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Prefeito é multado por ignorar proibição de flexibilizar quarentena

A 3ª Vara Cível de Duque de Caxias (RJ) condenou, nesta quinta-feira (28/5), o prefeito Washington Reis a pagar multa de R$ 20 mil por descumprir decisão judicial que determinou a manutenção das medidas de isolamento social no município até a apresentação de laudo técnico garantindo a ausência de risco para a população. O valor será revertido para o Fundo de Proteção dos Interesses Difusos.

Município não pode flexibilizar medidas estaduais de combate ao coronavírus
Reprodução

Na segunda (25/5), a 3ª Vara Cível de Duque de Caxias suspendeu o Decreto municipal 7.587/2020, que permite o funcionamento do comércio na cidade. A juíza Elizabeth Maria Saad afirmou que, em assunto de saúde pública, município pode legislar apenas de maneira concorrente, não podendo contrariar regras estaduais sobre o assunto. Dessa maneira, norma municipal pode endurecer o isolamento social estabelecido pelo estado, mas não flexibilizá-lo.

E o Decreto municipal 7.587/2020 é mais brando do que as restrições ao comércio impostas pelo governo do Rio. Para editar a norma, o município de Duque de Caxias não apontou índices epidemiológicos que a justificariam, disse a juíza.

Porém, o prefeito não cumpriu a decisão, apontou o Ministério Público. O órgão destacou que os estabelecimentos comerciais, em sua maior parte, foram reabertos nas principais avenidas da cidade, promovendo fluxo intenso de pedestres, sem qualquer fiscalização por parte da prefeitura.

Elizabeth Maria Saad ressaltou a “gravidade da conduta” do prefeito ao desobedecer à decisão. Como ocupa o mais alto cargo da administração pública local, Washington Reis tem o dever de “conhecer a exigência básica segundo a qual não pode o administrador deixar de cumprir, sem justa causa reportada e comprovada nos respectivos autos, ordens emanadas de processos judiciais”, disse a juíza.

Ela também ordenou que o município promova, através dos canais já existentes, inclusive redes sociais em perfis institucionais, campanhas de esclarecimentos à população e conscientização sobre as medidas restritivas em vigor, bem como sobre os riscos decorrentes da não adesão ao isolamento social.

Além disso, a prefeitura deve intensificar a fiscalização das medidas de isolamento social ampliado por meio de seus agentes de fiscalização, coibindo todo e qualquer tipo de conduta que a viole, em especial o funcionamento de atividade comerciais e de serviços não essenciais e eventos que promovam aglomeração de pessoas.

A juíza ainda determinou a aplicação de sanções sanitárias aos estabelecimentos que desobedecerem às suspensões e restrições previstas no Decreto estadual 47.068/2020.

Outra decisão, desta vez do Judiciário Paulista, teve entendimento diferente, pois permitiu que o município, baseando-se no que entender por “interesse local”, pode permitir o funcionamento de academias de ginástica. Com informações da Assessoria de Imprensa do MP-RJ.

Clique aqui para ler a decisão

Processo 0014993-82.2020.8.19.0021

 é correspondente da revista Consultor Jurídico no Rio de Janeiro.

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HC contra decreto que obriga uso de máscaras no DF é rejeitado

Um HC preventivo impetrado contra um decreto distrital que torna obrigatório o uso de máscaras — para prevenir a propagação do novo coronavírus —, foi rejeitado. A decisão é do ministro do Superior Tribunal de Justiça Nefi Cordeiro.

Decreto do DF penaliza quem não usar máscara em locais públicos
mistersunday

O decreto atacado é o de número 40.648/20, segundo o qual desde 30/4 a utilização de máscara é obrigatória em todos os locais e vias públicos, equipamentos de transporte coletivo e estabelecimentos comerciais, industriais e de serviços do Distrito Federal. A partir de 11/5 haverá penalidades para quem descumprir a regra.

O HC foi proposto por um servidor público, para quem o governo distrital, ao editar a norma, estaria ameaçando os cidadãos que vierem a infringir as determinações — atentando, assim, contra o direito de ir e vir. Assim, queria impedir que qualquer autoridade violasse o direito de ir e vir do impetrante, com prisão ou condução para a delegacia policial, quando ele não estivesse em aglomerações ou em contato direto com pessoas não integrantes de seu grupo familiar.

