Categorias
Notícias

O artigo 19-E da Lei 10.522 e sua retroatividade

No nosso artigo desta semana, seguiremos endereçando nossas reflexões à aplicação do novel art. 19-E, da Lei nº 10.522/02[1], sempre com o escopo de fomentar o debate científico acerca do tema, em função de sua grande relevância para os processos em julgamentos ou já julgados no âmbito do Carf.

Hoje, trataremos de outra questão controvertida: a possibilidade de aplicação do artigo 19-E aos processos administrativos já encerrados, sob o rito do Decreto nº 70.235/72[2], pelo voto de qualidade, mas cujas multas seguem sendo executadas cobradas judicialmente. Em suma: a possibilidade de sua aplicação retroativa.

No panorama atual de debate, alguns têm defendido que a regra veiculada pelo art. 19-E teria natureza de norma de direito material, em razão da invocação do art. 112 do CTN em sua “exposição de motivos”. Logo, o novo dispositivo seria apenas interpretativo do art. 112 do CTN, retroagindo, portanto, em razão do prescrito no art. 106, I, do mesmo Código[3] – posição com a qual não concordamos, tendo em vista que o referido artigo “interpretado” nada tem a ver com os critérios de resolução de empates nos julgamentos administrativos. Esse entendimento, entretanto, não contraria o argumento, defendido por muitos, de uma eficácia direta do art. 112 sobre a aplicação de sanções em casos nos quais houve dúvida subjetiva do Colegiado[4], mas apenas sustenta a inaplicabilidade do art. 106, I, do CTN.

Outro desdobramento da premissa de se tratar de uma norma de direito material, foi a proposta de sua aplicação exclusivamente para sanções mantidas por voto de qualidade, com fundamento no art. 106, II, “a” ou “c”, do CTN[5]. Essa posição tampouco nos parece prosperar, pela literal inaplicabilidade das alíneas em questão, em face dos tipos infracionais restarem inalterados após a inserção do artigo 19-E na Lei nº 10.522/02 — não há abolitio total ou parcial de qualquer regra sancionatória, muito menos o abrandamento de suas consequências normativas.

A nossa divergência, no fundo, remete à própria premissa assumida: não vislumbramos a possibilidade de adjudicarmos a uma regra que diz respeito ao resultado de julgamentos de processos administrativos federais uma estrita natureza de direito material. Ora, a regra do artigo 25, §9, do Decreto nº 70.325/72 era de regra de direito processual, e a norma que a revogou parcialmente também tem igual natureza.

As regras de direito processual, como é sabido por todos, têm a particularidade de aplicadas sempre prospectivamente (tempus regit actum), é dizer, sem retroagir sobre casos julgados no passado, conforme se verifica no artigo 14 da Lei nº 13.105/2015 (CPC) e artigo 2º do Decreto-lei nº 3.689/1941 (CPP), verbis:

Art. 14. A norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos em curso, respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada.

Art. 2º A lei processual penal aplicar-se-á desde logo, sem prejuízo da validade dos atos realizados sob a vigência da lei anterior.

Por outro lado, é preciso também ponderar que o processo administrativo regido pelo Decreto nº 70.235/72 não se restringe à determinação e exigência de tributos, mas também é instrumento para a aplicação de sanções, tanto de natureza tributária[6] (multas de ofício ou isoladas), como também de não-tributárias (a exemplo da multa decorrente da conversão de pena de perdimento, nos casos de interposição fraudulenta na importação). O fato de eventualmente envolver a cobrança de tributos não desnatura a possibilidade de também se pôr juridicamente como um processo administrativo sancionatório.

Nesse sentido, a regra inserida pelo art. 19-E da Lei nº 10.522/02 tem uma natureza bifronte, na medida em que, ao mesmo tempo, veicula i) uma regra processual, pondo fim a um julgamento colegiado na hipótese da votação terminar empatada, de modo que o processo possa seguir seu curso procedimental lógico, e ii) também estabelece a diretriz quanto ao cumprimento (exequibilidade) ou não de uma sanção.

Assim, parece-nos que ela guarda similitude com um tipo de regra processual amplamente reconhecida e estudada na doutrina e jurisprudência processual penal, quais sejam, as normas processuais mistas ou híbridas.

Há divergências doutrinárias sobre o alcance dessa categoria de regras, o que desemboca em uma corrente mais i) restritiva e outra mais ii) ampliativa. O ponto em comum entre ambas, todavia, é a mesma premissa de que é possível encontrar no ordenamento jurídico normas que, simultaneamente, encerrem comandos de natureza processual-penal e de natureza penal-substancial[7][8].

Segundo a corrente mais restritiva, normas processuais mistas ou híbridas são aquelas que, de alguma forma, digam respeito à pretensão punitiva ou, como prefere Eduardo Espínola Filho, apresentem conteúdo de direito substancial, i.e., atribuam, virtualmente, ao Estado ou a particulares o poder de disposição do conteúdo material do processo, isto é, da pretensão punitiva, ou da pena[9].

Por sua vez, na corrente ampliativa, as normas aqui estudadas seriam aquelas que, ultima ratio, digam respeito ao substantive due process. Daí Gustavo Badaró afirmar que para tal corrente doutrinária seriam normas híbridas aquelas que estabelecem condições de procedibilidade, constituição e competência dos tribunais, meio de prova e eficácia probatória, graus de recurso, liberdade condicional, prisão preventiva, fiança, modalidade de execução da pena e todas as demais normas que tenham por conteúdo matéria que seja direito ou garantia constitucional do cidadão[10].

