Categorias
Notícias

Bruno Caires: Vivemos tempos de terraplanismo jurídico

Em tempos em que temos a sensação de que o século XXI ainda não floresceu sobre nossa sociedade e o velho insiste em querer governar, não é raro nos depararmos com situações que de tão absurdas são relegadas ao risível. Porém, tal qual o paradoxo da tolerância, no qual ser tolerante até as últimas consequências efetiva a intolerância, fazer troça do absurdo parece legitimá-lo. Há situações nas quais as circunstâncias não possibilitam ignorar o óbvio, se há fantasmas, temos a obrigação de espantá-los, sejam eles reais ou não.

Por isso, não custa retomar certos conceitos sobre Teoria da Constituição e sua construção, passível de ser definida, entre outros, como uma teoria sobre a legitimidade do poder para atribuir reconhecimento às instituições políticas criadas quando se toma a decisão política fundamental de instituir um Estado Novo. A ideia que normalmente se associa à figura do poder constituinte originário consiste em caracterizar esse poder como uma força capaz de criar, a partir de uma ruptura com o poder político vigente, uma ordem jurídica, política e social, sem qualquer limitação a conteúdos jurídicos anteriores.

Por vezes passa despercebido uma sutil, porém fundamental, distinção conceitual promovida por Canotilho, que define em três verbos diferentes experiências constituintes: os ingleses compreendem o poder constituinte como um processo histórico de revelação da “constituição da Inglaterra”; os americanos dizem num texto escrito, produzido por um poder constituinte, “the fundamental and Paramount law of the nation”; os franceses criam uma nova ordem político-jurídica através da “destruição” do antigo e da “construção’ do novo, traçando a arquitetura da nova “cidade política” num texto escrito. Assim, “revelar’, “dizer” e “criar” são os modi operandi de diferentes experiências constituintes. São de sobremaneira importantes estas distinções colocadas, pois criam tradições constitucionais bem distintas.

Na lógica da teologia política da Europa na Revolução Francesa, o povo, instituído como ator político capaz de derrubar o regime e cortar as cabeças da monarquia, vê-se em um momento de elevada consciência política e de apropriação do espaço público. Esse instante de crise gerado pela efervescência revolucionária produz um momento histórico singular, que permite a criação de uma nova ordem política por meio de uma constituição.

Por certo, nosso movimento político que consubstanciou na Constituição de 88, embora despido de efervescência revolucionária, foi produto de uma ação do povo (Diretas Já, greves gerais) instituído como ator político que derrubou o regime vigente. A consciência política e a apropriação do espaço público por esse povo organizado possibilitaram a derrubada da ditadura militar e a criação de uma nova ordem política descrita na Constituição, o que, intuitivamente, por si só, demonstra o tamanho da contradição em pretender extrair a possibilidade de tutela militar de quaisquer uns de seus artigos.

Aventar atribuir alguma função política aos militares para além daquelas adstritas à defesa inexoravelmente ignora a essência da Constituição, que, conforme as lições de Schmitt, não está contida numa lei ou numa norma, porque toda normatização reside de uma decisão política do titular do poder constituinte, o povo como ator político organizado na democracia. Esta essência, ou “fenômeno originário”, é a aclamação, o grito de “aprovação ou de recusa da massa reunida”. Portanto, antes que seja forjada a Constituição, é imprescindível que seja feita uma pergunta fundamental, capaz de atribuir legitimidade à decisão política fundamental através da organização dos desejos esparsos na sociedade.

É evidente e, se de outro modo fosse, não existiria razão para criar uma nova ordem constitucional, que a pergunta oferecida à sociedade brasileira consistia em superar ou não o regime ditatorial e recebeu como resposta um uníssono coro sinalizando uma transcendente vontade de construir um futuro democrático. Assim, a razão de ser de nossa Constituição é, precisamente, a construção de um futuro democrático e é justamente nessa ideia de Direito que reside sua força normativa.

Nessa perspectiva, a Constituição nada mais é senão a resposta que a sociedade dá à crise política vivida no momento constituinte e as ideias (utopias) que exprime como norte a ser buscado pelo Estado que pretende instituir. Do ponto de vista da legitimidade política, e aqui fazendo uma abstração do conceito jurídico normativo, a ser indagado sobre para que serve uma Constituição, a resposta do corpo social poderia ser dada parafraseando Eduardo Galeano: a Constituição está lá no horizonte e serve para caminharmos em direção à superação da crise. A sociedade se aproxima dois passos, ela se afasta dois passos. Caminha dez passos e o horizonte corre dez passos. Por mais que caminhemos, jamais alcançaremos. Para que serve a Constituição? Serve para isto: para que não deixemos de caminhar em direção ao Estado idealizado em um instante político revolucionário.

