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Streck e Giannakos: Pode o juiz dispensar prova para reduzir aluguel?

No dia 30 de abril de 2020, foi publicado artigo sobre a importância “cumprir a letra da lei”. Neste, sustenta-se que quando o judiciário se nega a cumprir um claro texto e não o declara inconstitucional, simplesmente lhe nega a validade. Como se fosse nulo, írrito, nenhum o texto da lei”.

Em outro texto publicado, em 26 de março de 2020, faz-se menção à decisão do juiz do Rio de Janeiro que permitiu os cultos da igreja de Silas Malafaia, mesmo no meio do estado de calamidade provocado pelo coronavírus.

Em momentos crise e extrema dificuldade (como o que vivemos), o Direito deve ser utilizado justamente para nos auxiliar a vencer a crise e não ser desvirtuado para criar ainda mais problemas.

Ou seja, não se pode dizer qualquer coisa sobre qualquer coisa.

Para não esquecer: Foram criados os artigos 489, §1º e 926, ambos do CPC/2015. No caso do primeiro, o legislador teve como intuito criar parâmetros para a decisão judicial e requisitos para que deveriam constar na decisão tomada pelo julgador. No caso do segundo, para exigir dos Tribunais e dos juízes a uniformização da sua jurisprudência mantendo-a estável, íntegra e coerente.

A integridade é a exigência de que os juízes construam seus argumentos de forma integrada ao conjunto do Direito, em uma perspectiva de ajuste de substância. A integridade impede que o judiciário use dois pesos e duas medidas.

A coerência, por sua vez, é a necessidade de, em casos semelhantes, deve-se proporcionar a garantia da isonômica aplicação principiológica. Da mesma forma, haverá coerência se os mesmos preceitos e princípios que foram aplicados nas decisões o forem para os casos idênticos; mais do que isso, estará assegurada integridade do direito a partir da força normativa da Constituição. A coerência assegura a igualdade, isto é, que os diversos casos terão a igual consideração por parte do Poder Judiciário.

O julgador não poderá utilizar-se de argumentos que não estejam coerentemente sustentados, o que inclui, como pode de partida, uma autovinculação com aquilo que antes se decidiu.

Neste sentido, pode-se dizer que no CPC/2015 não há espaço para decisões personalistas com que estivesse criando o direito a partir de um grau zero. O “livre convencimento” (que foi retirado do texto do CPC) não é o mesmo que decisão fundamentada. A segurança jurídica e a proteção da confiança e da isonomia somente fazem sentido se as decisões obedecerem à coerência e à integridade.

No entanto, é muito comum vermos na prática ambos os artigos serem negligenciados pelo julgador. O resultado disso é as diversas decisões sobre a mesma temática com resultados distintos.

Em pesquisa realizada recentemente ao analisar os volumes de processos ajuizados no Tribunal de Justiça de São Paulo entre janeiro e março de 2019 e no mesmo período de 2020, verificou-se o aumento em 20% no ajuizamento de ações judiciais na quinzena que imediatamente antecedeu o fechamento dos tribunais, indicando, já naquele momento, que o cenário de pandemia incitaria o maior volume de processos. Passada a fase inicial de isolamento absoluto, ou, com mais razão, prolongado o isolamento por mais dias, dilatando, em igual proporção, os efeitos nefastos à economia, os números voltam a crescer de modo absolutamente preocupante.

Em decisão recente proferida em comarca localizada na Serra Gaúcha, o juízo reconheceu que a pandemia instalada no país, com curva acentuada de contaminação em razão da Covid-19, teria desequilibrado contrato de locação comercial firmado em agosto de 2019, viabilizado a redução do locativo mediante via judicial.

Em sua conclusão, determinou que o valor locatício fosse reduzido de R$ 5.250 para R$ 1.100 pelo período de 05 meses. Uma redução temporária para 20,95% do valor locativo inicial.

Na sua fundamentação, o juízo sustentou a aplicação do art. 374, I do CPC, em que o autor seria dispensado do ônus probatório diante da notoriedade da COVID-19.

Em outras decisões judiciais já veiculadas pela mídia, por sua vez, o Poder Judiciário tem concedido reduções dos locativos nos mais diversos percentuais, como 60%, 50% e 70%. Em outros, em que os locatários requereram a isenção do pagamento, a justiça paulista negou o pedido. O TJ/SP já se manifestou sobre a temática, revertendo decisão que havia indeferido pedido de tutela de urgência em primeiro grau e concedendo a redução de 50% do locativo em segundo grau.

