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TJ-SP mantém veto a inauguração de obras incompletas por prefeito

É inadmissível o recurso extraordinário, quando a deficiência na sua fundamentação não permitir a exata compreensão da controvérsia. Assim, com base na Súmula 284 do STF, o presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, desembargador Geraldo Pinheiro Franco, não admitiu um recurso extraordinário da Prefeitura de Nova Odessa contra uma lei municipal que proíbe a inauguração de obras incompletas na cidade.

Reprodução/Portal BuenoTJ-SP mantém proibição a município para inaugurar obras incompletas

Inconformada com o acórdão do Órgão Especial do TJ-SP, que julgou improcedente uma ação direta de inconstitucionalidade contra a norma em questão, a Prefeitura de Nova Odessa interpôs recurso extraordinário com fundamento no artigo 102, inciso III, alínea “a”, da Constituição Federal.

No entanto, segundo o presidente, o apelo é inadmissível por não atender aos pressupostos legais específicos do recurso extraordinário. Ele citou o artigo 1.035, § 1º, do Código de Processo Civil, que estabelece que a existência de repercussão geral está vinculada à presença ou não de questões relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico, que ultrapassem os interesses subjetivos do processo.

“E cabe ao recorrente demostrar com absoluta clareza e argumentos substanciais, a relevância econômica, política, social ou jurídica. No caso, não ficou bem delineada a repercussão geral. Com efeito, os fundamentos invocados pelo recorrente foram genéricos e pouco delimitados, aduzindo que o tema aplicar-se-á aos mais de cinco mil municípios da federação, além de aos milhares de outros órgãos públicos existentes”, disse.

E, ainda que assim não fosse, Pinheiro Franco afirmou que a imprecisão do recurso é manifesta, visto que não aponta, de modo concreto, a violação de dispositivo da Constituição Federal e “não identifica, como de rigor, qual, exatamente, a controvérsia acerca da questão constitucional”.

Processo 2176142-58.2019.8.26.0000

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Prazo para fornecer vaga em creche fluirá a partir da volta às aulas

Isonomia e dignidade

Prazo para fornecer vaga em creche fluirá a partir da volta às aulas

Por 

Colocar um menor na fila de espera de vaga em creches e atender a outros é o mesmo que tentar legalizar afronta ao princípio da isonomia, pilar da sociedade democrática brasileira.

ReproduçãoMunicípio deve fornecer vaga em creche após o fim da epidemia de Covid-19

Com esse entendimento, a desembargadora Lidia Conceição, da Câmara Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo, determinou que a Prefeitura de São José dos Campos garanta vaga a uma criança de quatro anos em uma creche da rede pública próxima de sua residência ou do emprego da mãe, em período integral, sob pena de multa em caso de descumprimento.

Ao confirmar a necessidade de que o município forneça a vaga, a desembargadora fez apenas uma observação: o prazo de cinco dias para o cumprimento da decisão fluirá somente a partir do dia seguinte ao encerramento do período de suspensão das aulas na rede pública em razão da epidemia do coronavírus. Portanto, enquanto a quarentena estiver em vigor, a multa diária de R$ 50 por descumprimento também não será aplicada.

Segundo a desembargadora, a garantia da vaga se justifica diante da gravidade e do risco de dano irreparável na hipótese de restrição do acesso à educação à criança, que é um direito conferido pela Constituição Federal, Estatuto da Criança e do Adolescente e Lei de Diretrizes e Bases da Educação. A permanência na creche em período integral também se justifica, afirmou Conceição, na medida em que viabiliza o pleno desenvolvimento da criança.

“Ao estabelecer a Constituição Federal em seu artigo 208, §1º o ensino obrigatório como direito subjetivo, não impõe qualquer limitação ou restrição, de modo que razoável garantir à criança a permanência em creche municipal no período integral, posto que, entendimento diverso contrariaria o sentido da efetividade do processo educacional da criança”, afirmou.

Processo 2077456-94.2020.8.26.0000

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 é repórter da revista Consultor Jurídico

Revista Consultor Jurídico, 16 de junho de 2020, 10h49

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Erro grosseiro não obriga empresa a emitir passagens muito baratas

A 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça negou provimento ao recurso de um casal e manteve decisão que concluiu que o site de passagens Decolar e a companhia aérea KLM não eram obrigados a se responsabilizar pela emissão de bilhetes reservados a preços baixíssimos em decorrência de uma falha do site.

O colegiado, levando em conta que a reserva foi cancelada dois dias depois e que não houve cobrança no cartão de crédito, entendeu que não seria possível, em razão de um erro grosseiro no sistema de preços do site, exigir a emissão dos bilhetes de viagem.

O casal fez reservas de passagens de Brasília para Amsterdã pela companhia KLM no site da Decolar, por um preço muito abaixo do normal: cerca de R$ 1 mil para os dois. Após receberem o e-mail de confirmação da reserva, eles foram surpreendidos com o seu cancelamento. Não houve necessidade de estorno no cartão de crédito, pois a cobrança não foi feita no momento da reserva.

Os consumidores acionaram na Justiça a Decolar e a KLM para garantir a emissão dos bilhetes nos termos da oferta, pedindo ainda indenização de danos morais pelo transtorno. A sentença, mantida em segunda instância, condenou as empresas ao pagamento de R$ 2 mil por danos morais, mas rejeitou o pedido de emissão dos bilhetes.

No recurso especial, o casal insistiu na emissão das passagens e pediu o aumento do valor dos danos morais.

Bom senso

Segundo a ministra Nancy Andrighi, relatora do recurso, as instâncias ordinárias reconheceram a falha na prestação dos serviços, a despeito de concluírem não ter havido descaso das empresas com os consumidores.

A controvérsia, acrescentou, deve ser analisada sob a ótica da razoabilidade e do bom senso. A relatora ressaltou que a reserva foi feita por preços “muito aquém” do normal praticado pelo mercado — um dos trechos de Brasília a Amsterdã saiu por R$ 300 —, e não chegou a haver a emissão dos bilhetes eletrônicos, ou seja, a compra não foi formalizada.

Nancy Andrighi afirmou que, diante de inegável erro grosseiro do sistema no carregamento de preços, não se pode reconhecer falha na prestação dos serviços por parte das empresas, que prontamente tomaram providências para impedir o lançamento de valores na fatura do cartão de crédito e informaram o cancelamento da operação apenas dois dias após a reserva.

De acordo com a relatora, as particularidades do caso afastam a incidência do princípio da vinculação da oferta (artigo 30 do Código de Defesa do Consumidor).

