Categorias
Notícias

Parceria IREE-Contracorrente lança “Bolsonaro — o mito e o sintoma”

Democracia em vertigem

Parceria IREE-Contracorrente lança “Bolsonaro — o mito e o sintoma”

O livro “Bolsonaro — O Mito e o Sintoma”, de autoria do juiz de direito Rubens R. R. Casara, do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, está em fase de pré-lançamento. É o primeiro título da parceria entre a editora Contracorrente, dirigida pelo professor Rafael Valim, e o IREE (Instituto para Reforma das Relações entre Estado e Empresa), presidido pelo advogado Walfrido Warde.

Reprodução

O lançamento da versão eletrônica (e-book) será no próximo dia 18 e a impressa, dia 23. Quem adquirir o livro nesta fase de pré-venda terá livre acesso a uma palestra do autor, que é  membro da Associação de Juízes para a Democracia e da Escola de Psicanálise Corpo Freudiano.

Casara escreveu vários livros que abordam questões socioeconômicas da atualidade. “Nesta obra ele procura mostrar como uma massa de brasileiros foi convencida a votar numa pessoa tão despreparada para presidir a nação, e como chegamos a esse momento tão difícil da democracia no Brasil”, adianta Valim, que desde 2015 atua no mercado editorial com o selo Contracorrente.

O advogado Walfrido Warde comenta que a parceria com a editora Contracorrente vai permitir que boa parte do conteúdo gerado pelo IREE seja editada profissionalmente e transformada em livros.

Desde a chegada do coronavírus ao Brasil até o momento, o instituto já produziu mais de 70 webinares enfocando, por meio de entrevistas e debates, importantes questões sociais, políticas, jurídicas e econômicas.

 Também estão previstos pelo menos dez cursos a serem ministrados em conjunto nos próximos meses. O primeiro deles, de Introdução à Política (Cipol), começou dia 1º de junho e registrou mais de mil inscrições.

Clique aqui para mais informações

Topo da página

Revista Consultor Jurídico, 15 de junho de 2020, 17h09

Categorias
Notícias

Protesto de letra de câmbio sem aceite não interrompe prescrição

Relação cambial inexistente

Protesto de letra de câmbio sem aceite é ilegal e não interrompe prescrição, diz STJ

Por 

Não é possível interromper a prescrição para cobrança de dívida por meio de saque de letra de câmbio sem o aceite do sacado. Com esse entendimento, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça negou provimento ao recurso especial de uma instituição de ensino que, para não perder a chance de cobrar uma estudante, emitiu título de crédito e efetuou protesto.

Estratégia da instituição de ensino não subsiste sem o aceite do devedor, segundo a relatora, ministra Nancy Andrighi 
Divulgação

Relatora do caso, a ministra Nancy Andrighi considerou que a estratégia não é viável pelo uso da letra de câmbio, que consiste em mandado dirigido a alguém para que pague a um terceiro uma determinada quantia inscrita na letra. No caso, a instituição de ensino efetivou o saque tendo a si própria como sacadora.

A existência da letra de câmbio não depende da concordância da pessoa indicada como devedora. A declaração unilateral de vontade emitida pelo sacador, por si só, constitui o crédito. No entanto, não cria relação cambial com o devedor. Para isso, é necessário o aceite, que significa promessa direta de efetuar o pagamento.

No caso, não houve aceite por parte da estudante. A letra de câmbio sequer chegou a circular. Sua existência teve como objetivo único a interrupção da prescrição do prazo para cobrança da dívida, via protesto.

“O protesto — por falta de pagamento — somente poderia ser sido tirado pelo portador da cártula contra o seu sacador, e nunca contra o sacado não aceitante, conforme dispõe expressamente o artigo 21, parágrafo 5º, da Lei 9.492/97”, apontou a ministra Nancy Andrighi.

Portanto, sem o aceite, não existe responsável principal ou indireto que possa ser cobrado, o que torna o protesto contra a estudante ato ilícito. Assim, mantém-se o acórdão segundo o qual as mensalidades devidas pela estudante foram consideradas prescritas e o protesto indevido gerou indenização por danos morais no valor de R$ 15 mil.

Clique aqui para ler o acórdão

REsp 1.748.779

 é correspondente da revista Consultor Jurídico em Brasília.