Mas, por qual motivo um juiz determina uma redução quase 80% de um aluguel? Qual é a prognose? Qual é a diferença deste caso para o outro em que houve uma redução de 50%? Ou uma redução de 60%?

Será que com a aplicação do art. 374, I do CPC, em que o autor seria dispensado do ônus probatório diante da notoriedade da COVID-19, por si só, justificaria o arbitramento da redução sem a produção de prova específica do prejuízo? Como o juízo deve estipular o percentual de redução? Tira de que lugar esse percentual? De seu subjetivismo?

Dito de outra forma, no momento em que o juiz arbitra um percentual de redução do locativo, sem a realização de prova específica pelo autor, ele não estaria agindo de forma discricionária-arbitrária? A resposta é (deveria) ser óbvia.

O juiz pode fazer coisas, mas não pode tudo. E as que pode, deve fundamentar. E essa fundamentação não pode ser qualquer uma. Ou nenhuma. Aliás, aqui basta que invoquemos os três primeiros incisos do artigo 489, parágrafo 1º. do CPC:

Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que:

I – se limitar à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida;

II – empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso;

III – invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão;

Isto para começar!

Seguimos. Que a incidência do coronavírus nas relações contratuais não possui precedentes é indiscutível. Porém, o ponto crucial é em que medida e a profundidade em que o juiz pode modificar a relação contratual já existente e pré-estabelecida entre as próprias partes.

A racionalidade jurídica vem sendo substituída por “racionalidades instrumentais”, constituída de opiniões e juízos morais. Ou seja, quais os parâmetros para estabelecer o percentual? Seria o caso de ocorrência do famoso “decido conforme a minha consciência”?

No momento em que a coerência e integridade são ignorados, os incentivos judiciais tornam-se protagonistas.

Neste ponto, o que se propõe é a possível contribuição da AED (Análise Econômica do Direito) para com a CHD (Crítica Hermenêutica do Direito).

Este debate ocorreu, em 2015, entre os Professores Lenio Streck, Alexandre Moras da Rosa e Aury Lopes Junior.

Do ponto de vista econômico, no momento em as decisões judiciais veiculam a possibilidade de repactuação dos contratos de locação comerciais, ainda mais, sem critérios definidos, incentivam que boa parte dos locatários busquem este benefício mesmo que a sua situação fática específica não exija (“comportamento oportunista”). Do ponto de vista econômico, tais notícias dificultam justamente a cooperação pré-existente entre os envolvidos.

O que se cria na prática é uma reação em cadeia. Os locatários, incentivados pela ausência de coerência e integridade nas decisões judiciais, ajuízam ações revisionais dos contratos de locação com intuito de terem o mesmo benefício, mesmo que, em certos casos, o locatário sequer necessite da revisão. O Direito, que deveria pacificar e regular, acaba, por uma de suas pontas, incentivando o contrário.

O resultado de tudo isto é uma descrença no Judiciário. Alguns exemplos recentes demonstrar a concretização deste sintoma: i) um apelo à utilização da inteligência artificial nos processos judiciais, considerando, inclusive, a hipótese da substituição do juiz pela máquina; ii) a criação da figura dos negócios jurídicos processuais (art. 190, CPC).

Quanto ao primeiro, podemos trazer como exemplo os casos das ferramentas criadas pelos Tribunais de Justiça e Superiores, como o Radar (TJ/MG), que recentemente julgou um grande número de recursos de segundos; o Victor (STF), que ainda está em fase de aprimoramento; e o Poti (TJ/PE) que realizar bloqueios judiciais das contas de devedores em ações de execuções fiscais.

Quanto ao segundo, originário da experiência positiva tida pelas partes e advogados na arbitragem, possibilita uma maior participação das partes no processo, resultando numa comparticipação dos sujeitos processuais na construção da decisão que deva solucionar determinada ação judicial. A ideia é que as partes possam customizar o processo e readequá-lo para a maior adequação dos seus interesses. É possibilitado às partes estipulares mudanças no procedimento e convencionarem sobre seus ônus, poderes, faculdades, calendário processual, direito material e deveres processuais. O art. 190, parágrafo único, do CPC dispõe sobre as três hipóteses taxativas para impedir a validade dos negócios jurídicos processuais.

Portanto, a confiança no Judiciário já vem abalada. A legislação moderna já tem apresentado este sintoma e, pelo que se identifica na prática, a situação tende a piorar.