“Deve-se enfatizar o real escopo da legislação consumerista, que, reitera-se, não tem sua razão de ser na proteção ilimitada do consumidor – ainda que reconheça a sua vulnerabilidade –, mas, sim, na promoção da harmonia e do equilíbrio das relações de consumo”, concluiu.

Por não considerar o valor irrisório ou exagerado, a Terceira Turma manteve a indenização por danos morais em R$ 2 mil. Com informações da assessoria de imprensa do Superior Tribunal de Justiça.

Clique aqui para ler a decisão

REsp 1.794.991

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Podcast “Trabalho em Pauta” debate formas de combate ao trabalho infantil 

A relação entre trabalho infantil e desigualdade social também é um dos destaques do podcast. 

Podcast sobre Trabalho infantil: aspectos sociais e econômicos

Podcast sobre Trabalho infantil: aspectos sociais e econômicos

16/6/2020 – O segundo episódio do podcast “Trabalho em Pauta” já está disponível em diversas plataformas de streaming de áudio.  O tema desta semana é a exploração do trabalho realizado por crianças e adolescentes, em referência ao Dia Mundial de Combate ao Trabalho Infantil, celebrado em 12 de junho.

A coordenadora do Programa de Combate ao Trabalho Infantil e Estímulo à Aprendizagem, ministra Kátia Arruda, do Tribunal Superior do Trabalho (TST), apresenta os principais pontos da legislação trabalhista que trata do assunto.

A relação entre trabalho infantil e desigualdade social também é destaque no podcast, bem como o perfil das vítimas, a aprendizagem e as medidas adotadas pela Justiça do Trabalho para erradicar o trabalho infantil.

Também participa do debate a economista Monica de Bolle. Ela faz reflexões sobre os aspectos socioeconômicos da exploração de menores no mundo do trabalho e seus efeitos negativos para o desenvolvimento do Brasil em diversos setores.

“Trabalho em Pauta”

O podcast “Trabalho em Pauta” é uma produção da Coordenadoria de Rádio e TV, vinculada à Secretaria de Comunicação Social do TST. A apresentação fica a cargo do jornalista Anderson Conrado, que dirige os debates. Os episódios são lançados semanalmente, por temporadas.

O segundo episódio do “Trabalho em Pauta” já está disponível no site da Rádio TST e em plataformas de streaming como Spotify e Deezer.

Ouça o segundo programa na sua plataforma de áudio preferida:

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(RT/GS)

Esta matéria tem cunho meramente informativo.
Permitida a reprodução mediante citação da fonte.
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Marcos Sampaio: Para além das crises do atual governo

Parmênides de Eleia e Heráclito de Éfeso representam correntes de pensamento antagônicos na filosofia grega, tendo o conflito entre suas ideias marcado profundamente a obra de Platão, que procurou conciliar as duas posições, consertando a visão da constante transformação (panta rei), marcada pela conhecida frase que anuncia ser impossível banhar-se duas vezes no mesmo rio, com a visão parmenidiana da imutabilidade das coisas que se repetem eternamente ao infinito, num ciclo monótono. Logo, se para Heráclito a busca por verdades seria inútil em razão da constante transformação, para Parmênides falta uma maneira de justificar o fluir do mundo.

Ciente de que a via de Aletheia (via do conhecimento) ainda não foi suficientemente vasculhada em matéria política, o caminho dóxa (via de opinião) inspira a construção desse artigo, num momento de impasse político nacional que parece remontar a Tragédia Antígona de Sófocles, num legado em que Édipo parece ter deixado aos filhos brasileiros, de instabilidade constante, inquietação e falta de uma unidade (dentro da diversidade) que conduza o Brasil para o futuro.

Essa bruma que torneia o exercício da presidência da República apresenta tantos episódios complexos e relevantes que, dia após dia, ouvem-se vozes abalizadas sustentando a presença de todos os requisitos configuradores de crime de responsabilidade. O sistema de governo adotado prestigia essa nota de indeterminabilidade e favorece insatisfações sérias em exemplos quase que diários.

Não é por outra razão que a cada movimento político em volta da presidência da República, no Brasil e em toda a América, faz lembrar que nosso presidencialismo tem como principal característica ser crísico (usando a expressão de Edgar Morin [1]), em que antes mesmo de superarmos uma instabilidade, já a substituímos por outra.

E tem sido assim em toda a América do Sul, onde, desde 1978, pelo menos 40% dos presidentes eleitos têm sido contestados por civis que tentaram fazê-los deixar o cargo antes do tempo, como anotou a professora Kathryn Hochstetler [2].

Abaixo da Linha do Equador verificam-se Constituições que estabelecem mandatos presidenciais de quatro a Seis anos, mas a prática revela presidentes que governaram por menos de um ano, alguns meses, poucas semanas e até por algumas horas.

Esses acontecimentos frustram a hipótese essencial relativa às práticas dos sistemas presidencialistas: que os mandatos presidenciais são estáveis e rigorosamente fixados. Na prática, inexorável imaginar um modelo débil em que a população não pode retirar um governante ruim, nem estes conseguem ter garantidos os seus mandatos, conduzindo a consequências de conflitos políticos no presidencialismo que colapsam a própria democracia.

Fortemente influenciados pela Doutrina Monroe, que tinha como lema “a América para os americanos”, a América procurou se afastar das monarquias parlamentaristas europeias, criando um sistema de governo autêntico e estável e que deveria funcionar em todo o continente. Calcados numa excessiva centralização de poder e no estabelecimento de uma autoridade nacional, os conflitos e dificuldades de exercício da presidência, em toda América, têm favorecido essa instabilidade de poder.

A maior parte dos estudos sobre o presidencialismo exibidos na clássica obra de Juan Linz [3] comparou o presidencialismo com parlamentarismo, e foram certeiros em argumentar que as instituições tinham sido pouco estudadas e que era necessário atribuir-lhes cuidadosa atenção, exatamente pela instabilidade política que a centralização do poder causa.

São variados os motivos de contestações dos presidentes, passando por suas políticas econômicas insatisfatórias, por escândalos de corrupção e, por fim, por instabilidade política decorrente do enfraquecimento da base parlamentar de apoio. Isso tem gerado diversas rupturas de mandatos por processos formais de impedimento, mas, por vezes, em diversos casos, os parlamentos optavam por processos de afastamento que não exigiam as supermaiorias do impeachment, retirando presidentes por abandono de cargo (Venezuela, 1993, e Equador, 2000), por incapacidade mental (Equador, 1997) e incapacidade moral (Peru, 2000).

