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Iolete Silva: O STF e os direitos de crianças e adolescentes

O Brasil possui um marco legal específico para a infância e adolescência que contemplou a constituição de conselhos paritários e deliberativos na área das políticas para crianças e adolescentes, assim como a estruturação de conselhos tutelares eleitos pelas próprias comunidades. Foi no contexto de redemocratização do país e de incentivo à participação da sociedade nas decisões governamentais sobre políticas sociais, bem como no controle da implementação destas, que o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) foi criado. Trata-se de um órgão colegiado deliberativo das políticas de promoção, proteção e defesa dos direitos da criança e do adolescente no Brasil, criado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente ECA (Lei 8.069, de 1990) e instituído pela Lei 8.242, de 1991.

Esse conselho de composição paritária é integrado por 28 conselheiros, sendo 14 representantes de órgãos que executam as políticas sociais básicas, como os ministérios e secretarias nacionais, e 14 representam entidades da sociedade civil que possuem atuação em âmbito nacional na promoção e defesa dos direitos de crianças e adolescentes.

O surgimento do Conanda somente foi possível em função de lutas sociais que resultaram na construção de uma nova visão sobre os direitos de crianças e adolescentes no país e nesses 29 anos de criação do Conanda já foram aprovadas mais de 200 resoluções, diversos manifestos e notas públicas que regulamentaram o funcionamento do sistema de garantia de direitos de crianças e adolescentes. Destaca-se a construção da política nacional, plano decenal e planos nacionais setoriais abordando diversos temas, entre eles: o enfrentamento à violência e exploração sexual praticada contra crianças e adolescentes; o sistema nacional socioeducativo, a prevenção e erradicação do trabalho infantil e proteção do trabalhador adolescente; a promoção e a defesa dos direitos de crianças e adolescentes indígenas, quilombolas, crianças e adolescentes com deficiência; a criação de parâmetros de funcionamento e ação para as diversas partes integrantes do sistema de garantia de direitos; e o acompanhamento de projetos de lei em tramitação no congresso nacional referentes aos direitos de crianças e adolescentes.

Em 2019, o Conanda sofreu um ataque brutal do governo federal, tendo no primeiro semestre daquele ano enfrentado obstáculos ao seu funcionamento quando o MMFDH não convocou as reuniões de forma regular, nem viabilizou a participação de representantes da sociedade civil, alegando que era caro e desnecessário realizar reuniões mensais, como se a pauta da infância não exigisse ações contínuas no Brasil. No segundo semestre, em setembro, o atual presidente da República publicou o Decreto 10.003/2019, cassando o mandato dos conselheiros da sociedade civil, legitimamente eleitos, e alterando drasticamente o funcionamento do Conanda.

Esse decreto reduziu o número de conselheiros titulares de 28 para 18, as reuniões mensais presenciais foram substituídas por trimestrais via videoconferência, a escolha de conselheiros da sociedade civil passou a ser por processo seletivo realizado pelo governo, ao invés de eleições, a presidência do conselho passaria a ser indicada pelo presidente da República, em vez de eleita, além de ter direito a voto extra em caso de empate em deliberações.

Como reação a esse decreto, a sociedade civil ingressou com um mandado de segurança no STF a fim de garantir os direitos da infância e adolescência, pois enfraquecer o Conanda é enfraquecer a proteção de crianças e adolescentes brasileiros.

Defendemos que seja dado provimento ao mandado de segurança para reafirmar o compromisso que o Brasil assumiu com a garantia e primazia dos direitos da infância e adolescência. São muitas as ações já realizadas pelo Conanda que têm orientado a atuação da rede de proteção e muitas ações que ainda devem ser realizadas dados os indicadores sociais que apontam crianças/adolescentes com as principais vítimas de violência no país.

Logo nos primeiros anos de funcionamento, o Conanda atuou em casos emblemáticos de violação dos direitos de crianças e adolescentes, como a “chacina da Candelária”, exigindo a apuração de responsabilidades e lutando por uma política de assistência para crianças e adolescentes em situação de rua e vem se mantendo vigilante quanto às diferentes violações que continuam a ocorrer por ausência de políticas de estado. Destaco como exemplo o Plano Nacional de Enfrentamento da Violência Sexual Infanto-Juvenil, aprovado pelo Conanda, e que é referência importante para a organização de políticas públicas, programas e serviços nessa área. São inúmeras ações exercidas enquanto órgão guardião dos direitos de crianças e adolescentes e órgão de controle das políticas realizadas pelos gestores públicos.

A participação da sociedade civil qualifica esse processo de construção. Reduzir essa participação a partir dos mecanismos propostos pelo decreto presidencial é fragilizar o Conanda e reduzir as possibilidades de controle social das políticas de proteção a crianças e adolescentes brasileiros, que não têm sido tratados com prioridade pelos governos. A participação social diversa e democrática é imprescindível para a construção de políticas que atendam às demandas sociais e para qualquer governo que tenha compromisso com a proteção social.