Contrapondo as duas correntes doutrinárias, e mesmo adotando a linha mais restritiva de caracterização, é possível concluir que normas processuais que tratem da pretensão punitiva apresentam típico caráter de regra de direito material e, portanto, estariam sujeitas também ao regime jurídico de normas dessa natureza, incluindo aí a possibilidade de aplicação retroativa, apenas nas hipóteses em que beneficie o réu ou acusado. Esse é o entendimento dos nossos Tribunais Superiores:

1. RECURSO. Extraordinário. Pedido. Inconstitucionalidade do art. 411 do Código de Processo Penal. Dispositivo revogado pela Lei n° 11.689/2008. Perda superveniente do interesse recursal. Recurso prejudicado. O pedido da recorrente está prejudicado ante a revogação do art. 411, do Código de Processo Penal, pela Lei n° 11.689/2008, que introduziu, no art. 415, novas regras para a absolvição sumária nos processos da competência do Tribunal do Júri. 2. AÇÃO PENAL. Tribunal do Júri. Absolvição sumária imprópria. Revogação do art. 411, do Código de Processo Penal, pela Lei n° 11.689/2008. Retroatividade da lei mais benéfica. Concessão de habeas corpus de ofício. As novas regras, mais benignas, aplicam-se retroativamente. Ordem concedida para que o juízo de 1º grau examine, à luz da nova redação, se estão presentes os requisitos para a absolvição sumária, oportunizada prévia manifestação da defesa. (RE n. 602.561/SP – São Paulo. Recurso Extraordinário. Relator: Min. CEZAR PELUSO. Julgamento: 27/10/2009 Órgão Julgador: Segunda Turma).

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. PENAL E PROCESSUAL PENAL. LESÃO CORPORAL LEVE E GRAVE. REPARAÇÃO PELOS DANOS CAUSADOS À VÍTIMA PREVISTA NO ART. 387, INCISO IV, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. NORMA DE DIREITO PROCESSUAL E MATERIAL. IRRETROATIVIDADE. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. A regra do art. 387, inciso IV, do Código de Processo Penal, que dispõe sobre a fixação, na sentença condenatória, de valor mínimo para reparação civil dos danos causados ao ofendido, é norma híbrida, de direito processual e material, razão pela que não se aplica a delitos praticados antes da entrada em vigor da Lei n.º 11.719/2008, que deu nova redação ao dispositivo. Precedentes da Quinta Turma. 2. Agravo regimental desprovido. (AgRg no REsp 1254742/RS, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 22/10/2013, DJe 05/11/2013)

PENAL. PROCESSUAL PENAL. RECURSO ESPECIAL. RÉU REVEL. SUSPENSÃO DO PROCESSO E DO LAPSO PRESCRICIONAL. CRIME COMETIDO ANTES DA LEI 9.271/96. INAPLICABILIDADE. Reiterada jurisprudência desta Corte no sentido de que as disposições do art. 366 do CPP, com a sua nova redação dada pela Lei 9.271/96, sendo norma de natureza híbrida, processual (suspensão do processo) e material (suspensão da prescrição), não podem ser cindidas, sendo inaplicável por inteiro o citado dispositivo legal às infrações cometidas antes da vigência da Lei 9.271/96. Precedentes. Recurso conhecido e provido. (REsp 280.656/RJ, Rel. Ministro JOSÉ ARNALDO DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 13/03/2001, DJ 04/06/2001, p. 227)[11]

Ao se analisar os casos julgados pelo Carf e, portanto, sujeitos à regra do art. 19-E da Lei nº 10.522/02, é possível observar que há a apreciação da imposição de sanções (de natureza tributária ou não), como dito anteriormente, e, ao assim fazer, o Tribunal define a exequibilidade da pretensão punitiva daí decorrente. Em outras palavras, a sua decisão definitiva é condição objetiva de punibilidade dos agentes autuados. Sem tal manifestação judicativa, não é possível cobra a pena (multa) imposta pelo Estado.

Esse entendimento, ressalte-se, encontra amparo na jurisprudência do STF, em especial nos precedentes que orientaram a Súmula Vinculante nº 24[12]. Nesse sentido, por exemplo, o voto do Ministro Gilmar Mendes, no HC nº 102.477, pontua que o “a decisão definitiva do processo administrativo consubstancia condição objetiva de punibilidade”, ou o HC 81.611, de relatoria do Ministro Sepúlveda Pertence, que aduz que “se considere o lançamento definitivo uma condição objetiva de punibilidade”.

Ora, não se nega que os precedentes em questão foram julgados para analisar a procedibilidade de denúncias de crimes contra a ordem tributária, mas seus fundamentos descortinam a natureza jurídica da decisão definitiva dos processos administrativos. Se a decisão final em processo tributário é condição para a aplicação das sanções penais decorrentes dos crimes capitulados no art. 1º da Lei nº 8.137/90[13], é inegável que as sanções de natureza administrativa (tributárias ou não), constituídas por meio de ato administrativo, só poderão ser exigidas após a decisão definitiva no processo administrativo sancionatório, razão pela qual ela se põe como condição objetiva da punibilidade do agente.

Em suma, ao mesmo tempo que o art. 19-E da Lei nº 10.522/02 veicula uma norma de direito processual, ele também encerra, nos casos em que há exigências de caráter sancionatório (multas), natureza processual híbrida, na medida em que condiciona a exequibilidade da pretensão punitiva do Estado. Ainda que a incidência normativa se dê com o ato administrativo que imputou a sanção, a sua exequibilidade, em havendo contestação, fica condicionada ao conteúdo da decisão definitiva no processo administrativo.

