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Pedestre atropelado por ônibus é consumidor por equiparação

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Pedestre atropelado por ônibus é consumidor por equiparação, diz STJ

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Pedestre que é atropelado por ônibus durante a prestação do serviço de transporte de pessoas deve ser considerado consumidor por equiparação. Segundo a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, não é necessário que o consumidor usuário tenha sido conjuntamente vitimado para a aplicação do artigo 17 do Código de Defensa do Consumidor, segundo o qual, em relação a fato do serviço, “equiparam-se aos consumidores todas as vítimas do evento”.

Incidência do CDC não pressupõe que vítima seja também passageira do ônibus

Com esse entendimento, a 3ª Turma do STJ deu provimento ao recurso que permitiu ao pedestre vítima do atropelamento pleitear indenização pelo acidente. Ao reconhecer a incidência do CDC, a decisão atrai a aplicação do prazo quinquenal do artigo 27 para ajuizamento da ação, o que evita a prescrição do direito.

O acórdão de segundo grau não reconheceu a equiparação a consumidor, o que levou à aplicação do prazo trienal de prescrição, segundo o Código Civil. Como a ação foi ajuizada passados quatro anos após o acidente, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro havia apontado a prescrição.

“Não é necessário que o consumidor usuário tenha sido conjuntamente vitimado. O importante é que tenha sido vítima de acidente de consumo durante a prestação do serviço. Com isso, incide o CDC para reconhecer a existência de relação de consumo sendo prestada no momento do evento danoso contra terceiro”, afirmou o ministro Paulo de Tarso Sanseverino, relator do caso.

REsp 1.787.318

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 é correspondente da revista Consultor Jurídico em Brasília.

Revista Consultor Jurídico, 16 de junho de 2020, 20h37

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Reforma trabalhista pode prevalecer sobre a jurisprudência do TST

A 4ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho entendeu que a Lei 13.467/2017 (reforma trabalhista) deve prevalecer sobre a jurisprudência do TST, se esta tiver sido pacificada sem base legal específica, mas apenas em princípios. 

Ministro Ives Gandra

Em caso analisado nesta terça-feira (9/6), que versava sobre recurso de um empregado para o pagamento de indenização por danos morais pelo uso de uniforme com logomarcas de fornecedores, prevaleceu o voto do ministro Ives Gandra, no sentido de que a jurisprudência do TST sobre o tema foi calcada exclusivamente em princípio, não gerando direito adquirido frente à reforma trabalhista. 

“No caso do pretenso direito à indenização por uso de logomarca, o que se contrapõe é a lei nova frente à jurisprudência pacificada do TST que, indevidamente, criou vantagem trabalhista sem base legal. Portanto, não há que se falar em direito adquirido”, explicou.

Entenda o caso

Após o Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região julgar improcedente o pedido de indenização, o empregado, que exerce a função de repositor, apresentou recurso de revista ao TST. O argumento foi de que a decisão do TRT violou o artigo 5º, inciso X, da Constituição da República.

Conforme a norma constitucional, é inviolável a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano moral decorrente de sua violação. Segundo o repositor, o uso do uniforme com logomarcas de fornecedores violou sua imagem. 

O relator do processo na 4ª Turma, ministro Alexandre Luiz Ramos, votou no sentido de condenar a empresa à indenização, com fundamento em jurisprudência da Subseção I Especializada em Dissídios Individuais (SDI-1) do TST. Conforme uma das decisões precedentes, o uso não autorizado da imagem das pessoas, ainda que não lhe atinja a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, impõe indenização por danos morais, independentemente de prova do dano, nos termos do artigo 5º, inciso X, da Constituição Federal, caso se destine a fim comercial.

O ministro relator ainda rejeitou o pedido da empresa de que se aplicasse ao caso o artigo 456-A da CLT, introduzido pela Lei 13.467/2017. Segundo a norma, cabe ao empregador definir o padrão de vestimenta, sendo lícita a inclusão no uniforme de logomarcas da própria empresa ou de empresas parceiras. Mas para o relator, essa regra não deve ser aplicada ao processo, porque os fatos em debate ocorreram antes da vigência da referida lei.

Voto divergente

A 4ª Turma, no entanto, acompanhou o voto divergente, apresentado pelo ministro Ives Gandra. De acordo com ele, afastar a aplicação da norma mais recente é presumir, equivocadamente, a existência de direito adquirido à indenização fundamentado em legislação anterior. “Diante da existência de norma legal expressa disciplinando a matéria, não se pode esgrimir jurisprudência calcada em princípios genéricos, interpretados ampliativamente para criar direito sem base legal específica, restando, portanto, superada pela reforma”, descreveu o ministro. 

A reforma trabalhista prevê no artigo 456-A, que cabe ao empregador definir o padrão de vestimenta no meio ambiente laboral, sendo lícita a inclusão no uniforme de logomarcas da própria empresa ou de empresas parceiras e de outros itens de identificação relacionados à atividade desempenhada. 

De acordo com Ives Gandra, a restrição que era e continua sendo prevista no artigo 5º, inciso X, da Constituição Federal é sobre a divulgação da imagem da pessoa, a qual não é afetada pelo uso de uniforme com logomarcas. Ponderando que o próprio precedente da SDI-1 reconhece que o uso de uniforme pelo empregado, com logomarca de patrocinador não lhe atinge a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, o ministro concluiu que determinar, mesmo assim, a indenização, utilizando dispositivo constitucional de caráter genérico, é incorreto.    

