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Pesquisa defende aproximação entre teoria e prática jurisdicional

Diminuir o abismo entre teoria e prática jurídica é o desafio de uma pesquisa desenvolvida pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos, no Rio Grande do Sul.

Pesquisa defende aproximar teorias sobre como os juízes deveriam decidir e preocupações com os limites institucionais 

Segundo o autor da pesquisa, o doutorando Ziel Ferreira Lopes, normalmente existe um abismo entre essas duas dimensões do Direito. Os modelos teóricos costumam ser tratados por seus críticos como idealismo inútil. Enquanto isso, questões práticas são vistas como pura questão gerencial, deixando de lado a qualidade das decisões e a necessidade de sua legitimação.

O pesquisador acredita que essa forma de tratar o Direito ignora que as teorias da interpretação são elaboradas a partir da prática e para melhorar a prática; e que a efetividade da jurisdição pressupõe algum nível de justificação para que seja racionalmente aceitável. Portanto, as duas dimensões devem ser levadas em conta pelos juristas.

Nesse sentido, Lopes combina referências na interpretação jurídica com métodos de análise institucional, para combater a discricionariedade judicial de modo efetivo. A tese de doutorado, intitulada “Onde habita o juiz Hércules? Uma aproximação entre teorias da interpretação e questões institucionais”, foi orientada pelo jurista Lenio Streck.

Partindo das obras de autores como Ronald Dworkin, Cass Sunstein e Adrian Vermeule, reconstrói seus debates, analisa criticamente seus argumentos e propõe uma combinação de algumas de suas ideias. Propõe, também, algumas diretrizes para novas pesquisas sobre o tema, de modo que juristas possam dialogar sobre ele de maneira mais produtiva.

Além do professor Streck, participaram da arguição os professores Otavio Luiz Rodrigues Jr. (USP), Carlos Bolonha Pereira das Neves (UFRJ), Anderson Vichinkeski Teixeira (Unisinos) e José Rodrigo Rodriguez (Unisinos). Em breve, o trabalho estará disponível para acesso online na biblioteca de teses da Unisinos. Também será publicada uma versão ampliada nos próximos meses.

O trabalho contou com financiamento do CNPq-BR. Ziel Ferreira Lopes é membro da Dasein – núcleo de estudos hermenêuticos, e do grupo de pesquisa Hermenêutica jurídica, coordenados por seu orientador. A banca de defesa foi realizada na última quinta-feira (28/5), e a gravação em vídeo pode ser conferida aqui:

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Unimed pode cancelar plano, mas deve manter tratamento já iniciado

Rescisão imotivada

Unimed pode rescindir plano, mas tratamento já iniciado deve ser mantido, diz TJ-SP

 TJ-SP cofirma rescisão, mas determina continuidade de tratamentos já iniciados
Reprodução

O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo deu parcial a um agravo de instrumento ajuizado pela Associação dos Servidores do Tribunal de Justiça de São Paulo (ASSETJ) contra a Unimed do Estado de São Paulo.

A associação pretendia, por meio do recurso, suspender por 120 dias a rescisão do plano de saúde — contrato vigente há 16 anos. O pleito da agravante fora indeferido no primeiro grau.

Mas o acórdão do TJ-SP — relatado pelo desembargador Giffoni Ferreira, da 2ª Câmara de Direito Privado — entendeu que, embora a rescisão do contrato seja respaldada juridicamente, a manutenção dos tratamentos em andamento é responsabilidade social da seguradora.

“Mesmo possível a rescisão imotivada, na forma preconizada pelo R. despacho da honrada magistrada, não menos exato é que os segurados em tratamento hão que merecer a proteção do Judiciário e para esses casos aconselha contra a mantença integral da decisão de Primeiro Grau”, decidiu o desembargador.

Segundo a decisão, portanto, a liminar de primeiro grau foi confirmada “para que o plano de saúde não seja rescindido relativamente aos segurados que estejam em tratamento de saúde — mantendo-se-nos na contratação, até a alta médica — mas em relação aos demais, que nessa condição não se enquadrem, plenamente válida a rescisão”.

