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Nascimento de filho brasileiro impede expulsão de estrangeiro do país

Um estrangeiro residente no Brasil não pode ser expulso do país se tiver um filho brasileiro, mesmo que o nascimento da criança ocorra após a edição da portaria de expulsão. Com esse entendimento, a 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça impediu que um cidadão da Tanzânia fosse mandado embora do país por causa de uma condenação criminal.

O ministro Og Fernandes foi o relator

do Habeas Corpus na 1ª Seção do STJ
TSE

A corte concedeu o Habeas Corpus pedido pela Defensoria Pública com base no artigo 55 da Lei de Migração (Lei 13.445/2017), que estabelece que o estrangeiro que tenha filho brasileiro sob sua guarda ou dependência econômica ou socioafetiva não pode ser expulso do Brasil. A Defensoria anexou ao processo comprovantes de contas de água e energia elétrica como provas de sua residência no país. 

Em 2017, uma portaria determinou a expulsão do tanzaniano por ele ter sido condenado a sete anos de prisão e multa por tráfico de drogas. Vivendo uma relação estável com pessoa nascida no Brasil, ele teve o nascimento de seu filho em 2019, fato que a 1ª Seção entendeu ser suficiente para impedir que fosse expulso.

“Muito embora a portaria de expulsão tenha sido editada em 21 de junho de 2017, anteriormente, portanto, à formação de família no Brasil pelo paciente, o certo é que não se pode exigir para a configuração das hipóteses legais de inexpulsabilidade a contemporaneidade dessas mesmas causas em relação aos fatos que deram ensejo ao ato expulsório”, explicou o ministro Og Fernandes, relator do Habeas Corpus.

Conforme lembrou o relator, o ministro Celso de Mello afirmou em um julgamento do Supremo Tribunal Federal que a corte suprema adotou a orientação de preservar a unidade e a integridade da família, assim como assegurar a proteção integral às crianças e aos adolescentes.

“Desse modo, ao contrário do que afirma a autoridade impetrada, estão configuradas as hipóteses excludentes de expulsabilidade, razão pela qual o ato indicado como coator deve ser anulado”, afirmou Og Fernandes, que ressaltou que é preciso aplicar o princípio da prioridade absoluta dos direitos e interesses da criança e do adolescente, previsto na Constituição, o que justifica a permanência do tanzaniano no Brasil. Com informações da assessoria de imprensa do STJ.

Clique aqui para ler a decisão

HC 452.975

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Suspensa decisão que permitia Airbnb funcionar em Gramado

O ministro Luiz Fux, no exercício da Presidência do Supremo Tribunal Federal, suspendeu decisão da Justiça do Rio Grande do Sul que havia garantido o funcionamento da plataforma digital de aluguel por temporada Airbnb em Gramado (RS).

Igreja Matriz São Pedro em Gramado (RS)
Abtessari

Para o ministro, a cidade é um polo turístico na região, e a manutenção das atividades da plataforma revela risco à ordem e à saúde públicas, por interferir na política de combate ao novo coronavírus. A decisão foi proferida no pedido de Suspensão de Liminar 1.334, apresentado pelo Município de Gramado.

Decretos municipais

Os Decretos municipais 73/2020 e 103/202 de Gramado suspenderam por prazo indeterminado os serviços de hotelaria e hospedagem, inclusive na modalidade de aluguel por temporada, entre outras atividades consideradas não essenciais.

Ao constatar que a Airbnb prosseguia com as locações, o município ajuizou ação civil pública para que a plataforma respeitasse os decretos, tendo em vista a dificuldade de fiscalização e o fato de apenas a Airbnb e a pessoa interessada nos serviços terem acesso à negociação. Outro aspecto apontado foi o fato de não se saber o número de pessoas que ficam em um mesmo recinto, o tempo de permanência e o cumprimento das regras de higienização.

O juízo de primeiro grau determinou a interrupção de anúncios, reservas e locações de acomodações pela Airbnb durante a vigência de normas municipais, mas o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul (TJ-RS), em agravo interposto pela plataforma, derrubou essa determinação.

Na SL 1.334, o município pedia a suspensão da decisão do TJ-RS, para a proteção da saúde e da vida das pessoas diante do crescimento da Covid-19 e para o cumprimento de decisão do STF no julgamento da ADI 6.341, em que foi garantida a competência concorrente dos entes federativos na tomada de providências normativas e administrativas sobre a pandemia.

Predominância de interesse

No exame do pedido de liminar, o ministro Luiz Fux considerou plausível a tese de que a decisão do TJ-RS esvazia a eficácia do decreto municipal. Segundo ele, o Supremo tem entendido que a competência da União para legislar sobre assuntos de interesse geral não afasta a incidência das normas estaduais e municipais expedidas com base na competência legislativa concorrente. Para a Corte, devem prevalecer as normas de âmbito regional quando o interesse em questão for predominantemente de cunho local, como no caso.

Risco à ordem e à saúde públicas

Conforme o relator, a gravidade da situação exige a tomada de medidas coordenadas, e não se pode privilegiar determinado segmento da atividade econômica em detrimento de outro ou mesmo do próprio planejamento estatal.

