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TJ-RS proíbe propaganda do prefeito de Porto Alegre

Propaganda de prefeitura que exalta a gestão do prefeito viola os princípios fixados no artigo 37 da Constituição, especialmente os da impessoalidade e moralidade. Por isso, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul manteve decisão liminar que suspendeu os efeitos dos contratos de publicidade mantidos entre o município de Porto Alegre e duas agências de publicidade. As agências publicaram informes de cunho político, exaltando a gestão do prefeito Nelson Marchezan Júnior (PSDB), em jornalões do centro do país.

Marchezan Júnior, prefeito de Porto Alegre
Reprodução

O relator do agravo de instrumento na 22ª Câmara Cível, desembargador Luiz Felipe Silveira Difini, inicialmente, se manifestou — e derrubou — todas as questões preliminares suscitadas pelos réus em sede de recurso.

Conforme o relator, na atual marcha processual, é prematuro excluir o prefeito do polo passivo da ação popular, sem lhe oportunizar o direito à ampla defesa, ao contraditório, bem como a devida produção de provas. “Ao final, cabe enfatizar que, caso não se verifique conotação política nas veiculações, a ação será improcedente contra ele”, justificou.

Na análise de mérito, o julgador entendeu, tal como o Ministério Público, que a proibição de fazer qualquer publicidade que não seja de caráter educativo, informativo ou de orientação social à população nada mais é do que uma obrigação imposta ao administrador público pelo sistema normativo. Logo, a decisão da juíza plantonista, que deferiu a liminar, não causa qualquer prejuízo à municipalidade.

Difini também apurou que o conteúdo de publicidade não se referia apenas a temas como IPTU, ampliação no horário de atendimento de postos de saúde ou publicação de editais de parcerias público-privadas, como alegou a defesa dos réus. Assim, o Judiciário não poderia validar toda e qualquer publicidade, ainda mais as de cunho político, como demonstrado nos autos.

O relator, ao fim do voto, deixa claro que esta decisão não impede o município de realizar publicidade que informe e oriente a população sobre os cuidados e providências em casos suspeitos de contaminação pelo novo coronavírus, assim como em relação ao combate e à prevenção da dengue. Segundo ele, o Executivo Municipal pode produzir e divulgar novas peças publicitárias sobre estes assuntos, desde que tenham cunho informativo e de orientação à população. A decisão colegiada foi tomada na sessão virtual (videoconferência) do último dia 9.

Ação popular

Luciane Pereira da Silva e Edson Zomar de Oliveira, diretores do Sindicato dos Municipários de Porto Alegre (Simpa), ajuizaram ação popular questionando o contrato de R$ 34,9 milhões, firmado entre a Prefeitura da Capital e as agências de publicidade Morya Sul e Escala Comunicação e Marketing. A ação foi protocolada no 2º Juízo da 1ª Vara da Fazenda Pública do Foro Central da Comarca de Porto Alegre, em 31 de dezembro de 2019.

Segundo o parágrafo 1º do artigo 37 da Constituição Federal — lembra a inicial —, a publicidade dos órgãos públicos deve ter caráter educativo, informativo ou de orientação social. Assim, estas mensagens não podem trazer nomes, símbolos ou imagem que caracterizem promoção pessoal. A mesma advertência está contida no parágrafo 1º do artigo 19 da Constituição Estadual do Rio Grande do Sul.

No entanto, os documentos juntados aos autos mostram que a Prefeitura de Porto Alegre e o prefeito Nelson Marchezan Júnior, também réu na ação popular, autorizaram algumas publicidades de cunho político nos jornais Folha de S.Paulo, O Estado de S. Paulo e Valor Econômico no final de 2019. As peças, com o título “As reformas que o Brasil precisa Porto Alegre já fez”, configurariam campanha eleitoral antecipada, já que Marchezan é provável candidato à reeleição.

Segundo os subscritores, além de não trazer qualquer informação educativa, mas mera promoção de gestão, as publicações foram feitas em periódicos de outros estados, o que não traz nenhum benefício à população gaúcha. E isso num cenário crítico para as contas públicas, inclusive com parcelamento de salários dos servidores municipais.

Tal contrato, na visão dos autores, traz indícios que ferem a Recomendação Conjunta do Ministério Público estadual (M-RS) e Ministério Público de Contas (MPC-RS) de 3 de fevereiro de 2017. Nesta, as instituições recomendam à Secretaria de Comunicação Social do Estado do Rio Grande do Sul, na pessoa do seu titular, a evitar despesas com publicidade oficial do Poder Executivo, pelo menos enquanto perdurar a crise financeira.