Portanto, em se tratando de norma dessa natureza, entendemos que ela deverá retroagir para abranger  apenas as exigências de caráter sancionatório, tributárias ou não, cobradas conjunta ou separadamente de tributos, que foram mantidas, no âmbito do Carf, por meio de decisão final proferida pelo voto de qualidade, e que prosseguem sendo cobradas judicialmente, na esteira de diversos precedentes dos tribunais superiores, e por força da retroatividade benigna do art. 5º, XL, da Constituição Federal de 1988[14], excepcionadora do caráter prospectivo da eficácia de normas processuais deste jaez. Não obstante, ante tudo o que fora aqui afirmado, não nos parece que tal retroatividade não se aplicaria para a cobrança de crédito tributário decorrente de tributos, mesmo que tenha sido mantido por meio do voto de qualidade.

Por fim, em uma abordagem próxima, ainda que não coincidente àquela perfilhada aqui, defendendo  os reflexos do art. 19-E da Lei nº 10.522/02 no âmbito dos processos penais de crimes contra a ordem tributária, remetemos ao artigo de Fernando Hideo I. Lacerda, no qual defendeu a retroatividade da regra, afirmando que com o fim do voto de qualidade, operou-se abolitio criminis referente a todas as condutas que à época foram julgadas ilícitas pelo Carf e, segundo os critérios da lei atual, passaram a ser resolvidos favoravelmente ao contribuinte[15].

 é sócio do Daniel & Diniz Advocacia Tributária, doutor em Direito Tributário pela Universidade de São Paulo (USP), mestre em Direito Tributário pela PUC-SP, ex-conselheiro titular da 1ª e 3ª Seções do Carf, e professor em cursos de pós-graduação.”

 é advogado tributarista, sócio do Daniel & Diniz Advocacia e Consultoria Tributária, ex-conselheiro titular do Carf na 3ª Seção de Julgamento, professor de Direito Tributário, Processo Tributário e Processo Civil. Doutorando em Processo Civil pela USP e Mestre em Direito Tributário pela PUC-SP e pós-graduado em Direito Tributário pelo Ibet.

Categorias
Notícias

Tributação nos contratos bipartidos de afretamento de plataforma

Nesta coluna, discorremos sobre os precedentes do Carf acerca da aplicação da tributação pelo Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF) sobre os pagamentos ao exterior decorrentes de contratos bipartidos de afretamento de plataforma de petróleo e exploração de serviços correlatos.

Cumpre destacar que em coluna anterior, Diego Diniz Ribeiro teve a oportunidade de analisar a tributação de tais contratos sob a ótica da incidência ou não de PIS e Cofins[2].

A operação que é objeto de fiscalização decorre da celebração de contratos entre pessoas jurídicas brasileiras e estrangeiras para o afretamento de embarcações bem como a prestação de serviços relacionados com a exploração de petróleo.

Nessa linha, é comum que sejam celebrados dois contratos, um para o afretamento de embarcações e outro para a prestação de serviços de exploração. No que tange aos aspectos tributários de tais contratos, cumpre notar que não haveria incidência de IRRF, Cide-Royalties, PIS e Cofins-Importação sobre os montantes pagos a título de afretamento de embarcação, diferentemente do que ocorre com os pagamentos de serviços.

Diante de tal cenário, foram diversas as autuações fiscais no sentido de que a bipartição de tais contratos seria artificial, tendo por finalidade o não pagamento dos referidos tributos.

Com relação ao IRRF, a não tributação das remessas para pagamentos de afretamentos decorre de uma alíquota zero instituída pelo artigo 1º, I, da Lei n. 9.481/97[3].

Somente com a edição da Lei n. 13.043/14 (em dispositivo normativo que foi seguido pela Lei n. 13.586/17) é que a Lei n. 9.481/97 passa a ter um dispositivo normativo estabelecendo limitações máximas para o montante do contrato global que deve ser atribuído ao afretamento de embarcações para fins de aplicação da alíquota zero do IRRF[4].

Nesse sentido, vale citar a Solução de Consulta Cosit n. 12/15, que reafirmou a até recente alteração legal, limitando a parcela relativa ao contrato de afretamento a 80% do valor global do contrato, quando houver execução simultânea de prestação de serviço, relacionados à prospecção e exploração de petróleo ou gás natural, celebrados com pessoas jurídicas vinculadas entre si[5].

Feitas as considerações gerais sobre o tema, passaremos à análise dos precedentes do Carf.

No Acórdão 2202003.063 (de 09/12/15), entendeu-se, por maioria de votos, pelo não provimento ao Recurso Voluntário, o que implicou a incidência do IRRF sobre os pagamentos ao exterior neste caso concreto.

Para tanto, foi levado em consideração pelo relator que: (i) o contrato de afretamento e o contrato de prestação de serviços foram assinados na mesma data com uma empresa brasileira do mesmo grupo econômico; (ii) havia solidariedade entre a contratada (fretadora) e a interveniente (prestadora de serviços); (iii) o seguro de responsabilidade civil firmado pela interveniente (prestadora de serviços) a fretadora como co-segurada; e (iv) algumas cláusulas do contrato de afretamento preveem obrigações relativas à prestação de serviços.

Embora a Recorrente tenha alegado a alteração legislativa da Lei n. 13.043/14 e citado a Solução de Consulta Cosit n. 12/15, estas não foram consideradas como aplicáveis pela maioria da Turma visto que surgiram depois dos fatos geradores em discussão.