Revista Consultor Jurídico, 25 de maio de 2020, 17h09

Categorias
Notícias

Estados e municípios também podem superar LRF na crise, diz STF

É constitucional o rompimento dos limites estabelecidos na Lei de Responsabilidade Fiscal em tempos de crise causada por pandemia, deferível a todos os entes da federação. Com esse entendimento, o Supremo Tribunal Federal referendou a liminar do ministro Alexandre de Moraes, concedida em uma ação direta de inconstitucionalidade.

Na interpretação do ministro Alexandre de Moraes, Emenda Constitucional 106 abrange estados e municípios também
Carlos Moura/SCO/STF

Apesar disso, a ação foi extinta por perda superveniente de objeto. A ADI foi inicialmente proposta pela União para obter o relaxamento de exigências da LRF neste momento de crise, o que foi concedido pela liminar, com abrangência também para estados e municípios. Posteriormente, foi promulgada pelo Congresso a Emenda Constitucional 106, chamada de “orçamento de guerra”, que traz a mesma disposição.

A perda de objeto foi defendida pela Advocacia-Geral da União durante julgamento por videoconferência nesta quarta-feira (13/5) e acatada pelo Plenário do STF, por maioria. De fato, a EC 106 atende a União. Mas em seu parágrafo 2º, indica expressamente que se destina ao “Poder Executivo federal, no âmbito de suas competências”.

Ao analisar a questão, o relator da ADI, ministro Alexandre de Moraes, apontou que esse alcance é a única divergência entre a liminar concedida e a emenda constitucional. E, assim, interpretou que a EC 106 também deve abranger estados e municípios.

“Não há mais interesse em prosseguir com a ação, porque o que pede no mérito é exatamente o que consta no artigo 3º da Emenda Constitucional 106. Não será possível interpretar os artigos impugnados sem se observar para todos — União, estados e municípios — o artigo 3º da Emenda Constitucional”, explicou.

Portanto, desde que não impliquem em despesa permanente, as proposições legislativas e atos do Poder Executivo com propósito exclusivo de enfrentar a calamidade e suas consequências, com efeitos restritos à sua duração, ficam dispensados de observar limitações legais sobre aumento de despesa ou benefício de natureza tributária da qual decorra renúncia de receita.

Para o ministro Fachin, exame de simetria entre liminar e EC 106 não poderia ser feito em sede de referendo 
Carlos Humberto/SCO/STF

Pragmatismo entre ADI e EC

Primeiro a votar após o relator, o ministro Luiz Edson Fachin abriu divergência e chamou atenção para a questão. Conferir se a liminar cobre liquidamente os demais entes federativos implicaria em ver se há simetria da EC 106 com o objeto da liminar. “O artigo 3º da emenda faz referência ao Poder Executivo no singular. Abrir-se-ia um campo de exame que, a rigor, não está pautado na ambiência do referendo da liminar”, destacou. 

Apesar da ressalva de Fachin, a interpretação de Alexandre foi, posteriormente, seguida pelos demais membros do Supremo. O ministro Barroso, por exemplo, reconheceu que entendia que o artigo 3º da EC 106 se restringiria à União, mas relevou: “Isso passa a ser preciosismo na medida em que o relator explicita que entende que se aplica aos três níveis de governo.”

Da mesma forma, a ministra Rosa Weber ponderou. “Vejo que o artigo 2º da Emenda Constitucional é expresso ao referir-se ao Poder Executivo federal. Por outro lado, se o tribunal assentar — e como essa decisão terá efeito vinculante —, que esta compreensão que foi consagrada na liminar contempla os demais entes federativos, não tenho razão para me afastar do voto do relator”, disse.

O ministro Ricardo Lewandowski seguiu o entendimento “por questão de praticidade e para evitar perplexidade”. O ministro Gilmar Mendes também, destacando a “solução engenhosa, ao considerar que, de alguma forma, as autorizações contidas na sua cautelar estão albergadas na Emenda Constitucional, fazendo a interpretação de que é abrangente também nos três entes”.

Até o ministro Marco Aurélio, que a princípio negaria referendo à liminar, seguiu o voto do relator e abordou o assunto. Em seu entendimento, o Congresso não editou norma para proteger apenas a União. E prova disso é que o parágrafo 3º da Emenda Constitucional faz referência aos artigos 37 e 169 da Constituição Federal, que são de observância nos três níveis de governo.

