e, portanto, há amplo espaço para o governador argumentar que medidas descoordenadas menos restritivas dos municípios ameaçam o combate a epidemia no estado. Em segundo lugar, pragmaticamente, uma crise como a atual justifica o apelo judicial ao princípio da precaução: desde que minimamente razoáveis, decisões estatuais mais restritivas deveriam prevalecer sobre normas locais, independentemente da competência concorrente dos municípios.

Diante de uma emergência de saúde pública de âmbito nacional e da existência de 5.570 municípios brasileiros, controlar essas medidas é uma tarefa que não cabe e nem poderia caber ao Supremo, mas aos inúmeros juízes que compõem o judiciário. Ao Supremo caberia apenas a função de providenciar os parâmetros gerais para a decisão desses casos concretos. Quanto a isso, os juízes estão melhor situados para analisar especificamente a razoabilidade das medidas locais, mas isso não significa que a tarefa deles seja substituir as decisões da administração pública por suas convicções pessoais. Pelo contrário, é fundamental compreender sua função como a de controlar a legalidade dessas medidas conforme os parâmetros estabelecidos pelo Supremo na ADI 6.341, mas também imbuídos por um profundo senso de responsabilidade e precaução diante da necessidade de uma atuação coordenada no combate ao vírus e da irreversibilidade dos efeitos do relaxamento precoce do isolamento social.

Thomaz Pereira é professor da FGV-Rio.

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MP e sua responsabilidade política de não fazer política

Em recente entrevista à TV ConJur, o Procurador-Geral da República, Augusto Aras, respondeu questões extremamente relevantes no que diz respeito à legitimidade dos atos dos agentes do Ministério Público. A manchete, que carrega o título MP é agente político que escolhe meios para atingir o interesse público (ver aqui), salta aos olhos de qualquer leitor minimamente familiarizado com a atuação do órgão público.Como é sempre importante prestarmos atenção nos discursos das autoridades, na aula desta semana o assunto não poderia ser outro. Portanto, no “Diário de Classe” de hoje, analisaremos o que foi dito pelo PGR na entrevista e, com base nisso, tentar demonstrar que é preciso, mormente para a sua própria preservação, que a instituição não ultrapasse os limites de suas competências, de forma a desviar a função de suas atribuições.

A entrevista inicia com reflexões sobre o instituto da delação premiada e seus consequentes problemas, seguindo com algumas considerações acerca dos novos mecanismos de combate à criminalidade e da interação com o Tribunal de Contas. Aras afirma a autonomia do Ministério Público, enfatizando a sua importância na vida nacional, desde o nascedouro até “o processo sucessório na via econômica, na via ambiental, nos direitos e garantias fundamentais, na produção, consumo e distribuição de alimentos, remédios, armas”. Também enfatiza a função fiscalizadora e controladora que lhe é subjacente, atribuída constitucionalmente.

Em um determinado momento, quando perguntado sobre a atuação das Câmaras de Coordenação do MP, Aras efetua uma diferenciação entre o agente político e o servidor público, para quem “O agente político é aquele que pode escolher os meios para atingir o fim que há de ser sempre do interesse público”. Em seu entendimento, é em razão de serem agentes políticos que cada Câmara possui a escolha de suas pautas prioritárias. O desempenho da função dos agentes do Ministério Público, segundo o PGR, exige a indução de políticas públicas de fiscalização e controle, conforme o surgimento das demandas sociais, estabelecendo-se as prioridades, sempre com a finalidade de atendimento dos interesses públicos.

Inicialmente, é desnecessário destacar a relevância do Ministério Público como instituição capaz de induzir o controle sobre a democracia brasileira, com os poderes conferidos pela Constituição da República de 88, o que está consubstanciado, inclusive, como um de seus deveres. Notadamente, no seu mister de órgão de controle, a instituição é instância central para o reforço das premissas republicanas.

Augusto Aras, ao efetuar a diferenciação entre agentes políticos e servidores públicos, parte do pressuposto de que a natureza dos membros do MP se encaixa na primeira categoria. No entanto, não poderíamos deixar de ressaltar que a própria dogmática administrativista não possui unanimidade quanto ao fato de o parquet ser ou não um agente político. Nesse sentido, Carvalho Filho aduz:

[…] parece-nos que o que caracteriza o agente político não é só o fato de serem mencionados na Constituição, mas sim o de exercerem efetivamente (e não eventualmente) função política, de governo e administração, de comando e, sobretudo, de fixação das estratégias de ação, ou seja, aos agentes políticos é que cabe realmente traçar os destinos do país[1].