Por maioria, a 4ª Turma acompanhou o voto divergente e não conheceu do recurso do trabalhador. Com informações da assessoria de imprensa do TST.

RR 305-75.2015.5.05.0492

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CNJ anuncia economia de R$ 66 milhões dos tribunais

O Conselho Nacional de Justiça anunciou que o Poder Judiciário brasileiro reduziu pelo quarto ano consecutivo suas despesas, graças à política socioambiental instituída pela Resolução nº 201/2015. De 2018 para 2019, os tribunais do país economizaram R$ 66,8 milhões em gastos de diversas naturezas.

O CNJ vem conseguindo reduzir as

despesas do Poder Judiciário desde 2015
CNJ

Segundo o 4º Balanço Socioambiental do Poder Judiciário, foram reduzidas de maneira significativa despesas com água, esgoto, motoristas, manutenção de veículos, impressão, telefonia e contratos de vigilância e limpeza. Também houve economia na compra de insumos como papel, água envasada e copos descartáveis.

Entre 2018 e 2019, as despesas com copos descartáveis e impressão de documentos foram reduzidas em mais de 18%, enquanto os custos com telefonia fixa caíram 7% — na comparação com números de 2015, essa economia foi de 30%. Em 2019, o Judiciário possuía 125.537 linhas fixas de telefone, 7% a menos do que no ano anterior.

Os custos com contratos de vigilância, os maiores do orçamento do Judiciário, foram reduzidos em 4,7% em 2019, na comparação 2018.

“É importante destacar o engajamento do Poder Judiciário, já que os planos de logística sustentável são hoje presentes em todos os 90 tribunais do País”, disse a presidente da Comissão Permanente de Sustentabilidade do CNJ, a conselheira Ivana Farina. “A Resolução 201 está em estudo para ser aprimorada e, com isso, traçarmos uma política de avanços e ainda mais engajamento.”

No entanto, nem tudo foram flores para as finanças do Judiciário, já que algumas despesas aumentaram entre 2018 e 2019. A vencedora nesse quesito foi a energia elétrica, que teve um crescimento de 7%, passando de R$ 527.746.799 para R$ 563.800.668. Com informações da assessoria de imprensa do CNJ.

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Felipe Herdem: O interesse público já não repele o privado

Na vigência do modelo de Estado liberal, reconheceu-se que, em determinadas situações, era necessário e útil à Administração Pública recorrer à forma contratual para realizar algumas de suas funções [1]. Entretanto, essa circunstância não permitiu, de imediato, a aceitação de uma categoria contratual no Direito Administrativo brasileiro [2]. A literatura, em especial a francesa, tratou os contratos celebrados com a Administração como atos de gestão, devendo estar submetidos ao Direito privado, concepção que valeu até a teoria do serviço público [3].

De modo que o recuo do Estado-providência e, por conseguinte, a devolução à sociedade de um papel ativo na condução dos negócios públicos demandaram o desenvolvimento de novas formas de concretizações das relações administrativas, posto que “os modelos autoritários de execução da função administrativa, centrados no ato administrativo, já não comportavam mais a integralidade do fenômeno administrativo” [4]. Em sentido semelhante, Eduardo García de Enterría observa que o ato administrativo, embora assegure eficazmente a submissão, “é incapaz de suscitar o entusiasmo e o desejo de colaboração” [5].

Destarte, em uma sociedade fragmentada, não existe espaço para a crença em um único interesse público superior, fato que tornou possível a abertura para avaliação e consideração dos diversos interesses existentes, característica da complexidade da sociedade atual. Como observa Ernesto Sticchi Damiani, “o interesse público já não repele o privado” [6].

Parcela da literatura trabalha a consensualidade administrativa como uma alternativa à imperatividade e à unilateralidade [7]. Costuma-se realizar um paralelo também com um incremento da participação, eficiência e transparência administrativa.           

Tratando sobre o desenvolvimento do fenômeno consensual no Direito Administrativo, Diogo de Figueiredo Moreira Neto parte de uma reconstrução de uma visão menos autoritária, menos arrogante e mais humana, e por isso mais próxima, mais eficiente e socialmente controlada. Diretamente influenciado por Paolo Grossi, o autor é parte de uma premissa social e ética e trabalha com os conceitos da supremacia da identidade, da integridade e da liberdade. Adota-se uma premissa de que a Justiça é um valor capital, tendo a sua origem na sociedade, não devendo, portanto, ser monopolizada pelo Estado [8]. Sobre o tema, o autor destaca a afirmação (após a Segunda Guerra) de quatro vetores principiológicos: os direitos fundamentais, a subsidiariedade, a participação e a Constituição como ordem de valores que influenciaram diretamente a abertura do fenômeno consensual [9].

Assim, para o autor em referência, os direitos fundamentais exerceram um papel determinante na promoção do reequilíbrio das relações entre Estado e sociedade, a subsidiariedade como fator fundamental para uma redistribuição dos papéis do indivíduo, dos grupos sociais e das instituições políticas em um processo contínuo de desmonopolização do poder, o aumento da participação da sociedade nas relações estatais, principalmente como fonte legitimadora desta última e a contribuição da Constituição como ordem de valores e estrutura jurídica das novas relações entre sociedade e Estado [10].

