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Ronaldo Brito Jr.: Competência em tempos de Covid-19

Recentemente o Brasil foi anunciado como epicentro mundial da pandemia de Covid-19 e os hospitais públicos certamente estão entre os estabelecimentos com maior foco de transmissibilidade. Inúmeros profissionais de saúde foram infectados e infelizmente muitos evoluíram a óbito.

Qual seria, então, a Justiça competente para julgar os pedidos de indenização por danos decorrentes de doença adquirida em um hospital público ou em um posto de saúde municipal? E em caso de pedido de obrigação de fornecimento de EPI, qual órgão judicial seria competente para solucionar a demanda?

Alguns, talvez, tenham em mente uma solução que até parece ser óbvia: se o trabalhador prejudicado for servidor público de vínculo estatutário, a Justiça comum; entretanto, caso o prejudicado seja servidor público celetista ou trabalhador terceirizado, a Justiça do Trabalho.

Entretanto, a solução supracitada não parece ser razoável, nem tampouco jurídica. Isso porque na hipótese de haver em um mesmo estabelecimento servidores de vínculos distintos, ou servidores públicos e trabalhadores terceirizados, o tipo de proteção diferenciado em uma situação que demanda solução singular é, no mínimo, inconstitucional.

Ressalte-se que a própria Constituição proíbe qualquer tipo de discriminação entre trabalhadores, sendo que conceder proteção à saúde de forma diferenciada ou distinta em razão de uma particularidade burocrática tona-se uma discriminação odiosa.

Muito embora no julgamento da ADI 3395 [1] a maioria do Supremo Tribunal Federal tenha decido que os litígios entre os servidores públicos de vínculo estatutário e à administração pública devam ser julgados pela Justiça comum, dando assim, uma interpretação ultrarrestritiva ao inciso I do artigo 114 da Constituição, editou-se, ao meu ver acertadamente, a Súmula 736. Assim consta em seu verbete:

“Compete à Justiça do Trabalho julgar as ações que tenham como causa de pedir o descumprimento de normas trabalhistas relativas à segurança, higiene e saúde dos trabalhadores”.

As ações que versam sobre proteção do meio ambiente de trabalho demandam especialização em matéria trabalhista, pois exige que se ingresse em temas relativos a saúde, higiene e segurança do trabalho.

Ao julgar a Reclamação 20.744 [2], a 2ª Turma do STF entendeu que a Justiça do Trabalho seria competente para julgar ação civil pública cujo objetivo era impor ao ente público o cumprimento de normas relativas ao meio ambiente do trabalho. O ministro Barroso, ao relatar o referido precedente, ressaltou que muito embora se tratasse de hospital público no qual trabalhavam servidores públicos estatutários, não se aplicava ao caso a decisão tomada pelo STF na ADI 3395, haja vista que a apuração do descumprimento de normas relativas ao meio ambiente do trabalho afasta a competência da Justiça comum.

Não obstante o precedente citado se trate de uma ação coletiva ajuizada pelo Ministério Público, as demandas individuais devem ter o mesmo destino, sob pena de se criar restrições e exceções onde a lei não as criou e gerar absoluta disparidade e níveis distintos de proteção à saúde dos trabalhadores.

Inclusive, o inciso VI do artigo 114 da Constituição Federal estabelece que as ações de indenização por dano moral ou patrimonial decorrentes da relação de trabalho devem ser julgadas pela Justiça do Trabalho, o que por si só já é argumento para acolher a competência da Justiça Trabalhista para julgar ação indenizatória por danos decorrentes de doença profissional adquirida por servidor público estatutário e afastar a incidência da decisão tomada na ADI 3395, haja vista que esta se trata, exclusivamente, de dar interpretação ao inciso I do artigo 114 da Constituição.

Sendo assim, independentemente do pedido, as ações que tenham como causa de pedir o cumprimento ou o descumprimento de normas relativas ao meio ambiente de trabalho devem ser processadas junto à Justiça laboral especializada, independentemente do vínculo do trabalhador a ser protegido. O mesmo destino deverá ter as ações que buscam a indenização por dano material ou moral decorrente de acidente ou doença laboral.