Para evitar maiores danos ao patrimônio público, os autores pediram, liminarmente, a suspensão da veiculação das peças de publicidade do Município de Porto Alegre, à exceção das que se refiram a pagamento de IPTU, até que sejam integralmente quitadas as gratificações natalinas dos servidores públicos municipais.

Liminar parcialmente concedida

A juíza Keila Silene Tortelli, em regime de plantão no recesso do Judiciário, em 2 de janeiro de 2020, deferiu parcialmente a liminar. Ela determinou que o município deve se abster de autorizar qualquer publicidade que não seja de cunho educativo, informativo ou de orientação social à população, a exemplo das informações da alteração dos valores do IPTU. Em decorrência, deve suspender os contrato de publicidade com as duas agências, para adequá-los à realidade financeira do Estado.

“Assim, presentes os requisitos legais, havendo indícios de publicidade que não atende os requisitos legais, mas não havendo maiores elementos acerca do alcance dos atos publicitários, a liminar deve ser parcialmente deferida, não havendo razão para condicionar a publicidade ao pagamento do funcionamento público, mas sim de inibir o que extrapola os limites da legalidade e os princípio constitucionais da razoabilidade e proporcionalidade, tendo em vista grave crise financeira enfrentada pelo Estado”, registrou o despacho, datado de 2 de janeiro de 2020.

Em 7 de janeiro, a decisão acabou confirmada pelo juiz José Antônio Coitinho, do 2º Juízo da 1ª Vara da Fazenda Pública do Foro Central da Comarca de Porto Alegre, onde passou a tramitar a ação.

Agravo de instrumento

Em combate à decisão monocrática, os réus interpuseram agravo de instrumento no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, pedindo a revogação da liminar, diante não verificação do perigo de demora em relação aos pedidos vertidos na ação popular.

Em razões recursais, desfiaram um rosário de argumentos, dentre as quais: a decisão recorrida não traz qualquer fundamentação jurídica; a peça inicial não cumpre os pressupostos de desenvolvimento válido, seja pela não demonstração do binômio lesividade-ilegalidade ou pela inobservância do litisconsórcio passivo necessário; prefeito é parte ilegítima, pois não praticou o ato questionado; há perigo de demora inverso, em prejuízo da sociedade, na medida em que a suspensão da campanha institucional de publicidade prejudica a informação de atos de substancial relevância ao interesse da sociedade, dentre outros.

Clique aqui para ler o despacho liminar

Clique aqui para ler o acórdão do agravo

5055216-32.2019.8.21.0001 (Comarca de Porto Alegre)

 é correspondente da revista Consultor Jurídico no Rio Grande do Sul.

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Filosofia e limites da IA na interpretação jurídica (parte II)

Em coluna anterior, destaquei que era preciso aprofundar as reflexões em torno da utilização da Inteligência Artificial (IA) como intérprete do Direito e influencer nas decisões judiciais.

Na ocasião, ficou demonstrada a distinção entre inteligência de dados e consciência hermenêutica por meio das explicações acerca da diferença na abrangência e nível de relacionamento com a linguagem e do logos (pensar e falar) pelas IAs e pelos humanos.

Naquela oportunidade, apontei que o modelo operativo da IA se restringe à dimensão lógico-formal (inteligência de dados) e não trabalha com a chamada consciência hermenêutica e sua racionalidade existencial, o logos hermenêutico.

Em razão dessa limitação, as IAs não alcançam a necessária dimensão do conteúdo material que sustenta o sentido das palavras, o que as tornam insuficientes para a correta interpretação de fatos e sua adequação às hipóteses normativas.

Levantei também o problema da ausência de transparência e de parâmetros de controle nas decisões algorítmicas, o que pode levar a injustiças e discriminações sem a devida motivação.

Sem prejuízo de outros vieses de análise, penso que essas constatações são pontos de partida fundamentais para reflexões filosóficas e políticas mais amplas acerca das possibilidades e limites das IAs em sua interação com a vida social.

Nessa perspectiva, o presente texto investiga o processo humano de formação dos significantes que dão significado às palavras e formam a pré-estrutura de compreensão constitutiva da consciência hermenêutica e do logos hermenêutico que a sustenta.