A solução: a volta dos juízes à fundamentação jurídica, ao Direito, à necessidade de uniformizar a sua jurisprudência (coerência e integridade viram para isso!!!), sob pena de, conforme dito no início do texto, negar validade à lei simplesmente pelo seu desuso proposital.


https://www.conjur.com.br/2020-abr-30/senso-incomum-tao-dificil-cumprir-letra-lei-art-212-cpp acessado no dia 10/05/2020.

https://www.conjur.com.br/2020-mar-26/senso-incomum-cada-cabeca-sentenca-tese-espantalho acessado no dia 10/05/2020.

STRECK, Lenio Luiz. Constituição, sistemas sociais e hermenêutica: anuário do programa de Pós-Graduação em Direito da UNISINOS. Porto Alegre: Livraria do Advogado; São Leopoldo: UNISINOS, 2014, p. 158.

https://www.conjur.com.br/2020-mai-11/leonardo-costa-achatemos-curva-acoes-judiciais

https://www.espacovital.com.br/noticia-37903-reducao-no-aluguel-valor-mensal-passa-r-5250-para-1100 acessado no dia 10/05/2020.

https://www.conjur.com.br/2020-abr-27/juizes-proibem-reabertura-lojas-concedem-reducao-aluguel acessado em 10/05/2020

https://www.conjur.com.br/2020-abr-24/interrupcao-atividades-nao-autoriza-suspensao-alugueis acessado em 10/05/2020

https://www.conjur.com.br/2020-abr-06/liminar-permite-reducao-aluguel-pago-restaurante-epidemia

https://www.conjur.com.br/2020-abr-22/interrupcao-atividade-nao-desobriga-empresa-pagar-aluguel?utm_source=dlvr.it&utm_medium=facebook acessado em 10/05/2020

https://m.migalhas.com.br/quentes/326373/e-razoavel-reducao-de-50-no-aluguel-de-imovel-comercial-em-razao-da-pandemia acessado em 10/05/2020.

Oliver Williamson define-o utilizando uma célebre formulação: “By opportunism I mean self-interest seeking with guile”. O mesmo autor, ao conceituar o oportunismo, dispõe: “More generally, opportunism refers to the incomplete or distorted disclosure of information, especially to calculated efforts to mislead, distort, disguise, obfuscate, or otherwise confuse”. (WILLIAMSON, Oliver E. The Economic Institutions of Capitalism: firms, markets, relational contracting. The Free Press, a Division of Macmillan Inc, 1985, p. 47).

https://www.conjur.com.br/2020-mai-01/santolim-giannakos-tomada-decisoes-momentos-crise

https://www.migalhas.com.br/depeso/319005/inteligencia-artificial-e-o-direito-uma-realidade-inevitavel

GIANNAKOS, Demétrio Beck da Silva. Negócios jurídicos processuais e análise econômica. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2019, p. 71.

 é jurista, professor de Direito Constitucional e pós-doutor em Direito. Sócio do escritório Streck e Trindade Advogados Associados:
www.streckadvogados.com.br.

 é advogado, mestre e doutorando em Direito pela Unisinos. Sócio do escritório Giannakos Advogados Associados.

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Raphaela da Silva: Renegociação dos contratos de locação

Como forma de frear a disseminação do novo coronavírus e evitar um colapso na economia brasileira, o governo brasileiro vem, quase que diariamente, editando leis, emitido decretos, portarias e Medidas Provisórias para impor medidas preventivas e restritivas, resultando, entre outras coisas, na redução de circulação de pessoas nas ruas, o fechamento de cinemas e teatros, bares, lojas, shopping centers, de pontos turísticos, de escolas, fronteiras e estabelecimentos públicos, na redução do movimento de clientes nos restaurantes, priorizando o serviço de delivery, com entrega sem o contato físico, além do isolamento social. Estão apenas permitidas aquelas atividades essenciais previstas no Decreto nº 10.282, de 20 de março. Medidas essas que repercutem negativamente na economia brasileira.

A realidade atual de restrições de circulação de pessoas impostas pelo governo, não apenas o brasileiro, mas de todos os países, fez com que a população se adaptasse ao home office. Diante disso, os espaços físicos de trabalho (sejam alugados, sejam próprios) não estão sendo utilizados temporariamente, mas o aluguel continua devido, assim como os demais encargos de um imóvel. Diante do desequilíbrio econômico-financeiro contratual em função do impacto causado pelo desaquecimento da economia, é impossível não pensar na redução de receita e custos.  