Nos parlamentos, as contestações aos presidentes se apresentam, em grande parte, a presidentes com minoria no Congresso, em que os líderes da oposição encontram implicações de diversas ordens para comprovarem a existência de impasse político que, com algum fundamento jurídico, autorize a interrupção prematura do mandato fixo. Nesse desiderado, anotam-se justificativas derredor do comportamento presidencial inconstitucional com relação ao Congresso ou outras instituições governamentais, como se viu no Equador em 1987 e 1992; no Peru em 1991-1992; e no Paraguai em 1998-1999. Segundo o estudo da professora Kathryn Hochstetler, dos 31 presidentes nessas condições de parco apoio parlamentar, 14 (45%) deles foram contestados e oito (26%) caíram.

No sistema presidencialista, os presidentes inevitavelmente estão à parte e acima de outros atores políticos, com seus poderes especiais e fontes especiais de legitimidade (é o único político eleito com votos em todo o território nacional), mas a sua manutenção não depende apenas de seu prestígio, mas também da capacidade de governar para vitoriosos e derrotados, conciliando os múltiplos interesses representados pelo parlamento.

Na tentativa de estabilizar o sistema, o Brasil vem tentando um presidencialismo de coalizão, na expressão criada pelo cientista político Sérgio Abranches [4], em 1988, significando o ato de fechar acordos e fazer alianças entre partidos políticos/forças políticas em busca de um objetivo específico. Nele, haveria uma divisão do Poder Executivo entre diversos partidos, o que garantiria uma larga base parlamentar governista e, por consequência, uma alta taxa de aprovação de proposições legislativas de interesse do Executivo, se não inteiramente de sua iniciativa.

Todavia, em toda a história republicana brasileira, exceto na República Velha, em que se verificou relativa estabilidade política, interrompida em 1930, a realidade demonstra uma luta sem fim e muitas vezes com critérios reprováveis de presidentes que tentam concluir seus mandatos.

A flutuação política tem sido tão frequente que esse presidencialismo de coalizão se apresenta, ainda hoje, como uma improvisação, sem outro objetivo senão o digno, mas único, de impedir o país de regredir no seu compromisso com a democracia.

A superação das instabilidades do hoje e seus desdobramentos aparentemente não conduzirão à estabilidade política imaginada, mas apenas criarão uma nova janela para outras crises que, infindáveis, levam o país a patinar e se afastar daquilo que deveria guiar os debates sobre as mudanças políticas, que é a capacidade ou não de realizar as aspirações mais profundas que a sociedade brasileira hoje já é capaz de expressar.

Nesse impasse sem fim, a solução para o agora certamente será encontrada, mas dificilmente resolverá a renitente crise que o presidencialismo brasileiro insiste em carregar, sobretudo em face da crise de legitimidade que o alcance da maioria parece não conseguir estancar.

Mais ainda, o espaço político atual demonstra um improvável único ator político que pode assumir a condução do país, afastando-o do cíclico momento de dualismo e radicalização da sociedade. Nesse sentido, sistemas de governo formados por conjuntos de líderes parecem mais adequados ao futuro do país.

Mesmo reconhecendo a relevância do debate teórico derredor da possibilidade constitucional de implantação do parlamentarismo no Brasil atual [5], não se pode negar que a única coisa permanente no universo é a mudança.

A mínima estabilidade política de que o Brasil necessita não parece vir da resolução do embate atual, nem da substituição, agora ou no futuro, do presidente da República, mas da implantação de um sistema de governo mais ampliado pela participação efetiva do parlamento na condução e correção dos rumos do governo. Ou seja, pelo enfrentamento do tema que permita a implantação de um semipresidencialismo ou mesmo do parlamentarismo no Brasil, em que o governante não enfeixe hiperpoderes, mas que formem governos nomeados, apoiados e, eventualmente, dispensados pelo voto parlamentar.

Para quem compreende que a alternativa ao presidencialismo deve ser um sistema parlamentarista, ainda assim necessário faz decidir qual parlamentarismo se defende, buscando assegurar que a fuga do presidencialismo puro não conduza simplesmente, pela via de menor resistência, ao parlamentarismo puro.

Parece sensata a defesa de Juan Linz quando prefere o parlamentarismo ao invés do presidencialismo sob o argumento (entre outros) de que os sistemas presidencialistas são “rígidos”, ao passo que os sistemas parlamentaristas são “flexíveis”, e que a flexibilidade é preferível à rigidez. O pressuposto subjacente é a minimização do risco; e o raciocínio completo é, consequentemente, que um sistema flexível se expõe muito menos a riscos devido a seus mecanismos de autoregulagem.

Para um primeiro passo, talvez a implantação imediata de um semipresidencialismo onde o presidente, eleito pelo povo, tem papel fundamental na formação do governo, com a indicação de um primeiro-ministro que tenha capacidade de dialogar com o Legislativo, gerando uma espécie de coabitação no governo entre presidente e primeiro-ministro possa ser passo inteligente rumo à transição ao parlamentarismo.

Por um caminho ou outro, a redução dos poderes centralizados na presidência da República poderia auxiliar a democracia brasileira a superar o eterno impasse político que vem nos acompanhando, desde a queda do regime getulista.

Resolver o presente, apurando cada fato e responsabilizando os envolvidos, é indispensável (com ou sem impedimento), mas olhar para além de hoje e tentar encontrar caminhos para o futuro pode por termo ao Conflito de Tebas tão marcado no cenário brasileiro.

 


[2] “Rethinking presidentialism: challenges and presidential falls in South America”. Comparative Politics, jul. 2006, pp. 401-418.

Marcos Sampaio é Procurador do Estado da Bahia, advogado, professor, membro da Academia de Letras Jurídicas da Bahia e mestre em Direito Público pela Universidade Federal da Bahia (UFBA).

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Que vidas salvar? Critérios para alocação de leitos em hospitais

A pandemia pela qual o mundo vem passando, além de ter trazido novos problemas aos sistemas de saúde, jogou luz em outros problemas que já existiam. Um deles é a escassez de leitos no Sistema Único de Saúde (SUS). Não é de hoje que os médicos que atuam no sistema público têm que fazer escolhas trágicas e decidir quem ocupará os leitos disponíveis e, por consequência, quem não terá acesso a eles. Com a Covid-19, esse problema se agravou, pois o vírus possui uma alta taxa de disseminação, levando a um aumento considerável da procura por assistência hospitalar.