A Unimed foi representada pelo advogado Guilherme Moreira, do Rueda e Rueda Associados, e pela banca Juabre Sociedade de Advogados. “O tribunal decidiu por analisar friamente os regimentos e aplicar o direito da empresa. Claro que em tempos de crise sanitária é preciso sopesar decisões pertinentes à saúde das pessoas, mas não se pode, concomitantemente, abandonar a segurança jurídica”, disse Moreira ao comentar a decisão.

Clique aqui para ler a decisão

2047663-13.2020.8.26.0000

Revista Consultor Jurídico, 19 de maio de 2020, 20h55

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Joselita Nepomucento: A Covid-19 e fragilidade do sindicato

Opinião

A Covid-19 e fragilidade do sindicato durante a epidemia

Por 

Os tempos são de incerteza e insegurança. O mundo parou. Um vírus novo (Covid-19), ser invisível, maléfico e mortal, estava a ameaçar — e a ceifar — vidas, do crepúsculo de 2019 -—momento em que apareceu no continente asiático e iniciou sua jornada — até o alvorecer de 2020, quando plantou no mundo a certeza de que, efetivamente, ameaçava a humanidade, deixando uma geração inteira incrédula.

Joselita Nepomuceno Borba é mestre e doutora em Direito do Trabalho pela PUC-SP, nembro da Academia Brasileira de Direito do Trabalho, advogada, professora e procuradora do Trabalho aposentada.

Revista Consultor Jurídico, 19 de maio de 2020, 14h26

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Tânia Reckziegel: As fake news no Judiciário e na sociedade

Opinião

O impacto das fake news no Poder Judiciário e na sociedade

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A crescente desinformação e a propagação de falsas notícias em mídias e redes sociais vêm acarretando à sociedade uma alienação preocupante. A conscientização da população e a educação da sociedade acerca dos prejuízos trazidos pela desinformação e a propagação de notícias falsas motivou o Conselho Nacional de Justiça a ampliar a mobilização para combater essas práticas, buscando garantir a integridade da sociedade e a credibilidade das instituições jurídicas a partir do enfrentamento das distorções das decisões judiciais e a duplicação dessas deturpações.

As práticas de desinformação hoje constituem atividade cada vez mais organizada, sofisticada, e que vêm contando com mais recursos, tanto financeiros como tecnológicos. O resultado é o aumento do desafio para quem queira combater as fake news, que não só aumentam em termos de quantidade, mas em novos formatos que vêm sendo utilizados.

É possível perceber uma preocupação na população como um todo relativamente às notícias que se espalham. Nos grupos de aplicativos de comunicação, já se denota uma maior conscientização em analisar a veracidade de determinado relato para seu compartilhamento. Com efeito, essa consciência coletiva que se pretende alcançar acerca da busca pela informação de qualidade e verdadeira deve, sobretudo, abarcar os magistrados. Cabe ao juiz, portanto, como autoridade representativa da Justiça, buscar o aclaramento de questões distorcidas, fortalecendo a credibilidade da instituição judiciária.

É necessário, tanto para a população quanto para o magistrado, desenvolver um espírito crítico em relação a toda e qualquer informação ou conteúdo que se receba, analisando o contexto e verificando se o texto apresenta qualidade de redação, quem é o autor, se foi reproduzido na imprensa tradicional, enfim, o que chamo de checagem da notícia.

Os avanços tecnológicos se dão numa velocidade absurdamente maior do que a capacidade de adequação do Poder Judiciário para coibir os abusos. Como a desinformação é multissetorial, transversal e, pois, afeta todos os setores da sociedade, enfrentá-la é responsabilidade de todos. Todos os segmentos, inclusive o dos meios de comunicação, devem criar mecanismos que, aliados às normas jurídico-administrativas, sejam mais eficientes no combate a esse mal.

O CNJ e o STF, principalmente, têm se debruçado incessantemente sobre esse problema por meio da campanha #FakeNewsNão e do Painel de Checagem de Fake News, que traduzem exemplos das principais medidas hoje disponíveis a quem se propõe a enfrentar a desinformação, qual seja, a educação midiática da população, para conscientizá-la sobre a existência do problema e informá-la sobre maneiras de não se tornar meio de propagação de desinformação e de não ser prejudicada por ela.

