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Refis é solução cíclica e pouco eficiente para gargalos tributários

Discute-se no Congresso Nacional um novo programa de Refinanciamento das Dívidas Tributárias (Projeto de Lei 2735/2020). Desde o Programa de Recuperação Fiscal, mais conhecido como Refis (Lei 9.964, de 2000), o Brasil já adotou cerca de 40 políticas de regularização fiscal, considerando os programas genéricos e os setoriais. Os sucessivos programas, que adotaram o nome fantasia de REFIS, tiveram resultados dúbios e controversos. Conforme relatório da Receita Federal de dezembro de 2017, os parcelamentos especiais não tem alcançado o objetivo pretendido. Afirma a Receita Federal ao final do relatório:

29. Os elevados percentuais de exclusão de contribuintes dos parcelamentos especiais e o expressivo aumento do passivo tributário administrado pela Receita Federal evidenciam que os parcelamentos não são instrumentos eficazes para a recuperação do crédito tributário, além de causar efeitos deletérios na arrecadação tributária corrente, posto que o contribuinte protela o recolhimento dos tributos na espera de um novo parcelamento especial. Frise-se que as regras oferecidas nesses programas tornam muito mais vantajoso para o contribuinte deixar de pagar os tributos para aplicar os recursos no mercado financeiro, já que num futuro próximo poderão parcelar os débitos com grandes descontos e outras vantagens. Caso opte por aplicar os recursos em títulos públicos, por exemplo, que são remunerados pelo Governo Federal pela taxa Selic (os mesmos juros cobrados sobre os débitos em atraso), essa opção será muito vantajosa para o contribuinte, pois ele poderá, num futuro próximo, resgatar esses títulos públicos e pagar à vista seus débitos, obtendo grande ganho devido aos descontos, inclusive dos mesmos juros adquiridos com a aplicação (que poderão até mesmo serem liquidados integralmente com PF/BCN).

30. Portanto, conclui-se que a instituição de parcelamentos especiais não tem atingido os objetivos deles esperados: incrementar a arrecadação (diminuindo o passivo tributário) e promover a regularidade fiscal dos devedores, devendo qualquer medida proposta nesse sentido rejeitada.

Mesmo reconhecendo a crítica intuitiva de que os parcelamentos especiais fomentam um comportamento negativo por parte do contribuinte que leva a um crescente descumprimento ordinário das obrigações tributárias e, portanto, ao incentivo à inadimplência, tal constatação é insuficiente para explicar tal realidade.

No entanto, devemos olhar a recorrência dos diversos Refis sobre outra perspectiva que não apenas a proposta pela Receita Federal. Em primeiro lugar, os múltiplos programas tem sido uma constante por ser uma importante fonte de receita extraordinária. É necessário reconhecer o baixo ingresso de recursos nos sistema de arrecadação ordinário, baseado em um sistema indutivo com altas sanções e restrições e em um processo de execução fiscal de baixa efetividade. O relatório PGFN em Números divulgado no início de 2020 indica que a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional conseguiu resgatar para os cofres públicos 24,4 bilhões de reais, mas que representa apenas 1% do estoque consolidado de 2,436 trilhões de reais.

Acredito que este ponto tem que ser examinado de forma mais profunda para entender a razão da inadimplência. Da mesma forma que um avião não cai por apenas uma causa, a inadimplência das obrigações tributárias (acessórias e principais), não tem apenas um motivo. Existente uma recorrência nas escolhas interpretativas da legislação tributária por parte dos contribuintes e por parte da administração tributária a gerar constantes pontos de discórdia e conflito que resultam em intermináveis ações judiciais.

Assim é que, em um sistema profundamente litigiosos, a execução fiscal alcança um destaque desconfortável no volume de acervos existentes. Segundo o relatório Justiça em Números, na Justiça Federal e Estadual as execuções fiscais representam 45% e 42% dos respectivos acervos. Caso o relatório considerasse o volume de disputas tributárias em curso no Poder Judiciário, incluindo também os processos de conhecimento, certamente este resultado retrataria uma litigiosidade cuja intensidade ultrapassaria o volume de 50% dos acervos existentes.

Da mesma forma, a demora na implementação pelo Estado das soluções saneadoras da jurisprudência emanada do Poder Judiciário é invariavelmente retardada por uma burocracia excessivamente formalista, deficitária de meios e refém de limites e necessidades de resultados fiscais. É o caso, por exemplo, da resistência colocada na já conhecida e reafirmada decisão do Supremo Tribunal Federal em relativa à exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins. Decisão tomada em 15 de março de 2017, mas ainda hoje não implementada na sua totalidade pela administração tributária.