Maria Sylvia Zanella di Pietro também classifica os agentes políticos de forma mais restritiva, sustentando que tal conceito está vinculado ao exercício da função de governo com clara conotação política, o que não existiria nos cargos de magistrado e membro do Ministério Público:

[…] essas funções políticas ficam a cargo dos órgãos governamentais ou governo propriamente dito e se concentram, em sua maioria, nas mãos do Poder Executivo, e, em parte, do Legislativo; no Brasil, a participação do Judiciário em questões políticas praticamente inexiste, pois a sua função se restringe, quase exclusivamente, à atividade jurisdicional sem grande poder de influência na atuação política do Governo, a não ser pelo controle a posteriori. O mesmo se diga com relação aos membros do Ministério Público […][2]

Veja-se que apenas essa questão já é objeto de grande discussão. No entanto, aceitaremos o fato de que o PGR, diante da divergência doutrinária, adota a posição menos restritiva, considerando os membros do MP como agentes políticos, e passaremos a delinear o que mais chama atenção na fala de Aras, de que o agente político – leia-se, então, os membros do MP – é aquele que pode escolher os meios para atingir um determinado fim: o interesse público.

É fato que o Ministério Público tem se agigantado como instituição desde a redemocratização[3], sendo de extrema importância a sua autonomia funcional, para que possa exercer o seu dever não apenas de fiscalização e controle de tudo aquilo que lhe é pertinente constitucionalmente, mas também para a preservação do interesse público. No entanto, a fala do chefe maior da instituição é problemática no sentido de que se omite em relação aos limites de atuação dos membros do parquet.

Quando o PGR diz que o agente político é aquele que pode escolher os meios para atingir determinado fim, ele desloca o debate que, anteriormente, estava restrito à escolha das pautas prioritárias pelas Câmaras de Coordenação para um sentido de maior amplitude. Isso porque não há qualquer hipótese que autorize a escolha indiscriminada dos meios para atingir determinado fim, ainda que este seja de interesse público. Trata-se do pressuposto utilitarista de que os fins podem justificar os meios. Faz-se, portanto, a seguinte pergunta: e se os meios selecionados pelos membros do MP na atuação diária forem, inclusive, contrários ao próprio interesse público, por desconsiderarem direitos fundamentais e os limites que a Constituição impõe?

Nota-se como a fala do PGR é desafiadora do ponto de vista de uma compreensão do papel democrático do Ministério Público. Os relatos de manipulação de provas na operação Lava-jato, os diálogos publicados pelo The Intercept Brasil, apenas à título exemplificativo, desnudam atuações pouco ortodoxas da instituição nesse sentido. Raymundo Faoro desenvolveu toda a sua reflexão com os olhos voltados aos agentes que se utilizam das esferas públicas para o alcance de interesses privados, o que ele chamou de patrimonialismo[4]. As escolhas privadas acerca de meios adotados pelos agentes públicos para o alcance de fins específicos são, em sua maioria, fundamentadas no interesse público, ainda que isso signifique a violação de garantias fundamentais.

É certo que os fins perseguidos pelos membros do parquet devem ser de interesse público, da mesma forma que os meios empregados também devem estar de acordo com os pactos legislativos e constitucionais. Afinal, se a ocorrência de abusividades dos agentes institucionais em pequenos atos processuais for gradativamente se normalizando na prática, cada vez mais tais posturas serão alastradas no cotidiano.

É evidente que o Ministério Público é órgão fundamental para a democracia. E é justamente em razão disso que deva existir um constrangimento em relação às suas atividades, sobretudo para o seu resguardo enquanto instituição. A propósito, sua finalidade é crucial. Ocorre que, conquanto crucial, a atuação do MP não pode ir além do pacto constitucional, não pode traduzir um comportamento arbitrário sob o argumento de fiscalização da lei. Não pode ser construído um perfil institucional enredado em voluntarismo e ativismo com a finalidade de atingir interesses públicos. Ao contrário disso, a principal função do MP é a defesa constitucionalmente orientada dos direitos difusos e coletivos, bem como a fiscalização dos direitos fundamentais.

O Ministério Público é instituição permanente, autônoma e essencial à Justiça, com respaldo robusto no texto constitucional, de forma que os meios pelos quais se dá a sua atuação já estão previamente dispostos constitucionalmente. O seu atuar político apenas enfraquece a Instituição. Essa questão, simples, não parece estar sendo devidamente compreendida por alguns de seus integrantes, tendo em vista as muitas investidas dessa natureza recentemente. Em resumo, membros do MP possuem atribuições significativas e status de magistratura[5], mas não podem se utilizar de qualquer meio. É necessário que isso seja dito, de forma a proporcionar o constrangimento ao exercício de subversão dos princípios republicanos.