 é desembargadora do TRT-4, conselheira do CNJ, presidente da Comissão Permanente de Comunicação do Poder Judiciário do CNJ, mestre em Direitos Sociais e Políticas Públicas pela UNISC e doutoranda em Ciências Jurídicas pela Universidad del Museo Social, UMSA, Argentina.

Revista Consultor Jurídico, 19 de maio de 2020, 13h06

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Bruno Figueiredo: Negociação individual facilita fraudes

No último mês de abril, o STF decidiu que é permitido haver acordos individuais com redução de salário sem a participação dos sindicatos. Em duas semanas já se sentem os efeitos de tal decisão de forma devastadora.

O presidente Bolsonaro editou a MP nº 936 [1], que determina que pode haver redução de jornada com diminuição de salário em decorrência da pandemia da Covid-19. Tal MP prevê a possibilidade de acordos individuais, sem o acompanhamento dos sindicatos.

Não se poderia tratar desiguais de forma igual, o que resulta em um aprofundamento das desigualdades. O Brasil é um dos países com maior concentração de renda do mundo. Com os efeitos da pandemia, tal concentração tem se aprofundado ainda mais. E mesmo com garantias constitucionais, assim como versa o artigo 2º da CLT, que diz que o risco da atividade econômica é do empregador, na prática o que se nota é uma “coletivização dos riscos” e privatização dos lucros. A participação dos sindicatos, por si só, não resolveria a questão. Mas criaria um contraponto e possibilitaria, de fato, uma negociação.

O ministro Ricardo Lewandowski deu decisão em uma liminar, no processo ADI 6363 [2], na qual garantiu que os sindicatos deveriam ser informados pelas empresas sobre os acordos individuais, para poderem manifestar se teriam interesse em realizar acordos coletivos. Em não se manifestando, os acordos individuais seriam válidos. Essa decisão do ministro foi submetida ao julgamento do pleno do STF nos dias 16 [3] e 17 [4] de abril.

Enquanto a liminar de Lewandowski esteve em vigor, o que existiu foi que cada sindicato foi procurado por centenas de empresas. Foram montadas forças-tarefas para se negociar condições de trabalho. Pois se a empresa quer reduzir a jornada de trabalho, ela está funcionando. Para funcionar existem regras de segurança, como indicam OIT, OMS, Ministério Público, etc. O governo desmontou o antigo Ministério do Trabalho, que deveria fiscalizar tais condições. Portanto, os sindicatos passam a ter uma importância fundamental nessa fiscalização, que pode ser a diferença entre a vida e até a morte de milhares de pessoas. Vários sindicatos fizeram assembleias por meio de videoconferência, improvisaram mecanismos de votações por aplicativos, buscando de forma enfática manter um contato direto com suas bases.

O STF revogou a liminar por maioria, 7 a 3, impondo que os trabalhadores “livremente” negociem com seus patrões. Na prática, o STF negou a existência dos sindicatos, utilizando-se de toda leva de argumentos falaciosos, como por exemplo, que serão milhares de acordos e os sindicatos não poderão dar conta. Na verdade, a liminar dizia que se o sindicato não se manifestasse, o acordo seria validado. Mas vários sindicatos montaram operativos para atender a essa demanda, desde celebrar até fiscalizar os acordos.

A decisão do STF vai contra várias convenções da OIT, como por exemplo a Convenção nº 98 [5]. A OIT, diante da pandemia, tem sido enfática no sentido de reafirmar a necessidade dos sindicatos para que haja qualquer negociação coletiva. A decisão do Supremo também fere o que está expresso na Constituição Federal:

Artigo 7º — São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

VI irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo;

Artigo 8º É livre a associação profissional ou sindical, observado o seguinte:

VI é obrigatória a participação dos sindicatos nas negociações coletivas de trabalho”.

Portanto, não se trata de um exercício de lógica muito complexo. O texto é bem autoexplicativo. Premissa: o salário é irredutível. Salvo se houver acordo ou convenção coletiva. Portanto, há uma condição sine qua non, sem a qual não há validade. Para que haja acordo coletivo é necessário o sindicato.