A elucidação desse processo torna mais visível e complementa a tese esboçada no artigo antecedente de que o logos hermenêutico é limite à interpretação jurídica e à tomada de decisão judicial pelas IAs, conforme será retomado ao final.

Um bom caminho para cumprir essa tarefa vem da explicação aristotélica acerca do processo de formação do conhecimento humano, em especial no que diz respeito à aquisição dos conceitos comuns que possibilitam o pensar e à constituição de premissas para o conhecimento científico.

Diferente de Platão, Aristóteles não faz uma divisão imediata entre o mundo inteligível e o mundo sensível. Ao invés, ele apresenta boas pistas para uma teoria cognitiva quando descreve a formação do conhecimento científico linearmente a partir da dimensão existencial própria de cada sujeito que vive, percebe e sente.

Esse processo se inicia no universo da sensação e evolui para a cognição de acordo com a seguinte linha esquemática:

Sensação (aisthesis) ® memória (mnemósine) ® experiência (empeiria) ® arte (téchne)® teoria/ciência (episteme).

Começando pelas primeiras impressões no nível da sensação (aisthesis), o humano nasce com capacidades sensoriais que vão formando imagens vivas (visuais, olfativas, táteis, gustativas e auditivas), de modo a adquirir percepções do mundo. Portanto, o mundo nos aparece enquanto impressão perceptiva.

Essas impressões perceptivas vão construindo um universo linguístico assentado no binômio “significado/sentido percebido”, formado por significações individuais e comuns (quem vive, vive no mundo histórico pré-existente e vive com os outros).

Esse conteúdo é vivo, multifacetado nas diversas dimensões perceptivas: podem contemplar uma imagem, um som, uma textura, um cheiro e um gosto. Podem ser captados em conjunto ou isoladamente, a depender da experiência sensorial que a pessoa vive quando entra em contato com algo no mundo (uma comida, a chegada em uma nova cidade, encontro com uma pessoa desconhecida, etc).

Um exemplo simples: quando uma pessoa come uma pizza margherita pela primeira vez, ela absorve praticamente todas as sensações dos cinco sentidos. Ao mesmo tempo em que se alimenta, ela associa esse conjunto de sensações com a expressão “pizza margherita”.

Esse conjunto de sensações associado a um conceito linguístico é memorizado gerando impressões positivas e negativas que ficam guardadas (mnemósine ).

A reunião dessas memórias em feixes cognitivos de sentido configura a experiência (empeiria), correlacionando e aproximando acontecimentos linguísticos (p. ex. ao pensar em pizza margherita, a pessoa pode relembrar um momento com um amor antigo) e a capacidade de reviver essas memórias em nível exclusivamente cognitivo.

Desta feita, ao ouvir as palavras “pizza margherita” a pessoa revive e experiencia uma série de sensações memorizadas, desde o cheiro, o gosto, a imagem e o que mais estiver relacionado a elas no seu universo de compreensão (uma cidade, alguém, um evento, etc). Pode-se até mesmo ficar com “água na boca” e com vontade de comer pizza margherita.

Essa aptidão de invocar palavras e expressões linguísticas e junto a elas o significante que lhe confere sentido é a marca fundamental do processo constitutivo do falar e do pensar humanos.

Tal capacidade nunca se restringe à racionalidade lógica. Antes, possui base biológica e existencial.

Ao viver o ser humano vai acumulando experiências e, a partir delas, forma a sua estrutura linguística de pré-compreensão, de onde se originam as opiniões (doxa).

Algumas experiências acumuladas são comuns isto é, compartilhadas entre todos os falantes de uma comunidade. Outras são experiências particulares, entendidas como acontecimentos exclusivos à vida de cada um, ou seja, acontecimentos idiossincráticos.

Daí a opinião é a ideia prévia sobre algo, constituída por concepções comuns e individuais.

Para que seja possível a passagem da opinião para uma premissa verdadeira é necessário um processo tópico-dialético (technè), na qual opiniões pertinentes, que possam ser aceitas pelos demais falantes (chamadas premissas endòxa) são contrapostas umas às outras, em um debate intersubjetivo.

Nesse debate, o objetivo é depurar as experiências particulares, deixando remanescer apenas as experiências comuns, as quais se tornam premissas tidas como verdadeiras e servem de ponto de partida para o conhecimento teórico-científico (episteme) e sua metodologia lógico-dedutiva.