Com relação à aplicação dos acordos para evitar a bitributação celebrados pelo Brasil, a maioria de turma entendeu não ser aplicável o artigo 7º “Lucros das Empresas” por haver disposição específica nos Protocolos dos acordos equiparando o tratamento tributário dos serviços técnicos e de assistência administrativa ao dos royalties. Todavia, tal disposição não existia na Convenção celebrada entre Brasil e França, de forma que nesse caso específico a Turma entendeu que haveria estabelecimento permanente da pessoa jurídica estrangeira no país, dado que esta possuía uma controlada no Brasil.

No Acórdão 2402-005.452 (de 17/08/16), foi negado provimento ao Recurso Voluntário de forma unânime. A turma entendeu que a divisão entre o afretamento e a prestação de serviços era apenas formal e que as autoridades fiscais conseguiram comprovar que se tratava materialmente de prestação de serviços, sendo assim aplicável a tributação do IRRF.

No Acórdão 2202-003.620 (de 19/01/17), foi negado provimento ao Recurso de Ofício por unanimidade, visto que foi considerada inadequada a premissa da autuação fiscal de que uma operação de afretamento de embarcação estrangeira deveria ser tributada simplesmente por não ter sido expressamente autorizada pela Antaq, ainda que houvesse dispensa de tal autorização, assim como foi entendido como inovação no âmbito do Carf a questão levantada pela Procuradoria Geral da Fazenda Nacional de que a operação teria natureza de cabotagem.

No Acórdão 2402-005.676 (de 09/02/17), entendeu-se, por maioria de votos, pelo provimento ao Recurso Voluntário, no entanto, neste caso a discussão se cingia ao conceito de embarcação, visto que no voto vencido o relator entendia que as plataformas móveis não se enquadrariam como embarcação, sendo que os demais membros da turma entenderam em sentido diverso, de forma que se aplica a alíquota zero de IRRF.

No Acórdão 2402-005.822 (de 10/05/17), decidiu-se, por maioria de votos, pela tributação do IRRF das remessas, uma vez que foi entendido que não se tratava de contrato de afretamento, mas contrato de prestação de serviços. Nessa linha, foi relevante, dentre outros pontos, a análise dos dispositivos contratuais, uma vez que cabia à fretadora a operação da unidade de perfuração, demonstrando que o conteúdo do afretamento incluía uma obrigação de fazer, inerente ao contrato de prestação de serviços.

No Acórdão 2401-005.149 (de 05/12/17), foi decidido, por maioria de votos, que era aplicável a alíquota zero do IRRF com exceção dos pagamentos realizados em favor de empresas residentes em países de tributação favorecida, em que incide o imposto à alíquota de 25%.

A relatora pontuou que o fato de haver necessidade de serem executados simultaneamente contratos de afretamento e de prestação de serviços não implica, por si só, inexistência ou artificialidade de negócio jurídico, sendo que não deve prevalecer a caracterização de contrato de afretamento como sendo de prestação de  serviços técnicos, por presunção, sem que haja motivação sólida e prova robusta e adequada da acusação. Ademais, ela ressalta que a própria Lei n. 13.043/14 corrobora a possibilidade execução simultânea ao trazer limites ao afretamento.

No Acórdão 2202-004.581 (de 03/07/18), entendeu-se, por maioria de votos, pela não aplicação da alíquota zero de IRRF. No voto vencedor, a redatora manifesta o entendimento de que a fiscalização teria qualificado corretamente todo o contrato como de prestação de serviço, visto que a essência do contrato é a captura de dados.

No Acórdão 2301-005.520 (de 08/08/18), decidiu-se, por voto de qualidade, pela incidência do IRRF sobre as remessas efetuadas ao exterior. O voto vencedor parte do pressuposto de que os contratos não se referem ao afretamento de embarcação, mas à execução de um serviço especializado em que a contratada empregou seus próprios equipamentos e profissionais, de modo que não houve risco para a Recorrente acerca do afretamento.

Ademais, segundo o voto vencedor, não deve ser aplicado retroativamente as alterações da Lei n. 13.043/14, assim como não deve ser aplicada a Convenção para evitar bitributação celebrada entre Brasil e França, visto que não há uma clara definição de lucros das empresas na convenção, de modo que ela deveria ser buscada na legislação nacional, bem como os serviços prestados pela contratada no exterior podem ser enquadrados no conceito de royalties da convenção.

Há declaração de voto no referido Acórdão no sentido de que inexistia limitação de percentual do contrato de afretamento frente ao contrato global quando dos fatos geradores. Além disso, a edição da Lei n. 13.043/14 vem exatamente confirmar que pode existir execução simultânea de contrato de afretamento ou aluguel de embarcações marítimas e contrato de prestação de serviço, corroborando uma realidade econômica usual.

Nesse diapasão, a dificuldade da bipartição dos contratos é mencionada na declaração de voto, ao citar que a própria DRJ reconhece isso ao dizer que “fica impossível à autoridade fiscal determinar qual a parte seria a remuneração tão somente da locação da embarcação”, sendo que tal afirmação só confirmaria que diante da constatação de que o contrato é complexo, optou-se por considera-lo todo como prestação de serviço, que curiosamente é a qualificação que permite uma tributação mais gravosa.