Em vários lugares do mundo, o sistema de saúde chegou ao colapso, com pacientes falecendo em razão da ausência do tratamento adequado. No Brasil, alguns estados estão com seus recursos praticamente esgotados, com ocupação dos leitos de UTI superior a 80%, produzindo um contexto de escassez em que apenas alguns pacientes poderão receber o tratamento intensivo.

Nesse cenário, foram desenvolvidos diversos guidelines para orientar o processo de triagem na alocação de leitos, prevendo-se critérios pré-definidos a fim de garantir uma maior objetividade, transparência e publicidade nas escolhas feitas. Além de facilitar o controle e a revisão das decisões tomadas, a construção de parâmetros objetivos diminui a pressão que recai sobre o médico e torna a decisão menos sujeita à influência de vieses não-legítimos.

A fim de compreender de forma mais aprofundada os parâmetros adotados nos mais relevantes guidelines, os autores do presente artigo realizaram uma pesquisa mais profunda (clique aqui) em que foram mapeadas, descritas e sistematizadas as principais diretrizes adotadas. O presente artigo é uma síntese e complementação das ideias ali desenvolvidas, visando contribuir para o debate à luz da realidade brasileira.

Resolução CFM 2.156/2016 e sua insuficiência
Antes da pandemia, a única regulamentação que havia para orientar os médicos e reguladores das centrais de leitos nas escolhas acerca de quem ocuparia as vagas de UTI era a Resolução 2.156/2016, do Conselho Federal de Medicina (CFM). Seu artigo 6º cria uma hierarquia de cinco níveis de prioridade, favorecendo aqueles pacientes “com alta probabilidade de recuperação e sem nenhuma limitação de suporte terapêutico” (Prioridade 1). No segundo nível, estão os “pacientes que necessitam de monitorização intensiva, pelo alto risco de precisarem de intervenção imediata, e sem nenhuma limitação de suporte terapêutico” (Prioridade 2).

Em seguida, estão os “pacientes que necessitam de intervenções de suporte à vida, com baixa probabilidade de recuperação ou com limitação de intervenção terapêutica” (Prioridade 3) e os “pacientes que necessitem de monitorização intensiva, pelo alto risco de precisarem de intervenção imediata, mas com limitação de intervenção terapêutica” (Prioridade 4). Por sua vez, o nível mais baixo de prioridade envolve “os pacientes com doença em fase de terminalidade, ou moribundos, sem possibilidade de recuperação” (Prioridade 5).

É fácil perceber que os critérios estabelecidos pela resolução são vagos e dependem da análise subjetiva de cada médico. Além disso, o ato normativo não prevê critérios de desempate entre aqueles pacientes que se enquadram em um mesmo nível de prioridade. Por isso, a resolução não é suficiente para resolver os problemas decorrentes da escassez de leitos em uma pandemia, devendo ser desenvolvidos critérios mais precisos com vistas a tratar especificamente da alocação de leitos em contexto de limitação de recursos.

Não existindo dúvidas de que o elenco normativo e regulamentar existente não atinge as exigências de objetividade, previsibilidade e transparência, gerando várias lacunas que precisam ser resolvidas, é de extrema importância que seja elaborada uma norma mais ampla, detalhada e específica sobre o tema. Em princípio, o ente que deveria regular a matéria, ao menos no que diz respeito ao SUS, é o Ministério da Saúde, cujo chefe, em plena crise, foi trocado por diversas vezes. Na composição tripartite do SUS, o Ministério da Saúde direciona grande parte das ações em saúde, bem como determina, de uma forma mais ampla, a política pública. Eis uma das razões para que, em um contexto ideal, ele regule a matéria ou então tome a iniciativa de discuti-la juntamente com os demais entes federados.

Além disso, o órgão tem legitimidade democrática para fixar as regras, na medida em que faz parte do Poder Executivo e pode promover debate com a sociedade para que os valores mais relevantes para ela sejam protegidos. Ainda, a fixação de critérios pelo Ministério da Saúde trará uniformidade às decisões, na medida em que eles serão os mesmos para todo o território nacional. Note-se que essa é uma matéria em que as regionalidades não são importantes a ponto de ser necessária a fixação de critérios diversificados.

Na omissão do Ministério da Saúde, é possível que outros órgãos possam vir a estabelecer regras, como o próprio CFM, até por já ter sido o autor da resolução citada. As normas ditadas pelo CFM poderiam ser seguidas pelo sistema de saúde privado e, na inércia do Ministério da Saúde, pelo sistema público. O CFM, além de contar com comissões de bioética, também pode trazer outros setores para a discussão, na medida em que escolher quem deve ser alocado em um leito envolve questões médicas, mas também passa por uma análise jurídica à luz da Constituição Federal. Um ato normativo do CFM também teria alcance nacional, o que promoveria a equidade no acesso à saúde.

Protocolos não-oficiais e escolha por algoritmo
Ocorre que, até o presente momento, nem o Ministério da Saúde, nem o CFM perceberam a importância da questão. Justamente por isso, algumas associações, no vácuo deixado por ambos, acabaram por publicar protocolos para a triagem, inspirados em guidelines elaborados em outros países.

No mês de abril, a AMIB — Associação de Medicina Intensiva Brasileira publicou um protocolo para alocação de leitos, que foi substituído por outro uma semana depois[1]. Também o Conselho Regional de Medicina de Pernambuco (CREMEPE) e o Conselho Regional de Medicina do Rio Grande do Sul (CREMERS) editaram atos para definir quem terá prioridade para a ocupação dos leitos em situação de escassez.

Apesar da fixação de critérios de maneira regionalizada e por entidades privadas não ser o mais recomendável, tais instrumentos representaram um avanço em relação à Resolução 2.156/2016, do CFM.

Outra ferramenta que pode ser utilizada e merece destaque é o algoritmo desenvolvido por uma equipe médica brasileira, cujos resultados já puderam ser testados na prática. A decisão de alocação pelo algoritmo se dá pela análise de quatro fatores objetivos e de fácil compreensão. São eles: necessidade de intervenção ou monitorização, análise de comorbidades, funcionalidades da vida diária e prognóstico do médico[2].

Princípios norteadores
No coração dos principais guidelines elaborados pelas instituições de saúde mais avançadas do mundo, há uma preocupação com o princípio da maximização do bem-estar da população. A ideia é que os recursos médicos escassos devem ser alocados de modo a favorecer, de fato, o maior número de pessoas não só em termos quantitativos, mas também qualitativos.