Por fim, a total dependência do modelo de sanções elevadíssimas, acompanhadas de restrições às atividades da vida civil e comercial, tem sido ponto de intensa discórdia e de geração de passivos que incham o estoque dos valores em cobrança na administração tributária federal. O sistema de sanção elevada já encontrou repúdio no Supremo Tribunal Federal, como indica o julgamento do AgRg no RExt 833.106/GO, da relatoria do Ministro Marco Aurélio, em que foi sedimentado que a multa não pode exceder 100% da obrigação principal cobrada. Mesmo assim, por não ter ainda nenhuma lei federal sido objeto de exame pelo STF, resiste a administração tributária federal em implementar o entendimento já fixado. Esse ponto tem importância singular nos parcelamentos especiais, já que são as multas e os juros os principais alvos de redução.

Tudo considerado, enquanto não alterarmos o modelo na relação substancial entre a administração tributária e o contribuinte, em que, de parte a parte, substituamos o litigio pela cooperação, continuaremos com um sistema que gera, reproduz e normaliza distorções, e cujos resultados em valores e volumes clamam soluções igualmente tópicas que acostumamos chamar de Refis.

Luís Inácio Adams é advogado, ex-procurador da Fazenda Nacional, foi Advogado-Geral da União (2009 a 2016).

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Órgãos de controle têm dever de zelar pela transparência do Estado

“Manipulação de estatísticas é manobra de regimes totalitários!”

Gilmar Ferreira Mendes

O legado institucional do período dos governos Lula e Dilma ainda deverá ser apurado pelas gerações futuras. Infelizmente, uma das marcas mais lembradas fixadas para este período do Brasil acabaram sendo as investigações criminais denominadas mensalão e lava jato e o processo de impeachment derivado da acusação de pedaladas fiscais. Todavia, existe uma grande herança deste período que resultou no aperfeiçoamento institucional e político do Estado Brasileiro, contando com intensa participação da própria sociedade.

E não estou falando das políticas públicas de redução da pobreza (Bolsa Família), do combate ao racismo (Estatuto da Igualdade Racial) ou da redução do déficit habitacional (Programa Minha Casa Minha Vida), mas referindo ao conjunto legislativo que tocou na estrutura do Estado, modernizando e democratizando a sua realidade. São alguns exemplos a Lei da Ficha Limpa (Lei Complementar 135, d3e 2010); a Lei de Conflito de Interesses (Lei 12.813, de 2013); a Lei de Combate às Organizações Criminosas (Lei 12.850, de 2013); a Lei de Combate à Corrupção de Empresas (Lei 12.846, de 2013); a implementação da Defensoria Pública da União; e a Reforma do Judiciário (Emenda Constitucional 45, 2004), esta resultante de um inédito pacto entre os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. que resultou, entre outras medidas, na criação do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho Nacional do Ministério Público.

Mas de todas estas medidas citadas e outras aqui não referidas, nenhuma é mais importante do que a Lei de Acesso à Informação`(Lei 12.527, de 2011). Karl Popper (1902 – 1994), filósofo liberal austro-inglês já defendia em “Sociedade Aberta e seus Inimigos” (1945 e “Conjecturas e Refutações” (1963) que somente em sociedades abertas era possível o verdadeiro desenvolvimento científico, pois somente nelas as conjecturas científicas poderiam ser objeto de um verdadeiro escrutínio e, portanto, capazes de tornarem-se enunciados verdadeiramente científicos. Similarmente, vamos encontrar em Peter Häberle, particularmente em seu “Hermenêutica Constitucional: Sociedade Aberta dos Intérpretes da Constituição — contribuição para a Interpretação Pluralista e Procedimental da Constituição” (2003), a defesa da formação de uma jurisprudência constitucional aberta à participação da sociedade. A sociedade aberta, no caso, é aquela em que as informações que a afetam são disponibilizadas pelo Estado, que se constitui em um ator responsável e transparente que não mantém segredos para sim mesmo.

Portanto, a transparência do Estado e o acesso às informações tornam-se indispensáveis ao convívio social e à administração da Justiça. Neste contexto, a Lei de Acesso à Informação é um instrumento que confronta a tradição do sistema brasileiro de segredos e conspirações de Estado. É o verdadeiro instrumento de cidadania, ao dar realidade o que dispõe o art. 5º, inciso XXXIII, da Constituição Federal: “todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado”.