Na declaração de voto consta ainda que deveria ser aplicado o artigo 7º da Convenção celebrada entre o Brasil e a França para Evitar a Dupla Tributação, de modo que deve inexistir retenção fonte sobre os pagamentos feitos pela Recorrente à pessoa jurídica francesa prestadora de serviço, visto que a inteligência do referido dispositivo pressupõe que a renda ativa derivada do exercício direto de atividades econômicas no país da fonte, sem que haja um estabelecimento permanente, somente será tributada no país de residência.

Por fim, há menção ainda de que embora em alguns acordos exista uma previsão específica em protocolo de que serviços técnicos serão tratados como royalties, inexiste tal previsão no Protocolo Específico da Convenção celebrada entre Brasil e França, de forma que pode ser plenamente aplicável o entendimento que consta no Ato Declaratório Interpretativo n. 5/14, que impede a requalificação dos serviços técnicos para royalties quando não haver dispositivo em tal sentido no protocolo da Convenção.

Diante do exposto, nota-se que a maior parte dos precedentes do CARF tem sido no sentido da requalificação do contrato de afretamento de embarcações para a prestação de serviços técnicos, o que implica em não aplicação da alíquota zero de IRRF sobre as remessas pagas ao exterior. Também não tem prosperado os argumentos de aplicação do racional das limitações ao contrato de afretamento trazidas a partir da Lei n. 13.043/14 e de aplicação do artigo 7º dos Acordos para evitar bitributação celebrados pelo Brasil.

Este texto não reflete a posição institucional do Carf, mas, sim, uma análise dos seus precedentes publicados no site do órgão, em estudo descritivo, de caráter informativo, promovido pelos seus colunistas.

 é conselheiro titular da 1ª Seção do Carf, ex-conselheiro titular da 2ª Seção do Carf, doutorando em Direito Econômico, Financeiro e Tributário pela Universidade de São Paulo (USP), mestre em Direito Comercial pela USP e bacharel em Direito pelo Mackenzie e em Contabilidade pela USP. Professor do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT) e coordenador do MBA IFRS da Fipecafi.

Categorias
Notícias

Vanessa Cardoso: A volta às atividades após a pandemia

Com a publicação pelo governo do Estado do Rio Grande do Sul trazendo novas diretrizes acerca do retorno das atividades empresariais, através do chamado Programa de Distanciamento Controlado, muitas dúvidas surgem por parte das empresas a respeito de como retomar às suas atividades de forma segura e cumprindo a legislação.

Em um primeiro momento, é importante observar, além da legislação estadual, a legislação dos municípios em que a empresa está estabelecida, tendo em vista que cabe a estes regulamentar acerca das normas específicas que deverão ser adotadas na sua extensão, de acordo com a realidade da região a que pertencem.

Superada essa parte, existem diversas diretrizes básicas que deverão ser seguidas para a reabertura das empresas, com o objetivo de prevenção do contágio pelo coronavírus, tanto pelos funcionários quanto por clientes e fornecedores que venham a frequentar os estabelecimentos.

Para a indústria, por exemplo, a primeira medida a ser adotada é a criação de um plano de contingência em que deverá constar a exposição de todas as medidas de prevenção, monitoramento e controle do contágio pelo coronavírus que serão adotadas pela empresa no retorno do seu funcionamento e que deverá estar à disposição para consulta pelas autoridades competentes quando solicitado.

Em todos os setores em que há permissão para funcionamento, as exigências legais mínimas envolvem higienização de superfícies de toque, disponibilização de álcool em gel 70%, fornecimento de máscaras, monitoramento da temperatura dos funcionários, manutenção dos locais arejados,  limpeza dos sistemas de ar condicionados, adoção de sistemas de revezamento de jornadas, reorganização do layout dos estabelecimentos, a fim de manter a distância mínima exigida entre pessoas e reduzir o número máximo de lotação no interior da empresa, afastamento os empregados em contato com pessoas suspeitas ou com contágio confirmado e reduzindo o horário de funcionamento da empresa.

No entanto, é importante esclarecer que as medidas acima são aquelas exigidas de forma geral para reabertura das empresas, mas é imprescindível a análise da realidade de cada uma de forma individual, a fim de prevenir não somente o contágio pela doença, como também autuações pelo descumprimento de medidas exigidas, que poderão ser feitas por município e Secretaria do Trabalho do Ministério da Economia, entre outras autoridades competentes, além do ajuizamento de ações judiciais.

É necessário, dessa forma, que cada empresa analise as suas necessidades e crie um projeto estruturado para o seu retorno, visando a zelar pela saúde de seus colaboradores, clientes e fornecedores, assim como priorizando pela manutenção em home office daqueles que a atividade permite, em especial com a adoção de todas as medidas necessárias a assegurar a saúde daqueles que pertencem a grupo de risco.

Ao retomar as atividades, a empresa também deverá fornecer treinamentos para os seus colaboradores, colocando em prática todas as medidas elaboradas no projeto de retomada, assim como fiscalizar o cumprimento das medidas adotadas sob pena de se tornarem ineficazes.

Tais cuidados, se forem adotados pelas empresas de forma correta, irão auxiliar também no não reconhecimento da Covid-19 como doença ocupacional, pois a decisão do Supremo Tribunal Federal, recentemente divulgada, suspendeu o artigo da Medida Provisória 927/2020 em que era estabelecido que os casos de contaminação não seriam considerados ocupacionais, salvo se comprovado nexo causal, o que implicará objetivamente no dever das empresas de comprovar todas as medidas adotadas para afastar esse risco.

