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Deputados dos EUA se opõem a acordo comercial com Bolsonaro

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Deputados dos EUA manifestam oposição a acordo comercial com Bolsonaro

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Devido a posturas e atos autoritários, preconceituosos e prejudiciais a trabalhadores e ao meio ambiente do presidente Jair Bolsonaro, o Comitê sobre Maneiras e Meios (Committee on Ways and Means) da Câmara dos Deputados dos Estados Unidos, responsável por assuntos tributários, manifestou forte oposição à celebração de qualquer acordo comercial com o governo brasileiro.

Bolsonaro não respeita o Estado de Direito e garantias ambientais e trabalhistas, dizem deputados dos EUA
Fábio Rodrigues Pozzebom / Agência Brasil

Em ofício enviado nesta quarta-feira (3/6) ao representante de Comércio dos EUA, Robert Lighthizer, os deputados disseram ser fortemente contrários ao plano de expandir as relações comerciais com o Brasil — como declarou o integrante do governo de Donald Trump após conversar em maio com o ministro das Relações Exteriores do país, Ernesto Araújo.

De acordo com os parlamentares, é “inapropriado” que o governo dos EUA faça parcerias comerciais com um líder brasileiro que “despreza o Estado de Direito e está ativamente desmantelando o duramente conquistado progresso em direitos civis, humanos, ambientais e trabalhistas”.

Como exemplos dessas práticas, os deputados citaram o aumento de invasões de terras indígenas e de queimadas na Amazônia e a diminuição de multas e outras punições aos responsáveis por esses atos.

Além disso, Bolsonaro extinguiu o Ministério do Trabalho, dificultou a regularização de sindicatos e não vem tomando ações para erradicar o trabalho escravo, apontaram. Além de tornar o Brasil um parceiro comercial inadequado para os EUA, destacaram os parlamentares, essas medidas reduzem a competitividade, salários e direitos de trabalhadores norte-americanos.

Eles também destacaram que um acordo comercial aumentaria a força dos produtos agropecuários do Brasil nos EUA, sendo que os produtores brasileiros têm histórico de empregar práticas comerciais injustas.

Clique aqui para ler o ofício (em inglês)

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 é correspondente da revista Consultor Jurídico no Rio de Janeiro.

Revista Consultor Jurídico, 4 de junho de 2020, 18h02

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Ítalo Farias: Ativismo judicial e direito à saúde

As discussões que envolvem o ativismo judicial são tão antigas quanto o próprio surgimento da jurisdição constitucional. Alexis de Tocqueville (1805-1859), por exemplo, já relatava o imenso poder político de que dispunham os juízes norte-americanos para inclusive desaplicar uma lei que estivesse em desacordo com a Constituição [1].

Entretanto, a expressão judicial activism é de forma corrente atribuída a Arthur Schlesinger Jr. que a usou pela primeira vez em um artigo publicado em 1947. Na ocasião o autor analisava a tendência de alguns juízes (justices) da Suprema Corte em adotar posturas mais ativistas, de autocontenção ou moderadas [2].

De fato, não existe um consenso geral sobre o significado da expressão, dada a ambiguidade que isso gera, pois o ativismo é tanto conservador como liberal ou progressista. Na verdade, a postura ativista ou de autocontenção só adquire significado dentro de uma conjuntura específica que envolve determinado momento político e a atuação dos juízes.

Por outro lado, uma postura de autocontenção, ou seja, a opção dos juízes em não interferir em questões políticas, também faz parte do mesmo fenômeno e adquire um significado político quando estão em jogo assuntos que envolvem valores constitucionais.

Hoje em dia, as discussões sobre o ativismo judicial ganharam o mundo, sendo relatadas em várias jurisdições constitucionais e tomando conta dos debates políticos. Talvez um de seus momentos mais marcantes tenha acontecido nos Estados Unidos, no segundo mandato do presidente Franklin Delano Roosevelt (1933 até 1945), envolvendo o Poder Executivo e a Suprema Corte na implementação das medidas relacionadas ao New Deal.