Desse trilhar pode-se concluir que a noção de verdade torna-se uma experiência linguística e existencial.

Aristóteles não chegou até aí. Ainda que haja vozes dissonantes, comumente o filósofo de Estagira é associado ao essencialismo linguístico e à semântica realista, que defendem a possibilidade de a linguagem espelhar a realidade, bem como a concepção clássica de que a verdade é a adequação entre o intelecto e o real.

No entanto, pode-se dizer que ele chegou à antessala da filosofia da linguagem e foi fundamental para o desenvolvimento da hermenêutica filosófica.

Especialmente quando se reflete sobre esse processo de formação do conhecimento, constata-se a dimensão da ideia de logos enquanto pensar e falar, o que vai ser determinante para a compreensão posterior da consciência de mundo em sentido hermenêutico.

A capacidade humana de sentir, memorizar e organizar essas memórias em um feixe de significação para revivê-las, forma um conjunto de significantes entrelaçados que permite a experiência linguística e revela sua indissociabilidade com o pensar e raciocinar humano.

Ora, quem raciocina, opera com uma série de significantes absorvidos durante a existência, organizando-os de maneira lógica e outras vezes, caótica.

Considerando, na linha de Ferdinand de Saussure, que o signo é formado por um conceito (significado) e seu sentido material (significante), basta pensar em um recém-nascido que aprendeu o signo “mãe” e o signo “pai” e consegue, a partir da conexão entre eles, compreender o signo “casal”.

Ao viver, os signos vão se multiplicando e se conectando, formando redes estruturais de linguagem.

Essas redes de estruturas linguísticas adquiridas durante a vida constitui a base do universo de pré-compreensão do intérprete e trabalha com uma lógica própria, o chamado logos hermenêutico.

Esse logos é oriundo da experiência comum de viver em um mundo imerso em sua historicidade e dotado de valores temporalmente/existencialmente comuns e objetivos que são apreendidos pelo sujeito humano, permitindo a compreensão e, assim, a realização de processos comunicativos eficazes.

E é justamente essa estrutura de pré-compreensão que é inacessível para a lógica formal pela qual operam as IAs.

Trata-se de uma outra racionalidade. O logos hermenêutico trabalha no nível do conteúdo e da significação material ao que é dito, enquanto que a racionalidade formal organiza a superfície de enunciados linguísticos, estabelecendo conexões lógicas e probabilísticas.

Daí porque não se confunde a inteligência de dados com a consciência hermenêutica.

Ademais, como já mencionado no artigo anterior, devem ser consideradas as interações biológicas e as incursões do inconsciente na antecipação de sentido, conforme bem demonstra a psicanálise.

Com efeito, é possível constatar também uma espécie de relação concorrencial entre a antecipação de sentido hermenêutica e a antecipação que resulta do filtro desejante operado pelo inconsciente nos processos interpretativos e decisórios.

Por mais que se supere preconceitos negativos e se possa falar em human algorithm design à luz de profundos estudos de ciência da computação e do entendimento da ideia de algoritmo em sentido amplo, como uma tecnologia a serviço dos humanos desde a Idade da Pedra, seus padrões de apoio na interpretação do direito e na decisão judicial são equivalentes às possibilidades da lógica jurídica.

E, tal qual a lógica jurídica, são importantes, mas insuficientes.

Uma vez compreendida a base de formação da consciência hermenêutica e as mediações da filosofia da linguagem, apostas de que o raciocínio do sapiens opera do mesmo modo lógico-algorítmico que as IAs, só que em escala mais profunda e sofisticada, são muito arriscadas.

No atual estado da arte, é visível que as IAs não possuem todas as condições de interpretação que o humano e isso faz com que, a persistir a mesma lógica de utilização dessa tecnologia no Judiciário, não é adequado que se tornem os principais intérpretes dos fatos, do direito e da imputação das hipóteses normativas ao caso concreto.

A interpretação e a decisão jurídica demandam uma cognição holística e integral, tomada em sua devida complexidade, sob pena de permitir o cometimento de graves injustiças no julgamento dos processos judiciais e de violar alguns dos direitos fundamentais mais importantes no Estado de Direito: o devido processo legal e o do juiz natural.


MARCONDES, Danilo. Iniciação à história da filosofia: dos pré-socráticos a Wittgenstein. 7 ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2002. p. 80.