A regra constitucional para o Estado, então, é o da publicidade e transparência. O segredo é exceção (art. 3º, inciso I, da Lei 12.527). A Lei de Acesso à Informação também introduz diversos procedimentos novos a serem observados pelo Estado no cumprimento da regra constitucional de transparência. Um dos principais, a transparência ativa, que consiste na obrigatoriedade do Estado prover, independente de requerimento, as informações de interesse coletivo que são por ele custodiadas (Capítulo III do Decreto nº 7.724, de 2012).

Igualmente foi firme o legislador em impor sanções àquele que recusar-se a fornecer informação requerida, retardar deliberadamente o seu fornecimento ou fornecê-la intencionalmente de forma incorreta, incompleta ou imprecisa (art. 32, inciso I), bem como quem utilizar indevidamente, bem como subtrair, destruir, inutilizar, desfigurar, alterar ou ocultar, total ou parcialmente, informação que se encontre sob sua guarda ou a que tenha acesso ou conhecimento em razão do exercício das atribuições de cargo, emprego ou função pública (art. 32, inciso II).

No nosso complexo sistema jurídico institucional, quando o Ministério da Saúde resolveu alterar as informações sobre a pandemia que assola o Brasil, surge para os órgãos de controle o dever de implementar esta legislação tão inovadora e importante para a modernização do Estado brasileiro. Não é possível conviver mais com mecanismos de informação que na infeliz declaração de um ex-Ministro da Fazenda, “o que é bom a gente mostra, o que é ruim a gente esconde”. Tal forma de agir não é tolerado na lei. Resta saber se ela ainda é tolerada por aqueles que tem que a fazer cumprir.

Luís Inácio Adams é advogado, ex-procurador da Fazenda Nacional, foi Advogado-Geral da União (2009 a 2016).

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Público x Privado A força invisível que conduz e orienta a atuação do Estado

Na mitologia de “Star Wars” o núcleo central da disputa entre os principais antagonistas (os jedi, de um lado, e os sith, do outro) é um poder que denominam de “A Força”. Ela é cercada por uma teologia e o poder que dá aos seu intérpretes é a capacidade sobre humana de influenciar, comandar e intervir nos destinos da humanidade sempre que necessário. Como todo instrumento de poder, o seu uso depende das qualidades e defeitos daquele que o usa, seja para o bem ou para o mal.

Tal qual a mitologia desses famosos filmes, o Estado é influenciado e conduzido por uma força invisível que orienta os seus agentes nas suas ações e decisões. A cultura burocrática que perpassa toda a administração pública possui elementos de legitimidade que tornam os agentes aptos ao exercício de suas funções e orientam as suas ações.

Podemos encontrar no confucionismo (doutrina criada pelo filósofo Confúcio, que viveu entre os séculos VI e V a.C) uma das primeira expressões dessa força cultural invisível que se desdobra em diversos princípios e valores morais que servira para conduzir e legitimar os mandarins (burocratas) chineses. Os elementos que foram incorporados no sistema de princípios do confucionismo variaram durante os séculos, mas em geral partem dos cinco princípios originais: Ren (仁, a Humanidade), Yi (justiça), Li (礼, ritual), Zhi, (conhecimento) e Xin (信, integridade).

A burocracia moderna, por sua vez, também é conduzida e legitimada por um conjunto composto de valores que marcam cada instituição e a respectiva memória histórica. Podemos dizer, por exemplo, que no Brasil temos os cinco elementos básicos no art. 37 da Constituição: moralidade, publicidade, legalidade, impessoalidade e eficiência. Da mesma forma, que o Mandarinato chinês, estes princípios constituem um mantra e uma força invisível a moldar o comportamento da administração pública, mas, igualmente, é suscetível à justificar práticas que contrariam a própria razão de existência do Estado. Já falei nesta coluna, por exemplo, sobre a distorção do princípio da impessoalidade no princípio da indiferença (“Pessoalidade e impessoalidade se misturam na administração pública“, publicado em 20/4/2020).

