Categorias
Notícias

Parceria IREE-Contracorrente lança “Bolsonaro — o mito e o sintoma”

Democracia em vertigem

Parceria IREE-Contracorrente lança “Bolsonaro — o mito e o sintoma”

O livro “Bolsonaro — O Mito e o Sintoma”, de autoria do juiz de direito Rubens R. R. Casara, do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, está em fase de pré-lançamento. É o primeiro título da parceria entre a editora Contracorrente, dirigida pelo professor Rafael Valim, e o IREE (Instituto para Reforma das Relações entre Estado e Empresa), presidido pelo advogado Walfrido Warde.

Reprodução

O lançamento da versão eletrônica (e-book) será no próximo dia 18 e a impressa, dia 23. Quem adquirir o livro nesta fase de pré-venda terá livre acesso a uma palestra do autor, que é  membro da Associação de Juízes para a Democracia e da Escola de Psicanálise Corpo Freudiano.

Casara escreveu vários livros que abordam questões socioeconômicas da atualidade. “Nesta obra ele procura mostrar como uma massa de brasileiros foi convencida a votar numa pessoa tão despreparada para presidir a nação, e como chegamos a esse momento tão difícil da democracia no Brasil”, adianta Valim, que desde 2015 atua no mercado editorial com o selo Contracorrente.

O advogado Walfrido Warde comenta que a parceria com a editora Contracorrente vai permitir que boa parte do conteúdo gerado pelo IREE seja editada profissionalmente e transformada em livros.

Desde a chegada do coronavírus ao Brasil até o momento, o instituto já produziu mais de 70 webinares enfocando, por meio de entrevistas e debates, importantes questões sociais, políticas, jurídicas e econômicas.

 Também estão previstos pelo menos dez cursos a serem ministrados em conjunto nos próximos meses. O primeiro deles, de Introdução à Política (Cipol), começou dia 1º de junho e registrou mais de mil inscrições.

Clique aqui para mais informações

Topo da página

Revista Consultor Jurídico, 15 de junho de 2020, 17h09

Categorias
Notícias

Abusividade na correção não impede negativação por dívida, diz STJ

A abusividade do índice aplicado na correção monetária devido não impede o reconhecimento da dívida e a consequente inscrição do nome do devedor no cadastro de inadimplentes. Com esse entendimento, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça afastou condenação por danos morais de incorporadora por conta de saldo de devedor do comprador de um apartamento.

Para ministro Paulo de Tarso Sanseverino, teses e jurisprudência do STJ embasam legalidade das ações da incorporadora 
Reprodução

No caso em julgamento, os autores celebraram contrato de promessa de compra e venda por um apartamento, cuja parcela devida por ocasião da entrega das chaves, prevista contratualmente, era de R$ 129.585. Houve atraso de dois meses para além do prazo de tolerância para a expedição do Habite-se.

Quando pôde receber a unidade, os compradores não haviam ainda pagado a totalidade da parcela, que teve valor atualizado pelo índice setorial (Índice Nacional de Custo da Construção) inclusive durante os meses de atraso da obra.

Como não chegaram a um acordo, a incorporadora não entregou a chave e negativou o nome dos devedores. Por isso, os compradores ajuizaram ação de indenização, na qual o juízo de origem reconheceu que o índice usado para corrigir o valor nominal do saldo devedor era abusivo.

“A abusividade da correção monetária não é suficiente para descaracterizar a mora do consumidor, ao qual caberia pagar, ao menos, o valor nominal do saldo devedor”, apontou o relator, ministro Paulo de Tarso Sanseverino. “Assim, não há abusividade na inscrição dos compradores no cadastro de inadimplentes, nem a recusa na entrega das chaves da unidade.”

Teses e jurisprudência

Para chegar a essa conclusão, o ministro se baseou em jurisprudência da corte e na aplicação por analogia de duas teses definidas em julgamento de recursos repetitivos pelo STJ. 

A primeira (Tema 28), referente a contratos bancários, indica que a abusividade que conduz à descaracterização da mora é aquela verificada nos juros remuneratórios ou na capitalização. Não se aplica, portanto, em casos de correção monetária, como descrito nos autos.

A segunda (Tema 972), sobre tarifa de gravame eletrônico, diz que a abusividade de encargos acessórios (do qual é exemplo a correção monetária) não descaracteriza a mora.