Para aprofundamento, conferir: GADAMER, Hans-Georg. Homem e linguagem. Verdade e Método II: Complementos e índice. Trad. Enio Paulo Giachini. Petrópolis: Vozes; Universidade São Francisco, 2002. (col. Pensamento humano).

SAUSSURE, Ferdinand de. Curso de lingüística geral. 25 ed. , trad. Antonio Chelini et all. São Paulo: Cultrix, 2003. p. 80 e ss.

MARRAFON, Marco Aurélio. O caráter complexo da decisão em matéria constitucional: discursos sobre a verdade, radicalização hermenêutica e fundação ética na práxis jurisdicional. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 117 e ss.

CHRISTIAN, Brian. GRIFFITHS, Tom. Algorithms to live by: the computer science of human decisions. New York: Picador, 2016.

 é advogado, professor de Direito e Pensamento Político na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), doutor e mestre em Direito do Estado pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), com estudos doutorais na Università degli Studi Roma Tre (Itália). É membro da Academia Brasileira de Direito Constitucional (ABDConst).

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É possível usucapir imóvel destinado em parte a comércio familiar

Modalidade especial urbana

É possível usucapir imóvel destinado em parte a comércio familiar, diz STJ

Por 

É possível usucapir imóvel que, apenas em parte, é destinado para fins comerciais. O uso simultâneo do imóvel para pequena atividade comercial pela família domiciliada não inviabiliza o usucapião na modalidade especial urbana. Com esse entendimento, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça decretou usucapido um imóvel que contém em anexo uma bicicletaria.

Não há lei que impeça alvo de usucuapião de ser comercialmente produtivo 
Nattawut Thammasak

O pedido havia sido negado em primeiro e segundo grau, sob o entendimento de que a modalidade usucapião urbano é restrita a moradia. O imóvel em questão tem área de 159,95 m², sendo que 91,32 m² são utilizados comercialmente, em uma bicicletaria. A parte residencial se restringe a 68,63 m².

O entendimento baseou-se no Código Civil de 2002, que dispõe sobre prescrição aquisitiva especial urbana, e no Estatuto da Cidade, que regulamenta o texto constitucional em relação ao usucapião. 

Para a ministra Nancy Andrighi, relatora do caso, o requisito da exclusividade no uso residencial não está expressamente previsto em nenhum dos dispositivos legais e constitucionais que dispõem sobre a usucapião especial urbana.

“O uso misto da área a ser adquirida por meio de usucapião especial urbana não impede seu reconhecimento judicial, se a porção utilizada comercialmente é destinada à obtenção do sustento do usucapiente de sua família”, afirmou a ministra. 

“Há, de fato, a necessidade que a área pleiteada seja utilizada para a moradia do requerente ou de sua família, mas não se exige que esta área não seja produtiva, especialmente quando é utilizada para o sustento do próprio recorrente, como na hipótese em julgamento”, acrescentou.

Clique aqui para ler a decisão

REsp 1.777.404

 é correspondente da revista Consultor Jurídico em Brasília.

Revista Consultor Jurídico, 11 de maio de 2020, 15h40

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STF derruba normas que proíbem homens gays de doar sangue

Viola o direito à igualdade e não discriminação proibir que homossexuais doem sangue. Com esse entendimento, o Plenário do Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade de normas com esse teor.

ReproduçãoSTF derruba norma de que gays só poderiam doar sangue se ficassem 12 meses sem transar com outro homem.

Pela regra vigente até então, gays só poderiam doar sangue se ficassem 12 meses sem transar com outro homem. O julgamento virtual encerrou nesta sexta-feira (8/5), com placar de 7 votos a favor de derrubar a exigência contra 4.

A maioria do colegiado acompanhou o relator, ministro Luiz Edson Fachin, que entendeu que as normas do Ministério da Saúde e da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) além de violar a dignidade humana, também tratam esse grupo de pessoas “de forma injustificadamente desigual, afrontando-se o direito fundamental à igualdade”.

O julgamento começou em 2017, ocasião em que Fachin votou pela inconstitucionalidade. Em seu voto, o ministro afirmou que as regras “violam o direito à igualdade e à não-discriminação dos homens homossexuais à medida que estabelecem restrição quase proibitiva para a fruição de duas dimensões de direitos da personalidade: o de exercer ato empático e solidário de doar sangue ao próximo e o de vivenciar livremente sua sexualidade”.