Enquanto instituição de envergadura constitucional, o Ministério Público deve assumir responsabilidade política, não um agir político-estratégico.


[1] CARVALHO FILHO, José dos Santos, Manual de Direito Administrativo, 30. ed. São Paulo: Atlas, 2016, p. 620.

[2]  ZANELLA DI PIETRO, Maria Sylvia. Direito administrativo. 5. ed. São Paulo: Ed. Atlas, 1995. p. 354.

[3]CARVALHO, Ernani; LEITÃO, Natália. O Novo Desenho Institucional do Ministério Público e o processo de Judicialização da política. Rev. direito GV, v. 6, n. 2, p. 399–421, 2010, p. 399: “A história do Ministério Público mostra que algumas de suas prerrogativas foram adquiridas antes da Constituição de 1988. Por exemplo, o Código de Processo Civil de 1973 determinou que o Ministério Público deveria atuar em todas as causas que houvesse interesse público o que, segundo arantes (2002), já demonstra o início do afastamento do Poder Executivo. Mas é somente na década 1980 que a instituição sofre as modificações mais importantes. Destaca-se, neste sentido, a Lei nº 6938/81 de Política nacional de Meio ambiente, que incluiu novos instrumentos processuais e deu legitimidade ao Ministério Público para proposição de ação de responsabilidade civil e criminal por danos causados ao meio ambiente”.

[5]CANOTILHO, J.J. Gomes et al (Orgs.), Comentários à Constituição do Brasil, 2. ed. São Paulo: Saraiva Educação (Série IDP), 2018, p. 1633.

Maicon Crestani é doutorando em Direito Público na Unisinos-RS e membro do Dasein – Núcleo de Estudos Hermenêuticos.

Giovanna Dias é graduanda em Direito pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos) e membro do Dasein – Núcleo de Estudos Hermenêuticos.

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Tendência do TJ-SP é negar prorrogação de tributos estaduais

Decisões recentes de desembargadores do Tribunal de Justiça de São Paulo apontam a tendência de negar pedidos de empresas para prorrogar o pagamento de tributos estaduais em razão da epidemia do coronavírus. Os pedidos dessa natureza têm chegado ao Judiciário paulista desde o início da quarentena. As empresas alegam dificuldades financeiras para justificar os requerimentos.

Dollar Photo ClubDesembargadores do TJ-SP têm negado prorrogação de tributos estaduais

Porém, o entendimento da Corte é de que não cabe ao Poder Judiciário decidir quem deve ou não pagar impostos, ou mesmo quais políticas públicas devem ser adotadas, pois isso usurparia a função dos gestores responsáveis pela condução do Estado. Justamente em função da gravidade da situação, exige-se a tomada de medidas coordenadas e voltadas ao bem comum, isto é, não se pode privilegiar determinado segmento da atividade econômica em detrimento de outro, ou mesmo do próprio Estado.

Moratória só pode ser concedida por lei

O desembargador Sergio Coimbra Schmidt, da 7ª Câmara de Direito Público, negou pedido de uma distribuidora de materiais de higiene, alimentos e bebidas, que buscava a prorrogação do vencimento dos tributos e parcelamentos estaduais, pelo prazo de 180 dias, ou até o final do estado de calamidade pública em São Paulo.

“Liminares dessa natureza têm o potencial de gerar efeito multiplicador capaz de comprometer por completo a atuação do Estado no enfrentamento da pandemia, frente à notória insuficiência da infraestrutura médica necessária a dar conta à expressiva e extraordinária demanda gerada pelos efeitos da contaminação pela Covid-19”, afirmou Coimbra Schmidt.

Segundo o desembargador, a moratória só pode ser concedida por lei, “cuja proposição submete-se aos critérios de conveniência e oportunidade da administração, a vista das múltiplas obrigações que se lhe impõem a lei ou, ainda, circunstâncias extraordinárias e imponderáveis, como a hodiernamente presenciada”.

Coimbra Schmidt disse ainda que a empresa é mera depositária do imposto recolhido e não pode simplesmente retê-lo: “A verba não representa capital de giro. Não é ativo. E se o recebeu, não há motivo plausível para que deixe de repassá-lo ao credor de forma a pretender que o sofrido contribuinte financie-lhe, gratuitamente, pelo tempo em que pretende ver suspensas suas obrigações tributárias”.

Entendimento do Órgão Especial

Uma empresa pediu para suspender a exigibilidade do recolhimento de ICMS e das prestações de parcelamento durante 90 dias ou enquanto durar o decreto de calamidade pública no estado. O pedido foi negado pelo desembargador Reinaldo Miluzzi, da 6ª Câmara de Direito Público.

