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Felipe Bayma: A relação entre os poderes Judiciário e Executivo

O ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal, propôs no último dia 4 emenda ao Regimento Interno da Corte que visa a incluir entre as competências do plenário a apreciação de pedido de tutela de urgência contra atos de outros poderes da República.

O presidente do STF, ministro Dias Toffoli, encaminhou a proposta do ministro Marco Aurélio à Comissão de Regimento. Na proposta, o ministro explica que as questões de maior relevo, repercussão e importância acabam, por força do regimento, a ser submetidas ao plenário. Nesse contexto, lembrou, inclui-se a possibilidade de exame de atos precípuos do Poder Legislativo ou do Executivo.

Diante da possibilidade de um dos integrantes do Supremo, isoladamente, poder suspender ato praticado por dirigente de outro poder, o ministro Marco Aurélio destacou que “esforços devem ser feitos visando, tanto quanto possível, preservar a harmonia preconizada constitucionalmente, surgindo, de qualquer forma, com grande valor, o princípio da autocontenção”, devendo ser conferida “ênfase à atuação colegiada”.

A proposta visa a inserir no artigo 5° do Regimento Interno do STF, que trata das competências do plenário, a seguinte redação: “Apreciar pedido de tutela de urgência, quando envolvido ato do Poder Executivo ou Legislativo, praticado no campo da atuação precípua”.

A questão envolve uma indagação: o fato de o plenário apreciar os atos de outros poderes da República preserva a independência e a harmonia entre os poderes?

A separação de poderes é um princípio cujo escopo é impedir um Estado tirano e a afronta aos princípios e valores fundamentais da Carta Magna, pois partimos da premissa de que quando o poder político está concentrado nas mãos de um só poder há uma tendência ao abuso de autoridade, não havendo liberdade política. Sob essa análise, a separação de poderes e sua atuação harmônica é o verdadeiro sustentáculo da democracia.

Ressalte-se que, como trazido por Montesquieu, “tudo estaria perdido se o mesmo homem ou o mesmo corpo dos principais ou dos nobres, ou do povo, exercesse esses três poderes: o de fazer as leis, o de executar as resoluções públicas e o de julgar os crimes ou as divergências dos indivíduos”.

A extrema interferência do Poder Judicante nas decisões dos outros poderes, que ora prevalece no Brasil, ainda que monocraticamente ou de forma colegiada, não deixa de causar um frontal ofensa à Constituição Federal.

A Carta Maior, em seu artigo 2º, trata de forma pragmática e objetiva sobre a separação de poderes, assentando que “são poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”.

Note-se que pelo teor do dispositivo constitucional não caberia ao Judiciário intervir em nomeações do Poder Executivo porque isso fere de forma cristalina a independências dos poderes, ainda que decidido pelo plenário do Supremo Tribunal Federal. E, para além disso, o Estado Democrático de Direito é regido pela Constituição e pelas leis, ou seja, os poderes, todos eles, de forma indistinta e obrigatória devem observar os fundamentos constitucionais e o regramento legal.

Felipe Bayma é advogado empresarial, presidente da Comissão de Empreendedorismo Jurídico da OAB-DF, membro da Comissão de Gestão, Empreendedorismo e Inovação do CFOAB e membro do IADF.

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Corrêa da Veiga: TAS veda influência de terceiros em transferências

Em recente decisão, o Tribunal Arbitral do Esporte (TAS) apreciou recurso do atleta Thomaz dos Santos e o absolveu da condenação de pagar uma multa de U$ 80 mil (cerca de R$ 440 mil), além de isentar o jogador das despesas com arbitragem e honorários, em importância aproximada de U$ 30 mil (R$ 165 mil), segundo informações do jornal La Razón [1]

O caso traz questões peculiares, com reflexos no direito ao trabalho dos atletas, e que vêm sendo observadas com alguma frequência, com decisões conflitantes, tanto pelas câmaras de resolução de conflitos quanto pelo próprio Poder Judiciário, quando a este submetidas.

Thomaz Santos defendeu o clube Jorge Wilstermann, da Bolívia, de 2014 a 2017, ano em que foi contratado pelo São Paulo. Em 2018, foi cedido para clubes brasileiros, sendo que no ano de 2019 foi cedido ao Bolívar, de La Paz.