Por conseguinte, a consensualidade deve ser vista como uma técnica de gestão administrativa [11]. Nesse sentido, Juliana Bonacorsi Palma reforça que “a consensualidade consiste em uma técnica de gestão cujo instrumento de formalização corresponde ao acordo administrativo” [12] e conclui que ” o acordo administrativo consiste em um dos meios para satisfação das finalidades públicas que a Administração tem ao seu dispor” [13].

Fenômeno muito trabalhado pela doutrina e associado como um efeito positivo do consensualismo é o incremento da participação administrativa, em especial em relação a abertura procedimental, que torna o processo mais harmônico e eficiente, já que permite que o interesse público dialogue com a satisfação de outros interesses privados envolvidos. Outra contribuição da consensualidade usualmente apontada é a transparência das atividades administrativas, uma vez que é “preferível, por óbvio, que os interesses privados associados à Administração Pública sejam devidamente identificados em um acordo formal do que, como ocorre por vezes, acertados em prévias negociatas de bastidores” [14].

Por fim, a legitimação também é outra consequência, já que o consenso, por sua vez, supostamente garante a autoridade que nele busca o seu fundamento, colaborando para a construção de uma nova legitimação da Administração Pública. Também aliada à legitimidade, pode-se destacar a estabilidade das relações administrativas, tendo como consequência uma maior segurança jurídica.

 é sócio do escritório GFX Advogados, professor do FGV Law Program, doutorando em Direito Público na Universidade de Coimbra e mestre em Direito da Regulação pela FGV Direito Rio.

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Bruno Caires: Vivemos tempos de terraplanismo jurídico

Em tempos em que temos a sensação de que o século XXI ainda não floresceu sobre nossa sociedade e o velho insiste em querer governar, não é raro nos depararmos com situações que de tão absurdas são relegadas ao risível. Porém, tal qual o paradoxo da tolerância, no qual ser tolerante até as últimas consequências efetiva a intolerância, fazer troça do absurdo parece legitimá-lo. Há situações nas quais as circunstâncias não possibilitam ignorar o óbvio, se há fantasmas, temos a obrigação de espantá-los, sejam eles reais ou não.

Por isso, não custa retomar certos conceitos sobre Teoria da Constituição e sua construção, passível de ser definida, entre outros, como uma teoria sobre a legitimidade do poder para atribuir reconhecimento às instituições políticas criadas quando se toma a decisão política fundamental de instituir um Estado Novo. A ideia que normalmente se associa à figura do poder constituinte originário consiste em caracterizar esse poder como uma força capaz de criar, a partir de uma ruptura com o poder político vigente, uma ordem jurídica, política e social, sem qualquer limitação a conteúdos jurídicos anteriores.

Por vezes passa despercebido uma sutil, porém fundamental, distinção conceitual promovida por Canotilho, que define em três verbos diferentes experiências constituintes: os ingleses compreendem o poder constituinte como um processo histórico de revelação da “constituição da Inglaterra”; os americanos dizem num texto escrito, produzido por um poder constituinte, “the fundamental and Paramount law of the nation”; os franceses criam uma nova ordem político-jurídica através da “destruição” do antigo e da “construção’ do novo, traçando a arquitetura da nova “cidade política” num texto escrito. Assim, “revelar’, “dizer” e “criar” são os modi operandi de diferentes experiências constituintes. São de sobremaneira importantes estas distinções colocadas, pois criam tradições constitucionais bem distintas.

Na lógica da teologia política da Europa na Revolução Francesa, o povo, instituído como ator político capaz de derrubar o regime e cortar as cabeças da monarquia, vê-se em um momento de elevada consciência política e de apropriação do espaço público. Esse instante de crise gerado pela efervescência revolucionária produz um momento histórico singular, que permite a criação de uma nova ordem política por meio de uma constituição.

Por certo, nosso movimento político que consubstanciou na Constituição de 88, embora despido de efervescência revolucionária, foi produto de uma ação do povo (Diretas Já, greves gerais) instituído como ator político que derrubou o regime vigente. A consciência política e a apropriação do espaço público por esse povo organizado possibilitaram a derrubada da ditadura militar e a criação de uma nova ordem política descrita na Constituição, o que, intuitivamente, por si só, demonstra o tamanho da contradição em pretender extrair a possibilidade de tutela militar de quaisquer uns de seus artigos.

Aventar atribuir alguma função política aos militares para além daquelas adstritas à defesa inexoravelmente ignora a essência da Constituição, que, conforme as lições de Schmitt, não está contida numa lei ou numa norma, porque toda normatização reside de uma decisão política do titular do poder constituinte, o povo como ator político organizado na democracia. Esta essência, ou “fenômeno originário”, é a aclamação, o grito de “aprovação ou de recusa da massa reunida”. Portanto, antes que seja forjada a Constituição, é imprescindível que seja feita uma pergunta fundamental, capaz de atribuir legitimidade à decisão política fundamental através da organização dos desejos esparsos na sociedade.