Nesse cenário, é nítido notar que a relação locatícia é diretamente afetada, tornando-se necessária a renegociação dos aluguéis, para assim evitar a rescisão do contrato de locação ou o despejo por falta de pagamento de aluguel e demais encargos, nos termos do inciso III do artigo 9, do inciso I do artigo 23 e do inciso IX do parágrafo primeiro do artigo 59, todos da Lei no. 8.245/91 (Lei de Locações).

Os contratos de locação em geral preveem índices de reajustes anuais do aluguel. Por outro lado, os artigos 17 e 18 da Lei de Locações estabelecem que a convenção do aluguel é livre entre as partes envolvidas e traz a possibilidade do locador e locatário, de comum acordo, negociar de boa-fé um novo valor de aluguel e modificar a cláusula de reajuste anual. Portanto, a liberdade e a autonomia das partes de estipular livremente as condições do contrato de acordo com seus interesses só reforça a necessidade de locadores e locatários de tentar a renegociação amigável, de acordo com a função social do contrato prevista no artigo 421 do Código Civil [1].

De acordo com a definição ampla e genérica do artigo 393 da Lei 10.406/02 (Código Civil), as hipóteses de caso fortuito ou força maior geram efeitos que são possíveis de evitar ou de impedir e, sendo configurada, o devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles se responsabilizado. A pandemia da Covid-19, que fez com que governos emitissem determinações de fechamento de shoppings centers, parece-nos se caracterizar como caso fortuito ou força maior, sendo a pandemia um fato imprevisto e superveniente à locação.

Outro fator importante é com relação às medidas que vêm sendo tomadas no âmbito dos condomínios edilícios quanto à prevenção da contaminação pelo coronavirus. Pode-se entender que o condomínio edilício é a união entre a propriedade exclusiva (apartamento, sala, loja) com a propriedade condominial (áreas comuns dos condôminos, como piscina, salão de jogos, banheiro) [2]. A área de uso comum é também de propriedade do condômino da unidade imobiliária e possui o direito de usar e fruir livremente das suas unidades, conforme artigo 1.335 do Código Civil.

Com o isolamento social e a solicitação de evitar aglomerações, muitos condomínios têm adotado a proibição ou restrição do uso das áreas comuns [3] e surgem os questionamentos sobre o pagamento de aluguel e do condomínio. Apesar da pandemia, há um rateio das suas despesas ordinárias (tais como faturas de energia elétrica, água, gás, o pagamento dos funcionários) e a necessidade de arrecadar o percentual correspondente a cada morador. Caso não consiga negociar amigavelmente com o locador ou com administração do condomínio, é possível recorrer ao Judiciário para pedir a redução do aluguel e da taxa condominial? Quais são as consequências se não conseguir pagar integralmente?

De acordo com a Teoria da Imprevisão dos Contratos (Rebus sic stantibus), no ordenamento jurídico brasileiro é possível que um contrato seja alterado, sempre que as circunstâncias que envolveram a sua formação não forem as mesmas no momento da execução da obrigação contratual, de modo a prejudicar uma parte em benefício da outra. Portanto, não basta que a pandemia da Covid-19 seja imprevisível e inevitável, a comprovação do nexo causal entre a pandemia e o não cumprimento do contrato é fundamental para aplicação da teoria.

Para reforçar a questão da relação da força maior com o não cumprimento da obrigação, no dia 3 de abril os senadores votaram e aprovaram o texto do Projeto de Lei N° 1179/2020 [4], com os devidos ajustes, que seguirá para votação da Câmara dos Deputados.

O projeto atualiza uma série de normas jurídicas para adequá-las, temporariamente, à crise do coronavírus e apenas suspende os efeitos de determinados artigos, pois são medidas temporárias e transitórias diante da emergência da saúde pública, isto é, nenhum artigo será revogado (artigos 1º e 2º do Projeto de Lei). Ainda, é importante também chamar a atenção para o texto do artigo 6º do Projeto de Lei, pois destaca-se que os efeitos jurídicos não retroagirão ao momento anterior à pandemia, ou seja, a força maior não retroage em hipótese alguma para que não haja vantagem indevida para uma das partes.

Na Alemanha, por exemplo, foi elaborada e publicada em 27 de março uma lei denominada Lei para Amenização dos Efeitos da Pandemia do Covid-19 no Direito Civil, Falimentar e Processual Penal, a qual estabelece, entre outras medidas, que durante a pandemia: I) o aluguel é devido, mas o locador não pode exigir o pagamento e nem denunciar o contrato por esse motivo; II) o locador só não pode despejar o inquilino em mora por falta do pagamento dos alugueis vencidos no período de abril a junho de 2020 (período de crise); e III) o locatário deverá demonstrar o nexo de causalidade entre a pandemia da Covid-19 e a ausência da prestação.

