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Chaves Junior: Lockdown e controle penal da saúde pública

Há tipos penais pouco percebidos nas práxis jurídica brasileira. O crime previsto no artigo 268 do Código Penal certamente é um desses. Tal como os delitos da Lei de Drogas (11.343/2006), a sua existência é justificada na proteção da saúde pública. É verdade que existem debates diversos no âmbito da dogmática penal que questionam a legitimidade desse bem jurídico coletivo [1]. No entanto, não é este o meu objetivo aqui. Vou partir da premissa (que reconheço duvidosa) de que a saúde pública é um legítimo bem jurídico coletivo para figurar no âmbito de proteção da norma penal.

A “infração de medida sanitária preventiva” teve para si os holofotes direcionados a partir dos meses de fevereiro e março deste ano de 2020, quando a Covid-19 chegou a categoria de pandemia. No Brasil de hoje, ninguém sabe ao certo quantas pessoas contraíram o coronavírus, quantas morrerão em decorrência dele ou, ainda, quando haverá um controle sanitário efetivo na forma de vacina ou outro método a partir do qual se possa estancar as contaminações e as mortes. Diante dessa realidade e, apostando no isolamento social como mecanismo de controle, governos locais [2] vêm apostando na técnica do confinamento absoluto (lockdown) emitindo-se determinações de bloqueio total de determinadas regiões, bairros ou cidades. A dúvida aqui é a seguinte: qual é a consequência penal para o agente que, intencionalmente, desrespeite essas determinações? Ou, melhor dizendo: considere alguém diagnosticado com a Covid-19 (doença sabidamente contagiosa) e que, diante dessa condição clínica receba determinação do órgão de saúde para que permaneça em isolamento domiciliar e, dolosamente, infringe essa determinação. Possivelmente esse comportamento encontraria tipicidade no deito do artigo 268 do CP, sobretudo tendo em vista a potencialidade dessa conduta em propagar a doença e contaminar outras pessoas. Mas qual seria a resposta penal possível para este sujeito?

O delito do artigo 268 do Código Penal incrimina a conduta de “infringir determinação do poder público, destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa”. Sobre ele, Cezar Roberto Bitencourt [3] esclarece que é necessário demonstrar a idoneidade do comportamento infrator para produzir um potencial resultado ofensivo à preservação do bem jurídico (saúde pública). Conforme o autor, caso não reste evidenciado esse perigo (ainda que abstrato) de lesão à saúde, não há crime, pois o contrário admitiria que a mera infração de norma administrativa fosse constitutiva de delito. Neste ponto, o delito do artigo 268 do Código Penal somente abrangeria as infrações significativas de determinações do poder público, ou seja, aquelas que coloquem em perigo a saúde de um número indeterminado de pessoas, diante da séria possibilidade de introdução e propagação de doença contagiosa. Mas, o que desafia os cânones mais elementares da razoabilidade é a consequência na forma de pena que esse dispositivo carrega: um mês a um ano de detenção, mais multa. Tem-se, portanto, uma infração penal de menor potencial ofensivo.

Fazendo-se um paralelo com a Lei de Drogas (que, em tese, protege o mesmo bem jurídico coletivo), é fácil verificar que essa cominação não faz qualquer sentido. Como pode alguém que, comprovadamente infectado, infringe determinação do poder público e coloca em perigo a saúde de um número indeterminado de pessoas estar sujeito a pena de um mês de detenção enquanto aquele que guarda droga [4] está sujeito a pena de cinco anos de reclusão? Se o bem jurídico tutelado é exatamente o mesmo, como pode o perigo consubstanciado na difusão de doença contagiosa (que comprovadamente pode levar a morte) e consequente possibilidade de infecção de um número indeterminado de pessoas ter pena muito menor do que aquela cominada a alguém que guarda droga?

Aliás, a tomar como exemplo o seu artigo 33 da Lei de Drogas, podemos verificar que a resposta que o legislador determina ao condenado por essa prática é superior ao crime de instigação, induzimento ou auxílio ao suicídio [5] (seis meses a dois anos de reclusão), ao delito de lesão corporal gravíssima [6] (reclusão de dois a oito anos de reclusão), ao tipo penal que prevê o crime de lesão corporal seguida de morte [7] (quatro a 12 anos de reclusão), ao crime de abandono de incapaz com resultado morte [8] (reclusão de quatro a 12 anos), ao delito de maus tratos com resultado morte [9] (reclusão de quatro a 12 anos), e, também, mais alta que a pena cominada ao crime de tortura qualificada pela lesão corporal grave ou gravíssima [10] (quatro a dez anos de reclusão). Caso se trate de tráfico (transporte de droga, por exemplo) interestadual [11], a pena mínima fica próxima aos seis anos (Lei 11.343/2006, artigo 33 c/c artigo 40, V), sanção aproximada àquela imposta ao sujeito que mata (dolosamente) uma pessoa (CP, artigo 121, caput [12]).