Não se está aqui pedindo raciocínios lógicos muito elaborados. A simples leitura gramatical e a lógica aristotélica mais elementar conseguem expressar o problema. O malabarismo hermenêutico e jurídico aqui significa muito além da decisão em si. Sabe-se muito bem que não se trata de uma “excepcionalidade”, algo meramente transitório. Sabe-se que a situação aberta com a pandemia terá impactos de longo prazo. Trata-se de um objetivo, que é eliminar os sindicatos. Um retrocesso civilizatório de no mínimo dois séculos.

Durante a vigência da liminar dada pelo STF se observou nos sindicatos uma busca frenética das empresas por regularizar suas situações. Que buscavam fazer acordos, comprometendo-se com a segurança e a saúde dos trabalhadores. Mas tão logo houve a decisão da corte, as empresas passaram a esquivar-se dos sindicatos. De modo que chegam aos sindicatos diariamente denúncias anônimas, pois os trabalhadores têm medo de denunciar as empresas que na prática estão a falsificar acordos. Existem acordos realizados tratando da suspensão das atividades laborais, mas os trabalhadores são obrigados a trabalhar. Há ainda uma suposta redução de jornada, mas seguem ocorrendo horas extras, sem que se pague por elas.

Os sindicatos fazem denúncias, movem ações, mas infelizmente o Poder Judiciário não consegue chegar a tempo de salvar os trabalhadores desse incêndio, talvez chegue um dia com as cinzas já frias. Por outro, lado o governo federal atrasa todos os pagamentos. Assim, um amplo setor da população é empurrado para a fome e a miséria nesta pandemia.

O que o STF fez foi uma opção de classe atacando os mecanismos de organização da classe trabalhadora, enfraquecendo os sindicatos e, portanto, enfraquecendo também os empregados diante dos empregadores. Expondo um amplo número de categorias de trabalhadores não só à miséria, mas a graves riscos à saúde e à vida. Pois, por meio dos tais “acordos individuais”, já ocorre uma infinidade de ilegalidades e usurpação de direitos.

O Poder Judiciário fez uma opção consciente, em que a vida da classe trabalhadora não recebe qualquer proteção. Com tal opção, também expôs seus próprios limites para deter o arbítrio, não se propondo a ser o guardião da Constituição de 1988, mas apenas um guardião dos interesses de uma classe dominante. Diante da peste, da fome, da guerra social e da morte, os lucros estão protegidos, a vida dos trabalhadores não.

Bruno Figueiredo é advogado, especialista em Direito do Trabalho e integra a equipe do escritório Parahyba F T Advocacia Associada em parceria com o escritório Cezar Britto & Advogados Associados.

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Hermann Hackradt: Justiça do Trabalho na pandemia

Em tempos de pandemia muito tem se discutido sobre atos processuais e análise de decisões judiciais que se vinculam ao período de regulamentação excepcional sobre o trabalho, objeto das medidas provisórias editadas sob os números 927 e 936. Entre tantas questões, o Judiciário mantém plena atividade diante de um incremento e constatação de novos pedidos sobre processos em curso, sobre novas postulações e interpretações oriundas das respectivas medidas transitórias, ou sobre a continuidade de atividades que são essenciais para a atividade de Justiça.

A Justiça do Trabalho retoma sua centralidade como destino final de questões diversificadas de Direito, economia e sociedade, cuja diversificação, entre tantos e inúmeros pedidos, buscam revisar acordos e obrigações, ao passo que também eclodem pedidos de continuação e andamento processual através das ferramentas eletrônicas. Esses aspectos reportam, obrigatoriamente, a um dos pontos mais característicos do processo do trabalho, que é a proximidade com as partes em litígio através de audiências e conciliações presenciais. O cenário apresenta universo novo, abrangente e de múltiplas questões, porém algumas delas precisam de reflexão mais apurada na busca de uma construção de sentido, merecendo especial foco, neste debate, os atos de instrução por meio da tecnologia e de plataformas digitais.