No Brasil, no caso de não acontecer uma renegociação amigável, é possível que o locatário recorra ao Judiciário para reduzir ou suspender os pagamentos durante o período de pandemia. No entanto, há uma divergência nas decisões da Justiça quanto ao deferimento desses pedidos. Enquanto o entendimento, por exemplo, do relator e desembargador senhor Arantes Theodoro do Tribunal de Justiça de São Paulo (36ª Câmara de Direito Privado) é de que “nos casos de força maior ou caso fortuito, o direito positivo autoriza a parte a resolver o contrato ou postular a readequação do valor real da prestação, mas não a simplesmente suspender o cumprimento da obrigação” [5], a 8ª e a 28ª Varas Cíveis, também de São Paulo ,atenderam aos pedidos de suspender os aluguéis [6].

Neste atual momento de incerteza econômica e nas divergências de decisões do Judiciário brasileiro, a melhor solução é a renegociação dos contratos, de boa-fé, entre locadores e locatários, de forma a beneficiar as partes envolvidas para reequilibrar a relação contratual e evitar um efeito dominó de perdas na economia brasileira.

 


[1] “A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato”.

Raphaela Esperança Moreira da Silva é advogada do escritório Kincaid Mendes Vianna Advogados.

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Maciel Neto: Moro corrompeu a Constituição por projeto pessoal

Rosângela Wolff Moro, mulher do ex-ministro da Justiça e Segurança Pública Sergio Moro, disse não ver separação entre seu marido e Bolsonaro. “Sou pró-governo federal. Eu não vejo o Bolsonaro, o Sergio Moro. Eu vejo o Sergio Moro no governo do presidente Jair Bolsonaro, eu vejo uma coisa só”.  

Essa declaração foi dada em entrevista publicada no jornal O Estado de S. Paulo em fevereiro deste ano. Quem somos nós para discordar…

Cada movimento e cada palavra do “marreco de Maringá” são pensados para convencer os incautos que ele é “o cara”, mas, infelizmente, apenas o tempo para revelar quem é Sergio Fernando Moro e a que veio, espero que não seja tarde demais.

Fato é que Moro corrompeu e manipulou a Constituição, a lei e a opinião pública, tudo em nome de um projeto pessoal de poder e a serviço de interesses que serão revelados com o tempo.

Moro traiu a magistratura, prevaricou à frente do Ministério da Justiça (quando retardou e deixou de praticar, tempestivamente, ato de ofício, qual seja: denunciar a pressão do presidente sobre a Polícia Federal) e apenas denunciou Bolsonaro para satisfazer interesse ou sentimento pessoal, e mais: traiu a confiança daquele que o nomeou ministro, tudo em nome de seu projeto pessoal, tudo minuciosamente planejado.

Mas vamos ao fato principal: Moro pediu demissão apenas porque avaliou que Bolsonaro passou a atrapalhar seus objetivos, e com esse movimento abriu uma crise que derrubou a bolsa, fez explodir o dólar e pode afastar Bolsonaro. Mas isso não importa a Moro, o compromisso dele não é com o Brasil.

Pediu demissão e na mesma cena lançou-se candidato à presidência da República, com slogan e tudo.

Para quem pensa que Sergio Fernando Moro é “boa gente” sugiro que observem que ele tem até o slogan da pré-campanha: “Faça a coisa certa, pelos motivos certos e do jeito certo”, presumivelmente, com dinheiro público. O fato de Moro estar utilizando na sua conta do Twitter o slogan acima pode caracterizar utilização de dinheiro público para fins pessoais e faz sua conduta amoldar-se ao que prevê o artigo 9º, incisos IV, VI e XII da Lei de Improbidade Administrativa, pois, de uma forma ou de outra, esta se beneficiando.

Em 2017 perguntei num artigo se seria “Moro o contínuo do Império” [1], mas a verdade é que Moro não é apenas um contínuo, é o representante de interesses a serem revelados, mas não são interesses nacionais.

Um registro: nunca firmei oposição às operações, tão necessárias, das policias, especialmente as da Policia Federal, mas a reflexão sempre foi compreender os porquês de tudo o que ocorria e a forma, suas verdadeiras causas e as consequências imediatas e mediatas.