“A bem da verdade, as únicas ilicitudes que se vislumbra no proceder da incorporadora foram o atraso de dois meses na obtenção do “Habite-se”, a atualização monetária pelo INCC durante esse período e a demora na outorga da escritura. Essas condutas, embora ilícitas, têm sido compreendidas pela atual jurisprudência desta Corte Superior como inaptas a produzir dano moral, pois seus efeitos não extrapolam o âmbito contratual”, concluiu o relator.

Ou seja, a cobrança extra por conta da cobrança abusiva do INCC não autoriza os compradores a pagar menos do que o mínimo pactuado. E como a entrega das chaves estava condicionada a esse pagamento, não há abusividade na conduta da incorporadora. “Com base nesses fundamentos, é de se excluir, também, a condenação da incorporadora ao pagamento de indenização por lucros cessantes”, acrescentou o relator.

Clique aqui para ler o acórdão

REsp 1.823.341

Categorias
Notícias

Bancos devem publicar informações sobre prorrogação de dívidas

publicidade enganosa

Juiz de BH manda bancos explicarem informações sobre prorrogação de dívidas

Por 

Os bancos devem zelar pela clareza das informações, diante da confiança gerada no mercado de consumo. Devem ainda evitador termos vagos e ambíguos que podem afetar a decisão do consumidor de adquirir ou não o produto ofertado.

ReproduçãoBancos devem dar destaque para a informações sobre a incidência de juros e outros encargos em prorrogação e renegociação de dívidas

Assim entendeu o juiz Sérgio Caldas Fernandes, da 23ª Vara Cível de Belo Horizonte, ao determinar que os bancos publiquem informações corretas sobre os termos para prorrogação de dívidas. A liminar foi publicada nesta segunda-feira (11/5) e dá 48 horas para cumprimento da medida.

A decisão acolhe pedido do Instituto de Defesa Coletiva (IDC), que ajuizou ação para pedir que a Federação Brasileira de Bancos (Febraban) cumpra as medidas anunciadas para a prorrogação do pagamento de dívidas de clientes com os bancos durante a pandemia do coronavírus. 

Na ação, o instituto aponta que a Febraban informou em 15 de março que haveria prorrogação do prazo de pagamento dos empréstimos e financiamentos de clientes pessoas físicas, micro e pequenas empresas por 60 dias. No entanto, desde essa data crescem as reclamações de consumidores que pediram a prorrogação e não estão sendo atendidos.

“A probabilidade do direito e o perigo de dano em relação à questão da estão estampados na prática discutida, que pode ser vista como um exemplo clássico de informação imprecisa por omissão”, afirmou o juiz.

O magistrado determina que os bancos publiquem informação e expliquem de forma clara sobre qual produto está sendo ofertado, as diferenças entre “prorrogação” e “renegociação”. Além disso, o juiz manda ter destaque para a informações sobre a incidência de juros e outros encargos.

Clique aqui para ler a liminar

5061898-19.2020.8.13.0024 

 é correspondente da revista Consultor Jurídico em Brasília.

Revista Consultor Jurídico, 11 de maio de 2020, 21h34

Categorias
Notícias

Promotor não pode adquirir bens ligados a processo no qual atuou

Reprodução

Representante do Ministério Público que adquire bens de massa falida por meio de pessoa interposta, no curso de processo judicial em que atuou, incorre no delito de violação de impedimento, tipificado no artigo 177 da lei que regula a recuperação judicial, extrajudicial e a falência das sociedades empresariais (Lei 11.101/2005).

Assim, a 4ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul manteve a condenação do promotor de justiça aposentado Wanderlei José Herbstrith Willig, por adquirir um imóvel em conluio com sua ex-esposa e um investidor do mercado imobiliário, no curso da falência de uma indústria de extração mineral. Os três envolvidos foram condenados a dois anos e seis meses de prisão, além do pagamento de multa. A pena corporal foi convertida em prestação de serviços comunitários.

“O tipo penal veda que o agente legalmente impedido obtenha, por qualquer meio, bens pertencentes à massa falida. O objeto jurídico é a lisura e a moralidade da Justiça. Secundariamente, protege-se o patrimônio dos credores”, escreveu no acórdão o desembargador-relator Rogério Gesta Leal.

A denúncia do MP

Segundo a denúncia do Ministério Público, datada de 1º de outubro de 2012, o imóvel da massa falida estava locado desde 2003 à empresa “Big Lenha”, localizada em Cachoeira do Sul. A empresa é propriedade de Rosana Luchese Willig, mas explorada, de fato, por seu então marido, Wanderlei, desde janeiro de 2003. Após prévio ajuste entre os três denunciados, o investidor Milton Cerentini apresentou, nos autos do processo de falência, propostas de compra do imóvel – um galpão – em seu nome. As petições foram assinadas Rosana, advogada e prima de Milton,.