Tal como o crime do artigo 268 do Código Penal, o crime do artigo 33 da Lei de Drogas traz consigo a justificação de proteger a saúde pública e, numa atenta análise à sua redação, não é difícil concluir que vários dos 18 núcleos previstos no seu tipo penal não representam qualquer ameaça à saúde de qualquer pessoa [13]. E ainda que existisse uma ameaça à saúde de pessoa determinada (ou mesmo, determinável), as perguntas são quase automáticas: por que é que a pena do crime de tráfico de drogas (guardar droga, por exemplo) é mais alta do que aquelas previstas para os crimes de tortura, lesão corporal gravíssima, lesão corporal seguida de morte e induzimento ao suicídio [14]? Qual é a expressão máxima de lesão à saúde? Não seria a morte a falência completa dessa condição? Não se verifica qualquer critério razoável para que se tenha tão elevada cominação, sobretudo, porque o legislador impõe tais penas, inclusive, sobre comportamentos que não geram qualquer perigo para o bem jurídico. Numa análise crítica a essa tendência, Winfried Hassemer [15] registra que o injusto penal não é a causa provável de um dano, mas uma atividade que o legislador criminalizou.

Além disso, se o objetivo da norma é proteger a saúde pública, não há como incriminar o comportamento de guardar drogas para consumo próprio [16] (espécie de ato preparatório de autolesão) e deixar de incriminar a autolesão efetiva, ou mesmo, a autoexposição a perigo de lesão. Aqui, são flagrantes as contradições valorativas a partir daquilo que Wolfgang Frisch [17] chama de mandato de consistência, pois o legislador deixa, sem fundamento, de reconhecer certo princípio limitador da pena por ele aceito noutro setor.

O artigo 260, § 1º, do Código Penal [18] prevê penas entre quatro a 12 anos de reclusão para quem causa desastre ferroviário (crime de lesão contra a segurança do transporte e de outros serviços públicos), pena cominada menor do que aquela prevista para o sujeito que “guarda” ou “leva consigo” droga (crime de perigo à saúde), conforme se verificou.

A lesão é uma realidade; o perigo, uma possibilidade. Então, não há justificativa satisfatória para se ter como legítimas as incriminações de delitos de perigo abstrato com penas mais elevadas se comparadas aos crimes de lesão, mormente, quando o bem jurídico afetado no crime de lesão possui uma relação direta com o bem que se julga proteger com a norma do delito de perigo.

Ou seja, se a coerência é pretensão interna de um sistema, notadamente está longe de ser o caso do sistema de crimes e penas que declaram proteger a saúde no Brasil. Há quase 20 anos, Juarez Tavares [19] já diagnosticava a urgência de uma profunda reforma nessas cominações, não para aumentá-las, mas para limitar o arbítrio do legislador em fixar limites de penas em atenção ao dano social que as respectivas condutas acarretam.

Por fim, a qualidade (prisão simples, detenção ou reclusão) e a quantidade (tamanho) da pena cominada ao tipo (no âmbito abstrato) deve estar diretamente alinhado ao bem jurídico [20]. Se se admite que há controle penal da saúde e a pena é um dos instrumentos de prevenção, parece bastante natural que essa pena seja proporcional a potencialidade de lesão ao bem jurídico que a conduta seria capaz de provocar. Esse é um critério a partir do qual não se pode afastar o legislador. No Brasil, porém, ou não há critérios, ou há critérios divergentes para fatos iguais ou, finalmente, critérios mais rigorosos para fatos de menor e de nenhuma gravidade.

 é professor do programa de pós-graduação strito sensu em Ciência Jurídica da Universidade do Vale do Itajaí (mestrado e doutorado) e doutor em Ciência Jurídica (Univali) e em Direito (Universidade de Alicante, Espanha).