Fachin também apontou para o regramento internacional do qual o Brasil é signatário e frisou a importância de segui-lo. Ele foi acompanhado pelos ministros Luiz Fux, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber, Gilmar Mendes, Dias Toffoli e Cármen Lúcia.

Posições contrárias

A divergência foi aberta pelo ministro Alexandre de Moraes que, embora concorde com a inconstitucionalidade dos dispositivos, ressalvou que o sangue doado deve ter um tratamento especial. 

Moraes entende que após a triagem e questionário individual, o sangue coletado deverá ser “devidamente identificado e somente será submetido aos necessários testes sorológicos após o período de janela sorológica definido como necessário pelos órgãos competentes, no sentido de afastar qualquer possibilidade de eventual contaminação”.

Também divergindo, o ministro Marco Aurélio apontou que embora o risco na coleta de sangue de gays “não decorra da orientação sexual, a alta incidência de contaminação observada, quando comparada com a população em geral, fundamenta a cautela implementada pelas autoridades de saúde, com o fim de potencializar a proteção da saúde pública”.

O ministro Ricardo Lewandowski abriu outra linha de divergência. Para ele, o Supremo deve adotar postura de contenção sobre determinações das autoridades sanitárias “quando estas forem embasadas em dados técnicos e científicos devidamente demonstrados”.

Além disso, afirmou que o STF “deve guiar-se pelas consequências práticas da decisão, nos termos do art. 20 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, evitando interferir em políticas públicas cientificamente comprovadas, especialmente quando forem adotadas em outras democracias desenvolvidas ou quando estejam produzindo resultados positivos.

Lewandowski foi seguido pelo decano, ministro Celso de Mello.

Normas discriminatórias

A ação foi ajuizada pelo PSB em 2016 para questionar a Portaria 158/16 do Ministério da Saúde e a Resolução 34/14 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, que restringem a doação dependendo da orientação sexual.

As normas determinam que os homens homossexuais são inaptos para a doação de sangue no período de 12 meses a partir da última relação sexual.

O partido afirma que a situação é discriminatória, ofende a dignidade dos envolvidos e retira deles a possibilidade de exercer a solidariedade humana com a doação sanguínea. Representou o partido o advogado Rafael Carneiro.

Clique aqui para ler o voto do relator.

ADI 5.543

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Ministro propõe julgamento coletivo de atos de outros Poderes

Autocontenção do Judiciário

Marco Aurélio pede que atos de outros poderes sejam julgados por colegiado

O ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal, encaminhou à presidência da corte ofício solicitando que as decisões relativas à atuação de outros poderes sejam tomadas pelo colegiado, seja no Plenário ou nas turmas.

O ministro cita como motivação “a exceção de vir o Supremo a afastar a eficácia de ato de outro Poder, enquanto Poder” e “a necessidade de guardar a Lei das Leis, a Constituição Federal”.

Assim, propõe emenda ao Regimento Interno do Supremo para dar ênfase à atuação colegiada, com o objetivo de preservar a harmonia entre os poderes por meio da autocontenção do Judiciário.

Clique aqui para ler o ofício

Revista Consultor Jurídico, 4 de maio de 2020, 15h34

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STF analisa ADI sobre doação de sangue por homossexuais

Julgamento é realizado no plenário virtual

Foi iniciado nesta sexta-feira (1º/5) o julgamento da ADI 5.543, ajuizada contra normas do Ministério da Saúde e da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) que restringem a doação de sangue por homossexuais. A ação foi proposta no STF pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB) em 2016 sob o patrocínio de Rafael Carneiro.

A ADI será apreciada no plenário virtual da Corte e o julgamento deve ser concluído na próxima sexta-feira (8/5). A relatoria coube ao ministro Edson Fachin.

Segundo Rafael Carneiro, o placar atual conta com seis votos, todos pelo reconhecimento da inconstitucionalidade das normas atacadas. A divergência, por ora, é do ministro Alexandre de Moraes, que também viu inconstitucionalidade nos dispositivos, mas com a ressalva de que o sangue doado deve ter um tratamento especial. 