O servidor deu como exemplo um passeio de madrugada com o seu animal de estimação, situação que, segundo alegou, não geraria risco algum à saúde dos demais e por isso não exigiria o uso da máscara.

Decisão

O ministro Nefi Cordeiro, ao rejeitar a ordem, afirmou que o impetrante não juntou ao pedido nenhuma prova pré-constituída de concreta e injusta coação à sua liberdade de ir e vir, mas apenas fez considerações que questionam o ato normativo do governo do Distrito Federal.

“Limitou-se a defesa a indicar futuras e possíveis consequências decorrentes dos efeitos do ato normativo local, possuindo o sistema judicial mecanismos próprios para o seu questionamento”, comentou o ministro.

Ele lembrou que a jurisprudência do STJ estabelece claramente que não cabe HC para o controle abstrato da validade de leis e atos normativos em geral.

“Dessa forma, considerando que o conhecimento do habeas corpus pressupõe prova pré-constituída do direito alegado, devendo a parte demonstrar de maneira inequívoca a pretensão deduzida e a existência do evidente constrangimento ilegal em concreto, verifica-se que o presente writ carece de interesse de agir”, explicou Nefi Cordeiro ao justificar o indeferimento.

O ministro ressaltou que o Supremo Tribunal Federal recentemente confirmou o entendimento de que as medidas adotadas pelo governo federal no combate à Covid-19 não afastam a competência concorrente de estados e municípios para criar normas nesse sentido – rejeitando assim o argumento do impetrante de que o governo distrital não teria poderes para editar o decreto. Com informações da assessoria de imprensa do Superior Tribunal de Justiça.

Leia a decisão

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A regulação de direito privado durante a epidemia (Parte II)

Prescrição e decadência são dois institutos por si só complexos, mas dos mais carecedores de atenção nestes tempos atribulados pela pandemia da Covid-19.

Como dito anteriormente (Parte I), o cidadão brasileiro está às voltas com inúmeros questionamentos sobre as relações jurídicas de direito privado durante a pandemia: o locatário poderá descumprir o critério da pontualidade ou pedir a revisão do aluguel do imóvel?; a locação imobiliária poderá ser desfeita por falta de pagamento dos aluguéis e demais encargos?; a viagem aérea poderá ser reembolsada ou remarcada sem ônus para o consumidor?; as mensalidades adiantadas ao plano da academia deverão ser devolvidas ao aluno ou haverá reposição das aulas em momento futuro?; o contrato de locação de espaço e de fornecimento de insumos e serviços para a festa de casamento será rescindido sem multa?; as mensalidades das instituições privadas de ensino poderão ser pagas em atraso ou com abatimento?; a instituição financeira renegociará as parcelas do empréstimo?.

A essas e a outras tantas indagações atuais subjaz um tema importantíssimo para tais relações jurídicas de direito privado: os prazos prescricionais e decadenciais.

Por óbvio, não se pretende, aqui, traçar um inventário da prescrição e da decadência, disciplinas magistralmente trabalhadas nos critérios objetivos de Agnelo Amorim Filho e na teoria do fato jurídico de Pontes de Miranda, assim como nos estudos de juristas contemporâneos. Almeja-se, sim, reafirmar o impacto do tempo nessas relações jurídicas influenciadas pela pandemia, lembrando que prescrição e decadência são institutos de direito material fortemente relacionados à segurança jurídica.

Nesse estágio, deve-se ressaltar a importância de três grandes leis: o Código Civil, o Código de Defesa do Consumidor e a Lei do Inquilinato. Não obstante se saiba que diplomas desse porte percorrem todo um processo de elaboração, trâmite legislativo e até mesmo um período de transição, eles foram publicados em quadras importantes da construção democrática brasileira: logo após a promulgação da Constituição de 1988, vieram a Lei 8.078/1990 (Código do Consumidor) e a Lei 8.245/1991 (Lei do Inquilinato); e, pouco depois da abertura deste segundo milênio, veio a Lei n. 10.406/2002 (Código Civil), que manteve boa parte da estrutura do Código Civil de 1916, mas também soube reconhecer as mudanças sensíveis do País, sejam elas político-econômico-sociais, sejam elas jurídicas (estas últimas fortemente influenciadas pelo direito estrangeiro, como o de matriz germânica).

É preciso dizer que o Código Civil de 2002, o Código de Defesa do Consumidor e, mais setorialmente, a Lei do Inquilinato continuam a apresentar muitas respostas para períodos críticos como o presente: a pandemia pode ter etiologia inédita, mas os reflexos que ela impõe à sociedade são análogos aos já outrora experimentados nos cenários de crise, os quais, sem dúvida, foram sopesados pelos competentes legisladores.

