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Carf analisa IRRF sobre juros das remessas de pré-pagamento de exportação

Nesta semana, serão analisados os precedentes do Carf sobre a tributação pelo Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF) nas remessas de juros relativas a pré-pagamento de exportação.

Aliomar Baleeiro destaca que o tributo pode ser usado tanto para arrecadação de recursos para os entes estatais quanto para possibilitar a intervenção do Estado na vida dos indivíduos e das organizações, sendo que no último caso fala-se a finalidade assume aspecto extrafiscal regulatório ou de “poder de polícia” do Estado, sendo que a política financeira leva em conta os efeitos extrafiscais dos tributos e os utiliza conscientemente para determinados objetivos que reputa convenientes à sociedade [1].

A desoneração tributária das exportações é parte da política fiscal do governo, que abre mão de uma arrecadação que seria possível em nome do ingresso de divisas no Brasil, cujo resultado indireto pode ser o desenvolvimento econômico do país. Como parte da desoneração das exportações, surge a desoneração do IRRF relativo aos juros pagos em decorrência das exportações.

Nesse sentido, a desoneração do IRRF se inicia com a publicação do Decreto nº 815/69 [2], que estabeleceu a não tributação por tal tributo por exportadores com relação aos juros e comissões relativos a créditos obtidos no exterior e destinados ao pré-financiamento e financiamento de exportação devidamente autorizados pelo Banco Central do Brasil e cuja liquidação se processe com produto da exportação.

Destaque-se que inexistia qualquer condicionante no caso de juros de desconto de cambiais de exportação, ao passo que o único requisito para os juros e comissões obtidos no exterior e destinados ao pré-financiamento e financiamento de exportação é que ocorresse a liquidação do produto da exportação, isto é, ocorresse a efetiva exportação.

Embora o referido dispositivo tenha sofrido alterações legislativas, o conteúdo do comando legal da norma não foi alterado, quer seja pela Lei nº 7.450/85 [3] ou pela Lei nº 9.481/97 [4].

Desse modo, a legislação não traz qualquer determinação legal relativa à destinação dos recursos do financiamento, remetendo tal regulamentação ao Ministério da Fazenda.

Nessa linha, a Portaria MF 70/97 somente impõe como requisito para fruição da alíquota zero que os recursos sejam comprovadamente aplicados no financiamento das exportações mediante a comprovação das referidas exportações, o que é feito pelos bancos [5].

Cumpre salientar que tal comprovação é de competência dos bancos e não do exportador. Tal entendimento consta expressamente inclusive no artigo 12 da Instrução Normativa RFB nº 1.455/14 [6].

Como decorrência de todo o exposto, a única obrigação a ser cumprida pelo exportador para fruição da alíquota zero relativa ao IRRF sobre o pagamento de juros sobre o financiamento de exportações é efetivamente exportar as mercadorias.

No mesmo sentido é a legislação do Banco Central, conforme se depreende da Carta-Circular BACEN 2.624/96 [7], da Resolução BACEN 3.844/10 [8] e da Circular BACEN 2.751/97 [9].

Assim, as normas do Banco Central dispõem que o relevante é que os financiamentos de exportações sejam quitados por meio de exportações, bem como determinam que a comprovação da aplicação dos créditos obtidos no exterior no financiamento à exportação cabe aos bancos.

Feitas as considerações gerais sobre o tema, passaremos à análise dos precedentes do Carf.

No Acórdão 2201-002.583 (04/11/14), negou-se, por unanimidade, provimento ao recurso de ofício.

A fiscalização entendeu que os créditos tomados no exterior não foram usados para o financiamento de exportações, mas para cobrir fluxo de caixa das operações nacionais do contribuinte em virtude de dificuldade de caixa derivada da obrigação de realização de oferta pública para fechamento de capital.

Contudo, preponderou tanto na DRJ quanto no Carf o entendimento de que os recursos emprestados foram utilizados para financiamento da exportação, não restando comprovado que os recursos foram desviados para as atividades do contribuinte destinadas ao mercado interno.

No Acórdão 9202-003.487 (10/12/14), entendeu-se, por maioria de votos, que os créditos tomados no exterior não foram utilizados para financiamento da exportação, uma vez que parte dos recursos financiados foram usados para mútuos intercompany.

Por mais que a alegação do contribuinte de que os recursos repassados para outra pessoa jurídica do grupo foram utilizados para exportação de produtos por esta outra empresa tenha sido acatada no Acórdão 3401-00.086 (26/2/11), prolatado pela Turma Ordinária, tal entendimento não preponderou na Câmara Superior, em que a maioria da turma entendeu que não houve comprovação nos autos de que os recursos foram utilizados para financiamento da exportação, uma vez que havia descasamento entre o momento da internalização dos recursos e as datas de embarques.

Por fim, no Acórdão 2301-005.841 (13/02/19) entendeu-se, por maioria de votos, que estava comprovado que o crédito tomado no exterior se destinou ao pré-pagamento de exportação, de forma que se aplica a alíquota zero de IRRF sobre as remessas de juros relativas a tal crédito.

No caso em tela, a fiscalização manifestava o entendimento de que o financiamento à exportação somente alcançaria a captação de recursos para a aquisição de matérias-primas, não alcançando o financiamento da planta industrial da recorrente.

Todavia, a turma entendeu que tal requisito não tinha previsão em qualquer norma, assim como foi ponderado que a atividade da recorrente diz respeito à extração e ao processamento de minérios, de modo que não haveria uma matéria-prima em uma atividade puramente extrativa.

Assim, foi levado em consideração que grande parte dos gastos de uma indústria mineradora está relacionada à construção de sua planta industrial, onde o minério extraído será processado, sendo que uma das despesas mais significativas de uma indústria mineradora é a despesa com exaustão, que nada mais é do que o reconhecimento do minério que foi extraído daquela mina.