 


[1] EMENTA: INCONSTITUCIONALIDADE. Ação direta. Competência. Justiça do Trabalho. Incompetência reconhecida. Causas entre o Poder Público e seus servidores estatutários. Ações que não se reputam oriundas de relação de trabalho. Conceito estrito desta relação. Feitos da competência da Justiça Comum. Interpretação do artigo 114, inc. I, da CF, introduzido pela EC 45/2004. Precedentes. Liminar deferida para excluir outra interpretação. O disposto no artigo 114, I, da Constituição da República, não abrange as causas instauradas entre o Poder Público e servidor que lhe seja vinculado por relação jurídico-estatutária. (ADI 3395 MC, Relator(a): CEZAR PELUSO, Tribunal Pleno, julgado em 5/4/2006, DJ 10-11-2006 PP-00049  EMENT VOL-02255-02 PP-00274 RDECTRAB v. 14, nº 150, 2007, p. 114-134 RDECTRAB v. 14, nº 152, 2007, p. 226-245)

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STJ referenda afastamento de ex-presidente do TJ-TO

Sob investigação

Corte Especial do STJ referenda afastamento de ex-presidente do TJ-TO

Por 

A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça referendou o afastamento do desembargador do Tribunal de Justiça do Tocantins, Ronaldo Eurípedes, em sessão por videoconferência nesta quarta-feira (20/5). O Plenário seguiu por unanimidade a decisão do relator do caso, ministro Og Fernandes.

Corte Especial foi unânime ao referendar afastamento proposto pelo ministro Og Fernandes 
Wikimedia Commons

A medida tem como objetivo evitar a continuidade de crimes e facilitar a recuperação de dinheiro eventualmente desviado.

O magistrado é investigado por esquema de venda de decisões judiciais no TJ-TO. O dinheiro depois seria lavado por meio de “laranjas”, empréstimos fictícios, contratos de gaveta, transações imobiliárias e atividades rurais. 

O acusado atuaria por uso de contas próprias, da esposa e contas do motorista pessoal, que seria o suposto operador financeiro e também foi afastado. Ele dividiria com grupo de advogados os honorários de processos judiciais nos quais atuava como julgador.

“A investigação não se suporta apenas em relatos, mas em dados do Coaf [Conselho de Controle de Atividades Financeiras] a respeito do investigado que indicam vertiginoso acréscimo patrimonial não declarado, grande quantidade de transações bancárias de pequena monta, emprego de dinheiro em espécie para pagamentos”, enumerou o relator, ao justificar o afastamento.

Os suspeitos podem responder pelos crimes de corrupção ativa, corrupção passiva, lavagem de dinheiro, organização criminosa e tráfico de influência.

Inq 1.191

 é correspondente da revista Consultor Jurídico em Brasília.

Revista Consultor Jurídico, 20 de maio de 2020, 18h57

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Corrêa da Veiga: TAS veda influência de terceiros em transferências

Em recente decisão, o Tribunal Arbitral do Esporte (TAS) apreciou recurso do atleta Thomaz dos Santos e o absolveu da condenação de pagar uma multa de U$ 80 mil (cerca de R$ 440 mil), além de isentar o jogador das despesas com arbitragem e honorários, em importância aproximada de U$ 30 mil (R$ 165 mil), segundo informações do jornal La Razón [1]

O caso traz questões peculiares, com reflexos no direito ao trabalho dos atletas, e que vêm sendo observadas com alguma frequência, com decisões conflitantes, tanto pelas câmaras de resolução de conflitos quanto pelo próprio Poder Judiciário, quando a este submetidas.

Thomaz Santos defendeu o clube Jorge Wilstermann, da Bolívia, de 2014 a 2017, ano em que foi contratado pelo São Paulo. Em 2018, foi cedido para clubes brasileiros, sendo que no ano de 2019 foi cedido ao Bolívar, de La Paz.

