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Refis é solução cíclica e pouco eficiente para gargalos tributários

Discute-se no Congresso Nacional um novo programa de Refinanciamento das Dívidas Tributárias (Projeto de Lei 2735/2020). Desde o Programa de Recuperação Fiscal, mais conhecido como Refis (Lei 9.964, de 2000), o Brasil já adotou cerca de 40 políticas de regularização fiscal, considerando os programas genéricos e os setoriais. Os sucessivos programas, que adotaram o nome fantasia de REFIS, tiveram resultados dúbios e controversos. Conforme relatório da Receita Federal de dezembro de 2017, os parcelamentos especiais não tem alcançado o objetivo pretendido. Afirma a Receita Federal ao final do relatório:

29. Os elevados percentuais de exclusão de contribuintes dos parcelamentos especiais e o expressivo aumento do passivo tributário administrado pela Receita Federal evidenciam que os parcelamentos não são instrumentos eficazes para a recuperação do crédito tributário, além de causar efeitos deletérios na arrecadação tributária corrente, posto que o contribuinte protela o recolhimento dos tributos na espera de um novo parcelamento especial. Frise-se que as regras oferecidas nesses programas tornam muito mais vantajoso para o contribuinte deixar de pagar os tributos para aplicar os recursos no mercado financeiro, já que num futuro próximo poderão parcelar os débitos com grandes descontos e outras vantagens. Caso opte por aplicar os recursos em títulos públicos, por exemplo, que são remunerados pelo Governo Federal pela taxa Selic (os mesmos juros cobrados sobre os débitos em atraso), essa opção será muito vantajosa para o contribuinte, pois ele poderá, num futuro próximo, resgatar esses títulos públicos e pagar à vista seus débitos, obtendo grande ganho devido aos descontos, inclusive dos mesmos juros adquiridos com a aplicação (que poderão até mesmo serem liquidados integralmente com PF/BCN).

30. Portanto, conclui-se que a instituição de parcelamentos especiais não tem atingido os objetivos deles esperados: incrementar a arrecadação (diminuindo o passivo tributário) e promover a regularidade fiscal dos devedores, devendo qualquer medida proposta nesse sentido rejeitada.

Mesmo reconhecendo a crítica intuitiva de que os parcelamentos especiais fomentam um comportamento negativo por parte do contribuinte que leva a um crescente descumprimento ordinário das obrigações tributárias e, portanto, ao incentivo à inadimplência, tal constatação é insuficiente para explicar tal realidade.

No entanto, devemos olhar a recorrência dos diversos Refis sobre outra perspectiva que não apenas a proposta pela Receita Federal. Em primeiro lugar, os múltiplos programas tem sido uma constante por ser uma importante fonte de receita extraordinária. É necessário reconhecer o baixo ingresso de recursos nos sistema de arrecadação ordinário, baseado em um sistema indutivo com altas sanções e restrições e em um processo de execução fiscal de baixa efetividade. O relatório PGFN em Números divulgado no início de 2020 indica que a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional conseguiu resgatar para os cofres públicos 24,4 bilhões de reais, mas que representa apenas 1% do estoque consolidado de 2,436 trilhões de reais.

Acredito que este ponto tem que ser examinado de forma mais profunda para entender a razão da inadimplência. Da mesma forma que um avião não cai por apenas uma causa, a inadimplência das obrigações tributárias (acessórias e principais), não tem apenas um motivo. Existente uma recorrência nas escolhas interpretativas da legislação tributária por parte dos contribuintes e por parte da administração tributária a gerar constantes pontos de discórdia e conflito que resultam em intermináveis ações judiciais.

Assim é que, em um sistema profundamente litigiosos, a execução fiscal alcança um destaque desconfortável no volume de acervos existentes. Segundo o relatório Justiça em Números, na Justiça Federal e Estadual as execuções fiscais representam 45% e 42% dos respectivos acervos. Caso o relatório considerasse o volume de disputas tributárias em curso no Poder Judiciário, incluindo também os processos de conhecimento, certamente este resultado retrataria uma litigiosidade cuja intensidade ultrapassaria o volume de 50% dos acervos existentes.

Da mesma forma, a demora na implementação pelo Estado das soluções saneadoras da jurisprudência emanada do Poder Judiciário é invariavelmente retardada por uma burocracia excessivamente formalista, deficitária de meios e refém de limites e necessidades de resultados fiscais. É o caso, por exemplo, da resistência colocada na já conhecida e reafirmada decisão do Supremo Tribunal Federal em relativa à exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins. Decisão tomada em 15 de março de 2017, mas ainda hoje não implementada na sua totalidade pela administração tributária.