Apesar dos sérios efeitos da crise econômica causada pela Grande Depressão, a Suprema Corte mantinha uma visão conservadora e de oposição às reformas por estar apegada a uma visão doutrinária do capitalismo liberal. O presidente utiliza nessa disputa um forte apelo ao apoio popular que havia somado, o que na reeleição de 1936 lhe confere a vitória com mais de 60% dos votos válidos. Diante disso, inicia uma proposta para alterar a composição da Suprema Corte, o que acaba por ser rechaçado inclusive por membros do seu próprio partido.

Depois dessa queda de braços resulta que em 1937 começa a haver uma certa inflexão da Suprema Corte em favor das reformas que estavam a ser implementadas por Roosevelt, como no caso West Coast v. Parrish. No referido caso, a Suprema Corte não considerou inconstitucional uma lei do Estado de Washington que estabelecia um salário mínimo, em detrimento da ideia de liberdade contratual.

Com a reabertura política que houve a partir da promulgação da Constituição de 1988, o Brasil passou a adotar os valores que integram o constitucionalismo. Entre esses valores a ideia da normatividade constitucional e, mais ainda, do seu caráter dirigente e a crença de seu poder em transformar a realidade social e política.

Impossível que o texto constitucional não influenciasse o Poder Judiciário, ainda mais em um país com grandes desigualdades sociais. O ativismo judicial em relação ao direito à saúde começa a se manifestar já nos anos 90. Até que no Agravo Regimental no Recurso Extraordinário nº 271.286/RS (RE nº 271.286-8) [3], de 12 setembro de 2000, o STF reconhece como dever do Estado distribuir gratuitamente medicamentos para tratamento do HIV a indivíduos desprovidos de recursos financeiros para arcar com seus custos.

A decisão trata o direito à saúde previsto no artigo 196 da Constituição Federal como um direito subjetivo, afastando a interpretação dos direitos sociais como meras normas de caráter programático. O tema foi sendo ampliado na jurisprudência constitucional e no RE nº 407.902/RS[4], de 26 de maio de 2009, o STF também reconheceu ao Ministério Público a legitimidade para ingressar em juízo com ação civil pública visando a compelir o Estado a fornecer medicamentos, dando ao direito à saúde caráter indisponível.

A temática ganha relevo no debate jurídico constitucional brasileiro do início do nosso século dada a inércia da Administração Pública em fazer frente às necessidades da população. Assim, o Direito Constitucional desenvolveu em relação aos direitos sociais a teoria do “mínimo existencial”, como fora revelado naquela que passou a ser muitas vezes citada ADPF 45 [5].

Essa ideia pode ser explicada como a parcela de “fundamentalidade” do direito social em análise, como o direito à saúde, que constitui o seu “núcleo essencial”, ou seja, a manifestação concreta do princípio-valor da dignidade de pessoa humana. A força dessa vinculação é tão intensa no Direito Constitucional brasileiro que os tribunais reconhecem a sua capacidade de gerar obrigações imediatas para o Poder Público.

É o que afirma a decisão liminar do ministro Alexandre de Moraes na ADPF 672 [6], ao invocar fundamento já defendido na ADPF 45, de que mecanismos processuais podem ser utilizados “com o objetivo de se evitar condutas do poder público que estejam ou possam colocar em risco os preceitos fundamentais da República, entre eles, a proteção à saúde”.

Por tudo isso, não nos parece que o texto constitucional deixou a cargo de qualquer gestor público a possibilidade de fazer uma escolha em relação à preservação da economia em detrimento do sistema de saúde. Ao contrário, o texto constitucional tornou a defesa e a concretização do direito à saúde um dos valores fundamentais da ordem jurídica, com capacidade de vincular as iniciativas dos poderes públicos constituídos e dos particulares, inclusive, através do controle judicial.

É lógico que a disputa institucional que se coloca entre o presidente da República e o Supremo Tribunal Federal pode rever a sua posição até aqui delineada para uma proposta de autocontenção. Porém, como advertimos no início desse artigo, até mesmo uma posição de autocontenção esconde uma posição política, dada a natureza dos valores que estão em jogo.

 é advogado, professor do Centro Universitário Luterano de Santarém (Ceuls/Ulbra), conselheiro estadual da OAB-PA, doutorando no Programa “Administración, hacienda y justicia en el Estado Social” da Universidade de Salamanca, na Espanha, e mestre em Direito Constitucional pela Universidade de Coimbra.