O princípio da maximização do bem-estar geral tende a adotar três pilares fundamentais que podem se interconectar em uma mesma dinâmica de triagem: (a) priorizar as escolhas que salvem o máximo de vidas possível (saving lives); (b) priorizar as escolhas que salvem o máximo de anos de vida possível (saving life years); (c) priorizar escolhas que salvem o máximo de anos de vida ajustados com a qualidade (saving QALY – Quality-adjusted life year).

Ressalte-se, contudo, que existe uma grande variação de critérios utilizados para atingir cada um desses objetivos, devendo cada protocolo eleger os melhores critérios e desenvolver ferramentas práticas para implementá-los.

Independentemente das premissas eleitas, o princípio básico que deve orientar a alocação de recursos escassos é a igualdade de oportunidades. Desse modo, todos os que precisam do tratamento intensivo devem ter a chance de participar da triagem, concorrendo junto com os outros pacientes em um processo de seleção que utilize critérios objetivos e clinicamente relevantes.

Nenhum critério, ainda que tenha relevância clínica, como doenças pré-existentes, idade ou sexo, deve ser utilizado como um obstáculo absoluto de acesso a unidades de tratamento intensivo. O ideal é que esses fatores sejam considerados dentro de uma escala de prioridades mais ampla, de modo a não excluir qualquer paciente da possibilidade de participar do processo de seleção, mesmo que suas chances sejam mais baixas.

Por isso, os modelos mais avançados evitam estabelecer critérios de exclusão taxativos, optando por criar rankings que levem em conta mais de um fator de análise. Em linha de princípio, todas as pessoas são consideradas elegíveis para participar de um processo de triagem e recebem uma pontuação obtida a partir de uma análise abrangente de tudo aquilo que pode ter relevância clínica.

Por isso, não é recomendável que sejam criados cortes etários fixos no processo de triagem. É certo que a idade pode ter relevância clínica, na medida em que as pessoas mais idosas costumam estar em uma condição de saúde que tende a diminuir as chances de sobrevivência. Porém, é possível que uma pessoa idosa possa ter mais chance de sobrevivência do que uma pessoa mais jovem, sendo injusto desconsiderar uma condição de saúde mais ampla apenas em razão da idade. Nesse sentido, a idade somente deveria ser levada em conta dentro de um sistema de pontuação mais amplo que envolva a análise de outras condições clínicas, como a presença ou não de comorbidades e a chance de sobrevivência aferida objetivamente por algum critério clínico previamente estabelecido.

Para além de estabelecer critérios de triagem, há outros fatores que devem ser abordados pelos protocolos, inclusive de teor procedimental. Um deles é a criação de uma equipe de triagem que possua treinamento adequado com profissionais distintos daqueles que estão no atendimento aos pacientes. O cegamento da equipe de triagem, por meio da restrição de acesso a determinadas informações irrelevantes, como raça, condição social, profissão ou religião, por exemplo, também pode ser outro fator importante, a fim de evitar enviesamento e discriminação. Os protocolos também devem prever a possibilidade de recurso contra a decisão, em situações excepcionais, e a necessidade de que o paciente continue sendo atendido dignamente ainda que não tenha sido escolhido para ocupar o leito. Por fim, é importante que fique definido o período durante o qual as regras serão adotadas, que poderão ser flexibilizadas conforme o grau de escassez existente. 

Considerações finais
Em um contexto de escassez, em que pessoas estão falecendo pela ausência de vagas em leitos de UTI, é de grande importância que sejam estabelecidos critérios objetivos de triagem, a fim de orientar as escolhas dos médicos, hospitais e gestores públicos.

Já existem muitos modelos que podem ser utilizados como ponto de partida para um debate mais amplo, como o modelo de Pittsburgh[3], do Nice[4] e da AMIB, que adotam diversas combinações para proporcionar uma alocação de recursos capaz de promover a maximização do bem-estar. Esses modelos adotam diretrizes baseadas em critérios clínicos, visando salvar mais vidas e mais anos de vida com qualidade, além de se preocupar com as implicações éticas que devem orientar as escolhas trágicas dessa natureza, como a proibição de discriminação e a ótima alocação dos recursos disponíveis.

Embora os custos políticos de estabelecer quais vidas devem ser salvas sejam elevados, o debate precisa ser realizado abertamente. Afinal, a total ausência de critérios tem o potencial de produzir resultados muito piores, capazes de ferir a isonomia consagrada constitucionalmente e dar ensejo à discriminação e a privilégios injustificáveis, além de diminuir a eficácia dos recursos disponíveis. Por isso, o mais importante é que sejam estabelecidos critérios objetivos, transparentes e éticos, visando maximizar o bem-estar da população e garantir o respeito ao direito à vida do maior número de pessoas sem discriminação.

* JurisHealth é um esforço articulado entre profissionais da Saúde, do Direito e da Comunicação, com o objetivo de melhorar a compreensão em torno de temas relevantes do setor de saúde. É uma iniciativa que visa fornecer referências técnicas e analíticas a respeito do sistema de saúde suplementar do Brasil e, assim, prover elementos consistentes para avaliar controvérsias levadas aos tribunais. Saiba mais em www.jurishealth.com.br

 


[1]KRETZER, Lara e OUTROS. Recomendações da AMIB (Associação de Medicina Intensiva Brasileira), ABRAMEDE (Associação Brasileira de Medicina de Emergência, SBGG (Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia) e ANCP (Academia Nacional de Cuidados Paliativos) de alocação de recursos em esgotamento durante a pandemia por COVID-19. Associação de Medicina Intensiva Brasileira – AMIB. Publicado em 01 de maio de 2020. Disponível online: https://tinyurl.com/yda32rgp (consultado em 19/5/2020).

[2]RAMOS, João Gabriel Rosa e outros. A decision-aid tool for ICU admission triage is associated with a reduction in potentially inappropriate intensive care unit admissions. Journal of Critical Care, v. 51, p. 77, 2019. Disponível online: https://tinyurl.com/y7zwhon7.

[3]WHITE, Douglas B. A Model Hospital Policy for Allocating Scarce Critical Care Resources. University of Pittsburgh School of Medicine. Publicado em 23 de março de 2020. Disponível online: https://tinyurl.com/y7j93u4l.

[4] NICE – National Institute for Health and Care Excellence. COVID-19 rapid guideline: critical care in adults (NG159). Disponível on-line: https://tinyurl.com/y9v3fkjs.