Diante de tal cenário, ainda que os recursos oriundos do financiamento sejam utilizados para construção da planta industrial, praticamente todo o produto dela se destina para a exportação, o que pode ser comprovado por uma série de obrigações acessórias que demonstram as exportações, como declarações de exportação, notas fiscais, declarações tributárias.

Em resumo, tendo em vista que não houve comprovação pelas autoridades fiscais de que que não houve exportação efetiva e que não houve descumprimento de nenhum dos requisitos previstos nas legislações tributária e cambial para fruição da isenção da alíquota de IRRF, a turma decidiu, por maioria, exonerar o crédito tributário.

Diante do exposto, nota-se que a comprovação de efetividade das exportações tem sido o principal fator para aplicação ou não da alíquota zero de IRRF sobre as remessas a títulos de juros pagos ao exterior em decorrência de pré-pagamento de exportação.

Este texto não reflete a posição institucional do Carf, mas, sim, uma análise dos seus precedentes publicados no site do órgão, em estudo descritivo, de caráter informativo, promovido pelos seus colunistas.

 é conselheiro titular da 1ª Seção do Carf, ex-conselheiro da 2ª Seção do Carf, doutorando em Direito Econômico, Financeiro e Tributário pela Universidade de São Paulo (USP), mestre em Direito Comercial pela USP, professor do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT) e coordenador do MBA IFRS da Fipecafi.

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Prazos processuais no STJ ficam suspensos em julho

Férias dos ministros

Prazos processuais no STJ ficam suspensos em julho

O Superior Tribunal de Justiça publicou nesta terça-feira (9/6) a Portaria STJ/GP 210/2020, que suspende os prazos processuais entre 2 e 31 de julho. O período coincide com as férias dos ministros.

Superior Tribunal de Justiça, em Brasília
U.Dettmar/STJ

Segundo a portaria, nos processos civis deverão ser observados os artigos 219 e 224, parágrafo 1º, do Código de Processo Civil; nos penais, o artigo 798, parágrafos e , do Código de Processo Penal.

Após as férias, o ano judiciário no STJ será retomado com uma sessão da Corte Especial no dia 3 de agosto. Com informações da assessoria de imprensa do Superior Tribunal de Justiça.

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Revista Consultor Jurídico, 9 de junho de 2020, 20h28

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Analista tributário e auditor fiscal da Receita são cargos distintos

O Supremo Tribunal Federal fixou que os cargos de analista tributário e de auditor fiscal da Receita Federal configuram carreiras distintas, com complexidades diversas, que não se confundem.

Analista tributário e de auditor-fiscal da Receita Federal configuram carreiras distintas que não se confundem

O julgamento em Plenário Virtual encerrou no dia 17 de abril e o acórdão foi publicado recentemente. Nele, a relatora, ministra Rosa Weber, acolhe os pedidos apresentados na ação da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Unafisco Nacional). 

A entidade questionou o artigo 9º da Lei 11.457/07, que agrupou os cargos na chamada “carreira tributária e aduaneira da Receita Federal” e sustentou que, além dos cargos serem distintos, a medida gerou problemas de convivência interna no fisco.

No acórdão, a ministra julga parcialmente procedente o pedido para dar interpretação conforme à Constituição ao artigo 5º da Lei 13.464/2017. Desta forma, fixa que os cargos são diferentes.

Rosa Weber explica que os dois cargos são de nível superior e organizados em carreira, mas com remunerações diferentes. A relatora aponta que depois de prestado o concurso para analista tributário, “o único percurso possível é o de evolução funcional por meio da promoção dentro desta carreira específica”. 

A ministra considera ainda que é impossível a mudança de cargo sem prestar concurso público, mesmo que seja da mesma carreira. É inexistente elo ou continuidade entre os dois cargos, afirmou a ministra, apontando que as carreiras são “paralelas e impenetráveis”.

Ficou vencido o ministro Marco Aurélio. O decano, ministro Celso de Mello, não participou do julgamento por motivo de licença médica.

O Sindifisco Nacional, que atuou como amicus curiae no caso, foi representado pelo advogado Saul Tourinho Leal, do escritório Ayres Britto Consultoria Jurídica e Advocacia. “Em um precedente do Plenário e vinculante, o STF definiu que os Auditores-Fiscais e os Analistas Tributários da Receita Federal do Brasil são carreiras diversas e dotadas de complexidades distintas que não se comunicam e se misturam para qualquer fim”, afirmou.

Clique aqui para ler o acórdão

ADI 5.391

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Sem referência na sentença, dobra acionária é excluída de liquidação

Por entender que houve indevida ampliação do alcance objetivo da coisa julgada, o ministro do Superior Tribunal de Justiça Luis Felipe Salomão deu parcial provimento a recurso especial da Telefônica Brasil S.A. para mandar excluir o valor relativo à dobra acionária de acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP).

A controvérsia teve origem em liquidação de sentença envolvendo contrato de participação financeira em plano de expansão de telefonia. A dobra acionária corresponde às ações a que os adquirentes de linhas fixas — que se tornavam acionistas das companhias telefônicas — tinham direito nas empresas de celular, desmembradas daquelas.

Na apelação julgada pelo TJ-SP, foi aplicado o entendimento da corte sobre os critérios de cálculo do valor devido e os consectários decorrentes do reconhecimento à subscrição acionária, incluindo-se a dobra acionária nos cálculos do título em execução.

No recurso ao STJ, a empresa de telefonia sustentou ser indevida a inclusão da dobra acionária nos cálculos, alegando que essa questão não constou do título exequendo nem dos pedidos formulados na ação coletiva.