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Camilla da Silva: A cultura da integridade é fundamental

Falar de integridade é sempre relevante, mesmo em tempos cujo foco mundial é o combate à pandemia que assombra a humanidade. Contudo, é possível vislumbrar como a cultura da integridade empresarial pode mudar a forma de enfrentamento desse cenário, bem como as empresas que adotam posturas éticas como seu grande vetor podem se destacar nesse momento onde quase não se vê luz no fim do túnel.

Pode-se destacar a importância do Código de Ética nesses momentos de crise, o qual vai nortear a empresa para que sejam tomadas decisões sem desviar da sua missão, visão e de seus valores. Isso traz segurança de seus colaboradores e diretoria, bem como a certeza de que a empresa enfrentará seus desafios pautada nos preceitos de ética e moral, o que é conhecido e aceito por toda sua equipe.

Se a empresa não tem um código de ética efetivo, é a oportunidade de repensar, mapear riscos, fazer as devidas análises, planejar treinamentos e outras medidas aplicáveis, com foco em elaborar e colocar em prática um código de ética para orientação da conduta da empresa em todos os momentos, inclusive  em tormentas dão delicadas como esta que vivenciamos.

Com a legislação determinando a implementação de programas de compliance e integridade, não restam dúvidas de que o tema é de grande relevância no meio empresarial e que a implementação de códigos de ética, treinamentos e a introdução de uma cultura de integridade devem conquistar espaço na lista de prioridades das empresas.

Assim, nasce a cultura da integridade, que não se trata de simples cumprimento legal, mas sim de uma mudança de comportamento, da atuação efetiva da conformidade com as normas legais a fim de evitar, detectar e tratar quaisquer desvios que possam ocorrer.

Quando se fala de integridade, remete-se automaticamente ao conceito de ética e moral. Marcelo Zenkner, autor da espetacular obra “Integridade governamental e empresarial: um espectro da repressão e da prevenção à corrupção no Brasil e em Portugal”, hoje Chief Governance and Compliance Executive Officer da Petrobrás, traz um excelente conceito para integridade:

“De um modo mais direto e específico, a integridade implica a exata correspondência entre os relevantes valores morais e a realização  desses valores no momento em que, diante da situações-problemas do dia a dia, uma escolha é reclamada a fim de que uma ação ou uma omissão sejam realizadas. A integridade, já por esse aspecto, se diferencia da ética: enquanto esta traz conotações mais filosóficas e intangíveis, a primeira se preocupa mais com o comportamento diário das pessoas e com o processo de tomadas de decisões” (ZENKNER, Marcelo. Integridade governamental e empresarial: um espectro da repressão e da prevenção à corrupção no Brasil e em Portugal. Belo Horizonte: Fórum, 2019. p.46.).

Essa conceituação leva a crer que a integridade está muito mais ligada à prática do que à teoria propriamente dita, pois deixa de lado a parte filosófica da ética e determina uma mudança de comportamento em que são levados em consideração os valores que a ética e a moral propõem.

O indivíduo íntegro é aquele que vai agir em conformidade não só com a lei e por medo da punição, mas de acordo com o que é certo, independentemente das circunstâncias, se é um ambiente público, privado, se há pessoas observando ou se está sozinho. E esse comportamento é constante e coerente com os preceitos que o indivíduo acredita, jamais agindo de forma contrária ao valores que ele mesmo cultua.

Os programas de integridade vão muito mais adiante do que a simples implementação de um programa de compliance. Além de cumprir com a determinação legal, prevê a real mudança na cultura da empresa, com a perpetuação de valores éticos como algo essencial e não apenas formal.

É no Decreto nº 8.420/2015, que regulamenta a Lei nº 12.846/2013, que estão contidas as diretrizes para a implementação dos programas de integridade. A intenção é de que os programas não sejam meramente “de fachada”, ou seja, com o intuito de apenas cumprir o que determina a lei, mas, sim, que efetivamente façam a diferença no aculturamento empresarial, o que trará benefícios à empresa e à sociedade como um todo.

Para que o programa de integridade se consolide é necessário envolvimento de todos os colaboradores, além da alta administração. Deve-se focar não apenas em treinamentos e teoria, mas na essência do ser humano envolvido na atividade. Somente com esse novo olhar será possível alcançar o grande objetivo deste mecanismo, que é a mudança de comportamento, o aculturamento.