É evidente e, se de outro modo fosse, não existiria razão para criar uma nova ordem constitucional, que a pergunta oferecida à sociedade brasileira consistia em superar ou não o regime ditatorial e recebeu como resposta um uníssono coro sinalizando uma transcendente vontade de construir um futuro democrático. Assim, a razão de ser de nossa Constituição é, precisamente, a construção de um futuro democrático e é justamente nessa ideia de Direito que reside sua força normativa.

Nessa perspectiva, a Constituição nada mais é senão a resposta que a sociedade dá à crise política vivida no momento constituinte e as ideias (utopias) que exprime como norte a ser buscado pelo Estado que pretende instituir. Do ponto de vista da legitimidade política, e aqui fazendo uma abstração do conceito jurídico normativo, a ser indagado sobre para que serve uma Constituição, a resposta do corpo social poderia ser dada parafraseando Eduardo Galeano: a Constituição está lá no horizonte e serve para caminharmos em direção à superação da crise. A sociedade se aproxima dois passos, ela se afasta dois passos. Caminha dez passos e o horizonte corre dez passos. Por mais que caminhemos, jamais alcançaremos. Para que serve a Constituição? Serve para isto: para que não deixemos de caminhar em direção ao Estado idealizado em um instante político revolucionário.

Esse Estado brasileiro criado tal qual a tradição francesa destrói a ordem política anterior em movimento característico de ruptura. Tal alinhamento teórico é demonstrável na medida em que a própria Constituição insiste em regular diversas minúcias da vida cotidiana, em clara preocupação de constitucionalizar temas ordinários como medida afirmativa dessa transgressão. Se do ponto de vista jurídico esse processo é claramente demonstrável em virtude da própria necessidade de se promulgar uma nova Constituição, também é fato que as forças reais de poder impediram, no caso brasileiro, o “corte das cabeças” dos ditadores, salvos pela Lei da Anistia.

Como presumível, o fato de terem mantido intacto os pescoços apenas reforça o argumento de que perderam o protagonismo. Se o presidente Bolsonaro outrora bradava para forças de esquerda no congresso: “Perderam em 64, perderam em 2016”, não há dúvidas de que os militares perderam em 88, com a singularidade que dessa derrota resultou uma nova ordem constitucional, construída sobre os conceitos de Estado e sociedade daquela quebra de ordem. Esses conceitos, ao serem fixados por meio de uma expressão de linguagem que como tal um texto escrito —, carrega uma forte carga axiológica em sua semântica, não autoriza nenhuma possibilidade de interpretação que permita o país viver sobre qualquer tutela militar.

Ulysses Guimarães, presidente da Assembleia Nacional Constituinte, no discurso de promulgação da Constituição, em 5 de outubro de 1988, dizia que ela havia sido escrita com “sopro de gente”, com “ódio e nojo à ditadura” e que “a nação quer mudar. A nação deve mudar. A nação vai mudar. A Constituição pretende ser a voz, a letra, a vontade política da sociedade rumo à mudança”. A mudança ao qual se referia era, acima de todas as outras coisas, uma mudança para o regime democrático e toda sua bagagem de respeito aos direitos humanos e fundamentais.

Temos por claro que a ordem constitucional não se restringe à literal manifestação do poder constituinte. A construção da ordem constitucional pertence à sua comunidade política e inicia-se no momento da promulgação da constituição. Conforme precisamente delimitado por Häberle, a Constituição não se limita a ser um conjunto de normas jurídicas, mas é expressão de desenvolvimento cultural e político de todo um povo que fundamenta nela suas esperanças e desejos. A Constituição, enquanto documento escrito, dotado de legitimidade democrática, de rigidez e supremacia normativa, é ponto de partida do processo de vivência constitucional, que apenas se inicia com o apagar das luzes do trabalho constituinte, carregando consigo uma força própria, motivadora e ordenadora da vida do Estado.

As barreiras do texto impõem ao intérprete apenas duas posturas possíveis, conforme lecionado por Canotilho: a primeira, adotada por aqueles que conscientemente aderem a concepções ideológicas e políticas distintas da mensagem ideológica consagrada no texto, utilizando-se de fundamentos interpretativos que lhes permitam amesquinhar a estrutura normativa da Constituição. Foi a orientação seguida à risca pelos nazistas, perante a Constituição de Weimar, por aqueles que, combatendo o caráter progressista, liberal e democrático do texto, acabaram por sobrecarregar a Constituição real, banalizando seu caráter normativo. Há, contudo, uma posição que guarda sintonia com os princípios fundamentais atinentes à conformação política e jurídica da sociedade, ao qual caracteriza por ser um “prudente positivismo”, indispensável à manutenção da obrigatoriedade normativa do texto constitucional.

Por esta razão, também o texto é um limite ideológico que estabelece o ponto de partida para a interpretação. A ideologia constitucionalmente adotada é perfeitamente determinável e definível no bojo do discurso constitucional, vinculando o interprete na medida em que repudia a postura assumida por quantos optam por concepções ideológicas dela diferentes. Assim, ideologias que não se conformem com o Estado democrático de Direito, como essa impertinente insistência em atribuir protagonismo político às Forças Armadas, resultariam em interpretações inconstitucionais e destoariam do compreendido como limites à atuação política dentro da sociedade brasileira. É justamente o caso daqueles que buscam extrair do artigo 142 da Constituição Federal algum tipo de autorização para as Forças Armadas intervirem em algum conflito entre os poderes. Desnecessário anuir que a Constituição repele qualquer tipo de intervenção militar constitucional. Trata-se do mais claro oxímoro já produzido no debate público brasileiro.