Com a alegação de que havia sido assinado um documento no qual o atleta se comprometia a defender o Jorge Wilstermann no caso de retorno à Bolívia, sob pena de pagamento de multa de U$ 80 mil, o clube de Cochabamba apresentou demanda perante o Tribunal de Resolução de Disputas da Federação Boliviana de Futebol, tendo em vista a opção do atleta pelo Bolívar.

Insatisfeito com a decisão, o jogador recorreu à mais alta corte arbitral do esporte, que deu provimento ao seu recurso para afastar o pagamento da multa pleiteada e condenar o Jorge Wilstermann e a Federação Boliviana de Futebol, cada um, ao ressarcimento com os gastos e honorários legais arcados pelo recorrente e ao pagamento das custas processuais.  

No intuito de estimular o debate e analisar o objetivo da decisão, convém trazer posicionamentos doutrinários e do próprio Regulamento da Fifa.

As cláusulas que impõem restrições ou condições após a ruptura contratual trazem um ônus muito grande para o atleta e muitas das vezes, além de não oferecerem contra-partidas, são desprovidas de fundamento racional que as justifiquem.

Não há dúvidas de que no meio empresarial, quando se trata de proteção de segredos industriais, as cláusulas de não-competição podem (e são) aplicadas. Até mesmo no meio desportivo há situações em que são defensáveis quando se trata de desenvolvimento de programas de treinamentos, por exemplo.

No âmbito do desporto há peculiaridades e nuances que despertaram a atenção do legislador, que foi firme ao assegurar a ampla liberdade contratual desportiva sem imposições ou restrições contratuais.

No Brasil, a Lei Geral do Desporto [2] é expressa ao afirmar que são nulas quaisquer cláusulas que interfiram no livre exercício do trabalho, influenciem transferências, interfiram em desempenho e influenciem assuntos laborais. 

Dessa forma, por imperativo legal constante no diploma desportivo brasileiro, a liberdade de trabalho desportivo não pode ser restringida.

Essa é a visão do professor da Universidade de Coimbra João Leal Amado [3]. Verbis:

“Em sede de contrato de trabalho desportivo não há, porém, lugar para dúvidas: qualquer cláusula de não concorrência, enquanto cláusula que, por definição, visa a ‘condicionar ou limitar a liberdade de trabalho do praticante desportivo após o termo do vínculo contratual’, será nula”.

O professor Rafael Teixeira Ramos [4] traz entendimento semelhante e lembra, inclusive, da já extinta figura do passe. Verbis:

“Admitir que por uma avença contratual um dos clubes se ponha em superposição privilegiada em detrimento de uma posição restrita do concorrente arquirrival, prejudica a livre concorrência perante os demais empregadores do mercado desportivo, gerando reflexões negativas no próprio equilíbrio competitivo e na incerteza dos resultados, princípios nucleares da atividade econômica desportiva”.

Nota-se, portanto, que a atividade profissional desportiva deve ser livre, sem limitações contratuais que possam ser consideradas abusivas ou desproporcionais, sob pena de serem consideradas nulas de pleno direito.

O artigo 18bis do Regulamento de Transferências de Jogadores da Fifa traz a seguinte previsão:

“1  No club shall enter into a contract which enables the counter club/counter clubs, and vice versa, or any third party to acquire the ability to infl uence in employment and transfer-related matters its independence, its policies or the performance of its teams”.

Em tradução livre, resta dizer que a Fifa estabelece que nenhum clube poderá celebrar contratos com qualquer outra parte contratante ou qualquer terceiro para fins de adquirir a capacidade de influência na relação de emprego e nas transferências, e ainda em questões relacionadas a sua independência, suas políticas ou desempenho de suas equipes.

Portanto, a estipulação pactuada entre o clube Jorge Wilstermann com o atleta Thomaz violou princípios do desporto e o próprio regulamento de transferências da entidade máxima do futebol, que assegura a ampla liberdade profissional sem restrições contratuais, razão pela qual não poderá haver influência de terceiros na transferência do atleta.

 é advogado, sócio no escritório Corrêa da Veiga Advogados, membro da comissão de Direito do trabalho da Seccional OAB-DF e pós-graduado em Direito Trabalho e Processo do Trabalho no IDP – Instituto Brasiliense de Direito Público.