Além de afirmar que a moratória de tributos depende de autorização legislativa, nos termos do artigo 152 do Código Tributário Nacional, Miluzzi citou entendimento do Órgão Especial do TJ-SP, que derrubou liminares concedidas por juízes e desembargadores que autorizavam a suspensão de tributos estaduais. Assim, diante do entendimento do colegiado e por vislumbrar risco à ordem administrativa, ele indeferiu a liminar.

Grave lesão à ordem, à economia e à segurança pública

O desembargador José Luiz Gavião de Almeida, da 3ª Câmara de Direito Público, citou precedentes do próprio TJ-SP ao negar pedido semelhante de uma empresa automotiva. O entendimento é de que a concessão de tal liminar implica grave lesão à ordem, à economia e à segurança pública. Ele também reproduziu trechos da decisão de primeira instância, que já havia negado a prorrogação dos tributos estaduais.

“Em que pese a notória situação pela qual passa grande parte das empresas, incluindo a impetrante, não é cabível a concessão de moratória por decisão judicial, pois tal medida depende de previsão legal, hábil a abranger a totalidade do universo de contribuintes, ou ao menos os de determinados segmentos econômicos. Não menos importante do que a sobrevivência das empresas é o financiamento do Estado, uma vez que as ações de enfrentamento à Covid-19 são, em sua maior parte, políticas públicas significativamente dispendiosas para os entes federados”, diz a decisão.

Decreto da quarentena não prevê prorrogação

Ao indeferir liminar pleiteada por uma metalúrgica, o desembargador Marrey Uint, da 3ª Câmara de Direito Público, afirmou que o decreto estadual 64.879/20, ao tratar do estado de calamidade público, não estabeleceu “qualquer tipo de prorrogação ou diferimento de pagamento de tributos durante a pandemia, até porque, o aparelho estatal precisa continuar em funcionamento, para que os serviços básicos possam ser prestados à população”.

Segundo ele, a teoria da imprevisão não se aplica à hipótese de incidência tributária, em razão do regime jurídico específico deste último, que não corresponde aquele da autonomia da vontade previsto às relações contratuais. “Ademais, a moratória objetivada pode levar o Estado ao colapso financeiro, caso o Judiciário passe a diferir pagamentos sem o devido planejamento tributário, o que também expurga o periculum in mora”, concluiu.

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Fazer cliente perder tempo com ligações dá direito a indenização

Chamadas Abusivas

Por ligações excessivas, juíza aplica teoria do desvio produtivo do consumidor

Por 

Fazer ligações excessivas, oferecendo pacotes adicionais e ofertas comerciais, leva o cliente a perder tempo e gera indenização por danos morais. 

Para magistrada, fazer cliente perder tempo com ligações gera indenização por danos moral

O entendimento é da juíza Maria Lúcia Fonseca, do 4ª Juizado Especial Cível de Anápolis (GO), em decisão proferida em 18 fevereiro. Para a magistrada é possível aplicar a teoria do desvio produtivo em casos como o julgado. 

“As excessivas ligações, como ocorrido no caso concreto, é situação que ultrapassa os limites do mero dissabor cotidiano, capaz de causar intensa frustração e aborrecimento, ainda mais quando ocorre a recusa da oferta pelo consumidor, e a empresa reitera tratamento constrangedor e insistente, que extrapolou os limites do mero aborrecimento cotidiano”, afirma. 

O tempo perdido pela cliente, prossegue, “poderia ser utilizado em atividades próprias à edificação da personalidade, como lazer, trabalho, estudos, convivência familiar e com os amigos”.

Assim, subtrair esse espaço temporal relevante à construção da personalidade gera danos morais, sendo justo punir as empresas para que elas deixem de cometer a prática abusiva. 

O caso concreto envolve a Claro, que foi condenada a pagar R$ 1,5 mil à cliente. A consumidora foi defendida pelo advogado Pitágoras Lacerda. A empresa não interpôs recurso. 

Clique aqui para ler a decisão

5316169.90.2019.8.09.0007

 é repórter da revista Consultor Jurídico.

Revista Consultor Jurídico, 16 de maio de 2020, 7h16

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Leandro Guerra: Ilegalidades da contribuição ao SAT

A atualidade tem demandado atenção para a redução dos custos vinculados às atividades empresárias, notadamente na área tributária. Segundo levantamento da PGFN, já existem milhares de ações judiciais no país com este objetivo.