Narra a peça que o juízo da falência homologou a venda do imóvel em julho de 2008. Ato contínuo, Milton passou a permitir que Wanderley seguisse utilizando o imóvel para a ‘‘Big Lenha’’, sem pagar aluguel. Milton, o dono legal à época, nem mesmo registrou a aquisição junto ao cartório de imóveis.

Em novembro de 2010, Milton transferiu, mediante contrato de compra e venda, o domínio do imóvel a Wanderlei. O contrato foi apresentado nos autos do processo de falência por petição assinada por Rosana. Assim, segundo o MP, com a colaboração de Rosana e a interoposição de Milton, cumpriu-se a combinação original – do qual resultou a compra do imóvel por pessoa interposta, crime tipificado na Lei 11.101/2005.

A denúncia destaca a conduta de Wanderlei, que era promotor de justiça na Comarca de Cachoeira do Sul na época dos fatos – aposentou-se em maio de 2011: ‘‘O denunciado, na condição de promotor de justiça, atuou no processo de falência 006/1.03.0001685-4 em inúmeras oportunidades, mesmo após a estipulação do contrato de locação imobiliária em favor da empresa ‘Big Lenha’ e após a alienação do imóvel para o corréu Milton’’.

Sentença condenatória

A juíza Rosuita Maahs, da 2ª Vara Criminal da Comarca de Cachoeira do Sul, acolheu integralmente a denúncia do MP, condenando os três réus às sanções do artigo 177 da lei recuperacional. Disse que o conluio ficou perceptível após o sindico e procurador da massa falida, Zarur Mariano, ter dito em juízo que Milton serviu de “laranja” na compra do galpão, já que o verdadeiro comprador foi Wanderlei. A confidência partiu da própria Rosana, ao procurar Zarur.

A julgadora observou que o interesse de Wanderlei na compra do pavilhão ficou evidente, já que a empresa “Big Lenha”, em nome de sua então esposa, estava instalada em um dos galpões, muito antes da compra ser efetivada, conforme comprova o contrato de locação anexado aos autos. E mais: disse que a prova testemunhal mostrou que Vanderlei era, de fato, quem administrava a chácara, cuidava da lenheira e contratava os empregados. Ou seja, tinha todo o interesse em adquirir o imóvel onde estava instalada sua empresa.

“De outra banda, o fato de Milton nunca ter exigido a escritura pública e providenciado no registro do imóvel em seu nome (embora tenha declarado a compra do pavilhão e os alugueis recebidos em seu imposto de renda), somado ao fato de nunca ter cobrado aluguel da ‘Big Lenha’, igualmente demonstra a participação dos acusados na empreitada criminosa”, finalizou a juíza.

Clique aqui para ler a sentença

Clique aqui para ler o acórdão

Processo 006/2.12.0003772-3 (Comarca de Cachoeira do Sul)

 é correspondente da revista Consultor Jurídico no Rio Grande do Sul.

Categorias
Notícias

Jambor e Ongari: Compartilhamento de risco ainda é ponto obscuro

A Lei Geral de Proteção de Dados (Lei nº 13.709/18 LGPD), a princípio, entra em vigor em agosto de 2020 [1], porém muitos aspectos estão ainda obscuros, principalmente no âmbito da saúde. Um dos temas é o acordo de compartilhamento de risco entre o Ministério da Saúde e as empresas farmacêuticas para adquirir medicamentos disponibilizados via Sistema Único de Saúde (SUS).

O acordo de compartilhamento de risco pode ser entendido, basicamente, como um acordo por meio do qual o Ministério da Saúde e uma empresa farmacêutica, responsável pelo medicamento no Brasil, compartilham o risco do fornecimento do medicamento no âmbito do SUS.

O projeto piloto do acordo de compartilhamento de risco está ocorrendo com a disponibilização do medicamento Spinraza (nusinersena) para o tratamento da atrofia muscular espinhal (AME 5q) tipos II e III (Portaria MS nº 1.297/19 — Projeto Piloto). Entre outros aspectos, a portaria estabelece que o acordo de compartilhamento de risco deve conter: I) os critérios de desfecho de saúde esperados e dos parâmetros de atividade clínica; e II) a definição dos critérios de interrupção do fornecimento do medicamento para os pacientes que não apresentarem os desfechos de saúde esperados. O monitoramento dos pacientes e a avaliação dos desfechos clínicos serão coordenados por instituição de pesquisa indicada pelo ministério, observando os termos do acordo entre o Ministério da Saúde e a empresa farmacêutica fornecedora do medicamento.