A audiência envolvendo o Direito do Trabalho não é um ato meramente burocrático. Ela é um ato de vivência, em que a Justiça é dimensionada e percebida numa forma mais ampla e abrangente do que o próprio encontro. Nela se analisam narrativas jurídicas, comportamentais e atitudes. E não se pode negar que a experiência do magistrado do Trabalho apresenta nuances essenciais para o ato de audiência, posto que o tempo, a experiência pessoal e a prática, nesse contato, encampam os mundos dos fatos percebidos juridicamente e lançados em ata de audiência. Como bem acentuou o presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil [1], em atividade expositiva de evento digital, promovido em rede social pela Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho (Anamatra), em 1º de maio Dia do Trabalho —, “a percepção do juiz do Trabalho em face da audiência presencial é epidérmica. Ele sabe onde se encontra a mentira, onde o preposto é treinado”.

Nesse contexto, é essencial para esse processo de distribuição de justiça atentar sobre nuances que o mundo digital não permite. As especificidades de cada processo podem desautorizar a utilização da audiência online por elementos que colocam em risco a própria natureza da demanda trabalhista. Noutro ponto, não se pode abandonar a contingência de distribuição desigual de recursos tecnológicos entre partes e também advogados. Somos, também, um país desigual em planos de tecnologia, e quando migramos essa abordagem para a figura do trabalhador há substancial preocupação de inclusão, devendo ainda ser considerado o agravante de realidades sociais inacessíveis neste campo eletrônico em regiões menos favorecidas de norte a sul do país.

Estar presente traduz também um conjunto de atos processuais de que é feito o processo do trabalho, e há demandas em que não se coadunam os procedimentos eletrônicos de audiências com as necessidades reais de busca de provas e evidências da verdade, primordialmente num campo como o Direito do Trabalho.

A Justiça do Trabalho pode continuar seus atos processuais e atividades essenciais tendo atenção e filtro sobre suas particularidades processuais, o que inclui também os sujeitos do processo, nada impedindo que possamos ampliar o olhar eletrônico de atuação, porém sem perder a vigilância jurídica para que não comprometamos o real sentido de equação social de suas demandas.

Nesse particular, impõe-se atentar para que não transformemos a pandemia em semblante reduzido de tempo e protagonismo para toda evidência, o que ressalto não significa crítica para essenciais presenças esclarecedoras que temos vivenciado, e que são importantes neste momento. Atenta-se, apenas, para que não haja superposição de papéis e obscuridades em vislumbrar princípios de ordem e natureza constitucional, e de incorporação principiológica mundial, como temos com os normativos incorporados a partir das convenções historicamente discutidas e ratificadas, oriundas da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e para proteção do trabalhador.

Na sociedade contemporânea, e excepcional, atual, nossas dificuldades continuam e residem no que vivenciamos na distribuição dos riscos: a crise social e econômica tem demonstrado desigualdade na distribuição dos ônus e responsabilidades. E, nestes momentos de pandemia, jamais vivenciados, precisamos atentar para uma harmonização entre as garantias legais e as realidades vividas.

Cabe ao Judiciário, e essencialmente ao que lida com um Direito de vertente tutelar, e de sensibilidade social, atuar na limitação das explorações econômicas que relativizam questões essenciais de proeminência e salvaguarda dos direitos humanos. Não se pode, a usufruto de uma situação de desagregação ampla no campo social, relativizar garantias e direitos do trabalhador para superdimensionar direitos de natureza econômica. Sob argumentos de comoção pública, não podemos tornar mais valorosa a economia que a vida e a dignidade de quem já trabalhou, perdeu o emprego, porém não recebeu, em tempo regular do contrato, o que lhe era devido. O verbo no passado é realidade processual, já que as demandas trabalhistas normalmente só ingressam no Judiciário quando da demissão do empregado, e sem os pagamentos legais.