O ministro Luiz Fux afirmou que cabe ao Estado guiar o enfrentamento coletivo “aos nefastos efeitos decorrentes dessa pandemia”. Para ele, é inegável que a decisão do TJ-RS representa grave risco de transgressão à ordem pública e administrativa no âmbito do município e violação à saúde pública, diante da real possibilidade de desestruturação das medidas adotadas ao enfrentamento da epidemia naquele território. Com informações da assessoria de imprensa do Supremo Tribunal Federal.

SL 1.334

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Clito Júnior: Sobre paternidade socioafetiva post mortem

A paternidade socioafetiva é um conceito jurídico que ganhou dignidade a partir da regra do artigo 1.593 do Código Civil, que, depois de anunciar ser o parentesco natural ou civil, admite que possa ele resultar de outra origem, como seria ocaso da afetividade. Sua existência se evidencia a partir da demonstração de vínculo de afeto de uma pessoa em relação a outra, marcado por atos próprios de pai em relação a um filho, sem que o seja. Sua constatação, não poucas vezes, se sobrepõe ao próprio vínculo biológico, embora o STF tenha firmado, em julgamento repetitivo, que a paternidade socioafetiva não impede a biológica (Tema 622, RE 898.060, rel. Luiz Fux).

A prevalência do conceito, por exemplo, tem vindo à tona nos casos em que se conteste a paternidade registral, quer pelo suposto pai, quer pelo filho registrado. Nesse sentido, quem registra outrem como seu filho pode, posteriormente, reconhecer tê-lo feito por erro, de modo a se lhe dar o direito de buscar a anulação do registro. Todavia, o questionamento não se tem como procedente se, apesar do erro, criou-se um vínculo afetivo que acaba superando o biológico inexistente (Entre outros: AgInt nos EDcl no REsp 1.784.726, rel. Luís Felipe Salomão). De outro lado, não se nega o direito à verdade a qualquer pessoa, de modo a se fazer possível a filho buscar o reconhecimento de paternidade em relação ao seu verdadeiro genitor. Reconheceu-se, porém, que essa anulação do ato por erro pode ser feita, desde que não tenha sido estabelecido um vínculo socioafetivo (Assim, REsp 1.698.716, rel. Nancy Andrighi). Verifica-se, diante da importância que se confere a esse vínculo afetivo aquilo que João Batista Vilela denomina de “desbiologização da paternidade”. Não se nega a importância do vínculo biológico, mas ele pode esmaecer-se na medida em que o coração fale mais alto.

A riqueza do instituto, porém, vem de ser maculada pelo crescente número de ações post mortem intentadas pelo pretenso filho afetivo em face do espólio de seu pranteado e querido pai, como certamente diria com lágrimas nos olhos o novel pretenso órfão. Postulações neste sentido transpiram oportunismo. A busca da paternidade afetiva não se pode transformar numa mesquinha caça de patrimônio, que se mostra na maioria dessas ações, tanto que a inicial já traz pretensão de herança, antecipando o autor o que efetivamente lhe interessa. Demandas voltadas a tanto pecam até pela ilegitimidade, pois são promovidas pelo pretendente a filho, que se arvora em conhecedor da alma do falecido e diz que ele pretendia fosse o demandante seu filho. Nesse sentido, já houve decisão de primeiro grau indeferindo liminarmente a inicial por falta de legitimidade do autor (Processo nº 1013476-58.2018.8.26.0002, juíza Analuísa Livorati Oliva de Biasi Pereira da Silva), embora tenha sido a sentença reformada para que se enfrentasse o mérito.

Se não se faz possível de antemão negar a possibilidade de postular o reconhecimento, é certo que é imprescindível que se demonstre a vontade clara e inequívoca do pretenso pai, como colocado por Marco Aurélio Bellizze, o que não pode ser extraído de atos de caridade. Nessa linha, já se negou o reconhecimento a partir da existência de dependência econômica (Apelação nº 1003029-38.2017.8.26.0360, relator Carlos Alberto de Salles), que não é incomum existir entre o enteado e o companheiro de sua mãe. Da mesma forma, também não se aceitou o fato de ter o pretendente sido criado por um parente, na medida em que não se demonstrou que a afetividade transpunha o natural carinho entre tio e sobrinho, avós e neto, primos etc., pois mais do que isso seria necessário (Apelação cível nº 10000051-41.2019.8.26.0547). Já se pressentiu uma conduta maliciosa no fato de se buscar o reconhecimento por apenas um dos parentes, exatamente o que deixou bens, quando fora criado por um casal.

Parece razoável presumir-se inexistente a vontade do falecido reconhecer como filho a outrem sempre que se fez possível adotar o postulante ou mesmo contemplá-lo em testamento, circunstância que lhe permitiria desfrutar do patrimônio que vem postular por meio da ação de reconhecimento, porém o falecido não o fez. Mais forte, sem dúvida, se torna a presunção quando o falecido deixa testamento e nele não faz qualquer referência neste sentido ao pretendente da filiação. Não resta dúvida que permitir o reconhecimento da paternidade até poderia ter lugar por meio até de provas orais, todavia, deferir a atribuição de bens fora do contexto de um testamento enfraquece este instituto, deixando, então, de ter sentido toda o formalismo que cerca o ato de manifestação da derradeira vontade de qualquer pessoa.

Impõe-se, pois, que se tenha rigor com postulações deste naipe, a fim de que não sirva o Judiciário como caminho seguro para o enriquecimento sem causa.

Clito Fornaciari Júnior é advogado, mestre em Direito pela PUC-SP e ex-presidente da Aasp e ex-conselheiro da OAB-SP.