Fidelidade ao título

O relator explicou que o entendimento predominante no STJ é o de que não é possível ampliar a coisa julgada com o propósito de permitir a execução de determinadas rubricas não contempladas na sentença, mesmo que seja reconhecida sua decorrência lógica do direito principal tutelado na fase de conhecimento.

O que é relevante, de acordo com o ministro, é a abrangência do título, salvo nas hipóteses em que a própria lei ou a jurisprudência dispensam condenação expressa — “como os juros moratórios, mercê do artigo 293 do Código de Processo Civil de 1973 (artigo 322 do novo CPC) e da Súmula 254/STF, circunstância não verificada no caso em exame”.

Segundo Salomão, a controvérsia gira em torno do alcance objetivo da coisa julgada, e por isso é irrelevante saber se a dobra acionária seria consequência lógica da condenação às ações da telefonia fixa.  

Para o ministro, a inclusão de valores referentes à dobra acionária em liquidação, sem amparo na sentença, configura ofensa ao princípio da fidelidade ao título, ao ampliar indevidamente os limites objetivos da coisa julgada.

“A jurisprudência do STJ entende que, para haver o direito à complementação acionária da telefonia móvel (dobra acionária), é necessário que o pedido seja expresso e analisado em ação de conhecimento, não cabendo, em sede de liquidação ou cumprimento de sentença, querer incluir verbas não albergadas”, afirmou.

Ao dar parcial provimento ao recurso, o ministro ressaltou que o acórdão recorrido está em dissonância com o entendimento predominante no STJ e por isso merece reforma apenas no tocante à exclusão da verba relativa à dobra acionária. Com informações da assessoria de imprensa do Superior Tribunal de Justiça.

Clique aqui para ler a decisão

REsp 1.869.789

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Tributação nos contratos bipartidos de afretamento de plataforma

Nesta coluna, discorremos sobre os precedentes do Carf acerca da aplicação da tributação pelo Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF) sobre os pagamentos ao exterior decorrentes de contratos bipartidos de afretamento de plataforma de petróleo e exploração de serviços correlatos.

Cumpre destacar que em coluna anterior, Diego Diniz Ribeiro teve a oportunidade de analisar a tributação de tais contratos sob a ótica da incidência ou não de PIS e Cofins[2].

A operação que é objeto de fiscalização decorre da celebração de contratos entre pessoas jurídicas brasileiras e estrangeiras para o afretamento de embarcações bem como a prestação de serviços relacionados com a exploração de petróleo.

Nessa linha, é comum que sejam celebrados dois contratos, um para o afretamento de embarcações e outro para a prestação de serviços de exploração. No que tange aos aspectos tributários de tais contratos, cumpre notar que não haveria incidência de IRRF, Cide-Royalties, PIS e Cofins-Importação sobre os montantes pagos a título de afretamento de embarcação, diferentemente do que ocorre com os pagamentos de serviços.

Diante de tal cenário, foram diversas as autuações fiscais no sentido de que a bipartição de tais contratos seria artificial, tendo por finalidade o não pagamento dos referidos tributos.

Com relação ao IRRF, a não tributação das remessas para pagamentos de afretamentos decorre de uma alíquota zero instituída pelo artigo 1º, I, da Lei n. 9.481/97[3].

Somente com a edição da Lei n. 13.043/14 (em dispositivo normativo que foi seguido pela Lei n. 13.586/17) é que a Lei n. 9.481/97 passa a ter um dispositivo normativo estabelecendo limitações máximas para o montante do contrato global que deve ser atribuído ao afretamento de embarcações para fins de aplicação da alíquota zero do IRRF[4].

Nesse sentido, vale citar a Solução de Consulta Cosit n. 12/15, que reafirmou a até recente alteração legal, limitando a parcela relativa ao contrato de afretamento a 80% do valor global do contrato, quando houver execução simultânea de prestação de serviço, relacionados à prospecção e exploração de petróleo ou gás natural, celebrados com pessoas jurídicas vinculadas entre si[5].

Feitas as considerações gerais sobre o tema, passaremos à análise dos precedentes do Carf.

No Acórdão 2202003.063 (de 09/12/15), entendeu-se, por maioria de votos, pelo não provimento ao Recurso Voluntário, o que implicou a incidência do IRRF sobre os pagamentos ao exterior neste caso concreto.

Para tanto, foi levado em consideração pelo relator que: (i) o contrato de afretamento e o contrato de prestação de serviços foram assinados na mesma data com uma empresa brasileira do mesmo grupo econômico; (ii) havia solidariedade entre a contratada (fretadora) e a interveniente (prestadora de serviços); (iii) o seguro de responsabilidade civil firmado pela interveniente (prestadora de serviços) a fretadora como co-segurada; e (iv) algumas cláusulas do contrato de afretamento preveem obrigações relativas à prestação de serviços.

Embora a Recorrente tenha alegado a alteração legislativa da Lei n. 13.043/14 e citado a Solução de Consulta Cosit n. 12/15, estas não foram consideradas como aplicáveis pela maioria da Turma visto que surgiram depois dos fatos geradores em discussão.

Com relação à aplicação dos acordos para evitar a bitributação celebrados pelo Brasil, a maioria de turma entendeu não ser aplicável o artigo 7º “Lucros das Empresas” por haver disposição específica nos Protocolos dos acordos equiparando o tratamento tributário dos serviços técnicos e de assistência administrativa ao dos royalties. Todavia, tal disposição não existia na Convenção celebrada entre Brasil e França, de forma que nesse caso específico a Turma entendeu que haveria estabelecimento permanente da pessoa jurídica estrangeira no país, dado que esta possuía uma controlada no Brasil.

No Acórdão 2402-005.452 (de 17/08/16), foi negado provimento ao Recurso Voluntário de forma unânime. A turma entendeu que a divisão entre o afretamento e a prestação de serviços era apenas formal e que as autoridades fiscais conseguiram comprovar que se tratava materialmente de prestação de serviços, sendo assim aplicável a tributação do IRRF.