As medidas regulatórias sobre a Covid-19 não se limitam a conferir, tão somente, proteção às empresas durante a pandemia, tampouco devem ser objeto para conferir regalias aos empregadores, num plano de disposição de direitos que pertence claramente aos trabalhadores. Essa inversão apresenta vício desde a origem, já que as medidas excepcionais, lançadas para vigência nacional, foram criadas ao objetivo de proteção do emprego e de trabalhadores, e não para a superioridade e prevalência da exceção de proteção sobre o capital. Não há como referendar, neste momento, atos e postulações que não versam sobre oportunidade processual evidente. Entre conceitos, há distinção incomunicável entre legitimidade e oportunismo. A hermenêutica das medidas excepcionais veio na salvaguarda dos mais fracos. Eis a questão: merece sobreviver o ser humano ou o patrimônio? Eis a conclusão: depois de 27 anos lidando com o mundo do trabalho, uma pandemia e um vírus cruel, eu não tenho dúvidas da relevância humana.

Hermann de Araujo Hackradt é juiz do Trabalho na 21ª Região (RN) desde 1993, doutor em Direito do Trabalho pela Universidade de São Paulo (USP), mestre em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e master em Direito das Relações Sociais pela Universidad Castilla La Mancha (UCLM), da Espanha.

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Reckziegel e Barzotto: Trabalho e OIT na pandemia

Na pandemia, vivemos um estado de calamidade pública, mas não estado de exceção, o qual ocorre fora de qualquer normalidade [1]. Esse estado de emergência é regulado por uma série de normas, que mantêm contato com a ordem anteriormente estabelecida, e isso vale para a ordem internacional de proteção ao trabalhador, representada pela OIT. Alguns Estados europeus, após sentirem os reflexos de não conter a propagação do coronavírus, foram obrigados a bloquear grande parte de suas economias e recuaram em seu abstencionismo inicial. O Reino Unido anunciou que pagaria até 80% dos custos salariais para quantas empresas precisassem da ajuda, sem limite para o valor total dos gastos públicos.

Há o exemplo da Alemanha, no qual o governo assumiu a situação de factum principis pagando pelos empregados colocados em quarentena. Na Espanha, na Itália e em Portugal, o Estado ingressou rapidamente com medidas supletivas para compensar as perdas salariais. No Brasil assistimos a edições de sucessivas medidas provisórias: 927, 928, 936, entre outras, além da elaboração de um plano suplementar de remuneração para informais chamado de “coronavoucher”. Todos concordam que o futuro do trabalho de todo o mundo globalizado será afetado nos seus aspectos econômicos, sociais e de desenvolvimento. A resposta apropriada será a urgente, coordenada em uma escala global, devendo proporcionar ajuda imediata aos mais necessitados para salvaguardar vida e a saúde, como política pública essencial.

Nesse sentido, a OIT mantém orientações gerais aos países-membros, e esse é o ponto central deste artigo. Elencamos algumas diretrizes básicas da OIT: a centralidade do olhar no ser humano que trabalha. Ou seja: a abordagem ao futuro do trabalho centrada no ser humano. Esta centralidade depende de um olhar voltado para a centralidade do trabalhador no presente, na preservação de seu emprego e renda, na proteção deste trabalhador, de sua renda mínima e de suas famílias, enquanto perdurar o período de isolamento social. Isso tudo observadas as diretrizes recentes para a manutenção, dentro do possível, do trabalho decente para que se atinja estabilidade, a paz e a resiliência. O método para a realização desses objetivos, para a OIT, como sempre é método relacional, apontado pela OIT como “diálogo social”. Entendemos que esse método é a expressão de um paradigma fraternal, explícito na Constituição da OIT, implícito no seu discurso, prática, na sua história e nas normas para assegurar, mesmo em meio à crise, o trabalho decente em situações de desastre como aponta a recente Recomendação 205, de 2017.

Centralidade do ser humano que trabalha, a principal orientação
A organização pede respostas políticas rápidas e coordenadas em nível nacional e global, com forte liderança multilateral, para limitar os efeitos diretos de saúde da Covid-19 sobre os trabalhadores e suas famílias. O mundo enfrenta um choque econômico e do mercado de trabalho, que afeta não apenas a oferta (produção de bens e de serviços), mas também a demanda (consumo e investimento). As interrupções na produção, inicialmente na Ásia, espalharam-se pelas cadeias de suprimentos em todo o mundo. Entretanto, como tem se afirmado, é um falso dilema salvar vidas ou salvar a economia.