Na sua parte geral, o Código Civil de 2002, após dispor no art. 205 sobre o prazo prescricional geral de 10 (dez) anos, traz um rol de prazos prescricionais relacionados a direitos fundados em prestações (art. 206), os quais, quando pleiteados em juízo, decorrem de ações condenatórias. Já na sua parte especial, traz hipóteses de prazos decadenciais, a exemplo do prazo de decadência trienal na retrovenda (art. 505). Existem, também, vários outros prazos para os quais o Código Civil de 2002 não estabelece a natureza.

Desperta curiosidade a constatação de que o Código Civil de 1916 não tivesse previsão de causas suspensivas, interruptivas ou impeditivas de prazos nos períodos de doenças com impactos gerais na sociedade, embora o diploma representasse uma época marcada, por exemplo, pelos surtos de dengue e febre amarela.

Essa ausência de previsão se repete no Código Civil de 2002, cujo legislador, com maiores razões, não supôs ter de enfrentar os efeitos jurídicos de uma pandemia de rápida expansão global e fácil contágio. O inimaginável, contudo, aconteceu e pegou a todos desprevenidos.

Vive-se, agora, uma situação emergencial que exige uma regulação transitória apta a fixar marcos temporais nítidos para os prazos prescricionais e decadenciais das relações jurídicas especificamente influenciadas pela atual pandemia.

Diante da falta de previsão legal, a urgente disciplina da prescrição e da decadência são objeto do PL 1.179/2020 (em tramitação na Câmara dos Deputados), que propõe a data de 20 de março de 2020 (data do Decreto Legislativo n. 6/2020, que reconheceu a ocorrência da pandemia no País), como termo inicial dos eventos desencadeados por ocasião da pandemia da Covid-19 (parágrafo único do art. 1º), sem prejuízo de eventual revogação ou alteração de normas cuja suspensão seja mencionada no referido documento (art. 2º).

No art. 3º, o PL 1.179/2020 dispõe sobre a fixação do prazo para suspensão ou impedimento dos prazos prescricionais, que irá da pretendida aprovação da lei até a data de 30 de outubro de 2020, admitindo-se a sua prorrogação “enquanto perdurarem as hipóteses específicas de impedimento, suspensão e interrupção dos prazos prescricionais previstas no ordenamento jurídico nacional” (§1º).

Ademais, essa regra poderá ser aplicada aos prazos decadenciais, de acordo com a ressalva da previsão legal albergada no art. 207 do Código Civil de 2002. Vale dizer: no §2º do art. 3º, o PL 1.179/2020 reconhece a possibilidade de aplicação da regra dos prazos prescricionais à decadência, de modo que, ante expressa previsão, os prazos decadenciais que atingirem direitos potestativos estarão impedidos de iniciar ou terão o seu transcurso suspenso desde o início da vigência da pretendida lei até o dia 30 de outubro de 2020.

Claramente, o PL 1.179/2020 não tem o intuito de alterar a sólida legislação de direito privado em vigor, e sim o objetivo de recorrer à suspensão da eficácia de alguns dispositivos da legislação existente, delimitando temporalmente os efeitos jurídicos da pandemia, sem prejuízo do disposto ordinariamente nos principais diplomas.

Foi dito antes (Parte I), que o PL 1.179/2020 não busca o conflito de interesses e visa somente a cumprir a função de regular as relações privadas durante este período emergencial e transitório, oferecendo um norte para a jurisprudência e os profissionais do direito neste momento crucial, bem como contribuindo para a celeridade e uniformidade na pacificação dos conflitos decorrentes, ainda que reflexamente, da pandemia.

Trata-se, pois, de um documento bastante coerente em seu mister, uma vez que o momento atual não é favorável a alterações apressadas da legislação de direito privado. Isso, claro, sem prejuízo de que, futuramente, a questão das possíveis pandemias possa ser repensada com mais tranquilidade, vindo os seus efeitos jurídicos a talvez serem tratados em definitivo nos nossos diplomas.