No Acórdão 2202-003.620 (de 19/01/17), foi negado provimento ao Recurso de Ofício por unanimidade, visto que foi considerada inadequada a premissa da autuação fiscal de que uma operação de afretamento de embarcação estrangeira deveria ser tributada simplesmente por não ter sido expressamente autorizada pela Antaq, ainda que houvesse dispensa de tal autorização, assim como foi entendido como inovação no âmbito do Carf a questão levantada pela Procuradoria Geral da Fazenda Nacional de que a operação teria natureza de cabotagem.

No Acórdão 2402-005.676 (de 09/02/17), entendeu-se, por maioria de votos, pelo provimento ao Recurso Voluntário, no entanto, neste caso a discussão se cingia ao conceito de embarcação, visto que no voto vencido o relator entendia que as plataformas móveis não se enquadrariam como embarcação, sendo que os demais membros da turma entenderam em sentido diverso, de forma que se aplica a alíquota zero de IRRF.

No Acórdão 2402-005.822 (de 10/05/17), decidiu-se, por maioria de votos, pela tributação do IRRF das remessas, uma vez que foi entendido que não se tratava de contrato de afretamento, mas contrato de prestação de serviços. Nessa linha, foi relevante, dentre outros pontos, a análise dos dispositivos contratuais, uma vez que cabia à fretadora a operação da unidade de perfuração, demonstrando que o conteúdo do afretamento incluía uma obrigação de fazer, inerente ao contrato de prestação de serviços.

No Acórdão 2401-005.149 (de 05/12/17), foi decidido, por maioria de votos, que era aplicável a alíquota zero do IRRF com exceção dos pagamentos realizados em favor de empresas residentes em países de tributação favorecida, em que incide o imposto à alíquota de 25%.

A relatora pontuou que o fato de haver necessidade de serem executados simultaneamente contratos de afretamento e de prestação de serviços não implica, por si só, inexistência ou artificialidade de negócio jurídico, sendo que não deve prevalecer a caracterização de contrato de afretamento como sendo de prestação de  serviços técnicos, por presunção, sem que haja motivação sólida e prova robusta e adequada da acusação. Ademais, ela ressalta que a própria Lei n. 13.043/14 corrobora a possibilidade execução simultânea ao trazer limites ao afretamento.

No Acórdão 2202-004.581 (de 03/07/18), entendeu-se, por maioria de votos, pela não aplicação da alíquota zero de IRRF. No voto vencedor, a redatora manifesta o entendimento de que a fiscalização teria qualificado corretamente todo o contrato como de prestação de serviço, visto que a essência do contrato é a captura de dados.

No Acórdão 2301-005.520 (de 08/08/18), decidiu-se, por voto de qualidade, pela incidência do IRRF sobre as remessas efetuadas ao exterior. O voto vencedor parte do pressuposto de que os contratos não se referem ao afretamento de embarcação, mas à execução de um serviço especializado em que a contratada empregou seus próprios equipamentos e profissionais, de modo que não houve risco para a Recorrente acerca do afretamento.

Ademais, segundo o voto vencedor, não deve ser aplicado retroativamente as alterações da Lei n. 13.043/14, assim como não deve ser aplicada a Convenção para evitar bitributação celebrada entre Brasil e França, visto que não há uma clara definição de lucros das empresas na convenção, de modo que ela deveria ser buscada na legislação nacional, bem como os serviços prestados pela contratada no exterior podem ser enquadrados no conceito de royalties da convenção.

Há declaração de voto no referido Acórdão no sentido de que inexistia limitação de percentual do contrato de afretamento frente ao contrato global quando dos fatos geradores. Além disso, a edição da Lei n. 13.043/14 vem exatamente confirmar que pode existir execução simultânea de contrato de afretamento ou aluguel de embarcações marítimas e contrato de prestação de serviço, corroborando uma realidade econômica usual.

Nesse diapasão, a dificuldade da bipartição dos contratos é mencionada na declaração de voto, ao citar que a própria DRJ reconhece isso ao dizer que “fica impossível à autoridade fiscal determinar qual a parte seria a remuneração tão somente da locação da embarcação”, sendo que tal afirmação só confirmaria que diante da constatação de que o contrato é complexo, optou-se por considera-lo todo como prestação de serviço, que curiosamente é a qualificação que permite uma tributação mais gravosa.

Na declaração de voto consta ainda que deveria ser aplicado o artigo 7º da Convenção celebrada entre o Brasil e a França para Evitar a Dupla Tributação, de modo que deve inexistir retenção fonte sobre os pagamentos feitos pela Recorrente à pessoa jurídica francesa prestadora de serviço, visto que a inteligência do referido dispositivo pressupõe que a renda ativa derivada do exercício direto de atividades econômicas no país da fonte, sem que haja um estabelecimento permanente, somente será tributada no país de residência.

Por fim, há menção ainda de que embora em alguns acordos exista uma previsão específica em protocolo de que serviços técnicos serão tratados como royalties, inexiste tal previsão no Protocolo Específico da Convenção celebrada entre Brasil e França, de forma que pode ser plenamente aplicável o entendimento que consta no Ato Declaratório Interpretativo n. 5/14, que impede a requalificação dos serviços técnicos para royalties quando não haver dispositivo em tal sentido no protocolo da Convenção.

Diante do exposto, nota-se que a maior parte dos precedentes do CARF tem sido no sentido da requalificação do contrato de afretamento de embarcações para a prestação de serviços técnicos, o que implica em não aplicação da alíquota zero de IRRF sobre as remessas pagas ao exterior. Também não tem prosperado os argumentos de aplicação do racional das limitações ao contrato de afretamento trazidas a partir da Lei n. 13.043/14 e de aplicação do artigo 7º dos Acordos para evitar bitributação celebrados pelo Brasil.