Bruno César de Caires é sócio do escritório Caires, Marques e Mazzaro Advogados, mestrando em Direito Constitucional na Universidade de Lisboa e professor assistente de Direito Constitucional na PUC de São Paulo.

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Evaso e Gregorin: Sobre a compensação de tributos não homologada

Inicialmente, cumpre destacar a penalidade cuja constitucionalidade está sendo julgada pelo Supremo Tribunal Federal por meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4905, a qual trata do Tema nº 736 de Repercussão Geral, e prevista pelo §17 do artigo 74 da Lei 9.430/1996. A multa isolada sob discussão é usualmente aplicada pela Receita Federal do Brasil por meio de autos de infração relacionados aos processos administrativos que tratam da não homologação ou da homologação parcial de declarações de compensação apresentados pelos contribuintes. 

É importante destacar que a penalidade em questão foi criada com o objetivo de desestimular os contribuintes a utilizar declarações de compensação em seus planejamentos tributários, com base em créditos cuja materialidade poderia ser considerada controversa pela Receita Federal, de modo que a alternativa mais conservadora para essa finalidade se tornou a apresentação de pedido de ressarcimento ou restituição, sem a realização da compensação de débitos, desde a revogação do parágrafo 15 do mesmo dispositivo legal, o qual previa a aplicação da multa isolada de 50% também aos casos do indeferimento desses pedidos.

Nesse contexto, é evidente o prejuízo aos contribuintes, que se veem obrigados a aguardar anos até a análise dos pedidos de ressarcimento ou restituição e, muitas vezes, outros anos até o efetivo recebimento dos valores pleiteados.

No último dia 17 de abril, foi iniciado o julgamento da mencionada ADI, oportunidade em que o ministro relator Edson Fachin proferiu voto favorável ao reconhecimento da inconstitucionalidade da multa em questão.

O julgamento havia sido interrompido devido a um pedido de vista do ministro Gilmar Mendes, que incluiu novamente o recurso extraordinário da União Federal na pauta de julgamento do último dia 8, quando proferiu voto-vista para acompanhar o relator, com a ressalva de que “é inconstitucional a multa isolada prevista em lei para incidir diante da mera negativa de pedido administrativo de ressarcimento ou de homologação de compensação tributária, por não consistir em ato ilícito com aptidão para propiciar automática penalidade pecuniária”.

O voto-vista foi acompanhado pelos ministros Celso de Mello e Luís Fux, que apresentou destaques ao julgamento, de modo que o caso foi novamente retirado de pauta.

No entanto, o que se pretende destacar é que a provável declaração de inconstitucionalidade da penalidade em discussão não afasta completamente os riscos dos contribuintes ao utilizarem declarações de compensação de créditos cuja materialidade possa ser questionada pela RFB.

Isso porque os artigos 18 da Lei nº 10.833/2009 e 89, § 10, da Lei nº 8.212/1991 preveem a aplicação de uma multa isolada ainda mais grave, de 150% sobre o valor compensado, quando se comprove falsidade da declaração apresentada pelo contribuinte.

O conceito de falsidade é amplo e genérico, tendo sido mais recentemente interpretado pela 2ª Turma da Câmara Superior do CARF [1] da seguinte forma:

“Declaração falsa é aquela que, conscientemente, não corresponde à verdade. É diferente do erro, do mero engano, em que o agente insere informação inverídica, porém, pensando estar inserindo informação verdadeira. Informar em declaração entregue ao Fisco que detém um crédito passivo de restituição ou ressarcimento quando não tem o reconhecimento de que esse crédito é passível de restituição, configura efetivamente falsidade da declaração.

(…) a aplicação do § 10 do artigo 89 da Lei º 8.212/1991 não está condicionada à comprovação de evidente intuito de fraude ou de qualquer outro requisito previsto no § 1º do artigo 44 da Lei nº 9.430/1996″.

Como é possível notar, a temerária manutenção da aplicação da multa isolada de 150% sem a necessidade de demonstração de dolo, fraude ou simulação, cumulada com a provável declaração de nulidade da multa isolada de 50% pelo STF, pode resultar num alargamento da aplicação da multa de 150% pela RFB.

É importante mencionar, ainda, o disposto na Instrução Normativa RFB nº 1.862/2018, que incluiu as declarações de compensação entre as hipóteses de responsabilidade tributária que pode ser imputada aos sócios e administradores.

Além disso, existem outras hipóteses para que uma compensação seja considerada não declarada, as quais estão sujeitas à aplicação de multa isolada de 75%, dispostas no § 12 do artigo 74 da Lei nº 9.430/1996. Da mesma forma que ocorre nos lançamentos de ofício, ambas as multas (75% e 150%) podem ser aumentadas pela metade, totalizando, respectivamente, 112,5% e 225% nos casos de não atendimento, pelo sujeito passivo, no prazo marcado, de intimação para prestar esclarecimentos ou para apresentar documentos ou arquivos magnéticos.