 é juiz federal no Ceará, doutor em Direito pela Universidade de Coimbra e mestre em Direito Constitucional pela UFC.

 é juíza federal substituta da 3ª Vara Federal de Curitiba, especializada em saúde.

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Lei 14.010/20 deveria melhor atender a necessidades dos brasileiros

Isolamento social, mortes, incontáveis doentes e uma multiplicidade de internamentos engendrados pela pandemia Covid-19 estigmatizam o mundo e, de forma ascendente, o Brasil, causando, pari passu, desequilíbrios econômicos e financeiros que atingem milhares de seres humanos e pessoas jurídicas.

Em 10 de junho de 2020, foi publicada a Lei n.º 14.010/20, fruto do PL n.º 1.179, que dispõe sobre o Regime Jurídico Emergencial e Transitório das relações jurídicas de Direito Privado (RJET) no transcorrer do hodierno estado de calamidade em saúde pública. Trata-se de iniciativa lastreada em conjuntos normativos editados em outros países, como se observa na Alemanha, Espanha, Estados Unidos, Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte, dentre outros. No entanto, lamentavelmente, o nosso País não foi contemplado por um diploma que satisfizesse premências que jaziam inseridas na proposta original, não sendo “o produto e retrato fiel da realidade e das necessidades sociais”, como defendia Friedrich Karl von Savigny. Nesse mesmo sentido, Augusto Teixeira de Freitas aduzia a fundamental interligação do campo jurídico com a realidade e a ética.

Na justificativa do aludido Projeto de Lei, consta menção à Lei Failliot, com o escopo de se buscar o equilíbrio contratual devido às desastrosas consequências do primeiro grande conflito mundial. Ademais, nota-se adrede referência aos vulneráveis e as agruras por estes enfrentadas no evolver do caótico quadro vivenciado. No entanto, como será explicitado nesta coluna, infelizmente, o novel arcabouço normativo não consagra a proteção, a priori, almejada e amputa relevantes dispositivos do prospecto preliminar. Deixou o País de aproveitar a oportunidade de normatizar aspectos que evitariam conflitos que escoarão para o aparato jurisdicional e acentuarão, ainda mais, a sobrecarga dos magistrados. Dividir-se-á esta exposição em duas essenciais partes, para se compreender os motivos pelos quais, conquanto seja uma vitória dispor-se de uma urgente estrutura para a regência das relações privadas, omissões legislativas inaceitáveis são detectadas. Inicialmente, de forma breve, será exposto o arquétipo legal, transpondo-se, em seguida, para as principais críticas às supressões efetivadas.

A Lei, em epígrafe, instituiu normas que incidirão sobre as relações jurídicas oriundas dos eventos derivados da pandemia a partir da publicação do Decreto Legislativo nº 6, qual seja, 20 de março de 2020. Há a suspensão de normas, explicitamente, mencionadas no diploma legal, até 30 de outubro do ano em curso, mas sem qualquer revogação ou alteração do seu conteúdo. Todos os prazos prescricionais e decadenciais encontram-se impedidos ou suspensos, consoante o art. 3º, mas este não se aplica enquanto perdurarem as hipóteses específicas de eliminação dos lapsus temporais de fulminação de direitos e de prerrogativas, previstos no ordenamento jurídico nacional. Os dispositivos 52, 53 e 54 da Lei n.º 13.709/18 tiveram a sua vigência postergada para 1º de agosto de 2021, ou seja, conquanto as normas sobre proteção de dados pessoais comecem a produzir efeitos antes, restam inócuas. As penalidades estarão obliteradas e os brasileiros continuarão a ter as suas informações pessoais aviltadas de modo ilícito, como já de costume. Além da parte geral, notam-se normas sobre as obrigações, o direito das coisas, os núcleos familiares e as sucessões, eis que o PL denotava a manutenção da tradição do Corpus Juris Civilis.

Dado o confinamento compulsório em curso, as pessoas jurídicas de direito privado estão autorizadas à realização de assembleia geral por meio eletrônico. Não se exige, para tal mister, previsão estatutária, mas impõe-se a identificação do participante e a segurança do seu voto. Ao vetar o art. 4º do PL, deixou-se de atender à premissa essencial de se evitar situações que contribuam com a disseminação do lúgubre agente viral, posto que este impunha a necessária observância das determinações sanitárias, evitando-se congregações presenciais. Quedou-se inerte o Brasil quanto à rejeição das interessantes normas sobre o regime societário presentes na sua redação preliminar, que fixavam regras sobre a dilatação de assembleias e reuniões, assim como acerca da sua consecução eletrônica. Outra regra, assaz proeminente neste momento de tantas perdas para os agentes econômicos, fixava que os dividendos e outros proventos poderiam ser declarados durante o exercício social de 2020, independentemente de previsão estatutária ou contratual e aprovação dos responsáveis. Poder-se-ia também propiciar a suspensão do dever de requerer insolvência ou falência, nos termos da legislação alemã, propugnando-se, inclusive, pela valorização da boa-fé que, segundo Jossef Esser, deverá primar nas relações jurídicas.

No que concerne aos ramos jurídicos atinentes às famílias e às sucessões, vislumbra-se que não houve uma dissonância com o substrato proposto, mas poderia ter avançado mais, tutelando-se melhor as relações entre aqueles vinculados por laços sanguíneos e por afinidade, mormente marcadas por tensões e conflitos devido à reclusão forçada. Estabeleceu-se que a prisão por dívida alimentícia deverá ser cumprida exclusivamente sob a modalidade domiciliar, sem prejuízo da exigibilidade das respectivas obrigações. As sucessões, abertas a partir de 1º de fevereiro deste ano, terão seu termo proemial dilatado e suspendeu-se o termo de 12 meses, para a finalização dos inventários e das partilhas iniciados desta data. O homem, lecionava Eduardo Espínola, não só por considerações atinentes à sua própria pessoa, “como um animal com exigências suas, materiais, morais e intelectuais, mas também, como membro da família e do agrupamento”, tende a satisfazer “necessidades múltiplas e complexas, para o que se dirige aos bens da vida”.