Este texto não reflete a posição institucional do Carf, mas, sim, uma análise dos seus precedentes publicados no site do órgão, em estudo descritivo, de caráter informativo, promovido pelos seus colunistas.

 é conselheiro titular da 1ª Seção do Carf, ex-conselheiro titular da 2ª Seção do Carf, doutorando em Direito Econômico, Financeiro e Tributário pela Universidade de São Paulo (USP), mestre em Direito Comercial pela USP e bacharel em Direito pelo Mackenzie e em Contabilidade pela USP. Professor do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT) e coordenador do MBA IFRS da Fipecafi.

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Vieira, Morau e Barbosa: É preciso liminar na ADI 6.417/DF

Na manhã do dia 11 de maio, o partido Cidadania ajuizou perante o Supremo Tribunal Federal ação direta de inconstitucionalidade em face do artigo 7°, II, da Emenda Constitucional nº 106/2020 (fruto da PEC n° 10/2020, que ficou conhecida como PEC do Orçamento de Guerra).

No âmbito da atuação excepcional limitada ao enfrentamento da calamidade pública nacional decorrente do coronavírus, reconhecida pelo Decreto Legislativo n° 6, de 20 de março de 2020, e com vigência e efeitos restritos ao período de sua duração, o dispositivo mencionado especificava os ativos que o Banco Central do Brasil (Bacen) ficaria autorizado a comprar e a vender em mercados secundários.

Sucede que a emenda foi promulgada sem a aprovação consensual pelas duas Casas do Congresso Nacional, ao arrepio do versado no artigo 60, § 2º, da CF, ausente o necessário retorno do texto ao Senado Federal ante a supressão de parte do texto anteriormente aprovado pela maioria dos senadores circunstância a macular, sob o ângulo formal, a atuação do legislador constituinte derivado no ponto.

A propositura da ADI justifica-se pelo fato de que emendas à Constituição, enquanto produtos da atuação do legislador constituinte derivado, sujeitam-se aos limites determinados pelo constituinte originário. Por essa razão, podem vir a ser submetidas ao controle judicial de constitucionalidade, conforme reiterada jurisprudência do STF. Nas palavras do decano ministro Celso de Mello, “atos de revisão constitucional tanto quanto as emendas à Constituição podem, assim, também incidir no vício de inconstitucionalidade, configurado este pela inobservância de limitações jurídicas superiormente estabelecidas no texto da Carta Política” (RTJ, 153:786, 1995).

No dia 1° de abril de 2020, o deputado Rodrigo Maia, presidente da Câmara dos Deputados, juntamente com outros parlamentares, apresentou a Proposta de Emenda à Constituição nº 10/2020, conhecida como PEC do Orçamento de Guerra, que institui regime extraordinário fiscal, financeiro e de contratações para enfrentamento da calamidade pública nacional decorrente de pandemia internacional e dá outras providências”.

No dia 3 de abril, dois dias após o protocolo da PEC, instalou-se às 10h sessão deliberativa extraordinária, por meio virtual, em que se aprovou o projeto em dois turnos, encaminhando-o, por fim, ao Senado da República.

Na Câmara Alta, em 13 de abril, durante sessão deliberativa remota, o senador Antonio Anastasia proferiu parecer favorável à proposta e pelo acolhimento de algumas emendas. Dois dias depois, também em sessão deliberativa remota, aprovou-se o substitutivo (Emenda de Plenário n° 63), encerrando as discussões em primeiro turno. No dia 17 de abril, em mais uma sessão deliberativa realizada virtualmente, a matéria foi aprovada em segundo turno.

Entre as mudanças operadas pelo Senado, após intenso debate, destacam-se as alíneas do artigo 7º, II, que passaram a formar um rol exaustivo de ativos que poderiam ser comprados e vendidos pelo Bacen em mercados secundários: a) debêntures não conversíveis em ações; b) cédulas de crédito imobiliário; c) certificados de recebíveis imobiliários; d) certificados de recebíveis do agronegócio; e) notas comerciais; e f) cédulas de crédito bancário.

Devolvido o texto à Câmara dos Deputados, foi proferido parecer em Plenário no dia 4 de maio pelo relator, deputado Hugo Motta. Quatro dias depois, publicou-se, no Diário Oficial da União, a Emenda Constitucional nº 106, promulgada pelas mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, nos termos do artigo 60, § 3º, da CF.

Contudo, a Câmara dos Deputados, repise-se, acabou por suprimir as alíneas de “a” a “f” e a expressão “seguintes” contida no caput da redação do artigo 8º do texto aprovado pelo Senado, encaminhando a proposta de emenda para promulgação sem o necessário retorno do texto à casa revisora quanto ao citado dispositivo (agora topograficamente correspondente ao artigo 7º, II, do texto final).