Por fim, a total dependência do modelo de sanções elevadíssimas, acompanhadas de restrições às atividades da vida civil e comercial, tem sido ponto de intensa discórdia e de geração de passivos que incham o estoque dos valores em cobrança na administração tributária federal. O sistema de sanção elevada já encontrou repúdio no Supremo Tribunal Federal, como indica o julgamento do AgRg no RExt 833.106/GO, da relatoria do Ministro Marco Aurélio, em que foi sedimentado que a multa não pode exceder 100% da obrigação principal cobrada. Mesmo assim, por não ter ainda nenhuma lei federal sido objeto de exame pelo STF, resiste a administração tributária federal em implementar o entendimento já fixado. Esse ponto tem importância singular nos parcelamentos especiais, já que são as multas e os juros os principais alvos de redução.

Tudo considerado, enquanto não alterarmos o modelo na relação substancial entre a administração tributária e o contribuinte, em que, de parte a parte, substituamos o litigio pela cooperação, continuaremos com um sistema que gera, reproduz e normaliza distorções, e cujos resultados em valores e volumes clamam soluções igualmente tópicas que acostumamos chamar de Refis.

Luís Inácio Adams é advogado, ex-procurador da Fazenda Nacional, foi Advogado-Geral da União (2009 a 2016).

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Não cabe ação de improbidade se Justiça diz que conduta é legal

Decisão do Supremo Tribunal Federal que afasta o caráter ilícito da conduta do indicado repercute no âmbito da improbidade administrativa, conforme o artigo 195 do Código Civil. Com esse entendimento e três votos a dois, a 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça manteve a decisão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região que rejeitou denúncia contra a ex-governadora do Maranhão, Roseana Sarney.

Ministro Napoleão Nunes Maia criticou uso da ação de improbidade para investigação

Ela foi investigada com outras 40 pessoas por irregularidades na aplicação de recursos do Fundo de Investimento da Amazônia (Finam), administrado pela Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (Sudam) no projeto Usimar, que tinha por objetivo a fundição de metais e usinagem de componentes automotivos.

Pelos exatos mesmos motivos, eles foram denunciados na área criminal. Como a ex-governadora estava no exercício do mandato no Senado, o caso tramitou no STF. Relator, o ministro Gilmar Mendes recusou o recebimento da denúncia porque entendeu que o Ministério Público Federal não estabeleceu relação entre a atuação de Roseana e os alegados fatos criminosos. 

Prevaleceu o entendimento do relator, ministro Napoleão Nunes Maia, segundo o qual não cabe instauração da ação de improbidade administrativa se, no âmbito penal, reconhece-se não meramente a ausência de provas, mas que não há ilícito na conduta praticada pelo acusado. Se o órgão de acusação não consegue estabelecer a ligação do ato punível, não se pode atribuir conduta nenhuma ao imputado — seja na esfera criminal ou administrativa.

Interpretação

Ficaram vencidos a ministra Regina Helena Costa e o ministro Benedito Gonçalves, para quem a justa causa da ação está fundamentada: os indícios das irregularidades. Quando o STF diz que a ré não praticou ilícito penal, o faz apenas na jurisdição criminal. No caso, não houve discussão sobre negativa de autoria ou ausência do fato, até porque não houve denúncia. 

“Não significa, no meu entender, que sequer se possa apurar eventual ato de improbidade”, disse a ministra. Pela jurisprudência das turmas de Direito Público do STJ, presentes indícios de cometimento de ato ímprobo, figura-se devido o recebimento da ação. Ao recorrer, o MPF ainda apontou o princípio in dubio pro societate.

“Qual foi a apuração administrativa que se fez? Se está usando a ação de improbidade como investigação, como se usou até recentemente a ação penal para cobrar dívida fiscal. O requisito da justa causa está completamente banalizado, e os magistrados têm sido pouco zelosos com essa exigência”, criticou o relator. 

A ministra Regina entendeu ter havido a rejeição da denúncia, não a absolvição por ausência de provas, situação que também não repercute na esfera da ação de improbidade — não bloqueia ou impede seu processamento. “Ação de improbidade é sede própria para caso de improbidade. Não precisa de processo administrativo”, afirmou.

O ministro Sergio Kukina seguiu o relator. O princípio in dubio pro societate, explicou, é válido para quando há dúvida em que o juízo criminal não tenha dissipado por completo a inexistência do fato ou a negativa de autoria. Neste caso, no entanto, entendeu que o Supremo afirmou de maneira categórica a inexistência de vínculo subjetivo.

O voto de desempate foi proferido na sessão por videoconferência de terça-feira (12/5), após pedido de vista do ministro Gurgel de Faria. Ele interpretou que, segundo a decisão do STF, não há elementos para caracterizar a ação penal ou de improbidade.

AREsp 1.098.135