Dessa forma, os contribuintes devem manter a cautela ao utilizar declarações de compensação para utilizar créditos passíveis de controvérsia perante a RFB, ante a incerteza acerca do posicionamento a ser adotado pela RFB após a declaração de nulidade da multa isolada de 50%, a qual pode se tornar mais agressiva. 

Por fim, é evidente que existem diversos argumentos que podem ser utilizados para questionar a multa agravada dos artigos 18 da Lei nº 10.833/2009 e 89, §10, da Lei nº 8.212/1991, assim como a responsabilidade tributária prevista nos artigos 8º e seguintes da IN RFB nº 1.862/2018, de modo que a controvérsia deve evoluir no contencioso conforme a postura a ser adotada pela RFB no futuro.

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[1] Acórdão n.º 9202-008.521, julgado em 28/1/2020.

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OAB-SC cria central para dar suporte a advogados trabalhistas

A OAB-SC criou um mecanismo para ajudar os advogados a receber informações sobre os indeferimentos de adiamento de audiências de instrução virtuais no âmbito do Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região. A Central de Apoio à Advocacia Trabalhista vai dar suporte aos profissionais do Direito que estão enfrentando dificuldades para realizar seu trabalho durante a epidemia da Covid-19.

O presidente da OAB-SC, Rafael Horn, pretende ajudar os advogados do Estado
Divulgação/OAB-SC

Um grande número de advogados em Santa Catarina tem tido problemas com as audiências virtuais porque é comum que o jurisdicionado, a testemunha ou os procuradores das partes tenham dificuldades de acesso à internet, ou mesmo não disponham do equipamento necessário para isso. Por essa razão, o presidente da OAB-SC, Rafael Horn, deseja que seja criada uma norma nacional para regulamentar esse assunto.

“Somos favoráveis à implementação de um protocolo nacional de segurança sanitária e de tecnologia da informação para a realização de atos virtuais, que estabeleça regras e orientações objetivas a serem observadas para sua realização e respeite o devido processo legal, a segurança jurídica e as prerrogativas da advocacia. Enquanto não houver protocolo, não há como obrigar a advocacia e o jurisdicionado a participar das audiências de instrução virtuais”, argumentou Horn.

A OAB catarinense reivindica que a retomada das audiências virtuais de instrução que demandem oitiva de partes e testemunhas seja facultativa, garantindo a realização apenas quando houver concordância dos jurisdicionados. A entidade argumenta que a Resolução 322/2020 do Conselho Nacional de Justiça, editada na segunda-feira (1º/6), prevê a possibilidade de audiências mistas para preservar a segurança sanitária e da prova.

O presidente da OAB-SC participou de uma reunião virtual com juízes do Estado para tentar obter um consenso sobre as audiências trabalhistas virtuais.

“Buscamos sensibilizar a magistratura trabalhista sobre o que traz angústia para a advocacia. Infelizmente, a tecnologia ainda não está disponível a todos os advogados, partes e testemunhas”, disse Horn. “A magistratura está aberta ao diálogo, contando com espírito de cooperação e ética acima de tudo para que fique agradável para todos”, afirmou a juíza trabalhista Maria Beatriz Vieira da Silva Gubert.

Nesta semana também foi criado o Comitê Interinstitucional de Suporte à Advocacia Trabalhista na Pandemia Covid-19, grupo que reúne representantes de diversos segmentos do Direito trabalhista para fazer a gestão dos casos e dar orientação aos profissionais sobre como proceder na Justiça do Trabalho. Com informações da assessoria de imprensa da OAB-SC.

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Ullmann e Calçada: Convivência familiar na Covid-19

A pandemia da Covid-19 pegou de surpresa um mundo globalizado, onde as noticias são divulgadas em milésimos de segundo e a disseminação da doença modificou a forma de agir e pensar de toda a humanidade.

A imprevisibilidade da situação em que os países foram envolvidos trouxe à Justiça questões importantes e que dependem de análises rápidas e firmes, principalmente àquelas que envolvem famílias e crianças. A manutenção da convivência parental se transformou em um dilema que desencadeou discussões entre doutrinadores e operadores do Direito.

As crianças filhas de pais separados devem manter a convivência parental com ambos os genitores? Há o risco de que, com o deslocamento, essas crianças se contaminem com o vírus ou sejam vetores do mesmo? Deve-se suspender a convivência sem a análise prévia de cada caso, mantendo-a apenas de forma virtual? Quais as consequências da convivência virtual para os menores? Qual o reflexo da suspensão de convivência em crianças vítimas de perversos atos de alienação parental?

Não há dúvidas de que a suspensão da convivência parental imotivada, ainda que em tempos de pandemia, configura-se prática de ato de alienação parental, não podendo, assim, ser chancelada pelo Judiciário.

A negativa ao exercício da convivência parental presencial é um ato extremo e o magistrado deve optar por este caminho somente em casos em que for comprovada a existência de risco para a criança/adolescente ou para a sociedade.

No entanto, no dia 25 de março, o Conanda (Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente) emitiu documento com “recomendações para a proteção integral a crianças e adolescentes durante a pandemia da Covid-19”, sendo certo que, entre elas, apresenta algumas orientações e sugestões no que tange às chamadas “visitas” aos filhos de casais separados ou divorciados, nos seguintes termos [1]:

“10. Recomenda-se que crianças e adolescentes filhos de casais com guarda compartilhada ou unilateral não tenham sua saúde e a saúde da coletividade submetidas à risco em decorrência do cumprimento de visitas ou período de convivência previstos no acordo estabelecido entre seus pais ou definido judicialmente”.