Obviamente a OIT no seu centenário, em 2019, aponta para a centralidade do ser humano no mundo do trabalho. A centralidade do ser humano para um futuro do trabalho, (e agora para o presente do trabalho diante da Covid-19), segundo a Declaração do Centenário da OIT de 2019, requer as seguintes medidas [2]: aumentar a capacidade de resiliência de empregados e empregadores, um reforço às instituições e a manutenção da dignidade do trabalhador. Na crise da pandemia pode-se verificar que o reforço das capacidades do trabalhador se dá por qualificações para a adaptação ao trabalho remoto, ou mesmo para o exercício concomitante de trabalho domiciliar; o reforço às instituições se dá pela proteção às pequenas e médias empresas, reforço do papel dos sindicatos e, por fim, o trabalho digno se dá, em uma apertada síntese, pela justa remuneração em momento de suspensão das atividades.

O significado dessa centralidade do homem que trabalha, em meio à crise pandêmica, é determinado em concreto por cada Estado, em cada setor, e, no plano micro, na execução do contrato de trabalho com novas regras e formulações. Inclui-se aqui a proteção do trabalhador informal, normalmente à margem de qualquer proteção social. Nesses termos a OIT recorda sua atuação flexível, que encoraja o atendimento das diversas necessidades específicas de cada país, sobre uma base de diálogo social. Manter a centralidade do ser humano no caso da pandemia que presenciamos exige que, nos locais de trabalho, nas empresas, nas economias nacionais às globais, seja necessário diálogo social entre governos e os que estão na linha de frente empregadores e trabalhadores. Ainda assim, outros atores são fundamentais para manter-se a estabilidade, a democracia e a resiliência.

Evidencia-se o papel dos sindicatos, os quais estão chamados a intervir positivamente para manter negociações diretamente com empregados e empresas, via acordos coletivos. O Judiciário, registra-se no caso brasileiro, também é ator importante, porquanto atento à condição de crise, chamado a dar uma resposta rápida e positiva para as mais de 158 ações já ajuizadas na primeira semana da decretação do estado de calamidade. Nesse sentido, o Conselho Nacional de Justiça, criou um observatório nacional para o enfrentamento do problema [3]. As ações judiciais pleiteando direitos se multiplicam e o Judiciário, mesmo em trabalho remoto, continua numa grande produtividade para implementar direitos e garantir direitos violados.

Trabalho decente e o ‘desastre do coronavírus’
A Declaração do Centenário da OIT reafirma o compromisso com todas as expressões de direitos humanos do trabalhador e o coloca a dignidade de quem trabalha e agora está afastado do trabalho, como aspecto central a ser considerado em todas as medidas sociais, econômicas e jurídicas. Nesse contexto de crise, o que a OIT aponta é para a necessidade de um trabalho decente definido como “aquele desenvolvido em ocupação produtiva, justamente remunerada e que se exerce em condições de liberdade, equidade, seguridade e respeito à dignidade da pessoa humana” [4]. Recentemente, atualizando esse conceito, a OIT emitiu a Recomendação 205 Recomendação de emprego e trabalho decente para a paz e a resiliência, 2017 (nº 205), considerando o impacto e as consequências que os conflitos e desastres têm sobre pobreza e desenvolvimento, direitos humanos e dignidade, trabalho decente e negócios sustentáveis. Por esse documento, Recomendação 205 da OIT, a situação vivenciada por todo o mundo referente à pandemia pode ser classificada como um desastre em proporções globais. Para a OIT:

a) o termo “desastre” designa uma perturbação grave do funcionamento de uma comunidade ou sociedade em qualquer escala, devido a fenômenos perigosos que interagem com as condições de exposição, vulnerabilidade e capacidade, causando um ou mais dos seguintes fatores: perdas e impactos humanos, materiais, econômicos e ambientais [5];

b) o termo “resiliência” designa a capacidade de um sistema, comunidade ou sociedade exposta a uma ameaça de resistir, absorver, adaptar, transformar e recuperar seus efeitos de maneira oportuna e eficiente, principalmente através da preservação e restauração de suas estruturas e funções básicas através do gerenciamento de riscos.