Ministro Luiz Fux sugeriu definição de tese por motivos de segurança jurídica, mesmo com perda de objeto da ação
Carlos Humberto/SCO/STF

Reviravolta e referendo

Até então, por dez votos a um, vencido o ministro Fachin, o Plenário do Supremo Tribunal Federal votava pela extinção da ação por perda superveniente do objeto da ação. A EC 106 cobriu o que o governo pedia na ADI, então não haveria motivo para manter o caso em julgamento.

O ministro Luiz Fux ressaltou que, por motivos de segurança jurídica, seria interessante que o relator definisse uma tese: o STF entendeu que é constitucional o rompimento do teto estabelecido na LRF, deferível a todas as unidades da federação, em um momento específico de pandemia. Propôs, então, que a corte votasse pelo referendo da liminar para, depois, extinguir a ação por perda superveniente do objeto.

Mais uma vez, o ministro Fachin chamou a atenção para a sugestão. “Agora, para evitar os efeitos que são naturais do prejuízo, está se dando um passo para referendar liminar numa ADI extinta. Tenho dificuldade do ponto de vista da lógica jurídica quanto a isso”, destacou. E ficou vencido.

O resultado final do caso foi pelo referendo da medida cautelar e a extinção da ação por perda superveniente do seu objeto. Ficou vencido quanto ao referendo o ministro Marco Aurélio, para quem a liminar dá um “cheque em branco ao chefe do Executivo”. E vencido quanto ao prejuízo o ministro Fachin.

ADI 6.357

Categorias
Notícias

Leandro Facchin: A polêmica instrução normativa da Funai

A Instrução Normativa nº 9/2020, publicada no dia 22 de abril pela Fundação Nacional do Índio (Funai), tem causado controvérsia no país. A nova resolução disciplina o requerimento, a análise e a emissão da Declaração de Reconhecimento de Limites em relação a imóveis privados, o que permite a exploração e a comercialização de terras indígenas que ainda não foram homologadas pelo presidente da República.

O Ministério Público Federal se manifestou contrário à medida e recomendou à presidência da Funai a anulação imediata do ato. Para o MPF, a norma é ilegal e inconstitucional, pois, segundo os procuradores federais, a instrução normativa contraria a natureza do direito dos indígenas às suas terras como direito originário e da demarcação como ato declaratório.

Na resolução, a Funai considerou a necessidade de estabelecer regras quanto à incidência e a confrontação de imóveis rurais em terras indígenas tradicionais homologadas, reservas indígenas e terras dominiais de comunidades indígenas, com fundamento na Lei n° 6.001, de 19 de dezembro de 1973 (Estatuto do Índio), e no Decreto Nº 1.775, de 8 de janeiro de 1996.

De acordo com a instrução normativa, as comunidades indígenas proprietárias de imóveis rurais ou urbanos deverão comunicar os limites desses imóveis para que a Funai possa contemplá-los na análise de emissão de Declaração de Reconhecimento de Limites, que se destina a fornecer aos proprietários ou possuidores privados a certificação de que os limites do seu imóvel respeitam os limites das terras indígenas plenamente regularizadas.

A meu ver, a nova resolução da Fundação Nacional do Índio traz segurança jurídica ao Estado Democrático brasileiro, pois o que não está definido por decisão judicial não pode gerar efeito no mundo jurídico prático. O fato de existir um estudo de área de expansão de terra indígena não significa que isso se caracteriza como futura área indígena.

Ou seja, a referida instrução normativa regulamenta o que a legislação já determina e que não estava sendo cumprido pelos órgãos federais. Portanto, enquanto não houver uma decisão judicial de expropriação dessas áreas, elas continuam no domínio do particular, pois esse direito é pleno e eficaz até que ocorra uma decisão judicial contrária.

 é advogado e especialista em Direito Processual Civil pela Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT).

Categorias
Notícias

Juíza mantém decisão que permite funcionamento da JBS em SC

Para que uma empresa tenha sua paralisação decretada por supostamente infringir recomendações de saúde, é necessário comprovar que de fato houve omissão.

Juíza manteve decisão que permite funcionamento de frigoríficos

Com esse entendimento, a juíza Patrícia Braga Medeiros, da 1ª Vara do Trabalho de Criciúma, manteve o funcionamento integral de uma unidade da marca Seara, da JBS, em Forquilhinha (SC). A determinação é desta quarta-feira (6/4). 