Esse Estado brasileiro criado tal qual a tradição francesa destrói a ordem política anterior em movimento característico de ruptura. Tal alinhamento teórico é demonstrável na medida em que a própria Constituição insiste em regular diversas minúcias da vida cotidiana, em clara preocupação de constitucionalizar temas ordinários como medida afirmativa dessa transgressão. Se do ponto de vista jurídico esse processo é claramente demonstrável em virtude da própria necessidade de se promulgar uma nova Constituição, também é fato que as forças reais de poder impediram, no caso brasileiro, o “corte das cabeças” dos ditadores, salvos pela Lei da Anistia.

Como presumível, o fato de terem mantido intacto os pescoços apenas reforça o argumento de que perderam o protagonismo. Se o presidente Bolsonaro outrora bradava para forças de esquerda no congresso: “Perderam em 64, perderam em 2016”, não há dúvidas de que os militares perderam em 88, com a singularidade que dessa derrota resultou uma nova ordem constitucional, construída sobre os conceitos de Estado e sociedade daquela quebra de ordem. Esses conceitos, ao serem fixados por meio de uma expressão de linguagem que como tal um texto escrito —, carrega uma forte carga axiológica em sua semântica, não autoriza nenhuma possibilidade de interpretação que permita o país viver sobre qualquer tutela militar.

Ulysses Guimarães, presidente da Assembleia Nacional Constituinte, no discurso de promulgação da Constituição, em 5 de outubro de 1988, dizia que ela havia sido escrita com “sopro de gente”, com “ódio e nojo à ditadura” e que “a nação quer mudar. A nação deve mudar. A nação vai mudar. A Constituição pretende ser a voz, a letra, a vontade política da sociedade rumo à mudança”. A mudança ao qual se referia era, acima de todas as outras coisas, uma mudança para o regime democrático e toda sua bagagem de respeito aos direitos humanos e fundamentais.

Temos por claro que a ordem constitucional não se restringe à literal manifestação do poder constituinte. A construção da ordem constitucional pertence à sua comunidade política e inicia-se no momento da promulgação da constituição. Conforme precisamente delimitado por Häberle, a Constituição não se limita a ser um conjunto de normas jurídicas, mas é expressão de desenvolvimento cultural e político de todo um povo que fundamenta nela suas esperanças e desejos. A Constituição, enquanto documento escrito, dotado de legitimidade democrática, de rigidez e supremacia normativa, é ponto de partida do processo de vivência constitucional, que apenas se inicia com o apagar das luzes do trabalho constituinte, carregando consigo uma força própria, motivadora e ordenadora da vida do Estado.

As barreiras do texto impõem ao intérprete apenas duas posturas possíveis, conforme lecionado por Canotilho: a primeira, adotada por aqueles que conscientemente aderem a concepções ideológicas e políticas distintas da mensagem ideológica consagrada no texto, utilizando-se de fundamentos interpretativos que lhes permitam amesquinhar a estrutura normativa da Constituição. Foi a orientação seguida à risca pelos nazistas, perante a Constituição de Weimar, por aqueles que, combatendo o caráter progressista, liberal e democrático do texto, acabaram por sobrecarregar a Constituição real, banalizando seu caráter normativo. Há, contudo, uma posição que guarda sintonia com os princípios fundamentais atinentes à conformação política e jurídica da sociedade, ao qual caracteriza por ser um “prudente positivismo”, indispensável à manutenção da obrigatoriedade normativa do texto constitucional.

Por esta razão, também o texto é um limite ideológico que estabelece o ponto de partida para a interpretação. A ideologia constitucionalmente adotada é perfeitamente determinável e definível no bojo do discurso constitucional, vinculando o interprete na medida em que repudia a postura assumida por quantos optam por concepções ideológicas dela diferentes. Assim, ideologias que não se conformem com o Estado democrático de Direito, como essa impertinente insistência em atribuir protagonismo político às Forças Armadas, resultariam em interpretações inconstitucionais e destoariam do compreendido como limites à atuação política dentro da sociedade brasileira. É justamente o caso daqueles que buscam extrair do artigo 142 da Constituição Federal algum tipo de autorização para as Forças Armadas intervirem em algum conflito entre os poderes. Desnecessário anuir que a Constituição repele qualquer tipo de intervenção militar constitucional. Trata-se do mais claro oxímoro já produzido no debate público brasileiro.