O principal dispositivo questionado é o artigo 64 da Portaria 158/2016 do Ministério da Saúde:

Art. 64. Considerar-se-á inapto temporário por 12 (doze) meses o candidato que tenha sido exposto a qualquer uma das situações abaixo:

IV – homens que tiveram relações sexuais com outros homens e/ou as parceiras sexuais destes;

Outra norma impugnada é o artigo 25, XXX, “d”, da Resolução da Diretoria Colegiada – RDC nº 34/2014 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária estabelece:

Art. 25. O serviço de hemoterapia deve cumprir os parâmetros para seleção de doadores estabelecidos pelo Ministério da Saúde, em legislação vigente, visando tanto à proteção do doador quanto a do receptor, bem como para a qualidade dos produtos, baseados nos seguintes requisitos:

XXX – os contatos sexuais que envolvam riscos de contrair infecções transmissíveis pelo sangue devem ser avaliados e os candidatos nestas condições devem ser considerados inaptos temporariamente por um período de 12 (doze) meses após a prática sexual de risco, incluindo-se:

d) indivíduos do sexo masculino que tiveram relações sexuais com outros indivíduos do mesmo sexo e/ou as parceiras sexuais destes;

Várias entidades da sociedade civil participal da ação como amici curiae, como o Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), o Instituto Brasileiro de Direito Civil, a Associação Brasileira de Hematologia, Hemoterapia e Terapia Celular e a Associação Nacional dos Defensores Públicos.

ADI 5.543

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TJ tem competência para julgar perda de cargo de promotor

Considerando as distinções legais entre a ação de improbidade administrativa — regulada pela Lei 8.429/1992 — e o processo de perda de cargo de membro do Ministério Público — descrito na Lei Orgânica do Ministério Público (Lei 8.625/1993) —, a 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça entendeu ser do Tribunal de Justiça, e não do juiz de primeiro grau, a competência para julgar a ação civil de perda do cargo de um promotor condenado pelo crime de denunciação caluniosa. A decisão foi unânime.

Ministro Herman Benjamin foi o relator do recurso STJ

De acordo com os autos, ao saber de um episódio de adoção de criança por casal que não constava do cadastro de adotantes, o promotor requisitou à autoridade policial a instauração de inquérito para apurar a conduta da magistrada no caso.

Além disso, ele instaurou um procedimento administrativo contra a mesma juíza, quando sua obrigação funcional seria comunicar a ocorrência da suposta ilegalidade ao corregedor-geral e ao presidente do Tribunal de Justiça, os quais possuem poderes para a apuração dos fatos.

O promotor foi condenado a dois anos de reclusão pelo delito de denunciação caluniosa e dez dias de detenção pelo crime de abuso de autoridade, penas substituídas por medidas restritivas de direitos.

Após a condenação, foi ajuizada a ação civil de perda de cargo. O Tribunal de Justiça entendeu que, no caso, não havia prerrogativa de foro que determinasse o julgamento da ação pelo seu órgão especial, e por isso remeteu os autos à primeira instância.

Ao analisar o recurso especial interposto pelo Ministério Público, o ministro Herman Benjamin apontou inicialmente distinções entre a ação de perda de cargo de autoridades e as ações civis públicas por ato de improbidade administrativa. Estas últimas, conforme posicionamento do Supremo Tribunal Federal e do STJ, devem ser processadas pelo juízo de primeiro grau.

Segundo o ministro, no caso analisado, a causa de pedir não está ligada a ilícito descrito na Lei de Improbidade Administrativa, mas a infração disciplinar atribuída a promotor de Justiça no exercício da sua função pública. Atualmente — lembrou o ministro —, o promotor encontra-se em disponibilidade, tendo garantido o recebimento de proventos integrais e a contagem de tempo de serviço como se estivesse em exercício.

O relator citou precedentes do STJ no sentido de que a Lei Orgânica do Ministério Público, em seu artigo 38, disciplina a ação civil própria para a perda do cargo de membro vitalício do MP — ação com foro especial, que não se confunde com a ação civil de improbidade, regida pela Lei 8.429/1992, que não prevê essa prerrogativa.

No voto, que foi acompanhado de forma unânime pelo colegiado, Herman Benjamin também destacou que, após o julgamento da ADI 2.797 pelo STF, não se admite a manutenção da prerrogativa de foro por quem deixou de exercer cargos ou mandatos.

“Tal orientação não pode ser aplicada àqueles que são simplesmente afastados de suas funções, como nos casos em que a autoridade com prerrogativa de foro encontra-se em disponibilidade”, concluiu o ministro ao dar provimento ao recurso especial e estabelecer a competência do Tribunal de Justiça para o julgamento da ação. O número deste processo não é divulgado em razão de segredo judicial. Com informações da assessoria de imprensa do STJ.