A decisão indefere pedido em ação civil coletiva ajuizada pelo Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias de Carnes e Derivados, Frangos, Rações Balanceadas, Alimentos e Afins de Criciúma e Região. Segundo o sindicato, a empresa não adotou todas as medidas necessárias para conter o avanço do novo coronavírus. 

A JBS, entretanto, comprovou o contrário, segundo a magistrada. A empresa já tomou “medidas de prevenção e combate ao coronavírus junto a seus colaboradores, modificando a rotina de trabalho em benefício destes”, reafirma a juíza, citando decisão anterior.

Para Medeiros, “caso pretenda reconsideração da presente decisão e o consequente deferimento de medida antecipatória, deverá a parte autora apresentar nos autos alguma prova efetiva e verdadeira, que evidencia eventual conduta omissiva por parte da empregadora demandada”.

TRT-12

Em março, ao julgar mandado de segurança, a presidente do Tribunal Regional Federal da 12ª Região, desembargadora Maria de Lourdes Leiria, derrubou uma decisão que suspendia as atividades da JBS em SC. 

A entendimento da magistrada na ocasião foi o de que o setor de alimentos é indispensável para a economia e o desenvolvimento nacional, exercendo insubstituível papel à estabilização da sociedade. Assim, eventual paralisação implica riscos à vida, saúde e segurança. 

“Exsurge que todo o conjunto normativo, há mais de 30 anos, tem classificado como atividade essencial a produção, distribuição e comercialização de gêneros alimentícios, entre os quais inclui-se os frigoríficos”, diz a decisão.

Ainda segundo a desembargadora, a JBS tomou todas as medidas necessárias de prevenção e combate ao coronavírus, o que inclui a disponibilização de álcool em gel e líquido em todos os ambientes da empresa com fluxo de pessoas; higienização reforçada e contínua em todas as áreas de circulação e descanso; disponibilização de máscaras e descartáveis no ambulatório para os colaboradores que tenham interesse em utilizar; contratação de ônibus adicionais para que seja mantida distância segura entre os funcionários; entre outras. 

Clique aqui para ler a decisão

0000242-91.2020.5.12.0003

Categorias
Notícias

A família pede guarda provisória da lei em proteção urgencial

Um denominado iceberg infinitesimal colocou-se frente à humanidade em sua navegação de cotidianos comuns de generalidades, com a pandemia da Covid-19. Esse repentino choque existencial colocou gentes e povos no mesmo sentimento de luta por uma sobrevivência experenciada pelo isolamento social, sem respostas prontas ao enfrentamento do vírus. E o depois?

Depois dessa crise humanitária, abre-se, inevitavelmente, um grande debate sobre políticas públicas de gestão de riscos e de um sistema normativo específico, para gerir, em governança adequada, todas as fases de um evento catastrófico. Será preciso, de fato, um Marco Civil de Desastres.

Antes de mais, porém, a necessidade de um novo modelo de desenvolvimento humano exsurge de tudo isso. Não serão suficientes regimes jurídicos emergenciais, contemplando fórmulas de temporariedade ou implementos diferidos.

No ponto, a família como instituição básica de organização social, pede passagem. E, nesse contexto, a família pede guarda provisória da lei, em proteção que se faz urgente, com a adoção de políticas públicas e legislativas, preordenadas e adequadas ao enfrentamento de crises como a atual.

Mais precisamente, uma ordem jurídica pré-constituída que coloque em caráter de urgência as soluções alinhadas. Construída sob três premissas básicas: a) valorização do ser humano sobre todas as coisas; (b) o valor da solidariedade humana como um referencial axioma do princípio jurídico de fraternidade; (c) as desigualdades sociais amplamente mitigadas, em garantia não apenas de um mínimo existencial de dignidade, mas de um bem-estar social adequado a qualquer pessoa.

Veremos, assim, o atual quadro de políticas públicas, legais ou de lege ferenda, compatíveis ao propósito de proteção familiar de caráter urgente:

(i) A recente Lei nº 13.982, de 02.04.2020, (1) é a principal assertiva dessa política, dispondo sobre parâmetros adicionais de caracterização da situação de vulnerabilidade social para fins de elegibilidade ao benefício de prestação continuada (BPC) (2) e estabelece medidas excepcionais de proteção social no atual período de pandemia. Concede auxílio emergencial, limitado a dois membros de uma mesma família, observadas as rendas e designando, outrossim, que a mulher provedora de família monoparental receberá duas cotas do auxílio (artigo 2º, caput, e parágrafo 3°).