Bruno César de Caires é sócio do escritório Caires, Marques e Mazzaro Advogados, mestrando em Direito Constitucional na Universidade de Lisboa e professor assistente de Direito Constitucional na PUC de São Paulo.

Categorias
Notícias

STF reafirma que Justiça do Trabalho não pode julgar ações penais

A Justiça do Trabalho não tem competência para processar e julgar ações penais. O entendimento foi firmado pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal em julgamento virtual finalizado nesta sexta-feira (8/5).

Colegiado seguiu voto do relator, que afasta a competência da Justiça do Trabalho para processar e julgar ações penais.

No julgamento virtual, por maioria de 8 votos, o colegiado seguiu Gilmar Mendes, que apontou um confronto de textos. Gilmar propôs dar interpretação conforme à Constituição para afastar qualquer interpretação que entenda competir à Justiça do Trabalho processar e julgar ações penais.

O ministro lembrou o entendimento do relator anterior do caso, ministro Cezar Peluso, no sentido que a Constituição “circunscreve o objeto inequívoco da competência penal genérica”, mediante o uso dos vocábulos “infrações penais” e “crimes”. 

“Ao prever a competência da Justiça do Trabalho para o processo e julgamento de ações oriundas da relação de trabalho, o disposto no art. 114, inc. I, da Constituição da República, introduzido pela EC nº 45/2004, não compreende outorga de jurisdição sobre matéria penal, até porque, quando os enunciados da legislação constitucional e subalterna aludem, na distribuição de competências, a ações, sem o qualificativo de penais ou criminais , a interpretação sempre excluiu de seu alcance teórico as ações que tenham caráter penal ou criminal”, afirmou Gilmar.

Divergiram os ministros Luiz Edson Fachin e Marco Aurélio. A ministra Cármen Lúcia não teve seu voto computado — nestes casos, conforme o regimento da corte, a omissão é contabilizada como tendo seguido o relator.

Fachin afirmou que a justiça especializada trabalhista tem todos os requisitos para exercer a competência constitucional em fatos que ensejam o reconhecimento da tipicidade penal praticados na relação de trabalho. “A dimensão criminal que decorre do máximo desrespeito às normas de conduta das relações sociais, que se perfazem em relações de trabalho, também deve ser submetida ao crivo da Justiça Especializada”, afirmou o ministro. 

Por sua vez, o ministro Marco Aurélio entendeu seria impróprio interpretar o texto constitucional. Segundo o ministro, não é o caso de “antecipar ao legislador ordinário para proclamar a impossibilidade de vir a lume lei por meio da qual prevista a competência criminal da Justiça do Trabalho”.

Questão antiga

Os ministros analisaram uma Ação Direta de Inconstitucionalidade proposta em 2006 pela Procuradoria-Geral da República. A PGR questionava os incisos I, IV e IX do artigo 114 da Constituição Federal, introduzidos pela Emenda Constitucional 45/04, que ampliaram a competência da Justiça do Trabalho, permitindo que resolvesse questões criminais.

Já em 2007, os ministros decidiram liminarmente pela impossibilidade de a Justiça do Trabalho avaliar tais casos. A relatoria da ação à época foi de Peluso, substituída em 2010 pelo ministro Gilmar Mendes.

Clique aqui para ler o voto do relator

ADI 
3.684

Categorias
Notícias

Corrêa da Veiga: TAS veda influência de terceiros em transferências

Em recente decisão, o Tribunal Arbitral do Esporte (TAS) apreciou recurso do atleta Thomaz dos Santos e o absolveu da condenação de pagar uma multa de U$ 80 mil (cerca de R$ 440 mil), além de isentar o jogador das despesas com arbitragem e honorários, em importância aproximada de U$ 30 mil (R$ 165 mil), segundo informações do jornal La Razón [1]

O caso traz questões peculiares, com reflexos no direito ao trabalho dos atletas, e que vêm sendo observadas com alguma frequência, com decisões conflitantes, tanto pelas câmaras de resolução de conflitos quanto pelo próprio Poder Judiciário, quando a este submetidas.

