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CPC tem instrumentos para minimizar “pandemia processual”

Em vigor desde 2016, o Código de Processo Civil possui instrumentos adequados para minimizar as dificuldades processuais criadas durante a pandemia do novo coronavírus. Embora os problemas não sejam homogêneos e, portanto, não possa se considerar uma saída única. Essa é a opinião de especialistas, manifestada durante programa da TV ConJur.

ConJur

Eles participaram nesta quinta-feira (5/4) do seminário virtual Saída de Emergência, com o tema Desafios processuais em tempos de pandemia. O debate foi mediado por Otavio Rodrigues, do CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público) e da USP).

Para Bruno Dantas, ministro do Tribunal de Contas da União, o CPC de 2015 possui instrumentos perfeitamente aplicáveis para dar vazão a demandas peculiares que surgirem durante a pandemia. Se por um lado estrutura a formação de precedentes, por outro estimula em seu artigo 334 a realização de mediação ou conciliação. O problema é que o dispositivo não é aplicado com a frequência que deveria.

“Na minha experiência no TCU, participei de debate com o ministro da Infraestrutura, e falávamos de uma situação que certamente será melhor resolvida por métodos alternativos: o reequilíbrio de contratos de concessão em infraestrutura”, exemplificou. Com a alteração brutal da situação por conta da pandemia, esses contratos precisarão ser renegociados em meio a entraves jurídicos.

“O artigo 334 não é ‘bombril’, mas tem muitas utilidades. Pode ser aplicado no Judiciário, no âmbito administrativo. E até aqui não tivemos incentivos para usá-lo. O incentivo chegou. A pandemia é a oportunidade ideal para que o CNJ reforce a necessidade dessa disposição”, apontou o ministro.

“O Código está realmente aparelhado para ajudar em épocas de crise”, afirmou a professora Teresa Arruda Alvim, da PUC-SP. Ela destacou o incidente de assunção de competência como a alternativa mais viável, devido ao caráter preventivo e por ser já instaurado em segundo grau. Como o que o vincula é a ratio, não a tese, não obriga a aplicação automática a todos os casos idênticos.

“Ele tem capacidade de abrangência muito maior do que um, expediente que uniformiza pela tese. São os dois caminhos: precedentes e soluções consensuais. Dentro e fora do processo”, resumiu a professora, que defendeu a adoção de argumentos consequencialistas em casos relacionados à pandemia, como forma de elemento desempatador: dentre as soluções possíveis, escolher a que gerar o impacto mais positivo na sociedade.

Ressalvas e melhorias

Conselheiro federal da OAB, o advogado Ary Raghiant apontou que as alterações de prazos e a tentativa de uniformizar o tratamento processual da pandemia em estados onde a situação é diferente vai criar uma “pandemia processual”. “Vamos conviver com ela, além da pandemia de saúde. Quando isso se afunilar e processos chegarem, a contagem de prazo vai ser problema clássico”, disse.

A dificuldade de estabelecer soluções únicas está na raiz das ressalvas feitas pelo professor titular de Processo Civil da USP, Flávio Yarshell. Ao analisar o artigo 334 do CPC, ele entende que não é viável ou desejável a imposição de mediação ou conciliação como requisito para a judicialização, ainda mais quando o sistema utilizado não está devidamente estruturado para que soluções alternativas sejam alcançadas a contento.

“Esse mérito talvez a pandemia tenha, conquanto seja provisória: não podemos querer uma solução definitiva em parâmetros provisórios, mas que ela nos traga a lição permanente de que é preciso investir seriamente em soluções não-adjudicadas. A lógica do sistema de Justiça continua sendo a de soluções adjudicadas”, apontou.

Ary Raghiant ressaltou que trabalha junto ao legislativo pela obrigatoriedade da presença de advogados durante as audiências nos Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania (Cejusc). Em sua avaliação, o tratamento dado é muito protocolar e necessita aperfeiçoamento. Só assim o disposto no CPC poderá ser colocado em prática.

“Os resultados ainda são pífios. Tentamos isso no CNJ e não tivemos sucesso: se tornar obrigatória a presença do advogado, vamos ter avanço. Ainda que a cultura do advogado seja do litígio, vamos trabalhar na mudança cultural. Para a OAB, o advogado no Cejusc é fundamental para melhorar esse instituto e ter a desjudicialização”, opinou.

Assista abaixo ao seminário:

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Corrêa da Veiga: TAS veda influência de terceiros em transferências

Em recente decisão, o Tribunal Arbitral do Esporte (TAS) apreciou recurso do atleta Thomaz dos Santos e o absolveu da condenação de pagar uma multa de U$ 80 mil (cerca de R$ 440 mil), além de isentar o jogador das despesas com arbitragem e honorários, em importância aproximada de U$ 30 mil (R$ 165 mil), segundo informações do jornal La Razón [1]

O caso traz questões peculiares, com reflexos no direito ao trabalho dos atletas, e que vêm sendo observadas com alguma frequência, com decisões conflitantes, tanto pelas câmaras de resolução de conflitos quanto pelo próprio Poder Judiciário, quando a este submetidas.