Iolete Ribeiro da Silva é conselheira pelo Conselho Federal de Psicologia e presidente do Conanda.

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Ministra do STJ concede liberdade a adolescente internado

A internação provisória, conforme dispõe o Estatuto da Criança e do Adolescente, pode perdurar apenas pelo prazo máximo de 45 dias. Assim, qualquer extrapolação a esse período configura constrangimento ilegal. 

Jovem estava internado na Fundação Casa além do prazo legal
Reprodução/Fundação Casa

Foi com base nesse entendimento que a ministra Laurita Vaz, da 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, determinou que um adolescente internado na Fundação Casa seja colocado em liberdade.

Segundo os autos, o jovem, internado em março, deveria ter sido liberado em 20 de abril. Em 1º grau, no entanto, foi definida a extensão do prazo levando em conta a suspensão das audiências presenciais desde que o surto do novo coronavírus se intensificou. 

“Não há registro de contaminação pelo coronavírus no âmbito da Fundação Casa de Caraguatatuba. Assim, excepcionalmente, prorrogo o prazo de internação provisória que será atingido em 20 de abril, até o dia 12 de maio de 2020”, afirma o juízo originário. 

Ocorre que o ECA não admite excepcionalidades, determinando, no artigo 108, que a internação, antes da sentença, deve ser determinada em até 45 dias, o que não ocorreu no caso concreto. 

“Consoante o disposto no artigo 108, parágrafo único, da Lei n.º 8.069/1990, a internação provisória somente pode perdurar no aludido prazo, sendo que o seu elastério constitui, nos termos da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, constrangimento ilegal”, afirma a decisão do STJ. 

Para o defensor público Rodrigo Ferreira dos Santos Ruiz Calejon, responsável por assistir o adolescente, o entendimento em 1º grau beira o abuso de autoridade e inverte a lógica protetiva de crianças e adolescentes. 

“Sua manutenção em situação de encarceramento só agrava os riscos de contaminação pelo coronavírus, tornando-se medida atualmente absurda e contrária a todas as recomendações nacionais e internacionais atuais”, diz. 

Ainda de acordo com ele, qualquer excepcionalidade à lei só pode ocorrer para proteger direitos fundamentais. “Se a regra é expressa, eu não posso fazer outra interpretação. Só posso fazer uma interpretação diversa quando a lei não é suficiente para proteger garantias”. 

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Teleaudiência não precisa de autorização das partes, decide TJ-SP

O Tribunal de Justiça de São Paulo editou um novo provimento que exclui a necessidade de concordância prévia das partes para realização das teleaudiências durante a epidemia de Covid-19, conforme previsto pela Resolução CNJ 314/2020, que traz redação semelhante.

TJ-SPTJ-SP exclui necessidade de autorização das partes para teleaudiências na epidemia

O TJ-SP levou em consideração que a regra do artigo 6º, §3º, da Resolução CNJ 314/2020, não condiciona a realização das audiências por videoconferência em primeiro grau, durante o período do sistema remoto de trabalho, ao prévio consentimento das partes.

“Poderão ser realizadas audiências por videoconferência, observada, nesse caso, a possibilidade de intimação e de participação das partes e testemunhas no ato, por meio do link de acesso da gravação junto ao Microsoft OneDrive, a ser disponibilizado pelo juízo, observadas as demais disposições dos Comunicados CG 284/2020 e 323/2020”, diz o provimento.

Leia o novo provimento do TJ-SP:

“PROVIMENTO CSM Nº 2557/2020

O CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA, no uso de suas atribuições legais (artigo 16, XVII, do RITJSP),

CONSIDERANDO que a atividade jurisdicional é essencial e ininterrupta, nos termos do art. 93, XII da Constituição Federal, devendo assegurar-se sua continuidade durante o Sistema Remoto de Trabalho, sempre que possível, por meios eletrônicos ou virtuais, o que também se aplica às audiências;

CONSIDERANDO que, nos termos do art. 3º, §2º, da Resolução CNJ 314/2020, e do art. 2º, §1º, do Provimento CSM 2554/2020, compete às partes apontar as impossibilidades técnicas ou práticas que eventualmente impeçam a realização dos atos processuais por meio eletrônico ou virtual, cabendo ao juiz, na sequência, decidir fundamentadamente acerca da matéria;

CONSIDERANDO que a regra do art. 6º, §3º, da Resolução CNJ 314/2020, não condiciona a realização das audiências por videoconferência em primeiro grau de jurisdição, durante o período do Sistema Remoto de Trabalho, ao prévio consentimento das partes.