As indagações se iniciam: como será realizado o monitoramento dos pacientes e a avaliação dos desfechos clínicos? A depender do modelo adotado, como será a obtenção de dados dos pacientes? Os dados dos pacientes serão compartilhados entre o ministério da Saúde e a empresa fornecedora para avaliarem a continuação ou a interrupção do fornecimento do medicamento? E como será a divulgação dessas informações ao público? Afinal, trata-se de contrato público cujas principais informações, em tese, podem e devem ser disponibilizadas aos administrados. Até mesmo para que outras empresas farmacêuticas avaliem a viabilidade ou não de firmarem novos acordos de compartilhamento de risco com o ministério da Saúde.

No âmbito da LGPD, os dados de saúde dos pacientes são considerados dados pessoais sensíveis, possuindo uma regulação e defesa mais rigorosa. O seu tratamento pode ser realizado em hipóteses bastantes específicas, como: consentimento do titular, cumprimento de obrigação regulatória, realização de estudos por órgãos de pesquisa, tratamento compartilhado de dados necessários à execução, pela administração pública, de políticas públicas previstas em leis ou regulamentos, exercício regular de direitos e proteção da vida ou da incolumidade física do titular ou de terceiro e tutela da saúde, realizado por profissionais de saúde, serviços de saúde ou autoridade sanitária e garantia da prevenção à fraude. A depender da finalidade/utilidade do uso do dado pessoal, a base legal para o tratamento dos dados difere.

Poderia a instituição de pesquisa compartilhar os dados pessoais sensíveis dos pacientes com o ministério da Saúde e a empresa fornecedora? A hipótese configuraria comunicação/uso compartilhado de dados pessoais sensíveis com o objetivo de obter vantagem econômica, na medida em que o fornecimento do medicamento depende diretamente dos dados?

Deverão os dados serem anonimizados e, então, compartilhados com o Ministério da Saúde e a empresa fornecedora? Nesse caso, como concordar com a avaliação da instituição de pesquisa? Seria uma avaliação às cegas? Ou será necessário apenas o consentimento dos titulares dos dados? Seria possível? E como serão compartilhadas essas informações com o público, notadamente com as demais empresas farmacêuticas interessadas em firmar acordos de compartilhamento de risco com o Ministério da Saúde?

Até o momento, o Ministério da Saúde não forneceu maiores detalhes sobre o monitoramento dos pacientes no Projeto Piloto. Porém, a princípio, podemos vislumbrar as seguintes hipóteses: 

1 — Dados anonimizados: nesta hipótese, em tese, os dados podem ser amplamente divulgados, inclusive à sociedade, pois os dados anonimizados não são considerados pessoais. Resta questionar a confiabilidade dos dados, sobretudo por parte da empresa que fornece o medicamento; 

— Consentimento do titular do dado: com a obtenção de consentimento específico do titular do dado, em tese, o seu dado pessoal sensível pode ser compartilhado. Para tanto, deve constar, expressa e especificamente, no consentimento, as formas de tratamento do dado, especialmente quanto ao compartilhamento do dado com a empresa que fornece o medicamento.

As respostas não são simples e tampouco de rápida solução. Resta aguardar as discussões e o posicionamento do Ministério da Saúde. Porém, o prazo para adequação à LGPD está se esgotando: agosto está logo aí. Como será o desfecho dessa novela?

 é pós-graduada em Direito Econômico pela Fundação Getúlio Vargas e especialista em Direito Digital pela Fundação Getúlio Vargas.

 é mestranda em Direito Civil pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo/SP e graduada pela Universidade Presbiteriana Mackenzie/SP.

Categorias
Notícias

ConJur – Wanessa Magnusson: Ideologia e relações de consumo

Em tempos de pandemia, o crescimento do alinhamento ideológico nas relações de consumo ganha cores ainda mais fortes.

Há vinte ou trinta anos, pouco se discutia se determinado fornecedor de produtos ou serviços se alinhava ideologicamente com seu público alvo.