Para além de restrições de caráter material (artigo 60, § 4º, da CF) e circunstancial consubstanciadas na proibição de mudanças em quadras históricas incompatíveis com a livre deliberação pelos órgãos constituintes, como a intervenção federal, o estado de sítio ou o estado de defesa (artigo 60, § 1º, da CF) , a reforma constitucional também submete-se a restrições de ordem procedimental (artigo 60, § 2º, da CF), conforme bem pontuado por Gilmar Ferreira Mendes e Paulo Gustavo Gonet Branco:

“(…) Sendo um poder instituído, o poder de reforma está sujeito a limitações de forma e conteúdo. Entre nós, a liberdade do órgão reformador sofre restrições de ordem procedimental. Assim, exige-se quórum especialmente qualificado para a aprovação de emenda à Constituição. É preciso que a proposta de emenda reúna o voto favorável de 3/5 dos membros de cada casa do Congresso Nacional e em dois turnos de votação em cada uma. Ambas as casas devem anuir ao texto da emenda, para que ela prospere; não basta, por isso, para que a proposta de emenda seja aprovada, que a casa em que se iniciou o processo rejeite as alterações à sua proposta produzidas na outra Casa[1]

A conclusão é única: nesse particular (artigo 7º, II, da EC nº 106/2020), a proposta de emenda foi promulgada sem a aprovação consensual pelas duas casas do Congresso Nacional, em completo descompasso com o regramento estabelecido para a alteração da Carta Maior, ausente o necessário retorno do texto ao Senado Federal ante a supressão de todas as alíneas do inciso II e parte do caput do artigo 8º do substitutivo aprovado pela maioria dos Senadores circunstância a macular, sob o ângulo formal, parte do produto da atuação do legislador constituinte derivado.

A controvérsia não possui foros de ineditismo, tendo presente a jurisprudência desse E. Supremo Tribunal Federal.

No julgamento, em 29 de setembro de 1999, da ADI-MC nº 2.031/DF, relator ministro Octavio Gallotti, na qual foram impugnados dispositivos da EC nº 21/1999, a versar o instituto da CPMF, o plenário, por maioria, deferiu parcialmente o pedido de liminar para suspender a eficácia do § 3º do artigo 75, presente violação do artigo 60, § 2º, da CF.

Em síntese, vislumbrou-se a existência de vício na tramitação da proposta por ter a Câmara dos Deputados suprimido a segunda parte do dispositivo na redação constante do texto iniciado e aprovado pelo Senado Federal, ausente a reapreciação da alteração por esta última casa. Entendeu-se que, não obstante seja admitido, em princípio, o não retorno do processo legislativo em caso de supressão de norma autônoma, teria a Câmara, ao eliminar a oração final da norma, feito “desaparecer a condição de norma condicional votada no Senado”, modificando substancialmente o sentido da proposta.

Na oportunidade, observou-se, nas palavras do ministro Sepúlveda Pertence, que “na emenda constitucional o que há é a necessidade de absoluta consonância na aprovação de todas as normas constantes da proposta pelas duas casas, em dois turnos de votação de cada uma'”

Assim, identificando tratar-se a norma impugnada de “enunciado condicional”, inferiu o plenário que a parte restante da norma poderia não ter sido aprovada pelo Senado “se não houvesse a outra”, concluindo não ter sido a matéria apreciada em ambas as casas, em ofensa ao § 2º do artigo 60 da Lei Maior.

Ora, a supressão das alíneas de “a” a “f” e da expressão “seguintes” do caput do artigo 8º na redação do substitutivo aprovado no Senado Federal implicou modificação substancial no texto normativo na medida em que estabeleciam condições sine qua non à compra e venda, pelo Bacen, de ativos de capitais e de pagamentos em mercados secundários nacionais no âmbito de mercados financeiros. É dizer: esvaziou o sentido normativo do que veio a ser, na redação final da EC nº 106/2020, o inciso II do artigo 7º.

Não fosse isso, não há dúvidas de que o Senado não teria aprovado a emenda nesse ponto.

Por essa razão, reputa-se urgente a concessão de liminar pelo relator, ministro Luiz Fux, para imediata suspensão do artigo 7º, II, da Emenda Constitucional nº 106/2020.

A razão não é desconhecida. A falta de critérios objetivos para referida atuação poderia colocar em risco o uso de mais um trilhão de reais que deveriam ser empregados a serviço do interesse público.

Nesse sentido, Maria Lúcia Fatorelli, da Auditoria Cidadã da Dívida, elenca os perigos envolvidos em um aprovação do texto que prescinda de parâmetros razoáveis:

“(…) Dá ao Banco Central autorização para operar no desregulado mercado secundário (de balcão) como um mero operador independente, podendo comprar derivativos sem lastro e debêntures de bancos, sem limite de valor, sem identificar os beneficiários, sem obedecer aos ‘Procedimentos Mínimos’ recomendados pela Anbima, sem a possibilidade de investigação efetiva, sem limitar o prazo dos papéis, sem a exigência de contrapartida alguma ao país, e mais: pagando tudo isso com títulos da dívida pública, cujo peso recairá sobre o povo brasileiro.

O presidente do Banco Central informou ao Senado que a operação chegará a R$ 972,9 bilhões, porém, levantamento feito pela IVIX Value Creation já havia revelado que a ‘carteira podre’ dos bancos chegava ao valor de quase R$ 1 trilhão, sem considerar a correção monetária! Se computada essa correção, chegaremos a vários trilhões, pois esses ativos privados vêm sendo acumulados nos bancos há 15 anos, segundo o levantamento!

A PEC não estabelece limite algum para essa operação e autoriza que o Banco Central opere com títulos da dívida pública nesse mercado secundário, o que provocará crescimento exponencial da dívida pública!” [2].

 O Congresso Nacional deve respeitar a Constituição Federal em qualquer circunstância, especialmente quando a flagrante agressão ao devido processo legislativo se dá em favor de uma atuação estatal obscura, que pode servir para favorecer de maneira desmedida e ilegal o sistema financeiro, em agudo prejuízo dos cofres públicos e dos brasileiros.

 é senador da República e ex-delegado-geral da Polícia Civil de Sergipe.

Caio Morau é advogado, assessor jurídico no Senado Federal, professor da Universidade Católica de Brasília e doutorando e mestre em Direito pela USP.

Eduardo Ubaldo Barbosa é advogado e mestre em Direito, Estado e Constituição pela UnB.