Thomaz Santos defendeu o clube Jorge Wilstermann, da Bolívia, de 2014 a 2017, ano em que foi contratado pelo São Paulo. Em 2018, foi cedido para clubes brasileiros, sendo que no ano de 2019 foi cedido ao Bolívar, de La Paz.

Com a alegação de que havia sido assinado um documento no qual o atleta se comprometia a defender o Jorge Wilstermann no caso de retorno à Bolívia, sob pena de pagamento de multa de U$ 80 mil, o clube de Cochabamba apresentou demanda perante o Tribunal de Resolução de Disputas da Federação Boliviana de Futebol, tendo em vista a opção do atleta pelo Bolívar.

Insatisfeito com a decisão, o jogador recorreu à mais alta corte arbitral do esporte, que deu provimento ao seu recurso para afastar o pagamento da multa pleiteada e condenar o Jorge Wilstermann e a Federação Boliviana de Futebol, cada um, ao ressarcimento com os gastos e honorários legais arcados pelo recorrente e ao pagamento das custas processuais.  

No intuito de estimular o debate e analisar o objetivo da decisão, convém trazer posicionamentos doutrinários e do próprio Regulamento da Fifa.

As cláusulas que impõem restrições ou condições após a ruptura contratual trazem um ônus muito grande para o atleta e muitas das vezes, além de não oferecerem contra-partidas, são desprovidas de fundamento racional que as justifiquem.

Não há dúvidas de que no meio empresarial, quando se trata de proteção de segredos industriais, as cláusulas de não-competição podem (e são) aplicadas. Até mesmo no meio desportivo há situações em que são defensáveis quando se trata de desenvolvimento de programas de treinamentos, por exemplo.

No âmbito do desporto há peculiaridades e nuances que despertaram a atenção do legislador, que foi firme ao assegurar a ampla liberdade contratual desportiva sem imposições ou restrições contratuais.

No Brasil, a Lei Geral do Desporto [2] é expressa ao afirmar que são nulas quaisquer cláusulas que interfiram no livre exercício do trabalho, influenciem transferências, interfiram em desempenho e influenciem assuntos laborais. 

Dessa forma, por imperativo legal constante no diploma desportivo brasileiro, a liberdade de trabalho desportivo não pode ser restringida.

Essa é a visão do professor da Universidade de Coimbra João Leal Amado [3]. Verbis:

“Em sede de contrato de trabalho desportivo não há, porém, lugar para dúvidas: qualquer cláusula de não concorrência, enquanto cláusula que, por definição, visa a ‘condicionar ou limitar a liberdade de trabalho do praticante desportivo após o termo do vínculo contratual’, será nula”.

O professor Rafael Teixeira Ramos [4] traz entendimento semelhante e lembra, inclusive, da já extinta figura do passe. Verbis:

“Admitir que por uma avença contratual um dos clubes se ponha em superposição privilegiada em detrimento de uma posição restrita do concorrente arquirrival, prejudica a livre concorrência perante os demais empregadores do mercado desportivo, gerando reflexões negativas no próprio equilíbrio competitivo e na incerteza dos resultados, princípios nucleares da atividade econômica desportiva”.

Nota-se, portanto, que a atividade profissional desportiva deve ser livre, sem limitações contratuais que possam ser consideradas abusivas ou desproporcionais, sob pena de serem consideradas nulas de pleno direito.

O artigo 18bis do Regulamento de Transferências de Jogadores da Fifa traz a seguinte previsão:

“1  No club shall enter into a contract which enables the counter club/counter clubs, and vice versa, or any third party to acquire the ability to infl uence in employment and transfer-related matters its independence, its policies or the performance of its teams”.

Em tradução livre, resta dizer que a Fifa estabelece que nenhum clube poderá celebrar contratos com qualquer outra parte contratante ou qualquer terceiro para fins de adquirir a capacidade de influência na relação de emprego e nas transferências, e ainda em questões relacionadas a sua independência, suas políticas ou desempenho de suas equipes.

Portanto, a estipulação pactuada entre o clube Jorge Wilstermann com o atleta Thomaz violou princípios do desporto e o próprio regulamento de transferências da entidade máxima do futebol, que assegura a ampla liberdade profissional sem restrições contratuais, razão pela qual não poderá haver influência de terceiros na transferência do atleta.