Thomaz Santos defendeu o clube Jorge Wilstermann, da Bolívia, de 2014 a 2017, ano em que foi contratado pelo São Paulo. Em 2018, foi cedido para clubes brasileiros, sendo que no ano de 2019 foi cedido ao Bolívar, de La Paz.

Com a alegação de que havia sido assinado um documento no qual o atleta se comprometia a defender o Jorge Wilstermann no caso de retorno à Bolívia, sob pena de pagamento de multa de U$ 80 mil, o clube de Cochabamba apresentou demanda perante o Tribunal de Resolução de Disputas da Federação Boliviana de Futebol, tendo em vista a opção do atleta pelo Bolívar.

Insatisfeito com a decisão, o jogador recorreu à mais alta corte arbitral do esporte, que deu provimento ao seu recurso para afastar o pagamento da multa pleiteada e condenar o Jorge Wilstermann e a Federação Boliviana de Futebol, cada um, ao ressarcimento com os gastos e honorários legais arcados pelo recorrente e ao pagamento das custas processuais.  

No intuito de estimular o debate e analisar o objetivo da decisão, convém trazer posicionamentos doutrinários e do próprio Regulamento da Fifa.

As cláusulas que impõem restrições ou condições após a ruptura contratual trazem um ônus muito grande para o atleta e muitas das vezes, além de não oferecerem contra-partidas, são desprovidas de fundamento racional que as justifiquem.

Não há dúvidas de que no meio empresarial, quando se trata de proteção de segredos industriais, as cláusulas de não-competição podem (e são) aplicadas. Até mesmo no meio desportivo há situações em que são defensáveis quando se trata de desenvolvimento de programas de treinamentos, por exemplo.

No âmbito do desporto há peculiaridades e nuances que despertaram a atenção do legislador, que foi firme ao assegurar a ampla liberdade contratual desportiva sem imposições ou restrições contratuais.

No Brasil, a Lei Geral do Desporto [2] é expressa ao afirmar que são nulas quaisquer cláusulas que interfiram no livre exercício do trabalho, influenciem transferências, interfiram em desempenho e influenciem assuntos laborais. 

Dessa forma, por imperativo legal constante no diploma desportivo brasileiro, a liberdade de trabalho desportivo não pode ser restringida.

Essa é a visão do professor da Universidade de Coimbra João Leal Amado [3]. Verbis:

“Em sede de contrato de trabalho desportivo não há, porém, lugar para dúvidas: qualquer cláusula de não concorrência, enquanto cláusula que, por definição, visa a ‘condicionar ou limitar a liberdade de trabalho do praticante desportivo após o termo do vínculo contratual’, será nula”.

O professor Rafael Teixeira Ramos [4] traz entendimento semelhante e lembra, inclusive, da já extinta figura do passe. Verbis:

“Admitir que por uma avença contratual um dos clubes se ponha em superposição privilegiada em detrimento de uma posição restrita do concorrente arquirrival, prejudica a livre concorrência perante os demais empregadores do mercado desportivo, gerando reflexões negativas no próprio equilíbrio competitivo e na incerteza dos resultados, princípios nucleares da atividade econômica desportiva”.

Nota-se, portanto, que a atividade profissional desportiva deve ser livre, sem limitações contratuais que possam ser consideradas abusivas ou desproporcionais, sob pena de serem consideradas nulas de pleno direito.

O artigo 18bis do Regulamento de Transferências de Jogadores da Fifa traz a seguinte previsão:

“1  No club shall enter into a contract which enables the counter club/counter clubs, and vice versa, or any third party to acquire the ability to infl uence in employment and transfer-related matters its independence, its policies or the performance of its teams”.

Em tradução livre, resta dizer que a Fifa estabelece que nenhum clube poderá celebrar contratos com qualquer outra parte contratante ou qualquer terceiro para fins de adquirir a capacidade de influência na relação de emprego e nas transferências, e ainda em questões relacionadas a sua independência, suas políticas ou desempenho de suas equipes.

Portanto, a estipulação pactuada entre o clube Jorge Wilstermann com o atleta Thomaz violou princípios do desporto e o próprio regulamento de transferências da entidade máxima do futebol, que assegura a ampla liberdade profissional sem restrições contratuais, razão pela qual não poderá haver influência de terceiros na transferência do atleta.

 é advogado, sócio no escritório Corrêa da Veiga Advogados, membro da comissão de Direito do trabalho da Seccional OAB-DF e pós-graduado em Direito Trabalho e Processo do Trabalho no IDP – Instituto Brasiliense de Direito Público.