No ensejo, parabenizo os juristas que estão contribuindo para o Regime Jurídico Emergencial e Transitório das Relações Jurídicas de Direito Privado (RJET) atinente ao período da pandemia da Covid-19 e, por enquanto, representado pelo PL n. 1.179/2020: o Ministro Dias Toffoli, o Ministro Antonio Carlos Ferreira e o Professor Otavio Luiz Rodrigues Jr., da Universidade de São Paulo, que incentivaram a redação do referido documento; bem como os professores Arruda Alvim (da PUC-SP), Fernando Campos Scaff, Paula Forgioni, Francisco Satiro e Marcelo von Adamek (todos da USP), Rodrigo Xavier Leonardo (da UFPR) e Rafael Peteffi da Silva (da UFSC); além dos advogados Roberta Rangel e Gabriel Nogueira Dias.

Falar em delimitação de prazos de prescrição e decadência é essencial neste momento, a fim de que se evitem a divergência de decisões, o excesso de judicialização e a má-fé instalada em invocações que não guardam relação direta ou indireta com os reflexos jurídicos da pandemia.

Em outras palavras, há uma necessidade imediata de resguardar a segurança jurídica: (i) para não prejudicar os que estão impedidos de praticar determinados atos (inclusive, por medidas de isolamento social e suspensão do atendimento presencial de vários órgãos administrativos); (ii) para evitar que fatos anteriores ou posteriores a esta pandemia possam servir ilegitimamente de suporte para a judicialização ou vinculação aos efeitos da Covid-19; e (iii) para preservar a função que a prescrição e a decadência operam no ordenamento jurídico, respeitadas, logicamente, as limitações que o jurisdicionado enfrenta neste momento.

O momento reclama decisões mais uniformes e justas, assim como confiabilidade no direito, que, de fato, não deve ver o indivíduo isolado e tampouco coletivizado a ponto de ser um simples número. Antes de mais nada, trata-se de um momento em que os cuidados devem ser redobrados no sentido da proteção da segurança jurídica.

Estamos todos sob um mandamento de ordem superior: a pacificação social, inarredável da humanização e da facilitação dos meios pelos quais esses conflitos serão resolvidos.

Instituições democráticas fortes, cidadania respeitada!

Esta coluna é produzida pelos membros e convidados da Rede de Pesquisa de Direito Civil Contemporâneo (USP, Humboldt-Berlim, Coimbra, Lisboa, Porto, Roma II-TorVergata, Girona, UFMG, UFPR, UFRGS, UFSC, UFPE, UFF, UFC, UFMT, UFBA, UFRJ e UFAM).


AMORIM FILHO, Agnelo. Critério científico para distinguir a prescrição da decadência e para identificar as ações imprescritíveis. Revista dos Tribunais, v. 300. São Paulo: RT, out. 1961.

MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Tratado de Direito Privado, t. VI. 3 ed. Rio de Janeiro: Borsói, 1970.

“Neste ponto, como dito, o referencial clássico é o texto de Agnelo Amorim Filho, que enfrenta a matéria concluindo, em síntese: (a) sujeitam-se à prescrição os direitos prestacionais, dos quais decorrem ações condenatórias; (b) sujeitam-se à decadência os direitos formativos com prazo para exercício previsto em lei, dos quais decorrem ações constitutivas; (c) são perpétuas as ações declaratórias e os direitos potestativos sem prazo para exercício previsto em lei. (…) Do ponto de vista da teoria do fato jurídico que escolhemos por referência, contudo, é preciso salientar a existência de pretensão a declarar e da ação material declaratória, anteriores à pretensão à tutela jurídica e ao remédio jurídico processual. Daí o acerto da afirmação de Pontes de Miranda: embora as ações declaratórias sejam por regra imprescritíveis, podem elas estar sujeitas a prazo prescricional ou decadencial, se o legislador entender por limitá-las no tempo.” (ALBUQUERQUE JUNIOR, Roberto Paulino de. Distinção entre prescrição e decadência no Direito Privado. Revista Consultor Jurídico. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2018-abr-16/direito-civil-atual-distincao-entre-prescricao-decadencia-direito-privado>. Acesso em: 4.5.2020).

V.: GAMA, Gabriel Calmon Nogueira da; NEVES, Thiago Ferreira Cardoso. Notas sobre o PL 1.179/2020 do Senado Federal (Parte 3). Revista Consultor Jurídico. Disponível em: < https://www.conjur.com.br/2020-abr-16/opiniao-notas-pl-11792000-senado-parte3>. Acesso em: 5.5.2020.

 é ministro do Superior Tribunal de Justiça e corregedor nacional de Justiça.