Importante salientar que não há na orientação acima mencionada nada que determine ou sugira a suspensão da convivência presencial, mas, sim, a recomendação expressa de que não se coloque em risco as crianças ou a coletividade.

A suspensão da convivência parental, que vem sendo adotada indiscriminadamente com base na recomendação acima mencionada, traz em si uma interpretação errônea do texto apresentado pelo órgão.

Em uma breve análise da orientação, verifica-se que esta é uma “recomendação” para que “se” e “quando” houver risco comprovado de contaminação da criança com o vírus, por negligência de um dos genitores, caberá ao julgador a decisão que determinará a suspensão e/ou modificação da convivência pré-estabelecida entre pais e filhos.

Uma mera “recomendação” não pode ser transformada em regra de afastamento parental e pilar de sustentação de atos de alienação parental, sob pena de correr na contramão dos direitos fundamentais de crianças e adolescentes.

Não devem os juízos de família, sem analisar casuisticamente os processos delicados que estão sob os seus cuidados, utilizar a orientação acima transcrita como regra, sem considerar o caso concreto.

A convivência com ambos os genitores deve ser resguardada como forma de garantir o melhor interesse das crianças e adolescentes, cabendo aos genitores zelar pela saúde dos filhos quando em sua companhia. Ou seja, a não ser que haja a comprovação de um risco que a convivência parental represente para a criança ou para a sociedade, deve a mesma ser mantida, considerando ser um direito constitucional de pais e filhos.

É excepcional a suspensão da convivência física e a determinação de sua realização por meios eletrônicos e virtuais, o que não é nem pode ser a regra geral.

O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, em algumas decisões proferidas, vem resguardando o melhor interesse das crianças quando determinam a manutenção da convivência dos mesmos com ambos os genitores:

Assim, tendo em conta a existência de fortes vínculos entre pai e filho e a importância do convívio entre ambos para a manutenção dos laços afetivos, o que contribui para o desenvolvimento saudável da criança e para sua estabilidade emocional, e, de outro lado, a ausência de dados concretos que contraindiquem a visita do pai ao filho, como acima mencionado, há que ser indeferida a concessão da tutela provisória de urgência recursal para a suspensão da visitação (Agravo de instrumento n. 0020842-98.2020.8.19.0000 – 24a. Câmara Cível- DES. ALCIDES DA FONSECA NETO).

AGRAVO DE INSTRUMENTO. VISITAÇÃO DE MENOR. Pedido de modificação de acordo de visitação estabelecido no divórcio consensual. Suposta relação conflituosa estabelecida entre os genitores. Alegado tumulto à rotina da genitora e dificuldade de cumprimento da quarentena estabelecida em razão da pandemia do Coronavírus. Criança com dois anos de idade. Ausência de prova da situação fática atual e de indícios de conduta incauta do genitor, tendente a potencializar o perigo de contágio. Deslocamento realizado para fins de contato do pai com a menor compreendido no direito à convivência familiar (artigo 1.589, do Código Civil). Afastamento completo de circulação de pessoas destinado às pessoas doentes ou suspeitas de contaminação, nos termos do artigo 2º, da Lei nº 13.979/20. Manutenção da rotina da criança e dos laços de afeto com o genitor, em prol do bom desenvolvimento emocional do infante. Providência que preserva, simultaneamente, o melhor interesse da menor e a relação entre pai e filho. Recurso desprovido.(agravo de instrumento n. 0021037-83.2020.8.19.0000- 18a. Câmara Cível – Des. Carlos Eduardo da Fonseca Passos)”.

A ausência parental contínua e desarrazoada traz graves consequências emocionais às crianças, não podendo a mesma ser considerada norma padrão em uma situação excepcional como a que ora se vivencia.

A análise casuística das questões envolvidas nos processos de família deve abarcar um exame atento da dinâmica familiar, questionando principalmente a existência de provas ou indícios de atos de alienação parental anteriores ao período de quarentena que ora se enfrenta. O isolamento social tem sido utilizado por genitores, de forma vil, como justificativa para o afastamento do outro da vida do filho comum.

Os vínculos parentais, principalmente com crianças de tenra idade, precisam ser mantidos e alimentados diuturnamente e não podem ser substituídos por minutos de conversa pela tela de um telefone celular ou um computador sob a supervisão daquele que não deseja a manutenção dos elos entre o outro genitor e o filho comum, a não ser, repise-se, em casos extremos.

O assunto é novo e desafiador. A cautela, em atenção ao princípio da proteção integral dos menores, deve permear as decisões judiciais, mas o que temos visto é um sem número de determinações de suspensão de convivência parental, sem maiores análises dos casos concretos e sem a detida análise aos malefícios que podem ser causados às crianças e adolescentes.

As recomendações do Conanda são apenas recomendações e não determinações, tendo sido editadas em um momento que não se conhecia a extensão da pandemia e quais os prazos de sua duração. Não há que se falar em suspensão de convivência quando ambos os genitores podem e devem garantir a segurança do filho comum, independentemente do tipo de guarda que seja exercido. E este direito constitucional deve ser resguardado e garantido pela Justiça.