A nossa obrigação é apoiar toda ação de natureza republicana e que represente um passo adiante na construção permanente de nossa nação, mas segundo o nosso próprio figurino e para atender aos interesses nacionais. Ocorre que Moro e os Golden Boys do MPF professaram certezas de além-mar, como se o Brasil fosse uma colônia do império estadunidense e, com apoio da mídia corporativa, impediram que grande parte da população mantivesse um olhar crítico sobre os fatos que ocorreram a partir de 2013, colocando o bem comum, a justiça social e o desenvolvimento humano e econômico num segundo plano.

Moro declarou que não ficou rico, então pergunto: quem pagará as suas contas? Talvez encontremos respostas no livro Quem pagou a conta?, da historiadora britânica Frances Stonor Saunders.

No livro ela apresenta a tese de que a instrumentalização da “cultura” foi um dos mecanismos de dominação e força dos Estados Unidos em relação a artistas e intelectuais de todo o mundo durante a Guerra Fria. Fundações e o Departamento de Estado dos EUA financiavam todos que se incumbissem de trabalhar como multiplicadores da visão liberal do império.

Sabemos que a dominação ainda ocorre e de outras formas, como o controle dos meios de comunicação, das artes e da cultura que influenciam e dominam, virtualmente, quase todos os povos, sobretudo no Ocidente, etc. Penso que Moro, Janot e os procuradores da Lava Jato podem ter sido domesticados e dominados pelo american way of life, todos eles, pelo que li, estudaram em universidades americanas e frequentemente estão por lá.

O intelectual Luiz Alberto de Vianna Moniz Bandeira, em entrevista recente, citando o historiador John Coatsworth, disse que entre 1898 e 1994 os Estados Unidos patrocinaram, na América Latina, 41 casos de successful golpes de Estado para mudança de regime, “o que equivale à derrubada de um governo a cada 28 meses, em um século“, uma prova inexorável de que no país dos bravos não há amor pela democracia.

Depois de 1994, outros métodos, que não militares, foram usados para destituir os governos de Honduras (2009), Paraguai (2012) e Brasil (2016).

Nesse contexto entra em cena a figura obscura do juiz de primeira instância Sérgio Moro, condutor do processo contra a Petrobras e contra as grandes construtoras nacionais.

Sergio Moro, servil e dócil aos interesses estadunidenses, preparou-se para as missões a ele confiadas desde 2007, nos cursos promovidos pelo Departamento de Estado dos EUA; seguiu em 2008, quando participou de um programa especial de treinamento na Escola de Direito de Harvard e, em outubro de 2009, participou ainda da conferência regional sobre Illicit Financial Crimes, promovida no Rio de Janeiro pela Embaixada dos Estados Unidos.

Sabe-se que a Agência Nacional de Segurança dos EUA (NSA), que monitorou as comunicações da Petrobras, descobriu a ocorrência de irregularidades e corrupção de alguns militantes do PT, e especula-se ter fornecido os dados sobre o doleiro Alberto Yousseff ao juiz Sérgio Moro, já treinado em ação multijurisdicional e práticas de investigação, inclusive com demonstrações reais (como preparar testemunhas para delatar terceiros).

Mas e os serviços prestados pela Lava Jato e Moro? Como exemplo dos “serviços” prestados por Moro pode ser citada a perda de R$ 140 bilhões no PIB nacional, só em 2015, e a destruição das grandes empreiteiras nacionais, quem explica bem tudo isso é Moniz Bandeira, a quem rendo minhas homenagens com esse artigo.

Hoje temos Moro pré-candidato à presidência da República.

A história é serva da verdade e esta, prima-irmã da justiça, por isso com o tempo, eterno aliado da verdade, haverão de emergir fatos sem véus e sem paixões.

 é advogado, sócio da Maciel Neto Advocacia e autor de Reflexões sobre o estudo do Direito.

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Keppler: Empresas precisam de políticas públicas de socorro

O atual cenário de crise pandêmica, instalado no globo, tem marcado a ebulição de uma série de debates acerca da efetividade da legislação falimentar brasileira sobre o socorro do empresariado, como revés aos danosos efeitos do desaquecimento econômico e produtivo generalizado.

Todavia, em situações como a atual, a melhor técnica seria a imediata formulação de políticas públicas hábeis a desafogar o empresariado, retirando o peso danoso que o Estado impõe à sociedade civil, tal como se observa em outras economias. Exemplos disso são países como a Alemanha, a Argentina, o Chile, a Espanha, a França e a Itália.

Entretanto, tradicionalmente, dada as vicissitudes do circo político nacional, muito pouco se faz, muito se anuncia e após o esforço midiático, quase nada se efetiva, tornando-se ainda mais dificultosa a vida da população. A falta de ação ou incorreção de ações atinge indiscriminadamente empresários e empregados.