Além das regras que devem ser observadas e cumpridas, deve existir uma preocupação com valores e a sua introdução no cotidiano não só do funcionário ou gestor, mas do própria atividade empresarial. Segundo André Franco Montoro: “Quanto mais voluntária e espontaneamente empresas e indivíduos adotarem um comportamento ético, menor será a propensão a transgredi (MONTORO, O Valor Econômico do Comportamento Ético. In: CARDOSO, F.H.; MOREIRA, M.M. (Coord). Cultura das Transgressões no Brasil  – Lições da História. 2.ed.São Paulo: Saraiva, 2008, p.12.).

Esses mecanismos de integridade podem ser desenvolvidos dentro da empresa levando-se em consideração não só a norma legal, mas o contexto institucional, social e cultural. Ou seja, cada corporação deve ter um programa de integridade específico e único tendo em vistas ser ímpar.

Parafraseando o CEO da Porsche, Peter Schutz, “contrate caráter, treine habilidades”. Se houver a identificação de valores éticos e morais no indivíduo antes mesmo de ingressar na empresa, será muito mais fácil a absorção dos preceitos de integridade nos quais a empresa se pauta. A probabilidade da transgressão de uma conduta ética com toda certeza é diminuta. Quanto mais funcionários íntegros ou em formação de integridade estiverem realmente dispostos a assimilar o comportamento voltado aos preceitos éticos e morais, menor será a necessidade de regulamentação rígida e fiscalização, conduzindo a empresa à saúde econômica de alta qualidade, pois estará longe de condutas que envolvam corrupção e demais ilícitos.

Sem dúvida alguma o melhor caminho a ser trilhado é aquele que conduz à integridade. A implementação de uma forma efetiva e verdadeiramente vivida dos programas de integridade beneficia a empresa como um ente personificado, seus colaboradores em todas as escalas e toda a sociedade, tendo em vista que a cultura da integridade proporciona a transparência, a verdade, a prática da ética e dos valores morais.

Essa contribuição vem com a mudança nos processos adotados pelas empresas, não em virtude de uma determinação legal visando a não ser punida , mas, sim, de uma ampliação na visão negocial, em que quem ganha é quem faz o correto, é quem age com lealdade, é quem se preocupa com os ser humano que integra seu quadro de colaboradores e com todos os participantes dessa cadeia de trabalho.

A empresa se beneficia por se destacar perante as demais, pois o programa de integridade traz a elevação moral do negócio, previsibilidade de suas ações e confiança para seus colaboradores e com quem se relaciona. Além disso, a sociedade como um todo ganha por ter um empreendimento voltado ao combate a atos ilícitos e de corrupção, que hoje são o “câncer” do mundo.

Quanto mais corporações se envolverem na cultura da integridade, mais os seres humanos serão valorizados e adotarão condutas íntegras como sendo inerente às suas ações, tanto profissionais quanto pessoais.

E nesse momento de crise que o mundo enfrenta, que irá mudar a economia em muitos aspectos, a cultura da integridade traz o diferencial para as empresas, pois o enfrentamento torna-se mais coerente e seguro. A saúde econômica e financeira de empresas que estão inseridas em uma cultura da integridade, baseada em valores éticos sólidos, que tem riscos mapeados, com frentes para gerenciar crises e valores nos quais possa se pautar, irá encarar esse grande desafio de forma mais adequada e lógica, com decisões pautadas em valores éticos levando-se em consideração acima de tudo o ser humano, protagonista nesse palco.

 

Referências bibliográficas
ZENKNER, Marcelo. Integridade governamental e empresarial: um espectro da repressão e da prevenção à corrupção no Brasil e em Portugal. Belo Horizonte: Fórum, 2019. p.46.

MONTORO, O Valor Econômico do Comportamento Ético. In: CARDOSO, F.H.; MOREIRA, M.M. (Coord). Cultura das Transgressões no Brasil  – Lições da História. 2.ed.São Paulo: Saraiva, 2008, p.12.

 é advogada, sócia do escritório Carreira e Ribas Advogados, especialista em Direito Civil e Empresarial e Master of Business Administration em Compliance e Gestão de Risco.