Em uma época em que a economia já se encontra fragilizada, é indispensável o estudo e o planejamento do retorno da atividade empresarial, sob pena de a reabertura acabar acarretando um prejuízo maior do que a manutenção da atividade fechada.

Categorias
Notícias

Receita revoga 81 instruções publicadas entre 1983 e 2016

Sem validade

Receita revoga 81 instruções normativas publicadas entre 1983 e 2016

Por 

Receita Federal divulgou a revogação de 81 instruções normativas de 1983 até 2016

A Receita Federal divulgou a revogação de 81 instruções normativas, publicadas entre 1983 e 2016. Segundo o órgão, as normas não produziam mais efeitos legais.

A decisão faz parte do Projeto Consolidação, que visa adequar “o estoque regulatório do órgão através da redução, revisão e consolidação de normas”.  As normativas revogadas constam na Instrução Normativa RFB nº 1.949, publicada nesta quarta-feira (13/5), no Diário Oficial da União.

Segundo dados oficiais, a Receita conta com mais de 1.700 instruções normativas em vigor, sendo que a mais antiga data de 1978. A meta é encerrar a consolidação de suas normas até junho de 2021.

Para o advogado Breno Dias de Paulo, a medida é um exemplo claro dos problemas tributários brasileiros. “O que me surpreende e causa enorme espanto é a revogação de normas tributárias e que atualmente não produziam mais nenhum efeito jurídico. Isso demonstra claramente o manicômio de obrigações tributárias impostas a toda sociedade. Esse custo Brasil burocrático mata pessoas e é tão ou mais grave que uma pandemia”, comenta.

 é repórter da revista Consultor Jurídico.

Revista Consultor Jurídico, 15 de maio de 2020, 8h16

Categorias
Notícias

Após pedido da OAB, escritórios de advocacia reabrem no RS

Após pedido da direção OAB-RS, a advocacia gaúcha passou a constar entre os principais e essenciais setores aptos a retomar as atividades dentro da nova política de enfrentamento ao novo coronavírus implementada pelo governo do estado do Rio Grande do Sul, agora com o distanciamento social controlado.

Com a volta da fluência dos prazos processuais eletrônicos do Tribunal de Justiça (TJ-RS) e do Tribunal Regional do Trabalho (TRT-RS), a Ordem já havia retomado as atividades na sua sede, em Porto Alegre, desde a última semana. Tudo em conformidade com as medidas de cuidado à saúde e segurança para os usuários de seus serviços.

O presidente da OAB-RS, Ricardo Breier, disse que o serviço da advocacia é necessário para que se possa garantir a continuidade do trabalho advocatício. “Advogados e advogadas precisam acessar o seu local de trabalho para garantir a prestação do seu serviço, principalmente com a retomada dos prazos processuais eletrônicos, quando não possível fazer de casa”, explicou.

O modelo de distanciamento controlado do governo gaúcho buscou criar um sistema de bandeiras, com protocolos obrigatórios e critérios específicos a serem seguidos pelos diferentes setores econômicos. ‘‘Entendemos a essencialidade das atividades desempenhadas pela advocacia privada e, por isso, restaram alteradas as restrições para que, mesmo nas bandeiras vermelha e preta, seja garantida a possibilidade de abertura dos escritórios de advocacia’’, afirmou Eduardo da Costa, chefe da Procuradoria-Geral do Estado (PGE-RS)

Bandeiras e tetos de ocupação

Por meio do novo modelo, cada região recebe uma bandeira nas cores amarela (risco baixo), laranja (risco médio), vermelha (risco alto) ou preta (risco altíssimo). O governo do estado ainda divulgou os critérios de funcionamento, em que os escritórios poderão trabalhar com teto de ocupação de 50% nas bandeiras amarelas, laranjas e vermelhas. Já na bandeira preta a ocupação deverá ser de 25%. O teto de operação é aplicado somente a atividades com quatro ou mais trabalhadores.

A medida reforça ainda que em todas as bandeiras deverão ser respeitados os protocolos de prevenção: uso de máscaras (trabalhadores e público), distanciamento entre as pessoas, higienização (ambiente, trabalhadores e público), uso obrigatório de equipamentos de proteção individual (EPIs), proteção de grupos de risco no trabalho, teto de ocupação, afastamento de casos positivos ou suspeitos, cuidados no atendimento ao público e atendimento diferenciado para o grupo de risco.

O monitoramento e a divulgação das bandeiras são semanais, ocorrendo aos sábados, com validade a partir da segunda-feira seguinte.

A direção da OAB gaúcha alerta que os escritórios devem estar atentos para as novas regras. É que os protocolos obrigatórios e os critérios de funcionamento devem ser observados por empregadores, trabalhadores, clientes ou usuários, em todas as bandeiras, sempre que houver qualquer atividade presencial desenvolvida em um ambiente de trabalho. (Com informação da Assessoria de Imprensa da OAB-RS).

Clique aqui para acessar as regras do distanciamento social no RS

Categorias
Notícias

Carf diverge sobre tributação do ganho de AVJ não controlado

Na coluna de hoje, trataremos de uma questão bastante recente no Carf, e que se relaciona diretamente às modificações introduzidas na legislação do IRPJ e da CSLL, pela Lei nº 12.973/2014: a tributação de ganhos decorrentes de AVJ não controlado por meio de subconta vinculada ao ativo ou passivo. Antes de avançar sobre o tema, calha fazermos uma breve contextualização.