 é advogado, sócio no escritório Corrêa da Veiga Advogados, membro da comissão de Direito do trabalho da Seccional OAB-DF e pós-graduado em Direito Trabalho e Processo do Trabalho no IDP – Instituto Brasiliense de Direito Público.

Categorias
Notícias

Cade aprova que ESPN e Fox Sports pertençam à mesma empresa

Negócio fechado

Cade aprova que ESPN e Fox Sports pertençam à mesma empresa

Crise econômica imposta pelo novo coronavírus dificultou venda da Fox Sports
Reprodução

O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) aprovou, na sessão de julgamento desta quarta-feira (6/5), a compra da Fox pela Disney. A operação foi aprovada com a assinatura de um acordo de controle de concentração. Assim, no Brasil, os canais esportivos ESPN e Fox Sports passam a pertencer à mesma empresa.

O relator do caso, conselheiro Luis Henrique Bertolino Braido, destacou que, na etapa de revisão do ato de concentração, houve novamente uma tentativa da Disney de vender o canal Fox Sports. Contudo, apesar desses esforços, o negócio acabou paralisado por conta do momento econômico imposto pela pandemia do novo coronavírus.

Nesse contexto, a Disney adotou medidas comportamentais que mitigam os problemas concorrenciais anteriormente constatados e buscam assegurar a multiplicidade da programação esportiva ofertada aos consumidores brasileiros.

Por meio do acordo firmado, a Disney se compromete a manter na grade de programação, por três anos ou até o término se seus respectivos contratos, todos os eventos esportivos distribuídos no Brasil.

A companhia também terá que manter o canal principal da Fox Sports com os mesmos padrões atuais e com a transmissão dos jogos da Copa Libertadores da América, até o dia 1º de janeiro de 2022. Após esta data, os eventos da competição deverão ser transmitidos em algum de seus canais afiliados, até o final do atual contrato com a Conmebol.

Por fim, o acordo também prevê que a Disney deverá devolver antecipadamente a marca Fox Sports caso opte por encerrar a transmissão deste canal.

Clique aqui para acessar o ato de concentração

Revista Consultor Jurídico, 6 de maio de 2020, 16h46

Categorias
Notícias

Roberto Wanderley Nogueira: O “AI-5” judiciário

Eis que se calardes, até as pedras falarão.” (Lucas 19:40)

No último dia 13 de dezembro, o país fez memória do Ato Institucional nº 5 (AI-5), um diploma normativo que data de mais de 45 anos, o qual tinha força de norma constitucional, mas compunha uma topografia legal paralela, metajurídica. Era como que uma constituição à parte da Constituição Federal e que, na prática, valia talvez mais do que a outra, muito em função do autoritarismo à época estabelecido, institucionalmente, no Brasil.

Em verdade, o seu valor atual é menos histórico que arqueológico, motivo pelo qual o título deste artigo é apenas uma alegoria, tanto quanto se tem reverberado nos últimos dias pela crônica política da Nação.

Felizmente, deu-se a redemocratização do país, editou-se a Constituição Federal de 1988 – chamada de “cidadã” por Ulysses Guimarães — e mais não existe o traço formal do autoritarismo do passado, embora nossa democracia insista na incipiência de seus fundamentos e no primitivismo corporativista, patrimonialista e fisiológico de suas relações, decorrentes do “constitucionalismo semântico” referenciado por Karl Loewenstein em sua “Teoria da Constituição”.

Nada obstante, hoje em dia, o papel de editar comandos normativos com aspectos de “AI-5” parece ter se transferido às atribuições dos juízes, sobretudo os das Cortes Superiores. Vez ou outra, num crescendo atitudinal que já se convencionou denominar de “ativismo judicial”, eles adotam decisões inteiramente descoladas do sistema jurídico (normativo), atropelando funções próprias dos demais poderes de Estado e vão muito além dos limites das lides, haja vista motivos conjunturais e até estatísticos dos quais não se costuma fazer cerimônia. É prática arraigada.

Sobre isso, há quem na outra ponta do exercício jurisdicional, locupletando-se dessa estranha atmosfera, proponha demandas ao talante de construções voluntarísticas e estritamente subjetivas (chicanas) que, em vez de refutadas, acabam de algum modo acolhidas para a perplexidade das partes e da Nação impactada. É como se múltiplos subsistemas estivessem ativados e em operação mais eficaz do que o próprio sistema de normas em vigor.