Todavia, muitas vezes, burocracia é levada a conduzir essa “força invisível” da Constituição de forma a gerar distorções que acabam por contradizer o seu propósito público. Isso está presente, por exemplo, no atendimento de metas de arrecadação como instrumento objetivo de ação fiscal, que gera, no seu “lado negro”, na necessidade do resultado sobrepor-se aos meios legítimos para alcançá-lo. Ou seja, a arrecadação fiscal (resultado) para atender a meta fiscal leva a hipertrofia dos meios para sua obtenção (multas, representação fiscais para fins penais, constrição patrimonial, sanções políticas e morais, etc.), reduzindo a importância de elementos essenciais à legitimação da ação burocrática (justiça fiscal, ponderação e proporcionalidade, lealdade, transparência). O fator arrecadação fiscal ganhou proeminência no próprio Judiciário, como indica o relatório “Justiça em Números” preparado pelo Conselho Nacional de Justiça todo ano. Veja-se o seguinte trecho do relatório:

Apesar da expressiva despesa do Poder Judiciário, os cofres públicos receberam durante o ano de 2018, em decorrência da atividade jurisdicional, cerca de R$ 58,64 bilhões, um “retorno” da ordem de 63% das despesas efetuadas. Esse foi o maior montante auferido na série histórica. Somente em 2009 e 2018, a arrecadação superou o patamar de 60% (Figura 24). Computam-se na arrecadação os recolhimentos com custas, fase de execução, emolumentos e eventuais taxas (R$ 12 bilhões, 20,4% da arrecadação), as receitas decorrentes do imposto causa mortis nos inventários/arrolamentos judiciais (R$ 5,3 bilhões, 9%), a atividade de execução fiscal (R$ 38,1 bilhões, 65%), a execução previdenciária (R$ 66 2,8 bilhões, 4,8%), a execução das penalidades impostas pelos órgãos de fiscalização das relações de trabalho (R$ 19,2 milhões, 0,03%) e a receita de imposto de renda (R$ 420,8 milhões, 0,7%). Em razão da própria natureza de sua atividade jurisdicional, a Justiça Federal é a responsável pela maior parte das arrecadações: 53% do total recebido pelo Poder Judiciário (Figura 25), sendo o único ramo que retornou aos cofres públicos valor superior às suas despesas (Figura 26). Tratam-se, majoritariamente, de receitas oriundas da atividade de execução fiscal, ou seja, dívidas pagas pelos devedores em decorrência da ação judicial. Dos R$ 38,1 bilhões arrecadados em execuções fiscais, R$ 31 bilhões (81,2%) são provenientes da Justiça Federal e R$ 6,9 bilhões (18,1%) são da Justiça Estadual. (Justiça em Números, 2019).

O texto destacado demonstra claramente o esforço feito no relatório para justificar a despesa do Judiciário com a compensação decorrente de uma ideia de retorno financeiro pelas despesas efetuados. Tal forma de raciocínio introduz na função do Poder um resultado que não é originalmente sua. O papel constitucional atribuído ao Poder Judiciário é o de garantir a aplicação justa e equânime da lei, impedindo o exercício arbitrário da força, principalmente do Estado. Se a arrecadação fiscal, em face da atuação do Poder Judiciário, fosse zero, desde que observada a aplicação justa da lei, o Judiciário terá cumprido sua função. Todavia, a necessidade do Poder Judiciário de justificar-se na disputa dos meios orçamentários para funcionar acaba por introduzir um elemento estranho à sua finalidade fundamental.

Obviamente, não existe uma orientação expressa e central no Poder Judiciário voltada à arrecadação, mas o componente que está presente no relatório acaba por funcionar como uma força invisível a influenciar a sua ação.

O mesmo problema poderia ser dito quanto a outro elemento que compõe o ideário burocrático: a defesa do erário (tema ao qual retornarei em outra oportunidade). Defender o erário, o que é entendido como a defesa do patrimônio público, tornou-se um axioma superior e absoluto que acaba por subordinar todos os demais elementos legitimadores da administração pública, como a segurança jurídica. O domínio absolutista da defesa do erário tem como efeito concreto e perverso o de promover o medo recorrente dos integrantes da burocracia Estatal de tomarem decisões necessária e ponderadas, mas que podem ser questionadas por envolverem a disposição de patrimônio público. Vivemos, sobre este aspecto uma paralisia estatal quanto à tomada de decisões e à realização de atos necessários, como no caso do enfrentamento da atual pandemia da Covid 19. Tal realidade, por exemplo, serviu de justificativa para a adoção da criticada Medida Provisória 966. É interessante, neste ponto, o que declara o Ministro Paulo Guedes quanto à MP 966: “… nós tivemos que lançar agora uma medida para blindar, a MP 966, porque o próprio funcionário do BNDES não queria assinar”.