(ii) Mais adiante, o PLS 873/2020, aprovado em 22/4/20, (3) aumenta os perfis destinatários do auxílio emergencial, incluindo pais solteiros, sem distinção do gênero, mães adolescentes e trabalhadores informais de baixa renda. O projeto institui uma Renda Básica de Cidadania Emergencial durante os casos epi(pan)dêmicos, com benefícios específicos, como os de suplementação aos detentores do Programa Bolsa Família e o de beneficio especial às pessoas listas no Cadastro Único de Programas Sociais (CadÚnico) e todos os seus dependentes, com renda familiar per capita inferior a três salários mínimos e que não sejam beneficiários daquele Programa. Insere art. 4º-A à Lei nº 10.835/2004, que instituiu a renda básica de cidadania (4)

(iii) Lado outro, a Medida Provisória 936, de 1/4/20, cria o Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda, com prestações mensais continuadas. Destina-se às hipóteses de redução proporcional de jornada de trabalho e de salário; e de suspensão temporária do contrato de trabalho; durante todo o tempo dos eventos (art. 5º, caput, I e II; e § 2º, inciso III). (5)

Em todas essas iniciativas, as declarações objetivas de cidadania da família, guardam regimes temporais, perfilando uma economia de desigualdade, nos episódios que menciona. Induvidoso, contudo, que o incremento das desigualdades tem, historicamente, seu sentido prático relacionado diretamente com a redução da proteção social, cumpre-nos defender a edição permanente (e não sazonal) de um “Estatuto Jurídico de Proteção Familiar”. Nele, sim, deverão constar os tratos legais de suporte protetivo às diversas famílias, com ou sem filhos, sob a elegibilidade pormenorizada dos seus núcleos e casos, rendas e necessidades, para os benefícios sociais, apoio psicológico e material nas crises epidêmicas, e uma gestão protetiva, a exemplo do “demogrant“, como renda básica, permanente e incondicional, independentemente de sua situação financeira ou exigência de trabalho.

A família não pode quedar-se desprotegida, em momentos dramáticos, pelas armadilhas da pobreza e do desemprego. Exige-se um arcabouço jurídico preexistente, como suporte de medidas preestabelecidas de amparo absoluto.

(iv) Uma gestão parental sobre a essência do pesar do luto vivenciada por filhos menores, designadamente nas famílias infortunadas pela pandemia, está a merecer, a seu turno, urgente tratamento por normativos legais e/ou administrativos.

O psiquiatra britânico Colin Murray Parkes, maior autoridade no estudo do luto, disserta que o evento morte de um dos pais para os filhos causa um grande sofrimento (06). Entretanto, a magnitude de reação ao luto é afetada de acordo com a faixa etária, reconhecendo ele que crianças e adolescentes se tornam mais vulneráveis ao sofrimento por perdas parentais, com efeitos impactantes do luto na saúde e no desenvolvimento saudável da vida iniciante.

De fato, relatos de acompanhamento psicológico bem demonstram que a ruptura definitiva e traumática da relação presencial de apego entre pais e filhos menores, por morte de um daqueles, implica em maiores problemas emocionais, significativamente durante os seis primeiros meses após a perda.

Em casos que tais, a intensidade do luto faz evidenciar, por suas implicações, a necessidade de os filhos menores receberem uma tutela integral protetiva, em gestão parental do luto, tudo a demandar as licenças parentais excepcionais nas relações de trabalho público ou privado, com prazo de 180 dias.

Não há negar que a associação entre a idade infanto-juvenil e os resultados do luto, com a incidência de reações diversas e diferenciadas e/ou de sérios distúrbios afetivos reclama, por isso, maiores cuidados quanto ao luto em si dos filhos por parte do genitor sobrevivente para o adequado enfrentamento dos traumas da perda.

Nesse contexto, a responsabilidade parental do referido genitor ganha amplitude às mitigações das dores dos filhos, nos seus pesares continuados ou intermitentes, cabendo ela ser exercida com adequada dinâmica e novos mecanismos indutores a esse particular papel social adveniente.