No Brasil, a adoção dos padrões internacionais de contabilidade (IFRS), por meio da Lei nº 11.638/2007, afetou diretamente as bases de cálculo do IRPJ e da CSLL. Para mitigar os impactos dessas alterações sobre os contribuintes, criou-se o Regime Tributário de Transição (RTT), pela Lei nº 11.941/2009, estabelecendo, para fins fiscais, um regime de neutralidade das alterações promovidas pela Lei nº 11.638/2007, mantendo-se os parâmetros de apuração dos tributos vigentes em dezembro de 2007.

Nesse contexto, a Lei nº 12.973/2014 veio justamente fazer a adequação definitiva da legislação tributária às normas societárias e contábeis vigentes no país, extinguindo o RTT e firmando uma nova forma de apuração do IRPJ e da CSLL.

Ocorre que um dos critérios de mensuração de elementos patrimoniais que passou a ser adotado com o padrão IFRS foi o da avaliação a valor justo (AVJ) (em substituição ao critério do custo de aquisição), definido no Pronunciamento CPC 46 como “o preço que seria recebido pela venda de um ativo ou que seria pago pela transferência de um passivo em uma transação não forçada entre participantes do mercado na data de mensuração”. Com isso, buscou-se evidenciar de maneira mais precisa a capacidade de geração de fluxo de caixa de cada elemento patrimonial, apresentando-se seu valor atual, e não aquele histórico.

Sob a perspectiva fiscal, entretanto, optou-se expressamente, por meio do art. 13 da Lei nº 12.973/2014, pela manutenção de uma neutralidade fiscal (ou seja, a sua não inclusão no lucro real) dos ganhos decorrentes da avaliação de elementos patrimoniais com base no valor justo, desde que o respectivo aumento no valor do ativo ou a redução no valor do passivo seja evidenciado contabilmente em subconta vinculada ao ativo ou passivo.

É de se ressaltar, que esse controle do AVJ em subconta é uma imposição da legislação fiscal, e não das práticas contábeis, posto como uma condição para o diferimento da tributação dos ganhos evidenciados por esse modelo de mensuração de elementos patrimoniais. Caso não se faça esse controle, o art. 13, §3º, da Lei nº 12.973/2014, estabelece que o ganho seja imediatamente tributado e, mais ainda, dispõe que ele não pode ser utilizado para reduzir o prejuízo fiscal do período corrente.

Pois bem, enfrentaram-se, no âmbito do Carf, autuações fiscais baseadas na ausência de controle do AVJ por meio das subcontas vinculadas aos elementos patrimoniais.

No primeiro caso localizado, julgado pelo Acórdão nº 1402-003.589 (que não tratava especificamente da aplicação do art. 13 da Lei nº 12.973/2014, mas sim do art. 66 da mesma lei, que estabelecia a adoção inicial das novas regras), no qual, por maioria de votos, afastou-se a cobrança de IRPJ e CSLL, sob o argumento de que o ganho de AVJ indica, sim, um acréscimo patrimonial, mas que ele não gozaria de disponibilidade econômica ou jurídica, necessária para fins de tributação, de acordo com o art. 43 do CTN. Ademais, o relator apontou que o contribuinte juntou laudo de consultoria evidenciando que não teria havido qualquer prejuízo ao Erário pela falta de controle do AVJ em subcontas, encampando a tese de que esse registro seria apenas uma obrigação acessória, não avançando sobre a aplicação ou não do art. 13, §3º da Lei nº 12.973/2014.

Ressalte-se, também, que o relator invoca as razões aduzidas no Acórdão nº 1402-002.501. Não obstante, nessa decisão se discutia a tributação de valores registrados em reserva de reavaliação, inclusive pontuou o relator, com acerto, que ela “não se confunde com a avaliação a preço justo, sendo instituto alheio às previsões contidas na Lei nº 12.973/2014, mesmo quando utilizadas para fins hermenêuticos.”.

Em outro caso, julgado no Acórdão nº 1301-004.091, o Recurso Voluntário foi rejeitado, por voto de qualidade.

Nele, a autuação se baseou propriamente no art. 13 da Lei nº 12.973/2014, adotando a relatora integralmente os fundamentos do Acórdão nº 1402-003.589. De maneira complementar, aduz que não obstante a regra expressa que determine a criação de subcontas, ela deve receber uma interpretação finalística, como meio de controle efetivo dos valores diferidos, “a fim de atestar que as adições e exclusões pertinentes sejam realizadas nos montantes adequados”, aduzindo que a empresa juntou laudo atestando a inocorrência de dano ao Erário.

O voto vencedor, entretanto, aduz que para o ano-calendário de 2015 (objeto da autuação) não haveria mais que se falar na neutralidade tributária estabelecida pela Lei nº 11.941/2009, vez que vigente e eficaz o novo regime fiscal. Diante disso, esclarece que a legislação é categórica em afirmar que na ausência do AVJ controlado em subcontas, o efeito tributário é a imediata tributação desses valores, e que eventual entendimento de incompatibilidade entre esse regime e o art. 43 do CTN e o conceito de renda, pressuporia a declaração de inconstitucionalidade dos dispositivos da Lei nº 12.973/2014, o que é vedado aos conselheiros do Carf (Súmula Carf nº 02).

Ademais, o redator designado entendeu, ainda, que não haveria inconstitucionalidade dessa norma, tendo em vista que a reavaliação espontânea de ativos sempre esteve sujeita à sua tributação imediata, exceto nos casos em que o legislador condicionasse a não incidência de IRPJ e CSLL, nesse momento, pelo seu controle de algum modo específico, como na conta de reserva de reavaliação, conforme regime estabelecido nos arts. 434, 436 e 437 do RIR/99. Ressalta, também, que o art. 438 do RIR/99 prevê a tributação da reavaliação de participações societárias independente da adoção de qualquer controle, demonstrando que a ordem jurídica não é incompatível com a tributação da renda sem realização.