O fato é que, somente quando a administração pública conseguir equilibrar os diversos valores que legitimam a sua atuação e superar o medo irracional que tomou conta dos servidores públicos e os levou a quase paralisia, é que conseguiremos alcançar a plenitude dos princípios insculpidos no art. 37 da Constituição Federal.

Luís Inácio Adams é advogado, ex-procurador da Fazenda Nacional, foi Advogado-Geral da União (2009 a 2016).

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Prorrogado prazo para transmissão de Escrituração Contábil Digital

A Receita Federal prorrogou o prazo para transmissão da Escrituração Contábil Digital (ECD), referente ao ano-calendário de 2019, em caráter excepcional, até o último dia útil do mês de julho de 2020, inclusive nos casos de extinção, incorporação, fusão e cisão total ou parcial da pessoa jurídica.

Receita Federal vem tentando atenuar efeitos econômicos do coronavírus

A medida foi estabelecida pela Instrução Normativa 1.950, publicada na edição desta quarta-feira (13/5) do Diário Oficial da União.

Rodrigo Rigo Pinheiro, especialista em Direito Tributário e sócio do Leite, Tosto e Barros Advogados, opina que, devido à crise do coronavírus, a postergação da entrega da ECD vai ajudar as empresas a reforçar o caixa e tentar reduzir os impactos econômicos para trabalhadores e fornecedores.

“Considerando a linha que vem tomando a Receita Federal, é provável que, em breve, também teremos a prorrogação da declaração de Imposto de Renda da Pessoa Jurídica”, avalia o advogado.

Apesar dos benefícios da medida, Pinheiro lembra que os créditos de saldo negativo de IRPJ e CSLL apenas podem ser utilizados após a transmissão da declaração de Imposto de Renda. Esta, por sua vez, não pode ser transmitida sem a importação da ECD.

Assim, aos contribuintes que apuraram créditos de tal natureza no ano-calendário de 2019, é possível se recomendar a manutenção do prazo original para dar eficiência ao fluxo de caixa, analisa.

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“Derivando seus justos poderes do consentimento dos governados”

Não pretendo aqui discutir o mérito das Ações Diretas de Inconstitucionalidade 6399 e 6403 que tramitam no Supremo Tribunal Federal e buscam impugnar o artigo 19-E da Lei n° 10.522, de 2002, introduzido pela Lei n°13.988, de 2020. Desejo refletir sobre o mérito de adotar-se, em situações de empate, no qual uma determinada decisão encontra-se nítida e fundamentalmente dividida quanto à interpretação da norma ou dos fatos, a prevalência de um dos entendimentos a partir de uma premissa valorativa. É o caso de Habeas Corpus, por exemplo, em que o empate favorece o paciente em decorrência da presunção constitucional da inocência. Ou o Mandado de Segurança, em que o empate favorece a legitimidade do ato administrativo. O mesmo ocorre no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, CARF, em que o empate era resolvido pela presunção de qualidade do voto do Presidente do colegiado que, no caso, sempre é um representante da administração tributária.

A pergunta que se coloca é: no caso de empate, é possível adotar a presunção em favor da posição dos contribuintes?

Primeiramente, para a possibilidade do “in dubio pro contribuinte”, remeto à discussão desenvolvida pelos Professores Hugo de Brito Machado Segundo (A Lei 13.988/20 e o fim do voto de qualidade no CARF, 2020); Igor Mauler Santiago (Voto de qualidade para os contribuintes vale tanto quanto o anterior, 2020) e Marcos de Aguiar Villas-Boas (In dubio pro contribuinte reduz as despesas do Estado e aumenta eficiência, 2015), todos publicados na ConJur. Também é oportuno analisar os argumentos apresentados pela Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil – ANFIP, na Ação Direta de Inconstitucionalidade protocolada na última semana. Não pretendo fazer uma repetição do que já foi dito nos artigos citados, mas trazer mais uma nova perspectiva, considerando que já tive a honra de chefiar a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional.

Primeiramente, é interessante lembrar que a ideia do in dubio pro contribuinte parte do entendimento já consagrado de que a interpretação da norma é feita contra quem a redigiu. No caso, o Estado, redator da norma e responsável por sua imposição, não pode ter supremacia absoluta. O in dubio pro contribuinte é um mecanismo de contenção ao arbítrio na aplicação da norma.