A hermenêutica pode operar milagres, quando arbitrariamente gerenciada, o mesmo que acontecia ao tempo dos Militares. Convém lembrar que isso não é exclusividade de instância judiciária alguma, em particular. Nas instâncias inferiores podem-se considerar dois outros fatores igualmente importantes: 1) o desconhecimendo de causa (despreparo e disfuncionalidade associadas ao processo de seleção e de fiscalização dos Magistrados, tudo associado ao volume da demanda e à escassez de recursos para enfrentá-la); e 2) o carreirismo, que açula o receio de impopularidade e o anseio de promoção com a possibilidade de graves prejuízos à prestação jurisdicional devida aos cidadãos.

De fato, a pretextos diversos, interpretação extensiva, historicista, sociológica, conforme ao que se julga ser ou não ser constitucional, dentre outros truísmos, menos o que se revela juridicamente válido em sua literalidade e no seu sentido próprio, adotam-se decisões inteiramente inusitadas em relação à Ordem Constitucional, retarda-se a eficácia de dispositivos superiores, enquanto outros são substituídos por diversos procedimentos de vernissage, assim encarada, referida Ordem, na literalidade de seus conteúdos normativos quanto no seu sentido. Tudo isso sem risco de controle político, jurídico e social, sobretudo quando os veredictos são de última ou única instância. A Constituição até que preconiza remédios sanadores desses quadros e dessas atitudes, mas, no momento, não há atores dispostos a executarem suas regras. A interdependência entre os poderes do Estado brasileiro cedeu, na prática, ao temor reverencial.

A democracia, desse modo, é, paradoxalmente, o cenário político mais favorável à denominada “Ditadura do Judiciário” na qual o primado da ignorância e da prepotência ressurge com força e esmerada aplicação tática, quer no âmbito da jurisdição, propriamente dita, quer na atividade censória dos Tribunais e do Conselho Nacional de Justiça, que é o órgão que encara um suposto controle externo do Poder Judiciário, criado à luz da Emenda Constitucional nº 45/2004. Esse dispositivo (artigo 103-B, § 4º, da CF/EC 45) não faz acepção de Juiz algum, mas se convencionou que os Ministros do Supremo Tribunal Federal não se submetem a ele.

Pois bem. Sobre a iniciativa regulatória das atividades dos juízes nas redes sociais por parte do CNJ, destaco, em primeiro lugar, que o STF não é instância constituinte e nem o CNJ, legisferante. Tratam-se de órgãos constituídos que devem, por isso mesmo, ater-se ao Ordenamento Jurídico, tal como se encontra positivado (“In claris cessat interpretatio”).

A consciência de limites dos seus agentes é fundamental ao Estado de Direito. Se lhes falta essa virtude, dessume-se ser chegada a hora exata de reciclar atores e procedimentos em razão da necessidade de manutenção da higidez do seu sistema de normas, que não deve sofrer abalos idiopáticos ou voluntarísticos de quaisquer espécies, haja vista tratar-se de uma estrutura lógica com unidade de sentido e autopoiética (que se basta a si mesma).

O esforço de regular o que já se acha regulado traduz uma inutilidade jurídica clarificada, no caso, em função da disciplina judiciária preexistente, nos termos da Constituição e da LOMAN. Se a LOMAN, norma específica, que data dos dias de ferro do militarismo, vem se revelando, todavia, hipossuficiente ou inadequada ao justo, democrático e ponderoso regulamento da ação judicial nos dias que correm e da Magistratura Nacional, seria o caso de se enviar ao Congresso a última das disciplinas para carreira de Estado ainda represada pelo burocratismo judiciário da República: o novo Estatuto da Magistratura, cujo projeto foi o constituinte de 1988 que atribuiu ao STF a responsabilidade de empreendê-lo e encaminhá-lo, mesmo que sem data aprazada. Há 31 anos foi passado esse comando, mas até agora ele não foi obedecido e a Magistratura Nacional segue como a última carreira de Estado ainda não regulada sob o pálio da Constituição Federal de 1988.

