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Souza Mello: As suspensões de prazo sem análise do juízo

No dia 25 de maio, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) decidiu, interpretando o artigo 3º, § 2º, de sua Resolução 314 de 2020 que basta a comunicação pelo advogado da impossibilidade de cumprir um prazo para impedir a preclusão temporal [1]. O relator concluiu que se trata de comunicação, não de pedido. O juízo não pode, portanto, apreciar a razoabilidade da justificativa. O pedido de providências foi formulado pela Seccional da Ordem dos Advogados do Brasil no Distrito Federal (OAB-DF) e comemorado por ela como vitória da advocacia [2].

Em tempos normais, em que se procura aplicar o Código de Processo Civil, a justa causa para não praticar o ato processual também evita a preclusão. É o disposto no artigo 223 e parágrafos. A parte tem o ônus de provar esse fato, alheio à sua vontade, que a impede de cumprir o prazo. O juízo deve, por consequência, indeferir o pleito de novo prazo e declarar a preclusão temporal em três hipóteses: a) quando a parte não se desincumbir do ônus de provar o evento; b) quando o evento não for alheio à vontade da parte; e c) quando o evento não impedir efetivamente a prática do ato.

A regra de crise instituída pelo CNJ exclui a possibilidade de indeferimento: a comunicação do evento impeditivo pelo advogado basta. Exclui, portanto, a necessidade de provar. Mais: como esses elementos também não estão sujeitos à apreciação judicial, os requisitos de que o fato seja externo e efetivamente impeditivo também desapareceram. Basta a comunicação. Mas, como seu conteúdo não pode ser analisado, é uma comunicação sem referente. O requisito da suspensão do prazo, na prática, é apenas o ato volitivo do advogado. Por fim, se o indeferimento é vedado, o Poder Judiciário não poderá apreciar nem sequer os casos de má-fé e abuso de direito. A resolução, na sua mais recente interpretação, cria ainda outro requisito divergente do CPC, e curiosamente mais restrito: a comunicação precisa ser feita antes do fim do prazo.

É evidente que o CNJ criou um poderosíssimo instrumento protelatório. Nenhum advogado ignora que algumas partes têm interesse na inefetividade da Justiça. No processo, como muitos autores têm apontado [3], o tempo é um ônus: quem o suporta — em regra, o autor — é privado de usufruir do bem-da-vida em disputa enquanto o litígio durar. A duração excessiva do processo de qualquer natureza costuma beneficiar o demandado que não tem razão. Pior: o demandado, quando sabe que não tem razão, não raro lança mão de todos os expedientes suspensivos e impeditivos que puder para adiar a solução do caso. Nos processos de natureza cível, em particular, o demandante que tem razão, que tem direito ao bem-da-vida, mas não pode gozá-lo, é o prejudicado pelo curso do tempo.

Com a regra de crise, o réu sem razão, o executado que não quer pagar (algum executado quer pagar?), aqueles, enfim, que têm o ônus do tempo em seu favor poderão adiar indefinidamente a solução dos conflitos e a efetivação dessas soluções pela simples prática de atos potestativos por seus advogados.

Isso é bom para a advocacia? Talvez para aquela com clientes que ocupam com mais frequência a posição de demandados do que a de demandantes — como é o caso de vários agentes econômicos de maior expressão, como companhias telefônicas, companhias aéreas e instituições financeiras. E isso apenas até que precise ir à Justiça cobrar seus honorários. Para a advocacia que patrocina quem tem o ônus do tempo contra si, vitória são processos rápidos e efetivos, sem dilações indevidas.

Do ponto de vista normativo, a interpretação atribuída pelo CNJ à sua resolução viola a Constituição Federal. Formalmente, porque cria hipótese inovadora de suspensão de prazo, violando a competência privativa da União para legislar sobre Direito Processual (artigo 22, I, da Constituição). Materialmente, porque a garantia da razoável duração do processo (artigo 5º, LXXVIII) não é compatível com um instrumento de protelação processual segundo o arbítrio de uma das partes. Ou, por outra, se um processo sem dilações indevidas é direito do jurisdicionado, excluir da apreciação jurisdicional a avaliação de se a dilação provocada por seu adversário é indevida viola a própria garantia de acesso à Justiça (artigo 5º, XXXV).

Para garantir a efetividade da Justiça diante da decisão do CNJ, o juiz tem três opções: a) afirmando sua independência, dar à resolução interpretação diversa daquela atribuída e apreciar a adequação da justificativa no caso concreto; b) admitindo a interpretação dada pelo CNJ, fazer a declaração incidental de inconstitucionalidade da resolução e apreciar a adequação da justificativa no caso concreto; ou c) inverter o ônus do tempo mediante a concessão de tutela provisória, retirando o incentivo para as manobras protelatórias. Nos tribunais, em que o controle difuso se submete à reserva de plenário (artigo 97 da Constituição), as duas providências são necessárias: a declaração de inconstitucionalidade e a tutela provisória enquanto o jurisdicionado aguarda a manifestação do colegiado.

Com os inconvenientes da pandemia, os eventos que impedem o cumprimento dos prazos se tornaram, é claro, mais numerosos. Mas para essas situações a regra dos tempos normais dá solução: se a justificativa for adequada, o juiz poderá afastar a preclusão ou estender o prazo. Se não, não. A crise mudou muitas coisas, mas não é preciso inventar sempre um novo Direito. Em época de calamidade, mais do que nunca a sociedade precisa de um Direito efetivo. E se o sistema é o da vedação da autotutela, não há efetividade do Direito fora do Poder Judiciário. Em tempos como estes é que as ideias que tornam a Justiça inefetiva mais devem ser rechaçadas.