RESOLVE:

Art. 1º. O §4º do art. 2º do Provimento CSM 2554/2020 passa a contar com a seguinte redação:

“Art. 2º. ………………………………………………………………………..

§4º. Poderão ser realizadas audiências por videoconferência, observada, nesse caso, a possibilidade de intimação e de participação das partes e testemunhas no ato, por meio do link de acesso da gravação junto ao Microsoft OneDrive, a ser disponibilizado pelo juízo, observadas as demais disposições dos Comunicados CG nº 284/2020 e nº 323/2020.”

Art. 2º. Este provimento entra em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário.

PUBLIQUE-SE. REGISTRE-SE. CUMPRA-SE.

São Paulo, 12 de maio de 2020″

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Com garantia de amamentação, internação de menor grávida é legal

Em situações que envolvem atos infracionais praticados com violência ou grave ameaça, além de outras hipóteses previstas no artigo 122 do Estatuto da Criança e do Adolescente, é legal a medida de internação de adolescente grávida ou que esteja em fase de amamentação do bebê. Entretanto, é necessário que a jovem internada receba atenção adequada à saúde e que lhe seja garantida a permanência com o filho durante o tempo necessário para a amamentação.

Com garantia de amamentação, internação de adolescente grávida é legal, diz STJ

O entendimento foi firmado pela 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça ao manter a medida de privação de liberdade imposta a uma adolescente grávida que praticou ato infracional equiparado ao crime de homicídio. Na decisão, tomada por unanimidade, o colegiado levou em consideração informações de que a jovem tem recebido todo o apoio de saúde necessário, em local que também possui estrutura adequada para a futura fase de lactação.

A defesa entrou com Habeas Corpus no tribunal de origem, mas a corte negou o pedido de liberdade, pois entendeu que a medida de internação era necessária em razão de o crime ter sido praticado com violência e por concluir que a situação dos autos não se enquadrava nas hipóteses de concessão de regime domiciliar para mães em prisão preventiva, previstas pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do HC 143.641.

Em novo Habeas Corpus, dessa vez dirigido ao STJ, a defesa alegou que as adolescentes não poderiam receber tratamento mais gravoso do que pessoas adultas e que a possibilidade de prisão domiciliar estaria assegurada às mulheres adultas gestantes ou mães de filhos de até 12 anos incompletos.

Segundo a defesa, uma das hipóteses excepcionais previstas pelo STF para a manutenção do encarceramento de mães e gestantes — o cometimento do delito com violência ou grave ameaça — teria relação exclusiva com os atos praticados por elas contra os seus descendentes, o que não seria o caso dos autos.

O relator do pedido de Habeas Corpus, ministro Reynaldo Soares da Fonseca, explicou que a medida socioeducativa de internação somente pode ser aplicada nas hipóteses previstas pelo artigo 122 do Estatuto da Criança e do Adolescente, que inclui, entre outros casos, o ato infracional cometido mediante violência ou grave ameaça.

Em razão do ato infracional equiparado ao crime de homicídio duplamente qualificado, que, segundo o ministro, “traduz gravíssima e irremediável violência contra pessoa”, ele entendeu estar autorizada a medida socioeducativa de internação.

Entretanto, Reynaldo Soares da Fonseca destacou que, conforme os artigos 60 e 63 da Lei 12.594/2012, é garantida à adolescente grávida ou lactante atenção integral à saúde, além de serem asseguradas as condições necessárias para que a adolescente submetida à medida socioeducativa de privação de liberdade permaneça com o seu filho durante o período de amamentação.

Programa de apoio

No caso dos autos, o ministro reiterou que a adolescente está internada em local que conta com programa de apoio materno-infantil. O local, segundo informações do processo, é destinado exclusivamente às jovens nessas condições e possui espaços como ambulatório, sala de amamentação e dormitórios.

“Cabe consignar que os dois relatórios juntados aos autos pela impetrante revelam que a paciente tem respondido positivamente ao processo socioeducativo”, afirmou o relator, acrescentando que o ambiente em que ela está conta com o apoio de vários profissionais de saúde, “os quais garantem que seja suficientemente orientada, inclusive em relação aos cuidados com a sua bebê”.

Apesar de manter a adolescente em internação, o ministro lembrou que o juiz da execução tem competência para determinar, a qualquer tempo, a modificação da medida aplicada, de acordo com a evolução socioeducativa.

Além disso, Reynaldo Soares da Fonseca determinou que seja feita reavaliação sistemática e mensal da situação da adolescente, por equipe multidisciplinar, com submissão dos relatórios ao magistrado responsável pela execução da medida. Com informações da assessoria de imprensa do STJ.

O número deste processo não é divulgado em razão de segredo judicial.