No âmbito do direito das coisas, restaram suspensos os prazos concernentes às diversas espécies de usucapião. Quanto aos condomínios edilícios, previu-se que a assembleia e a respectiva votação poderão ser efetivadas por sistemas virtuais. Equiparou-se a manifestação de vontade de cada participante à assinatura presencial e não sendo viável a seleção do síndico, naquela modalidade e cujo mandato tenha vencido, ficará automaticamente prorrogado, mantendo-se obrigatória a prestação de contas. Inaceitável, sob a ótica da imprescindível prevenção e do combate do letárgico agente viral, que já ceifou milhares de vidas, o veto ao dispositivo que lhe atribuía poderes para evitar o uso de áreas comuns por terceiros e a realização de eventos e reuniões, exceto para as hipóteses estritamente necessárias. Omitiu-se o governo federal sobre a sua obrigatória responsabilidade diante do nefasto quadro instalado.

Vultosas omissões são identificadas nas searas das obrigações e dos contratos, reverberando a falta de preocupação do nosso País com a situação dos efetivamente mais fragilizados. Todas as normas referentes aos contratos agrários foram extirpadas e perdeu-se a oportunidade de serem regulamentados os arrendamentos rurais disciplinados pela Lei n.º 4.504/20. O Brasil, em um momento tão delicado como o atual, jamais poderia deixar de zelar por aqueles que estão explorando os recursos das nossas terras e que servirão para a alimentação e a sobrevivência de muitos. Silenciou-se quanto às questões do Estatuto da Terra que vão originar inúmeras lides e assoberbar as vias judiciárias. No campo das locações, vislumbra-se ausência total de qualquer norma, vetando-se literalmente a coibição de liminares sobre a desocupação de imóveis urbano nas ações de despejo e a suspensão dos alugueres, para aqueles que sofreram alteração econômico-financeira. Como asseverava Orlando Gomes, o direito deveria ser ditado com “o superior propósito de mitigar desigualdades sociais, impregnando-se, dia a dia, de essência moralizadora” . Onde ficarão abrigados milhares de brasileiros que não consigam arcar com o pagamento das locações residenciais? Ao relento, suscetíveis ao novo coronavírus?

Nada foi regulamentado sobre resilição, resolução e revisão contratual, rejeitando-se os profícuos esforços da comissão quanto à proposta de que as consequências da pandemia não teriam efeitos retroativos nas execuções, incluídas as previstas no art. 393 do Código Civil. Para os fins exclusivos dos seus art. 478, 479 e 480, o aumento da inflação, a variação cambial, a desvalorização ou substituição do padrão monetário não seriam considerados fatos imprevisíveis. Salienta-se que havia expressa previsão de que esta regra não incidiria sobre as questões de natureza consumerista e as locações, podendo-se, assim, reforçar e complementar a proteção existente, evitando-se litígios que, ipso facto, vão se multiplicar. Suspendeu-se o direito de arrependimento presente no art. 49 do CDC na hipótese de entrega domiciliar de produtos perecíveis ou de consumo imediato e de medicamentos. No entanto, ressalta-se que, havendo vício de tais bens, dúvidas não pairam que os destinatários finais podem e devem buscar os seus direitos. Para Orlando Gomes, o direito teria que ser vocacionado para a proteção dos mais fracos e “compensar a inferioridade econômica dos pobres com uma superioridade jurídica, limitando a liberdade de contratar”.

Coadunando-se com a liberdade econômica pleiteada pelos agentes mercadológicos, a recente Lei acatou todas as estipulações do PL, demonstrando intensa preocupação com o setor de produção. Restaram sem eficácia as regras da Lei n.º 12.529/11 sobre a coibição de venda de mercadoria ou a prestação de serviço abaixo do preço de custo e a cessação de atividades empresariais. Também não configurarão atos de concentração o fato de duas ou mais pessoas jurídicas celebrarem vínculos e na apreciação das condutas ilícitas elencadas, considerar-se-ão as circunstâncias extraordinárias. Não obstante os esforços empreendidos, a nova estrutura normativa revela retrocessos diante de outras leis mais avançadas e sobrepuja os interesses e os direitos das pessoas físicas e jurídicas que urgem de proteção no espectro privado.

Esta coluna é produzida pelos membros e convidados da Rede de Pesquisa de Direito Civil Contemporâneo (USP, Humboldt-Berlim, Coimbra, Lisboa, Porto, Roma II-TorVergata, Girona, UFMG, UFPR, UFRGS, UFSC, UFPE, UFF, UFC, UFMT, UFBA, UFRJ e UFAM).


Gesetzentwurf zur Abmilderung der Folgen der COVID-19-Pandemie im Zivil- und Insolvenzrecht; Real Decreto-ley 11, de 31.3.2020; United Kingdom Coronavirus Act 2020; Coronavirus Act; Private Tenancies (Coronavirus Modifications).

Cf.: SAVIGNY, Friedrich Karl von. System des heutigen Römischen Rechts. Berlin: Veit und Comp., 1840, vol. I. BYDLINSKI, Franz. Juristische Methodenlehre und Rechtsbegriff. Vienna, New York: Springer, 1982.

TEIXEIRA DE FREITAS, Augusto. Código Civil: esbôço. Rio de Janeiro: Typographia Universal ede Laemmert, 1865, p. 245.

Cf.: RIPERT, Georges. La règle morale dans les obligations civiles. Paris: LGDJ, 1935.

Cf.: PARDOLESI, Roberto. Dalla riservatezza alla protezione dei dati personali: una storia di evoluzione e discontinuità. In: Diritto alla riservatezza e circolazione dei dati personali. Milano: Giuffrè, 2003, p. 1- 57.

Cf.: KASER, Max. Römisches Privatrecht, Juristisches Kurz –Lehrbuch. 15. ed., 1989. p. 370.

RODRIGUES JUNIOR, Otavio Luiz. Alemanha aprova legislação para controlar efeitos jurídicos da Covid-19. Conjur, 25 de março de 2020.

ESSER Joseph. Principio y norma en la elaboración jurisprudencial de derecho privado. Trad. Eduardo Valintí Fiol. Barcelona, Bosch, 1961. p. 285-7.

ESPÍNOLA, Eduardo. A Família no Direito Civil Brasileiro. Rio de Janeiro: Ed. Conquista, 1951.

Cf.: HANS, Jonas. Das Prinzip Verantwortung: Versuch einer Ethik für die technologische Zivilisation, Frankfurt a. M. 1979.

GOMES, Orlando. Pela atualização do Direito. In: Harengas. Salvador: Fundação Gonçalo Muniz, 1971, p. 30.

Cf.: GOMES, Orlando. Transformações Gerais do Direito das Obrigações. 2. ed. aum. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1980, p. 45.

Cf.: VISCUSI, W.; VERNON, J; HARRINGTON, J. Economics of Regulation and Antitrust. Second Edition. The MIT Press 1995.