Com efeito, o CNJ não substitui o STF nessa dinâmica de obediência jurídica à vontade do legislador constituinte, ainda que por vias transversas ou pretextos de um pseudoadministrativismo expresso em resoluções, provimentos, portarias e demais atos autoconsiderados “interna corporis”, mas que disso não se trata em absoluto. A natureza jurídica de certas resoluções do CNJ tem, sim, caráter de legislação primária e isso lhe é vedado pela Constituição Federal. Corre-se, pois, o risco de autoritarismos. Desse modo é que não pode parecer estranho à Nação, crescentemente impactada, que ainda haja dignitários em atividade que exortem, com toda convicção e nenhuma cerimônia, para um suposto caráter “divinal” dos Magistrados, eis que “julgam pessoas”, não condutas. Só acreditei nessa manifestação porque a fonte da informação era boa, mais tarde comprovada, mas se trata, na realidade, de um nada cognitivo. Tempos estranhos, muito estranhos… O fato é que os juízes são tão mortais quanto a quaisquer outras pessoas e estão do mesmo modo sujeitos às misérias desta vida.

A tal exortação pública, outrossim, evoca uma outra tragédia do Poder Judiciário Nacional: o formato personalista e antirrepublicano de como suas composições são comumente eleitas e as brechas legais que permitem serem elevados aos Tribunais quadros inteiramente inusinados à função jurisdicional e à vida dos pretórios. Ora, não é difícil especular acerca das razões de certos experimentalismos que são comumente observados no sistema de Justiça brasileiro, e pelos quais a imprevisibilidade resulta bem aflorada na vida forense com alguns adminículos corporativos altamente perniciosos à boa imagem da Magistratura Nacional, a exemplo do carreirismo judiciário e de um espectro de emulações na evolução dessas carreiras e até mesmo de seus cargos isolados. O apego ao poder, sobretudo nas esperas mais acima da jurisdição, parece patológico ao ponto de atropelar dispositivos constitucionais muito específicos como os resultantes da Emenda Constitucional nº 88/2015 (“PEC da Bengala”), que obrigou os membros dos Tribunais Superiores a se submeterem a uma sabatina de retenção de seus cargos perante o Senado Federal, ao ensejo de completarem a idade limite de 70 anos para fins de permanência na atividade por mais um lustro. Essa regra, todavia, continua sendo negligenciada por força de decisão liminar adotada, por maioria, pelo próprio STF, que a considerou contrária às garantias da Magistratura, desconsiderando, outrossim, que o tema era outro: Regime Jurídico da Administração Pública Judiciária para o quê não há direito adquirido, inclusive (ADI nº 5.316).

Ao fim, a estrutura das liberdades públicas, mesmo aquelas que dizem respeito aos Juízes, é intocável por meio de medidas administrativas, não previstas em lei. Ainda, aos Juízes é deferida essa pauta de liberdades, nos termos do que a lei e somente a lei delimita. A Magistratura, sobre restringir algumas condutas de seus membros, “ex-vi-legis”, não retira dos Juízes a própria cidadania. Pensar diferente é idiossincrático, quando não traduzir abuso.

O juiz que não se sente livre na sociedade em que atua, simplesmente não decide coisa alguma, guardados os limites que a lei lhe impõe por dever de seu ofício. O valor da liberdade forja os talentos mais necessários à arte de julgar. O juiz que não se sente livre, porém, jamais estará apto a decidir os destinos de seus semelhantes.

Desse modo, a iniciativa do CNJ em regular ou restringir, para além dos limites legais, a liberdade do juiz quanto ao uso das redes sociais, é de fato um monumental contrassenso, para dizer o mínimo. Estamos, pois, diante da possibilidade de cerceamento da liberdade de expressão dos Juízes, predicado da cidadania, para além do que preconizam a Constituição Federal e a Loman. Esse tipo de experimentalismo judiciário diverge do Estado de Direito e conduz o sistema de controle da Magistratura ao arbítrio. Sobre isto, o Poder Judiciário precisa ser revisto nos mecanismos de formação de seus quadros e o controle externo da Magistratura Nacional deve ser social e jamais corporativo.

Nada obstante, cada qual deve fazer a autorregulamentação da própria atividade, justamente à luz da Constituição e da Loman. O CNJ e as Corregedorias de Justiça sempre exercerão o controle censório da disciplina judiciária, fenômeno bem distinto daquele que se intenta agora proceder sem amparo jurídico e por argumento de pura autoridade.