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Empregado que aderiu a PDI consegue manter plano de saúde

Dispensa incentivada

Empregado que aderiu a PDI tem direito de manter plano de saúde

A adesão ao Programa de Dispensa Incentivada (PDI) não impede a manutenção do plano de saúde, desde que o empregado já tenha participado dele por pelo menos dez anos e assuma integralmente o seu custeio. Com esse entendimento, a Quarta Turma do Tribunal Superior do Trabalho rejeitou recurso de uma empresa contra decisão que havia determinado a manutenção do plano de saúde de um ex-empregado que aderiu ao PDI.

ReproduçãoEmpregado que aderiu a PDI consegue manter plano de saúde

Na reclamação trabalhista, o aposentado relatou que trabalhou por mais de 40 anos na empresa e que rescindiu o contrato em 2013 por meio do PDI. Durante toda a relação empregatícia, ele e seus dependentes fizeram uso do plano de saúde oferecido pela empresa. No entanto, o programa de desligamento previa o encerramento do benefício. Por isso, ele entrou na Justiça.

O relator do recurso de revista, ministro Caputo Bastos, observou que a segunda instância decidiu conforme a jurisprudência do TST e a lei. De acordo com os artigos 30 e 31 da Lei 9.656/1998, que trata dos planos e seguros privados de saúde, o empregado pode manter o benefício nas mesmas condições da época da vigência do contrato de trabalho nos casos de rescisão sem justa causa, desde que assuma o pagamento integral e tenha contribuído para o plano por, no mínimo, dez anos.

De acordo com o relator, o TST também entende que, para a permanência na condição de beneficiário do plano de saúde, é irrelevante que o empregado tenha aderido ao PDI. A decisão foi unânime. Com informações da assessoria de imprensa do TST.

RR-2508-51.2015.5.22.0002

Revista Consultor Jurídico, 12 de maio de 2020, 19h55

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Incide IR sobre valores percebidos como incentivo à aposentadoria

Em sessão ordinária realizada no dia 12 de março, a Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais (TNU) fixou a seguinte tese: “Os valores pagos, a título de ‘prêmio aposentadoria’, como retribuição pelo tempo que o empregado permaneceu vinculado ao empregador, têm natureza remuneratória e, portanto, estão sujeitos à incidência do Imposto de Renda” (Tema 227).

O Pedido de Interpretação de Uniformização de Lei foi interposto pela União contra acórdão da 5ª Turma Recursal do Rio Grande do Sul, que reconheceu a natureza indenizatória da vantagem denominada “prêmio aposentadoria”, paga ao tempo da inativação, e, por conseguinte, a inexistência de relação jurídica que autorizasse a incidência do IRPF.

Segundo o requerente, essa decisão contraria o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, que reconheceu taxativamente a natureza remuneratória do “prêmio aposentadoria” porque paga por mera liberalidade do empregador, traço distintivo da rubrica paga em decorrência da adesão a plano de demissão voluntária (PDV).

Critérios

Em suas razões de decidir, o Relator do processo na TNU, Juiz Federal Ronaldo Castro Desterro e Silva, iniciou sua exposição de motivos pontuando que o benefício recebido pela autora, denominado “prêmio aposentadoria”, acha-se previsto no art. 79 do Regulamento do Pessoal do Banrisul.

“O primeiro dos traços distintivos da aposentadoria premiada em relação aos denominados ‘planos de demissão voluntária’ reside no fato de que, nestes, há um acordo de vontades no qual o empregador, à vista da ociosidade da mão de obra ou de seu preço, estimula o empregado, mediante o pagamento de certa quantia, a pedir dispensa. Com efeito, no prêmio aposentadoria inexiste o acordo de vontades, sendo a inativação e o prêmio por essa iniciativa direitos do empregado”, defendeu o juiz.

Dando prosseguimento ao voto, o magistrado afirmou que não há, ainda, na aposentadoria premiada o risco de desamparo provocado pelo mal empreender ou pelo desemprego, porquanto o aposentado tem seu sustento garantido. De resto, o incentivo é, antes, voltado para a permanência no emprego, pois, consoante se depreende da transcrição do regulamento, quanto maior o tempo de serviço, maior o prêmio. Seguindo essa linha de raciocínio, o Juiz Relator defendeu que não há identificação entre o prêmio aposentadoria e os programas de demissão voluntária, a autorizar a isenção do Imposto de Renda. Com informações da assessoria de imprensa do Conselho da Justiça Federal.

5063352-39.2017.4.04.7100