Com a alegação de que havia sido assinado um documento no qual o atleta se comprometia a defender o Jorge Wilstermann no caso de retorno à Bolívia, sob pena de pagamento de multa de U$ 80 mil, o clube de Cochabamba apresentou demanda perante o Tribunal de Resolução de Disputas da Federação Boliviana de Futebol, tendo em vista a opção do atleta pelo Bolívar.

Insatisfeito com a decisão, o jogador recorreu à mais alta corte arbitral do esporte, que deu provimento ao seu recurso para afastar o pagamento da multa pleiteada e condenar o Jorge Wilstermann e a Federação Boliviana de Futebol, cada um, ao ressarcimento com os gastos e honorários legais arcados pelo recorrente e ao pagamento das custas processuais.  

No intuito de estimular o debate e analisar o objetivo da decisão, convém trazer posicionamentos doutrinários e do próprio Regulamento da Fifa.

As cláusulas que impõem restrições ou condições após a ruptura contratual trazem um ônus muito grande para o atleta e muitas das vezes, além de não oferecerem contra-partidas, são desprovidas de fundamento racional que as justifiquem.

Não há dúvidas de que no meio empresarial, quando se trata de proteção de segredos industriais, as cláusulas de não-competição podem (e são) aplicadas. Até mesmo no meio desportivo há situações em que são defensáveis quando se trata de desenvolvimento de programas de treinamentos, por exemplo.

No âmbito do desporto há peculiaridades e nuances que despertaram a atenção do legislador, que foi firme ao assegurar a ampla liberdade contratual desportiva sem imposições ou restrições contratuais.

No Brasil, a Lei Geral do Desporto [2] é expressa ao afirmar que são nulas quaisquer cláusulas que interfiram no livre exercício do trabalho, influenciem transferências, interfiram em desempenho e influenciem assuntos laborais. 

Dessa forma, por imperativo legal constante no diploma desportivo brasileiro, a liberdade de trabalho desportivo não pode ser restringida.

Essa é a visão do professor da Universidade de Coimbra João Leal Amado [3]. Verbis:

“Em sede de contrato de trabalho desportivo não há, porém, lugar para dúvidas: qualquer cláusula de não concorrência, enquanto cláusula que, por definição, visa a ‘condicionar ou limitar a liberdade de trabalho do praticante desportivo após o termo do vínculo contratual’, será nula”.

O professor Rafael Teixeira Ramos [4] traz entendimento semelhante e lembra, inclusive, da já extinta figura do passe. Verbis:

“Admitir que por uma avença contratual um dos clubes se ponha em superposição privilegiada em detrimento de uma posição restrita do concorrente arquirrival, prejudica a livre concorrência perante os demais empregadores do mercado desportivo, gerando reflexões negativas no próprio equilíbrio competitivo e na incerteza dos resultados, princípios nucleares da atividade econômica desportiva”.

Nota-se, portanto, que a atividade profissional desportiva deve ser livre, sem limitações contratuais que possam ser consideradas abusivas ou desproporcionais, sob pena de serem consideradas nulas de pleno direito.

O artigo 18bis do Regulamento de Transferências de Jogadores da Fifa traz a seguinte previsão:

“1  No club shall enter into a contract which enables the counter club/counter clubs, and vice versa, or any third party to acquire the ability to infl uence in employment and transfer-related matters its independence, its policies or the performance of its teams”.

Em tradução livre, resta dizer que a Fifa estabelece que nenhum clube poderá celebrar contratos com qualquer outra parte contratante ou qualquer terceiro para fins de adquirir a capacidade de influência na relação de emprego e nas transferências, e ainda em questões relacionadas a sua independência, suas políticas ou desempenho de suas equipes.

Portanto, a estipulação pactuada entre o clube Jorge Wilstermann com o atleta Thomaz violou princípios do desporto e o próprio regulamento de transferências da entidade máxima do futebol, que assegura a ampla liberdade profissional sem restrições contratuais, razão pela qual não poderá haver influência de terceiros na transferência do atleta.

 é advogado, sócio no escritório Corrêa da Veiga Advogados, membro da comissão de Direito do trabalho da Seccional OAB-DF e pós-graduado em Direito Trabalho e Processo do Trabalho no IDP – Instituto Brasiliense de Direito Público.