Cuido de sugerir e incentivar, de lege ferenda, a concessão de uma “licença social de magnitude de luto,” destinada a pais trabalhadores, no serviço público ou privado, que precisem dedicar maior tempo aos filhos menores diante da perda do outro genitor. Apresenta-se essa licença como um instrumento apropriado à consecução dos objetivos de assistência afetiva e emocional ao processo de luto experenciado.

(v) Em outro viés, diante de tantos lutos, surge o PLS nº 2.033/2020, de 20.04.2020, que estabelece: a) indenização aos herdeiros de pessoa falecida por falta de leitos de UTI, durante a pandemia, (quaisquer óbitos, independente da causa), ou seja, por conduta ilícita da Administração Pública, no valor de R$ 60 mil por membro da família; e b) pensão por morte, em face dos lucros cessantes, com valor mensal calculado pela média das doze ultimas remunerações mensais do falecido (07).

No ponto, merece relevo jurídico atender a proposta uma visão mais moderna sobre os diferentes núcleos familiares da vítima, todos legitimados à indenização por dano moral, sob o princípio da “comunidade familiar” ou o da “família extensiva”. O STJ concluiu, nesse sentido, admitindo que a indenização paga aos familiares mais próximos, não afasta, automaticamente, a possibilidade (legitimidade) de outros parentes venham a ser indenizados. O Ministro João Noronha, seu atual presidente, definiu que cada um deles “possui direito autônomo, oriundo da relação afetiva e de parentesco” (AgRg no REsp no 1.236.987/RJ, j. em 2/8/11).

Cuido entender que o PL nº 2.033/2020 ao invés de estabelecer uma responsabilidade estatal tarifada (de valor único), cumpriria aquele valor servir apenas de parâmetro, não igualando todos os núcleos familiares. O STJ tem definido que “o sofrimento pela morte de parente é disseminado pelo núcleo familiar, como em força centrifuga, atingindo cada um dos membros, em gradações diversas, o que deve ser levado em conta pelo magistrado, para fins de arbitramento do valor da reparação do dano moral. (REsp no 1101213/RJ, j. em 2/4/2009).

No mais, a proposta carrega consigo elevada afirmação humanitária, por iniludível falha ou omissão de socorro público, ante um sistema de saúde muito aquém das necessidades sanitárias da população.

A propósito, o filósofo italiano Nuccio Ordine Diamante afirmou que a crise de saúde que atualmente tem golpeado o seu povo e o mundo é consequência de uma política neoliberal, “que tem descuidado e posto em risco um dos pilares da dignidade humana, o direito à saúde (…)” (08). Um excesso de economia que nos faz perder o sentido da vida. Bem é dizer e repetir o discurso pronunciado por Robert Kennedy (18.03.1968): “O PIB mede tudo, menos as coisas mais importantes da vida, menos o que faz a vida valer a pena”.

(vi) Também na ordem do dia, a proteção aos idosos de risco e às crianças reclama preocupações para uma legislação aperfeiçoada:

a) Desponta, em primazia, o PL nº 105/2020, de 05.02.2020 (09) que introduz o novo instituto jurídico da senexão ao Estatuto do Idoso, como medida protetiva a colocar o idoso em família substituta.

Diferente da “adoção de idosos”, objeto de outros projetos de lei (10), o instituto da senexão é “aplicável apenas a idosos em situação de risco (art. 43, EI)”, “a fim de proporcionar-lhe amparo e estabilidade de relações sócio afetivas com a família receptora”, não estabelecendo vínculos de filiação entre senector e senectado e nem afetando direitos sucessórios. Em primoroso artigo sobre o novo instituto, Patrícia Novais Calmon o indica como instrumento de “inclusão do idoso em um núcleo familiar que lhe confira dignidade e pertencimento”, onde, afinal, amplia-se “o espectro conceitual da socioafetividade, viabilizando a formação de laços familiares atípicos/inominados e não filiais” (11).

b) A condição da criança dentro da família, em situações desvantajosas, exige novos investimentos públicos, com adoção de “benefícios infantis substanciais”, destinados, notadamente, à primeira infância. E o primeiro deles deveria ser promovido, em nosso sistema jurídico, pela inspiração da lei portuguesa de nº 75, de 19.11.1998, que instituiu um Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores (art. 6º). O Estado, face o inadimplemento absoluto ou relativo das obrigações pelos alimentantes, oferece uma “prestação social de alimentos”, como ação interveniente de proteção à família, em caráter substitutivo.