Diante de todo o exposto, pode-se concluir que os Juízes estão fazendo na democracia (“ativismo judicial”) o mesmo papel que os Militares fizeram na ditadura (“AI-5”).

Roberto Wanderley Nogueira

Doutor em Direito

 é juiz federal em Recife e doutor em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).

Categorias
Notícias

Moro é denunciado em comissão de ética por exigir cadeira no STF

O ex-ministro da Justiça Sergio Moro foi denunciado na comissão de ética da presidência por supostamente ter exigido sua indicação para a vaga de ministro do Supremo Tribunal Federal em troca da permanência no cargo de ministro da Justiça.

Segundo Bolsonaro, Moro teria exigido sua indicação ao STF em troca da continuidade no Ministério da Justiça até novembro
Marcelo Camargo/Agência Brasil

A base da denúncia, apresentada nesta quinta-feira (30/4), é a declaração do presidente Jair Bolsonaro que, em entrevista coletiva, afirmou que “o senhor Sergio Moro disse pra mim: ‘você pode trocar o Valeixo, sim, mas em novembro, depois que o senhor me indicar para o Supremo Tribunal Federal'”. 

A declaração aconteceu na sexta-feira (24/4), logo depois de Moro anunciar a demissão do MJ e fazer uma série de declarações sobre a interferência do Governo na Polícia Federal. Nesta semana, o ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, autorizou inquérito para investigar a troca de farpas entre Moro e Bolsonaro.

De acordo com a petição, Moro cometeu diversos desvios éticos. Dentre eles, os advogados apontam que a conduta de aceitar vantagem para ascender a função pública configura grave infração ética, ato de improbidade e, em tese, constitui crime de corrupção passiva.

“Jamais poderia um Ministro de Estado, no exercício do cargo, condicionar qualquer conduta sua à garantia, pelo Presidente da República, de indicação para vaga no Supremo Tribunal Federal”, afirmam os advogados.

Eles explicam que a assunção ao cargo no MJ visou uma vantagem pessoal, “sem qualquer correlação com o múnus próprio que deriva da chefia do Ministério da Justiça”.

Com isso, entendem que Moro comprometeu a primazia do interesse coletivo, já que não é possível, aos olhos do público, “distinguir as ações do ex-ministro que se pautaram pela ambição pessoal de tornar-se ministro do STF daquelas ações que decorreram única e exclusivamente da missão de servir ao interesse nacional”.

Pedido de pensão

Quando chamou a coletiva de imprensa para anunciar sua saída do cargo, Moro também revelou que sua única condição para ingressar no Ministério foi um acordo para pagamento de uma pensão para sua família caso algo acontecesse com ele, uma vez que, ao abdicar da magistratura, também tinha aberto mão de 22 anos de contribuição à Previdência Social.

Na petição, os advogados questionam qual a razão para manter em sigilo o pedido da pensão. Eles apontam que os atos administrativos, como a concessão de uma pensão, devem ser publicizados. “A conduta enunciada denota a ocorrência de ato ilícito, consistente em exigir vantagem de natureza pessoal para que se leve a cabo o ato administrativo de nomeação no cargo em comento.”

Outro ponto atacado pelos advogados é de que Moro reconheceu que sabia de atos ilícitos e deixou de proceder ao encaminhamento de informações para órgãos e autoridades competentes.

Assinam a denúncia os juristas Celso Antônio Bandeira de Mello, Lênio Streck, Carol Proner, Marcelo Pinto Neves, José Geraldo de Sousa Jr., Kenarik Boujikian, Antonio Moreira Maués, Vera Santana Araújo, Marcelo Cattoni, Gisele Citadinno, Geraldo Prado, Weida Zancaner, Fábio Gaspar e Marco Aurélio Carvalho.

Desdobramentos
Reportagem da ConJur mostrou que as declarações de Moro, em tese, podem levar o presidente Jair Bolsonaro a responder processo de impeachment e ação penal por crimes de responsabilidade e comuns. Para especialistas, Moro não prevaricou ao deixar de informar tentativa de interferência na PF.

As declarações de Moro motivaram ainda o envio de uma notícia-crime contra o presidente ao STF, na sexta (24/4). Na Câmara, até o final de semana, restavam 29 pedidos de impeachment a serem apreciados pelo presidente, deputado federal Rodrigo Maia. Três deles protocolados após a coletiva do ex-ministro.