Por fim, acrescenta que a existência de laudos atestando que não houve prejuízo ao Fisco não altera o panorama estabelecido por expressa disposição legal, ressaltando que esse controle tem a finalidade de permitir ao Fisco controlar a evolução do valor desses ativos e passivos ao longo do tempo, sem necessidade de abertura de procedimentos fiscais, fomentando a eficiência da atividade fiscalizatória.

No Acórdão nº 1401-003.873, foi dado provimento ao recurso do contribuinte por maioria de votos. A relatora pontua que, apesar do contribuinte não realizar o controle do AVJ por meio das subcontas estabelecidas pela Lei nº 12.973/2014, ele teria mantido esse registro em conta de “Ajuste de Avaliação Patrimonial Imobilizado”, e que, portanto, a acusação fiscal seria falsa. Ademais, ela aponta que o contribuinte apresentou laudo técnico identificando o custo de aquisição dos bens, seu valor justo e a contabilização do IRPJ e CSLL diferidos, demonstrando que, ainda que não na forma determinada pela legislação, havia um controle contábil do AVJ.

Ressalta também que, mesmo que não houvesse o controle, a ausência da subconta não ensejaria a tributação, invocando o Acórdão nº 1402-003.589, por se tratar de mera expectativa de ganho, e não renda realizada, cabendo apenas multa por descumprimento de obrigação acessória.

Pois bem, como se vê, atualmente há poucos acórdãos sobre esse relevante tema, na jurisprudência do Carf, mas já se verifica a existência de franca divergência entre as turmas ordinárias das Câmaras Baixas.

Parte dela decorre da premissa de que a obrigação de controle do AVJ em subcontas vinculadas seria uma espécie de obrigação acessória, de modo que o seu descumprimento geraria apenas a incidência de multa. Por outro lado, há uma linha que aduz, a despeito de ser uma obrigação acessória, a legislação federal estabeleceu consequências claras para a sua infringência, qual seja a tributação imediata do valor.

Há, também, menção em todos os acórdãos à apresentação de laudos contábeis que evidenciem a inocorrência de qualquer prejuízo ao Erário, sem, entretanto, que as decisões se aprofundem em esclarecer de que modo tais documentos evidenciam isto, mormente à luz da premissa adotada de que o controle em subconta seria uma obrigação acessória, no interesse da arrecadação ou da fiscalização dos tributos, nos termos do art. 113, §2º, do CTN, cujo descumprimento, em regra, não ofende diretamente os cofres públicos. Essa discussão é assaz relevante, tendo em vista que o laudo foi utilizado como fundamento para afastar a aplicação do art. 13, §3º, da Lei nº 12.973/2014, aos casos concretos.

De certo modo, pode-se dizer que há um conflito entre uma interpretação formal e literal da legislação, e uma interpretação consequencialista, que flexibiliza a aplicação do dispositivo em razão da comprovação de ausência de dano ao Erário.

Diante disso, resta-nos acompanhar o deslinde dessa discussão nas demais turmas das Câmaras Baixas e, especialmente, na Câmara Superior de Recursos Fiscais, em razão da evidente divergência de interpretações.


Art. 13. O ganho decorrente de avaliação de ativo ou passivo com base no valor justo não será computado na determinação do lucro real desde que o respectivo aumento no valor do ativo ou a redução no valor do passivo seja evidenciado contabilmente em subconta vinculada ao ativo ou passivo.

Relator Cons. Lucas Bevilacqua, julgado em 21/11/2018.

Art. 66. Para fins do disposto no art. 64, a diferença positiva, verificada em 31 de dezembro de 2013, para os optantes conforme o art. 75, ou em 31 de dezembro de 2014, para os não optantes, entre o valor de ativo mensurado de acordo com as disposições da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976, e o valor mensurado pelos métodos e critérios vigentes em 31 de dezembro de 2007, deve ser adicionada na determinação do lucro real e da base de cálculo da CSLL em janeiro de 2014, para os optantes conforme o art. 75, ou em janeiro de 2015, para os não optantes, salvo se o contribuinte evidenciar contabilmente essa diferença em subconta vinculada ao ativo, para ser adicionada à medida de sua realização, inclusive mediante depreciação, amortização, exaustão, alienação ou baixa.

Art. 43. O imposto, de competência da União, sobre a renda e proventos de qualquer natureza tem como fato gerador a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica: (…)

§ 3º Na hipótese de não ser evidenciado por meio de subconta na forma prevista no caput , o ganho será tributado.

Relator Cons. Caio Quintela, julgado em 16/06/2017.

Redator Designado Cons. Fernando Brasil de Oliveira Pinto, julgado em 17/09/2019.

Relatora Cons. Luciana Zanin, julgado em 11/11/2019.

Entretanto, há que se ponderar que essa conclusão não infirmaria o fundamento da fiscalização, pois tal controle era feito em conta do PL, e não em subconta do ativo, como determinado pela legislação.

 é sócio do Daniel & Diniz Advocacia Tributária, doutor em Direito Tributário pela Universidade de São Paulo (USP), mestre em Direito Tributário pela PUC-SP, ex-conselheiro titular da 1ª e 3ª Seções do Carf, e professor em cursos de pós-graduação.”