(vii) Nesses estupores de enfermidades fatais, proposta legislativa vem possibilitar o convívio familiar com os enfermos, em efetividade de afetos e de arrimo emocional aos pacientes. Cuida o PL nº 2136, de 23.04.2020, de dispor sobre a visita virtual, por meio de videochamadas, de familiares a pacientes internados em decorrência do COVID-19. O artigo 1º é limitador da destinação, tudo recomendando que uma nova redação possa alcançar quaisquer pacientes em UTIs. (12).

Ultrapassada a pandemia, não poderemos mais ficar indiferentes, para uma nova realidade seguinte, que “a verdadeira fonte de prosperidade são as pessoas” (13). Há, de fato, um novo despertar da razão, reconhecido pelo jurista e filósofo Luigi Ferrajoli, quando na histórica biblioteca Valliceliana, de Roma, na Piazza della Chiesa Nuova, em dia de véspera do primeiro contágio local na Itália (21.02.2020), pronunciou e defendeu uma “Constituição da Terra”.

Realmente. Após o inventário das mortes, a humanidade precisará, de uma agenda global que supere os desajustes entre a realidade do mundo e as formas jurídicas e políticas com que tratamos de governá-la” – afirmou o jurista florentino – e disso dependerá, induvidosamente, a sua sobrevivência.

Essa agenda planetária terá de enfrentar a indiferença moral que desconhece a morte de milhões de pessoas que morrem, a cada ano, por faltas de alimentação básica, de um sistema de saúde de qualidade, de tratamentos médicos e de remédios essenciais.

Com ela, será feito um novo contrato das famílias do mundo com o seu melhor futuro. Elas dependerão, como observado, de legislações protetivas e permanentes, sobretudo fundamentais à qualidade e segurança da própria existência.

A família humana será constituída pelo amor ao próximo, que já não será somente o outro, mas nós mesmos que nos encontramos nele; quando em cada um descobrirmos a face mais visível da humanidade; o outro ou cada um de nós será a humanidade inteira.

(01) Web: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/lei/l13982.htm

(02) O Benefício de Prestação Continuada (BPC) é assegurado pelo art. 203 da Constituição Federal.

(03) PLS nº 873/2020; Web: https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=8076745&ts=1587676793255&disposition=inline

(04) Web: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/lei/l10.835.htm

(05) Web: http://www.in.gov.br/en/web/dou/-/medida-provisoria-n-936-de-1-de-abril-de-2020-250711934

(06) “Luto. Estudos sobre a perda na vida adulta” “Bereavement” – Summus Editorial, 1998, trad. Mara Helena Franco;

(07) PLS 2033/2020. Web: https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/141646; e Web:  https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=8097768&ts=1587751823543&disposition=inline

(08) “La economia vale más que la vida humana em la lógica neoliberal”, em entrevista ao jornal “El País”, Madrid, 26.03.2020. Autor de “A utilidade do inútil: Um Manifesto” (Ed. Zahar, 2016, 224 p.), ele denuncia como a lógica utilitarista e o culto da posse esvaziam o espírito das pessoas, colocando em perigo valores fundamentais como o da dignidade humana.

(09) PL nº 105/2020. Web: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1854691&filename=PL+105/2020

(10) Projetos de Lei nºs.  956/2019, 5.475/2019 e 5.532/2019.

(11) CALMON, Patrícia Novais. Senexão: um novo instituto de direito das famílias? In: Site IBDFAM, em 07.04.2020. Web: http://www.ibdfam.org.br/artigos/1404/Senex%C3%A3o%3A+um+novo+instituto+de+direito+das+fam%C3%ADlias%3F

(12) PL n° 2.136/2020. Vistas virtuais em UTI. Web: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1885437&filename=PL+2136/2020

(13) SIMON, Julian S. “The Ultimate Resource”, Princeton University Press, 1983.

 

 é desembargador decano do Tribunal de Justiça de Pernambuco, integra a Academia Brasileira de Direito Civil, membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM) e membro fundador do Instituto Brasileiro de Direito Contratual (IBDCont)