Nessa senda, o empresariado se vê obrigado, para garantia da existência da entidade empresarial e coexistência dos postos de trabalho, a lançar mão das precárias ferramentas jurídicas disponíveis, bem como da criatividade de advogados e da compreensão dos julgadores, equação que na maioria das vezes é exitosa.

Muito por conta disso, talvez contando com a criatividade do brasileiro, os representantes de todos os Poderes, indistintamente, têm se apegado a filigranas da vida contemporânea, não formulando ou não aplicando políticas efetivas de combate às mazelas atuais. Isso por vários fatores, invariavelmente, por conveniência ou por incompetência, relegando ao final a responsabilidade do cargo que ocupam ao bem dará, afinal Deus é brasileiro e acreditar que o amanhã será melhor passa a ser um método, uma saída e uma resposta a conturbados momentos como o presente.

A exemplo disso, vários países instituíram, em maior ou menor medida, providências como: (i) isenção momentânea do recolhimento de impostos; (ii) concessão de empréstimos pelos bancos públicos; (iii) vedação a execução de garantias imobiliárias; (iv) redução da taxa de juros; (v) concessão de compensações a manutenção do emprego; (vi) injeção de recursos financeiros na economia; e (vii) prorrogações de vencimentos e suspensão de ações, execuções, manutenção de serviços essenciais sem contrapartida de pagamentos. Isso apenas para citar algumas das saídas adotadas, que se replicadas na realidade brasileira certamente potencializariam não só a recuperação de todos os setores da economia, mas também incentivariam o empreendedorismo para se dizer o mínimo.

Em contrariedade, o que se avistou até o presente momento no Brasil foram medidas tímidas, de efetividade questionável que evidenciam o descaso dos governantes com os seus representados e a sanha única de alimentar os mecanismos de arrecadação de tributos. É notável a percepção de um Estado doente, viciado na taxação dos contribuintes como meio de sua mantença e com a total ausência de compromisso da destinação dos valores arrecadados à sociedade.

Logo, diante da dramaticidade do momento em que todos se encontram, o mínimo que se poderia desejar é que a classe política ignorasse os jogos de poder — ainda que momentaneamente — e tivesse a acuidade de providenciar e viabilizar de modo indistinto políticas públicas que viessem a salvaguardar a sociedade como um todo, bem como a apreciação pontual de projetos de lei nevrálgicos à economia.

Exemplos são a modernização da atual legislação falimentar e a edição de legislação ponte (prorrogação de pagamentos sem o rigor do processo de recuperação judicial para o excepcional e imprevisível momento da pandemia). Afinal, todos coexistimos e dependemos uns dos outros para nossa sobrevivência.

A Covid–19, indiscriminadamente, atinge ricos e pobres, grandes, pequenas e medias empresas — mas a assistência do sistema (econômico e de saúde) sempre demora mais a chegar para os menos favorecidos.

Roberto Carlos Keppler é sócio fundador do Keppler Advogados Associados.

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Santolim e Giannakos: Tomada de decisões em momentos de crise

A premissa central da teoria econômica é que as pessoas escolhem por otimização. De todos os bens e serviços a adquirir, um agente econômico opta pelo melhor dentro de suas possibilidades de compra. No entanto, vivemos em um mundo de humanos que, por terem predileções pessoais, possuem sua racionalidade limitada [1].

As habilidades cognitivas do ser humano não são infinitas e suas memórias são falhas (bounded rationality). Em algumas situações, o ser humano age contra os seus próprios interesses (bounded willpower). Em outras, o ser humano pode sacrificar os seus interesses em prol dos interesses de um desconhecido (bounded self-interest[2].

Mas como fica a tomada de decisões dos agentes econômicos em momentos de crise?

Além da reconhecida “racionalidade limitada”, esses agentes, ao firmar contratos de longa duração, não têm condições de prever todas as intercorrências possíveis que podem ocorrer. Ou seja, mesmo que não padecessem das limitações cognitivas que afetam suas escolhas, ainda assim não disporiam de todas as informações necessárias a um exercício pleno da sua capacidade de discernimento.

A tentativa de elaborar contratos que prevejam todas as situações possíveis, por óbvio, aumentará os custos de transação para as partes. Assim, é até mesmo preferível não tentar prever todas as situações contratuais (a denominada “incompletude estratégica” dos contratos) e, em momentos oportunos, utilizar da cooperação para considerarem eventuais mudanças ou novas condições que a situação possa apresentar.

Esse é o ponto crucial.