Neste contexto, a contribuição ao SAT volta a assumir relevância. Embora antiga e já questionada no Judiciário, a exação vem recebendo renovadas objeções quanto à sua legalidade, as quais nunca foram analisadas pelos Tribunais Regionais Federais, tampouco pelos Tribunais Superiores.

Provavelmente a discussão mais conhecida sobre o SAT, tem-se a possibilidade de Decreto Presidencial fixar os riscos das atividades econômicas, em contraposição à regra da legalidade tributária (risco leve, médio ou grave, e as alíquotas de 1, 2 ou 3%).

O STF, como sabido, julgou constitucional a possibilidade do Executivo estabelecer os riscos das atividades, sob o fundamento de que o caso não se trata de uma delegação pura. Conforme decidido, a situação seria uma hipótese de delegação técnica, pois a aplicação da lei exige a aferição de dados específicos pela Administração (RE 343.446/SC).

Em 2009, o Governo Federal editou o Decreto 6.957, que modificou o risco/alíquota de várias atividades econômicas (a maior parte delas foi penalizada, diga-se de passagem). À época, a única informação publicada pelo Executivo para embasar o referido ato foi a quantidade de acidentes registrados em cada atividade econômica. Nenhum outro dado foi apresentado, a exemplo da metodologia empregada no reenquadramento.

Passados dez anos da edição do Decreto 6.957/09, outras informações referentes ao reenquadramento dos riscos têm vindo à tona. Atendendo solicitação feita por contribuinte através do Sistema de Acesso à Informação, a União justificou o agravamento do risco da atividade com base em uma “nota” fornecida pela Secretaria da Previdência, que até então não havia sido disponibilizada ao público.

De acordo com tal documento, foi aplicada, por analogia, a metodologia de cálculo do Fator Acidentário de Prevenção (FAP). Para tanto, foram utilizados os índices de frequência, gravidade e custo, referentes à acidentalidade do trabalho verificada em cada atividade econômica e, após a realização de alguns cálculos, cada CNAE recebeu um índice de 0% a 100%. Quanto mais próximo de 0% o índice estivesse, menor o risco da atividade; e vice-versa[1].

A presente análise não objetiva adentrar nas minúcias do cálculo, mas expor as sérias ilegalidades do procedimento.

Em primeiro lugar, cabe frisar que o uso da analogia em matéria tributária está regulado no art. 108, I, do CTN[2], segundo o qual a analogia deve ser empregada diante da “ausência de disposição expressa” para uma determinada situação fática.

Trata-se de técnica interpretativa que auxilia a aplicação do direito em situações excepcionais, para as quais não há uma referência expressa na legislação. De modo que, frente à uma situação omissa na lei, a autoridade competente aplica a disposição prevista para hipótese análoga.

No caso em exame, porém, a analogia não foi utilizada com esta finalidade. Ela foi empregada de forma abstrata, com o objetivo de fixar o grau de risco de todas as atividades econômicas do país. Ao invés do ente público editar um Decreto prevendo os procedimentos a serem observados para o reenquadramento dos graus de riscos, simplesmente foram aplicados os parâmetros do FAP (os referidos percentis).

Outra incongruência, referente à utilização deste método de integração do Direito, decorre da circunstância de que a analogia deve ser empregada pela autoridade competente para aplicar a legislação tributária (“a autoridade competente para aplicar a legislação tributária utilizará”). Ou seja, diante de um caso concreto, sua aplicação cabe ao contribuinte, ao fisco, ou ao Judiciário, se necessário.

O que não se pode permitir, em hipótese alguma, é o indevido emprego da analogia fora de situações concretas, com evidente finalidade legiferante e por autoridade absolutamente incompetente para tal.

Em segundo lugar, constata-se a ofensa à legalidade, pois não existe previsão legal que autorize a aplicação da metodologia do FAP para promover a alteração do risco das atividades econômicas.

Em terceiro lugar, e novamente sem previsão legal, foram implementadas inovações na metodologia do FAP, com o objetivo de ajustá-la ao intento do Governo. Trata-se da regra, contida na mencionada “nota”, de que cada intervalo de índice composto corresponde a um determinado grau de risco/alíquota. Não há, no ordenamento jurídico, qualquer previsão nesse sentido.

Retomando o precedente do STF sobre a matéria, percebe-se que a premissa estabelecida para validar a fixação das alíquotas pelo Executivo ainda não foi cumprida. Até hoje, inexiste Decreto disciplinando a forma de variação dos graus de risco.

Mais uma oportunidade, portanto, para os contribuintes prejudicados adequarem suas obrigações fiscais.

Clique aqui para ler a nota enviada à Secretaria da Previdência

 é sócio do Araújo Guerra Sociedade de Advogados, especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (Ibet) e graduado em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).