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Carf analisa os efeitos da postergação no lançamento

Precedente indica que efeitos da postergação podem ser considerados durante o curso do processo

Hoje nos debruçaremos sobre o entendimento do Carf firmado em precedente da 1ª Turma da CSRF (Câmara Superior de Recursos Fiscais) que analisou os efeitos da postergação no lançamento, ainda que não considerados pela autoridade fiscal no momento da formalização da exigência, incluindo-se a discussão quanto ao ônus probatório nessas situações.

Trata-se do Acórdão nº 9101-004.212[1], julgado na sessão de 04 de junho de 2019, em processo cujo lançamento dizia respeito à exigência de IRPJ decorrente de compensação indevida de prejuízo fiscal de períodos anteriores.

Antes de adentrarmos no cerne da decisão, convém fazermos uma breve síntese sobre o tema.

A matéria é tratada no atual art. 285 do RIR/2018[2] e basicamente determina que, quando receitas, rendimentos, custos ou deduções, ou ainda reconhecimento de lucro, forem registrados no período de apuração incorreto somente redundará em lançamento nas hipóteses em que houver postergação do pagamento de imposto para período de apuração posterior ao que seria devido, ou quando redundar em redução indevida do lucro real. Já tendo havido recolhimento de imposto decorrente desse registro equivocado, o lançamento da diferença deverá ser realizado pelo valor líquido, depois de deduzido o imposto já pago, sem prejuízo da cobrança de multa moratória e juros de mora pelo prazo em que tiver ocorrido a postergação.

Retornando ao citado precedente, na parte que interessa ao presente estudo, o acórdão em recurso voluntário nº 1402-00.534 havia dado provimento ao apelo do contribuinte concluindo que como o lançamento não havia levado em consideração a ocorrência de postergação, não caberia aos julgadores aperfeiçoar o lançamento.

A PGFN apresentou recurso especial citando dois paradigmas em que o entendimento firmado permitiria que, ainda que o lançamento não tivesse levado em consideração a hipótese de postergação, seus efeitos poderiam ser aplicados em sede de julgamento, a depender de prova que caberia ao contribuinte trazer aos autos.

Nesse ponto, o recurso da PGFN foi admitido por unanimidade de votos.

Relembramos que o mérito do lançamento era que o contribuinte, no ano de 1997, tendo apurado lucro real no período, o compensou em percentual superior ao limite fixado em lei (30%) com prejuízos fiscais apurados em períodos anteriores.

O relator do acórdão em análise concluiu ter havido falha no lançamento, uma vez que o excesso de compensações no ano de 1997 poderia ter sido compensado nos anos seguintes, o que redundou em recolhimento a maioria de IRPJ nesses períodos, fato não observado pela autoridade fiscal autuante no momento da lavratura do auto de infração, ou seja, deveria o Fisco ter exigido o tributo sob a forma de postergação, nos termos do art. 273 do RIR/99 (atual art. 285 do RIR/2018). Segundo o voto do relator, esse dispositivo não deixaria dúvidas sobre o procedimento a ser adotado pelo Fisco, e que a inobservância dessa regra não poderia ser classificada como mero erro de cálculo passível de correção pelas instâncias julgadoras, mas sim em erro material que levaria à nulidade da exigência.

A discussão travada no âmbito do colegiado ensejou a necessidade de votações sucessivas, a teor do que dispõe o art. 60 do Anexo II do RICARF[3]: em primeira votação, o relator, acompanhado por uma conselheira, encaminhou seu voto por negar provimento ao recurso da Fazenda Nacional, três conselheiros votaram por lhe dar provimento integral, ou seja, restabelecer integralmente a exigência, e outros três por lhe dar provimento parcial para que os cálculos referentes à postergação fossem executados em sede de liquidação da decisão. Em segunda votação, novamente só dois conselheiros votaram por negar provimento ao recurso da PGFN, prevalecendo o provimento parcial ao recurso, cuja redação do voto vencedor ficou a cargo da Conselheira Edeli Pereira Bessa.

O voto condutor do aresto, nesse ponto, iniciou citando a aplicação do enunciado nº 36 da Súmula Carf ao caso concreto, verbis:

Súmula Carf nº 36: A inobservância do limite legal de trinta por cento para compensação de prejuízos fiscais ou bases negativas da CSLL, quando comprovado pelo sujeito passivo que o tributo que deixou de ser pago em razão dessas compensações o foi em período posterior, caracteriza postergação do pagamento do IRPJ ou da CSLL, o que implica em excluir da exigência a parcela paga posteriormente. (Vinculante, conforme Portaria MF nº 383, de 12/07/2010, DOU de 14/07/2010). Acórdãos Precedentes:

Acórdão nº 103­22679, de 19/10/2006 Acórdão nº 105­16138, de 08/11/2006 Acórdão nº 105­17260, de 15/10/2008 Acórdão nº 107­09299, de 05/03/2008 Acórdão nº 108­09603, de 17/04/2008.

A partir da redação desse enunciado, concluiu a conselheira redatora que “seria válido interpretar que referido enunciado, ao condicionar a exclusão da parcela paga posteriormente à comprovação pelo sujeito passivo que o tributo que deixou de ser pago em razão dessas compensações o foi em período posterior, afasta a possibilidade de se imputar ao Fisco o dever de aferir eventuais compensações futuras dos prejuízos ou das bases negativas disponibilizados com a glosa, cabendo ao sujeito passivo prová­las ao longo do processo administrativo”.

Com o intuito de comprovar essa tese, o voto vencedor passou a analisar os paradigmas que deram ensejo à edição da referida súmula.

No primeiro precedente, Acórdão nº 103-22.679, destacou-se que nas infrações decorrentes da inobservância da limitação na compensação de prejuízos fiscais ou bases negativas de CSLL de períodos anteriores, a exigência de ofício, impondo a limitação dessa compensação a 30% do lucro real ou base de cálculo – apurados antes dessa compensação –implica o direito à utilização em períodos futuros dos valores não compensados pela trava imposta, ensejando ainda a caracterização de possível postergação do pagamento de IRPJ ou CSLL.