Relações contratuais entre particulares facilitam a divisão de trabalho e de especializações, que são as chaves para aumentar a qualidade e quantidade dos produtos [3]. O principal conceito econômico do contrato é justamente o de ser uma ferramenta que ajuda as partes a maximizar o seu bem-estar [4].

Se para o mercado é interessante que haja continuidade contratual e manutenção da segurança jurídica das relações, comportamentos contrários a esta intenção, sobretudo carregados de influências externas e dotados de tendências abusivas, certamente não serão bem recebidos.

No entanto, em momentos de dificuldades, as partes ficam mais suscetíveis a tomadas de decisões que vão, no futuro, prejudicá-las. Isso fica ainda mais latente quando são incentivadas.

Do ponto de vista econômico, no momento em que os veículos de comunicação transmitem a possibilidade de repactuação dos contratos de locação comerciais, por exemplo, incentivam que boa parte dos locatários busquem este benefício mesmo que a sua situação fática específica não exija (“comportamento oportunista” [5]). Do ponto de vista econômico, tais notícias dificultam justamente a cooperação pré-existente entre os envolvidos.

Nesse caso, o locatário pode incorrer tanto no caso de bounded rationality ou bounded willpower [6], pois, ao tentar se beneficiar de uma situação que, possivelmente, sequer se aplica ao seu caso, prejudicará uma relação de cooperação para com o locador. Partindo-se da premissa que contratos de locação, via de regra, são de longo prazo, a perda da confiança mútua só aumentará os custos de transação entre as partes.

Nas palavras de Joshua D. Wright e Douglas H. Ginsburg, as tomadas de decisões equivocadas custam caro [7].

Pode-se dizer que o locatário se coloca em uma situação em que podemos analisar na perspectiva da teoria dos jogos (dilema do prisioneiro). Este, tentado com as expectativas criadas pelas notícias veiculadas pelos veículos de comunicação, tende a não cooperar. Ao não cooperar, possivelmente, cria uma desconfiança por parte do locador que, em um momento posterior (possível renovação contratual), exigirá mais garantias do locatário.

Assim, o “comportamento oportunista” criado gerará ao locatário um acréscimo de custos posteriores.

Do ponto de vista do locador, a perspectiva é consequentemente oposta. Acaba ocorrendo o optmistic bias [8]. Com a circulação de notícias contrárias à manutenção dos termos contratuais na forma contratada, o locador, sentindo-se pressionado a relativizar os termos do contrato, acaba por incentivar o retorno às atividades normais, manifestando-se contrário ao lockdown.

Essa reação nada mais é do que reflexa à tomada de decisão do locatário.

Em outras palavras, o locador, ao analisar o índice de mortalidade da Covid-19, o percentual de incidência na localidade em que reside acaba por subestimar a incidência do vírus e, dessa forma, posicionar-se no sentido da retomada gradativa dos negócios.

O denominado desconto hiperbólico (hyperbolic discount) também pode ser utilizado para diagnosticar a atividade do ser humano nestes momentos. Tarefas ou atividades que não possuem recompensa ou punição pelo seu cumprimento ou não cumprimento tendem a ser postergadas (da mesma forma, as tarefas que só gerarão recompensas em momento muito distante). Todavia, tarefas que gerarão recompensas imediatas, não tendem a ser postergadas [9].

Esse é o exemplo da revisão contratual. No momento em que o mercado se apresenta favorável à renegociação e, com intuito de economizar no pagamento do locativo, o locatário toma rapidamente a iniciativa de notificar o locador ou, até mesmo, ajuizar ação pretendendo a redução da despesa.

A “recompensa” na redução (ou até mesmo isenção do pagamento do aluguel) incentiva o locatário a tomar tais medidas rapidamente em desfavor do locador.

Tais situações práticas acabam por bater às portas do Poder Judiciário, que, por sua vez, deve compreender tais atitudes e tentar evitar uma ideia de renegociação de forma indiscriminada, sob a pena de sofrer um abarrotamento de ações desta natureza.

Ou seja, os seres humanos possuem sua racionalidade limitada e, em momentos de crise, são ainda mais sensíveis aos incentivos e desincentivos. A economia comportamental, neste sentido, torna-se ferramenta muito útil para “diagnosticar” algumas mudanças em relações contratuais duradouras.

Portanto, a compreensão destas atitudes se faz cada vez mais relevante e a multidisciplinariedade nas análises casuísticas também.

 é advogado, economista, professor da Faculdade de Direito da UFRGS, doutor e mestre em Direito pela UFRGS e pós-doutor em Direito pela Universidade de Lisboa.