Os consumidores não procuravam saber se a filosofia de determinado fornecedor se alinhava com as suas ideias, com seu modo de ver o mundo e as relações sociais. A ideologia e a postura institucional da empresa não eram uma preocupação do empresário, pois o consumidor buscava apenas qualidade, preço e rapidez na entrega do que queria adquirir.

O advento das redes sociais proporcionou à sociedade terreno fértil para a propagação e defesa de ideias, conceitos, valores e filosofias. O indivíduo que, offline não via estímulo para expor suas ideias e valores, encontrou, online palanque e audiência para defender seus valores e propagar sua filosofia e sua ideologia.

De vida saudável a responsabilidade ambiental, passando por comunicação não violenta, diversidade, espiritualidade e igualdade de gênero, valores e ideias tomaram o centro de discussões nas redes sociais, que se tornaram grandes salas de debate sobre os temas mais variados.

Ao discutir ideologias, filosofias e valores, o consumidor passou a refletir mais, a ponto de fazer desses conceitos critérios na hora de ir às compras.

Esse fenômeno da transformação do ato de consumir em verdadeiro ato político, de defesa ideológica, vem se mostrando de forma ainda mais ostensiva em tempos de pandemia.

Uma grande rede de lanchonetes, por exemplo, vem experimentando boicotes nas redes sociais porque um de seus sócios fez pronunciamento público a favor do fim do isolamento social e da retomada das atividades de trabalho.

Apesar de todas as advertências da Organização Mundial de Saúde e dos exemplos dos países europeus severamente vitimados pela pandemia, o empresário afirmou que o país não poderia parar “por 5 ou 7 mil mortes”.

Na madrugada posterior ao pronunciamento, o nome da rede de lanchonetes ficou entre os assuntos mais falados (trend topics) no Twitter, dada a quantidade de críticas à fala. Os boicotes à rede de lanchonetes se multiplicaram nas redes sociais e no whatsapp e, apesar de não se ter notícias do impacto financeiro desses boicotes, já se pode dizer com segurança que a imagem da rede foi arranhada.

A perda de popularidade (e consequentemente de clientela) da rede por ato de seu sócio, que se concretizou em minutos nas redes sociais, ilustra com clareza o fenômeno crescente no mercado da busca, pelos consumidores, por alinhamento ideológico com seus fornecedores.

Essa busca por alinhamento ideológico pode ser verificada em diversos exemplos. Hoje o consumidor prefere comprar daquela empresa de cosméticos que não faz testes em animais, daquela marca de roupas que acolhe a diversidade sexual e que não explora trabalho infantil.

Em tempos de pandemia, a ordem é dar preferência aos pequenos fornecedores e às pequenas empresas, que são mais vulneráveis e têm mais dificuldades de sobreviver ao período de isolamento social do que as grandes corporações. O movimento, assim, é pela escolha de pequenos mercados de bairro, de pequenos restaurantes e prestadores de serviços, que hoje vêm sendo mais procurados pelos consumidores, em detrimento das grandes empresas.

Se antes o consumidor buscava apenas preço, prazo e qualidade, hoje ele se informa previamente sobre o perfil, os valores e a filosofia institucional dos fornecedores existentes no mercado e até mesmo de seus sócios e acionistas. Não raro,  o consumidor opta por consumir daquele fornecedor que se alinha ideologicamente com ele, ainda que seu produto não seja o mais barato ou que seu prazo de entrega não seja o melhor.

Não se pode dizer, naturalmente, que se está diante de um ambiente de autorregulação. O mercado — não só o brasileiro — ainda demanda regras cogentes que garantam o cumprimento, pelas empresas, das legislações aplicáveis às suas atividades e a observância do que se denomina senso comum ou bom senso. E é possível que essa demanda por regras nunca deixe de existir.

De todo modo, o recado vem sendo dado e de forma especialmente eloquente em tempos de pandemia: Estabelecer-se no mercado consumidor hoje é tarefa muito mais complexa do que era vinte ou trinta anos atrás. Não basta mais garantir a qualidade do produto e do serviço, o prazo de entrega e o preço competitivo.

Mais do que se atentar para esses aspectos objetivos (qualidade, prazo e preço), as empresas devem cuidar para que suas filosofias e ideologias institucionais se alinhem à filosofia e ideologia de seu consumidor alvo. Devem, ainda, garantir que estas filosofias e ideologias saiam dos sites institucionais e sejam efetivamente observadas no exercício de suas atividades, sob pena de perderem terreno, competitividade e receita.

Wanessa Magnusson de Sousa é advogada especialista em relações de consumo do Nascimento e Mourão Advogados.