 é promotora de Justiça do Consumidor do MP-BA, professora adjunta da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e doutora em Direito pela mesma instituição.

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Giovanini Filho: Joint tenancy e planejamento sucessório

Se você tem uma PIC (Private Investment Company), ou seja, uma sociedade offshore para fazer aplicações financeiras no exterior, é possível que seu prestador de serviços fiduciários já tenha falado com você a respeito de joint tenancy with rights of survivorship como uma forma de planejamento sucessório.

Mas, afinal, do que se trata? Joint tenancy é, por assim dizer, um tipo de condomínio em que cada um tem o todo.

O conceito é estranho para nós, formados em um sistema jurídico romano-germânico. Nós conhecemos o condomínio propriamente dito, aquele em que cada um tem uma fração ideal do todo. E a responsabilidade solidária, aquela em que cada um responde pelo todo, e depois pode cobrar dos demais a sua parte. Mas o conceito de uma propriedade em que cada um tem o todo, podendo usar, gozar e mesmo dispor do todo, como se fosse só seu, soa diferente para nós.

É curioso porque, mesmo que hoje seja utilizada com maior frequência em países de sistema anglo-saxônico, teve sua origem no Direito romano. Naqueles tempos, com o falecimento, o patrimônio deixado como herança era constituído em joint tenancy pelos herdeiros, que poderiam cuidar dele como se fosse todo seu, e depois se acertar com os demais proprietários.

E o que são rights of survivorship? São os direitos que os proprietários em joint tenancy que sobreviverem ao proprietário que falecer têm de serem automaticamente considerados na propriedade do bem. Daí a joint tenancy with rights of survivorship ser utilizada como uma forma de planejamento sucessório.

Mas ela é mesma aplicável a pessoas domiciliadas no Brasil?

Não é bem assim. Como vimos, mesmo que a sua origem seja o Direito romano, nós não temos hoje a joint tenancy no Direito Civil brasileiro.

Assim, em primeiro lugar, quando uma pessoa domiciliada no Brasil confere recursos financeiros para uma PIC (para ela aplicá-los no exterior) e recebe em contrapartida ações da PIC, colocando o cônjuge ou os filhos em joint tenancy em relação à propriedade dessas ações, ela está transferindo patrimônio para essas pessoas. Logo, a menos que se trate de patrimônio comum, como aquele havido no casamento sob o regime de comunhão universal de bens ou na constância do casamento na comunhão parcial, verifica-se uma doação (artigo 538 do Código Civil).

Em segundo lugar, enquanto doação, sujeita-se a ITCMD, ainda que o bem esteja no exterior (posto que não previsto no artigo 155, §1º, inciso III, “a”, da Constituição Federal).

E, em terceiro lugar, se o cônjuge ou os filhos forem residentes fiscais no Brasil, eles se sujeitarão à declaração de IRPF e demais obrigações tributárias no País, inclusive os IR incidente quando os recursos financeiros forem trazidos de volta para a pessoa física.

Ou seja, se os recursos financeiros compuserem patrimônio comum, como nos exemplos citados, eles poderão ser aportados na PIC, com o recebimento das ações em joint tenancy pelos seus proprietários, sem que se verifique uma doação e suas consequências. Nesse caso, a joint tenancy with rights of survivorship constitui um instrumento eficaz de planejamento sucessório, uma vez que propicia a transferência de patrimônio de forma automática, normalmente mediante a apresentação da certidão de óbito para o prestador de serviços fiduciários.

Nos demais casos, entretanto, não. Verificada a doação, o cônjuge e os filhos estarão sujeitos às consequências relativas a ITCMD e IR mencionadas.

 é sócio do escritório Abe Giovanini Advogados, responsável pela área de planejamento patrimonial e contencioso relativo a questões societárias, sucessórias e patrimoniais.

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Horas extras não quitadas justificam rescisão indireta de contrato

não pagou, dançou

Horas extras não quitadas justificam rescisão indireta de contrato de trabalho

A falta de pagamento de horas extras é motivo suficiente para justificar uma rescisão indireta. Com esse entendimento, a 4ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho deu provimento ao recurso de uma secretária que havia pedido demissão de seu emprego na Associação Pestalozzi de Campo Grande (MS) porque o empregador não estava cumprindo as suas obrigações trabalhistas.

O ministro Alexandre Ramos atuou como relator do recurso impetrado pela secretária

Como resultado da decisão da corte superior de transformar o pedido de demissão em rescisão indireta, a trabalhadora vai receber todas as verbas rescisórias correspondentes à nova situação.

Tanto a 4ª Vara do Trabalho de Campo Grande quanto o Tribunal Regional do Trabalho da 24ª Região (MS) haviam julgado improcedente o pedido da secretária. A corte de segunda instância alegou que a rescisão indireta só deve ser aplicada caso o descumprimento da obrigação contratual tenha tal gravidade que comprometa o prosseguimento da relação de emprego. Para os desembargadores que analisaram o caso, a falta de pagamento de horas extras não é um motivo suficientemente forte para isso.

A 4ª Turma do TST, porém, teve entendimento diferente e de maneira unânime deferiu o recurso. Segundo o relator, o ministro Alexandre Ramos, o não pagamento de horas extras é uma conduta grave e por si só motiva a justa causa por culpa do empregador. Ele usou como base para sua decisão o artigo 483 da CLT, que indica o descumprimento das obrigações contratuais como motivo para a rescisão indireta. Com informações da assessoria de imprensa do TST.

RR 24615-29.2015.5.24.0004

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Revista Consultor Jurídico, 16 de junho de 2020, 8h46

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Alexandre determina cumprimento de 21 mandados de busca

Atos antidemocráticos

Alexandre determina cumprimento de 21 mandados de busca em inquérito

O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, determinou o cumprimento de 21 mandados de busca e apreensão nesta terça-feira (16/6), no âmbito do inquérito que investiga atos antidemocráticos.

Entre os alvos da Polícia Federal está o deputado Daniel Silveira (PSL-RJ), aliado do presidente Jair Bolsonaro, que confirmou as buscas pelo Twitter.

Segundo o G1, também são alvos de busca e apreensão o publicitário Sérgio Lima e o empresário Luís Felipe Belmonte, ligados ao partido que Bolsonaro pretende criar, o Aliança pelo Brasil.

De acordo com a Folha de S.Paulo, outros mandados são cumpridos em São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Maranhão, Santa Catarina e no Distrito Federal.

Inq 4.828

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Revista Consultor Jurídico, 16 de junho de 2020, 8h38