Sobre os impactos psicológicos em crianças e adolescentes
É imprescindível, agora que o impacto inicial da Covid-19 se diluiu, que tais posicionamentos sejam reavaliados. A restrição à convivência se alongou, estamos entrando no terceiro mês de quarentena e crianças e adolescentes padecem da participação de um de seus pais em seu dia a dia. Certamente as solicitações judiciais de suspensão da convivência em função da doença revelam em sua maioria conflitos familiares anteriormente existentes. As famílias que possuem diálogo normalmente conseguem resolver os conflitos existentes sem recorrer à justiça. Portanto, a obrigatoriedade em analisar caso a caso como forma de decidir de forma justa e com o olhar voltado para o melhor interesse das crianças se faz presente.

No caso de filhos de pais separados envolvidos em litígios, em que o risco de rompimento de vínculos é alto, a convivência frequente assegura o aprofundamento dos laços de afeto tão importantes para a estruturação de personalidades em desenvolvimento. É sabido que essa interação estreita e fortalece os laços afetivos.

Essas crianças e adolescentes viviam seu dia a dia assegurados (muitas vezes por determinações judiciais) pela participação de seus pais em sua vida ajudando a organizar seus horários, colocando limites e cuidando das tarefas diárias como alimentação, estudos e hábitos de sono.

Pesquisas demonstram que filhos de pais separados estão significativamente em maior risco de desenvolver problema de saúde física e mental [2]. Suas necessidades ficam comprometidas mais facilmente, em função da instabilidade pela qual os genitores passam em diversos níveis, durante a separação e o divórcio e também porque as instituições não apoiam os pais na concretização da satisfação das necessidades das crianças.

Kruk (2017) aponta que a parentalidade partilhada, na medida em que mantém o envolvimento de pai e mãe na vida dos filhos, mantém a ordem e a estabilidade [3] necessárias aos filhos durante e após a separação dos pais.

O autor revela outras necessidades infantis como proteção, autonomia (na capacidade de escolha), igualdade, liberdade de opinião, amor respeitoso, responsabilidade, segurança, como a necessidade de estar a salvo, vida social, raízes, entre outras.

A perda do convívio com um genitor decorrente de decisão judicial, mesmo que de forma temporária (como no caso da quarentena), fere o bem-estar das crianças e jovens. Pode se estabelecer como uma forma de desenraizamento [4], fonte de grande mal-estar para os menores principalmente em caso de alienação parental, forma clara de abuso infantil (Bernet et al. 2010in Kruk 2017).

O tempo e a distância são aliados potentes daquele que aliena em busca de revide e rompimento de vínculos entre o outro genitor e o filho. A quarentena pode se transformar no tempo necessário para manipular os filhos afetivamente, gerando sequelas de difícil tratamento, como a insegurança, a ansiedade, e uma diversidade de conflitos emocionais. Enfim, que o olhar atento do Judiciário se desenvolva visando ao enraizamento fortalecido das relações entre pais e filhos e o olhar sobre as necessidades de crianças e jovens.  

Alexandra Ullmann é advogada e psicóloga, sócia do escritório Ullmann e Advogados Associados.

Andreia Calçada é psicóloga e perita judicial.

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Pena em homicídio deve ser aumentada se motorista invadiu calçada

Nos crimes de homicídio culposo praticados na condução de veículo, o aumento de pena previsto no artigo 302, parágrafo 1º, inciso II, do Código de Trânsito Brasileiro também se aplica ao motorista que, embora dirigindo na pista destinada aos carros, acaba por invadir a calçada e atingir pedestres de forma fatal.

O entendimento foi aplicado pela 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça no julgamento de um recurso especial em que a defesa de uma motorista condenada por homicídio culposo alegava que a causa de aumento de pena só poderia ser aplicada se o condutor estivesse transitando pela calçada. Para a defesa, é diferente a situação em que o motorista perde o controle do veículo e invade o espaço destinado aos pedestres.

“A norma não exige que o agente esteja trafegando na calçada, sendo suficiente que o ilícito ocorra nesse local, o que reveste a conduta de maior reprovabilidade, pois vem a atingir o pedestre em lugar presumidamente seguro”, afirmou o relator do recurso, ministro Ribeiro Dantas.

De acordo com o comando do artigo 302, parágrafo 1º, inciso II, do CTB, a pena por homicídio culposo deve ser aumentada de um terço à metade caso o agente pratique o crime em faixa de pedestres ou na calçada.

No caso dos autos, a motorista conduzia o carro perto de uma praça quando, ao tentar fazer uma curva, perdeu o controle do veículo e atropelou três pessoas que estavam na parada de ônibus, causando a morte de uma delas.

O ministro Ribeiro Dantas destacou que, de acordo com a doutrina especializada no tema, o aumento de pena previsto no artigo 302, parágrafo 1º, inciso II, do CTB será aplicado tanto nas situações em que o agente estiver conduzindo seu veículo pela via pública e perder o controle “como quando estiver saindo de uma garagem ou efetuando qualquer manobra e, em razão de sua desatenção, acabar por colher o pedestre”. Com informações da assessoria de imprensa do STJ.

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REsp 1.499.912