Faço aqui um parêntese: para que essa compensação venha a ocorrer, nos períodos posteriores, necessariamente, o contribuinte deve ter apurado lucro real ou base de cálculo de CSLL positiva e não possuir saldos de prejuízos fiscais ou de base de cálculo negativa de CSLL suficientes para compensar 30% desses resultados. Portanto, além do pagamento de IRPJ e CSLL nesses períodos, essas são condições necessárias para caracterização da postergação.

Retornando ao Acórdão nº 103-22.679, o voto ora em análise destacou que, naquele precedente, concluiu-se que embora a recorrente tivesse arguido em sua peça recursal a ocorrência de postergação, não teria trazido aos autos qualquer documento que permitisse atestar o resultado auferido nos períodos posteriores e de que forma esses afetariam a exigência em discussão naqueles autos, rejeitando, assim, o pedido do reconhecimento de postergação no caso concreto.

Já no Acórdão nº 105-16.138, a exigência dizia respeito ao ano-calendário de 1995 em que o contribuinte também não obedecera à limitação de 30% na compensação do lucro real com prejuízos fiscais de períodos anteriores. Nesse precedente, o lançamento, realizado em 1999, também não levou em consideração a possível existência de postergação entre o ano de 1995 e o de 1998. Em sede de impugnação/recurso voluntário, o contribuinte anexou aos autos as declarações transmitidas ao Fisco relativas aos anos-calendário de 1996 e 1999. Em relação à primeira, o voto condutor daquele precedente chamou a atenção para o fato de o contribuinte ter apurado valores positivos de lucro real e base de cálculo de CSLL sem ter procedido à compensação de até 30% desses valores com os prejuízos fiscais de períodos anteriores, acabando por recolher, nos períodos posteriores, IRPJ e CSLL que compunham parte da exigência em discussão naqueles autos (relativa ao ano-calendário de 1995), ou seja, o contribuinte houvera comprovado, ao menos parcialmente, a existência de postergação. Em relação aos anos-calendário de 1997 e 1998 o contribuinte não trouxe qualquer prova aos autos, e, embora tivesse juntado aos autos a DIPJ de 2000 (referente ao ano-calendário de 1999), como o lançamento foi realizado naquele próprio ano, não haveria que se falar em postergação. Desse modo, o recurso do contribuinte foi provido parcialmente a fim de se reconhecer a postergação relativa aos pagamentos de IRPJ e CSLL já realizados no ano de 1996.

No Acórdão 105-17.260, por sua vez, mais uma vez a existência de postergação não foi acatada em razão de o contribuinte não ter trazido aos autos “comprovação inequívoca de que o imposto que deixou de ser pago relativamente ao ano-­calendário foi, em período subsequente e antes do lançamento de oficio, devidamente quitado”.

Outro precedente da Súmula Carf nº 36 foi o Acórdão nº 107-09.299, em que, a comprovação da postergação se deu por meio da apresentação de provas trazidas aos autos pelo contribuinte em sede de recurso, ou seja, a autoridade fiscal autuante sequer averiguou a ocorrência de postergação no momento do lançamento. Nesse caso, foi dado provimento ao recurso para excluir do lançamento o valor de CSLL já recolhido em razão da comprovação da postergação.

O último precedente analisado foi o Acórdão nº 108-09.603, em que, após o contribuinte apresentar indícios da postergação, em sede de diligência buscou-se sua comprovação inequívoca. Corroborada a alegação do contribuinte, entendeu-se que, em razão da decadência, o lançamento não mais poderia ser alterado, cancelando-se a exigência em que se aplicariam os efeitos da postergação.

Após a análise dos precedentes que embasaram a edição da Súmula Carf nº 36, concluiu a redatora do voto em análise que os lançamentos foram validados quando o sujeito passivo não fez a prova da postergação, ao passo que, nas hipóteses em que houve evidência suficiente de sua ocorrência, as exigências foram reduzidas proporcionalmente aos recolhimentos já efetuados em razão da postergação.

Desse modo, concluiu-se que o acórdão de recurso voluntário deveria ser reformado parcialmente admitindo-se, na liquidação do acórdão, a imputação proporcional dos tributos postergados, uma vez que o contribuinte, embora não houvesse anexado aos autos as DIPJ dos períodos posteriores, teria elaborado tabelas evidenciando o lucro real apurados nesses períodos e a consequente ocorrência de postergação.

Conforme se observa, nesse julgado a 1ª Turma da CSRF firmou o entendimento de que, ainda que a autoridade fiscal não considere os efeitos da postergação no lançamento, caso o contribuinte instrua seus recursos com a prova de sua ocorrência, a exigência pode ser reformada, não para cancelar o lançamento, e sim para deduzir os valores de IRPJ e de CSLL recolhidos de forma postergada entre o período imediatamente posterior à ocorrência do fato gerador e àquele anterior à formalização do lançamento.

Este texto não reflete a posição institucional do Carf, mas sim uma análise dos seus precedentes publicados no sítio virtual do órgão, em estudo descritivo, de caráter informativo, promovido pelos seus colunistas.

 é conselheiro presidente da 1ª Turma Ordinária da 3ª Câmara da 1ª Seção do Carf, auditor fiscal da Receita Federal, instrutor da Escola de Administração Fazendária (Esaf) e professor em cursos de especialização na Unisinos, Universidade Lasalle e Verbo Jurídico. Especialista em Direito Processual Civil pela Universidade Feevale em parceria com a PUCRS e bacharel em Direito pela Universidade Feevale e em Ciências Contábeis pela Universidade de São Paulo.