Todavia, o que mais chama-me a atenção no debate são os múltiplos argumentos não jurídicos a associar a legitimidade da adoção da lei a efeitos nefastos à arrecadação, tomando por base uma premissa de propriedade sobre o interesse público. Em primeiro lugar, tal debate tem como partida que garantir a arrecadação é um valor essencial e que o interesse público é locacional: só existe no Estado e somente os seus agentes estão aptos a declará-lo e defendê-lo. Por outro ângulo, a sociedade, no caso, nada mais é do que o domínio de interesses privados e desconectados de qualquer deferência à defesa de interesses. Quero assim enfrentar, pontualmente, estes dois argumentos.

O conceito de um domínio locacional do interesse público é contrário a toda evolução da moderna democracia, partindo da Revolução Americana, cuja Declaração de Independência expressamente estabelece:

Consideramos estas verdades como evidentes por si mesmas, que todos os homens são criados iguais, dotados pelo Criador de certos direitos inalienáveis, que entre estes estão a vida, a liberdade e a procura da felicidade. Que a fim de assegurar esses direitos, governos são instituídos entre os homens, derivando seus justos poderes do consentimento dos governados; que, sempre que qualquer forma de governo se torne destrutiva de tais fins, cabe ao povo o direito de alterá-la ou aboli-la e instituir novo governo, baseando-o em tais princípios e organizando-lhe os poderes pela forma que lhe pareça mais conveniente para realizar-lhe a segurança e a felicidade.

O que está ali dito nada mais é do que reconhecer que o Estado não é proprietário do interesse público e que, apesar de ser, por obrigação, vocacionado a buscá-lo, eventualmente está em contradição com o mesmo. Tal princípio, na verdade, não é tão novo, se considerarmos que os Imperadores Chineses eram legitimados pelo que se denominava “Mandato dos Céus”, mediante o qual eles estavam vinculados ao propósito de prover o bem estar de todos os súditos chineses e, caso não o fizessem, era legítimo a estes substituí-los. Em suma, o Estado não vale por si, mas pelo que representa e promove. O interesse público, portanto, não é propriedade dos integrantes da burocracia estatal. O interesse público, por mais difícil que seja identificá-lo, está invariavelmente associado a valores que sejam aderentes e que emanam da Constituição Federal, como lealdade, igualdade, fraternidade, justiça. Não pode, portanto, uma parte da burocracia avocar o domínio absoluto neste quesito.

Aliás, neste aspecto, não é demais lembrar que, no Direito Romano, a lex escrita em oposição à lex tradita parte do conflito com o domínio e arbítrio dos Juízes em dizer a lei. A Leis das XII Tábuas, como ficou conhecida legislação escrita na Roma antiga, decorre do princípio de que todos os cidadãos são portadores do direito de conhecer a lei e aplicá-la, sendo a lei em si um limite ao Estado Juiz que a interpreta.

O segundo ponto que merece crítica é o de que a mudança feita pelo Congresso e sancionada pelo Presidente da República representa um ataque direto à arrecadação pública. A ideia de ética consequencial está diretamente ligada à filosofia utilitarista de Bentham, mediante a qual uma ação é eticamente boa quando promove o bem geral do povo. O que é falacioso no argumento apresentado por aqueles que criticam a norma é estabelecer que o valor “garantir a arrecadação” equivale a promover a felicidade do povo. Garantir a arrecadação só é um valor se associado a outros tão fundamentais, como o devido processo legal, o julgamento por juiz independente, a justiça fiscal, a lealdade para com o contribuinte, a transparência e a clareza nas orientações fiscais. Todos estes comportamentos são essenciais à administração fiscal, e adotar o resultado fiscal como valor único é promover um argumento artificial e sem conexão com um interesse público da sociedade. Nunca esqueçamos, neste ponto, que uma das características dos Estados Nacionais é a centralização do poder e uma das características da burocracia é tornar-se porta voz deste poder.

Portanto, o mérito deste debate é colocar em evidência o permanente comportamento conflituoso da administração tributária e do contribuinte. Esta dinâmica litigiosa permanente, em que as partes realizam, seja a desconsideração de atos ou negócios jurídicos lícitos para obtenção de resultados favoráveis na arrecadação (no caso da administração tributária) ou planejamentos fiscais por vezes abusivos para alcançar a redução tributária (no caso dos contribuintes) é o verdadeiro mal que contamina o país e promove insegurança jurídica. A eliminação do voto de qualidade e a eleição da posição do contribuinte talvez seja uma experiência positiva para quebrar este ciclo vicioso e destrutivo.

Luís Inácio Adams é advogado, ex-procurador da Fazenda Nacional, foi Advogado-Geral da União (2009 a 2016).