 


[3] Ver, por exemplo, MARINONI, Luiz Guilherme. La necesidad de distribuir la carga del tiempo en el processo. THEMIS: Revista de Derecho. n. 43, 2001, p. 45-51.

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Seccionais da OAB no sul pedem que sistema eproc seja mantido

As seccionais da OAB no sul do país (Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul) enviaram ofício conjunto ao Superior Tribunal de Justiça e ao Conselho Nacional de Justiça defendendo que o sistema eproc seja mantido.

O documento foi formulado levando em conta uma resolução do CNJ que impedirá o desenvolvimento do sistema judicial eletrônico em funcionamento na Justiça Federal da 4ª Região.

“Acolhemos com grande preocupação a notícia dessa medida, que pode afetar não apenas o eproc, mas outros sistemas que vêm funcionando perfeitamente e que não vêm apresentando quaisquer reclamação por parte da advocacia da região sul”, afirma o ofício. 

“Assim”, prossegue, “vimos solicitar para que sejam preservadas tais plataformas, inclusive com a permissão da continuidade dos investimentos nos seus respectivos aprimoramentos, medida esta indispensável para sua efetiva continuidade”. 

O documento é assinado por Cássio Lisandro Telles, presidente da OAB-PR, Rafael de Assis Horn, presidente da OAB-SC, e Ricardo Ferreira Breier, presidente da OAB-RS. 

MPF

Chefes do Ministério Público Federal dos três estados também haviam se posicionado em favor do eproc, por meio de ofício conjunto enviado ao Conselho da Justiça Federal. 

No ofício, os procuradores afirmam que o eproc não depende de instalação de programa no computador, uma vez que é acessível pela internet, via qualquer navegador, sem exigir certificado digital. Além disso, mesmo com o distanciamento social exigido para combater o avanço do coronavírus, sessões de julgamento virtuais podem ser realizadas na própria plataforma do sistema.

“No caso da Procuradoria Regional da República da 4ª Região, unidade de segunda instância do MPF que atua perante o Tribunal Regional Federal da 4ª Região, cujos processos tramitam no eproc, a produtividade não foi afetada devido às restrições impostas pela pandemia. O número de saídas de processos entre 22 de março e 4 de abril superou o de entradas em 8,2%, 4.387 contra 4.055. E temos noção de que muito disso se deve à facilidade de trabalhar no eproc”, atesta Marcelo Veiga Beckhausen, procurador-chefe da PRR-4.

Clique aqui para ler ofício conjunto da OAB

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TJ-SP anula imposição de cautelares por ausência de fundamentação

A ausência de abertura de prazo para a manifestação da defesa acerca da imposição de medidas cautelares à prisão (artigo 282, § 3o, CPP), bem como a ausência de fundamentação concreta relativa à necessidade de cada uma das referidas medidas (artigo 315, § 1o, CPP), gera nulidade da decisão.

CNJTJ-SP anula imposição de medidas cautelares por ausência de fundamentação

Com esse entendimento, a 8ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo acolheu em parte um habeas corpus e anulou a imposição das medidas cautelares diversas da prisão a 18 denunciados por crimes contra a administração pública, com determinação de reapreciação do pedido formulado pelo Ministério Público, observando-se o disposto nos artigos 282, § 3º, e 315, § 1º, do CPP.

O relator, desembargador Sérgio Ribas, citou recentes alterações trazidas pela Lei 13.964/19 na redação do artigo 282, do CPP. “Ao receber o pedido de decretação de medidas cautelares diversas da prisão por parte do I. representante do MP, o MM. Juízo a quo deveria ter determinado a intimação das defesas dos denunciados para que se manifestassem no prazo de cinco dias, sendo que tal medida poderia ter sido fundamentadamente dispensada somente nos casos de urgência ou de perigo de ineficácia da medida”, disse.

No caso dos autos, o relator reconheceu que o juízo de origem não intimou a parte contrária para manifestação, nem apresentou qualquer motivo que justificasse o não cumprimento do preceito legal, caracterizando o constrangimento ilegal alegado pelos advogados do paciente. 

Ribas também destacou alterações no artigo 315, do CPP, em função da Lei 13.964/19, e disse que a decisão que deferiu a imposição de medidas cautelares aos denunciados “o fez sem a adequada fundamentação, tendo imposto a 18 réus, de forma genérica, o cumprimento das cinco medidas cautelares nela elencadas, não trazendo qualquer elemento concreto que justificasse a sua imposição a cada denunciado individualmente”.

Sendo assim, o desembargador afirmou que, ainda que se admita que a fundamentação seja feita de forma sucinta, esta não se confunde com a ausência de fundamentação adequada, sob pena de inobservância ao artigo 93, inciso IX, da Constituição Federal e ao artigo 315, §§, 1º e 2º, do Código de Processo Penal.

Ribas concluiu, portanto, ser necessária a fundamentação adequada para imposição de medidas cautelares diversas da prisão, assim como se faz com o decreto de prisão preventiva. O HC foi impetrado pelos advogados Jaime Rodrigues de Almeida Neto, Gustavo Henrique Coimbra Campanati e Rafael Ribeiro Silva, do escritório Almeida Neto e Campanati Advogados, em favor de um dos acusados. A decisão também foi estendida aos outros 17 denunciados.

2048385-47.2020.8.26.0000