A Recomendação 205 da OIT designa que o termo “resposta a crises” faz referência a todas as medidas relacionadas ao emprego e trabalho decente que são tomadas para responder a situações de crise causadas por conflitos e desastres. Portanto, o que a OIT enfatiza no caso do coronavírus é que: primeiro, estamos diante de um desastre de grandes proporções, segundo a terminologia da Recomendação 205; segundo, atente-se para a manutenção, dentro das possibilidades, do trabalho decente para os trabalhadores.

Entre alguns aspectos do trabalho decente, um dos mais relevantes para a manutenção da paz social e resiliência é a questão da justa remuneração ou de supletivamente de uma rede que sustente o trabalhador, a partir da seguridade social, a fim de que se garanta um mínimo existencial, mantendo-se o foco na centralidade do ser humano na esfera produtiva, como salienta da Declaração do Centenário da OIT. Neste sentido, a Recomendação 205 da OIT estabelece alguns mecanismos estratégicos a serem adotados pelos Estados-membros para a manutenção do trabalho decente, sendo que o primeiro a ser destacado é a estabilização dos meios de subsistência e da renda, através de medidas imediatas de emprego e proteção social”.

O trabalho decente em condições de crise só é possível pelo método do diálogo social, o qual possibilita a participação de entidades não governamentais, da sociedade, dos consumidores, dos sindicatos, e dá voz a trabalhadores marginalizados cujas expectativas mostram-se frequentemente esquecidas, externando quais são os limites das lutas e anseios laborais a serem privilegiados [6]. A OIT reafirma o caráter flexível de suas normas para sejam adaptadas da melhor forma nas legislações locais, visto que a supremacia do interesse público, no caso, as ações prioritárias de saúde e segurança devem ser enfocadas. Pelo que se observa das orientações da própria OIT, o trabalho decente nestes momentos da crise do coronavírus deve ser uma meta a ser perseguida, conforme aponta a Recomendação 205 da OIT, de 2017, sobre o emprego e trabalho decente para a paz e a resiliência.

Diálogo social e o paradigma fraternal no Brasil e na OIT
O momento exige uma concertação social, o que a OIT menciona como diálogo social, em que patrões, empregados e governos devem rever seus pactos para atingir um nível aceitável de solução a fim de garantir o bem maior que é a vida, a subsistência de todos. A vida deve ser garantida com a menor possibilidade de restrições econômicas e aqui estão os juízos de conveniência e oportunidade das medidas adotadas pelos governos, dos quais se exige que dialoguem com a sociedade para manutenção da paz, da dignidade dos trabalhadores e manutenção das empresas. No Brasil, o diálogo social preconizado pela OIT ainda pode ser suportado legal e teoricamente em função de um telos, uma sociedade fraterna prevista constitucionalmente. A referência da Constituição Federal à sociedade fraterna expressa uma especial forma de positivação do princípio da fraternidade na Constituição da República Federativa do Brasil, a qual refere, no preâmbulo:

“Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte Constituição da República Federativa do Brasil” (grifo das autoras).

Para o jurista brasileiro Carlos Augusto Alcântara Machado, há um dever de que a ordem jurídica construa uma sociedade fraterna, com base na força normativa do preâmbulo [7].Portanto, no Brasil o comando do Direito Constitucional Fraternal indica um caminho de diálogo, também pretendido pela OIT, e esse deve ser o vetor interpretativo deste momento de calamidade. Do mesmo modo, a Constituição da OIT  assinala uma tendência para o paradigma fraternal. O preâmbulo da Constituição da OIT é verdadeiro tratado fraternalista em matéria de relações de trabalho porque diz que o trabalho não é mercadoria o que reforça a centralidade do ser humano que trabalha.

Porém, articulando esses tópicos sobre direitos fundamentais no trabalho, trabalho decente e diálogo social, neste momento, a justiça social fraternal significa prioritariamente a manutenção da renda para a sobrevivência dos trabalhadores e suas famílias. Caso contrário todos os trabalhadores estarão sujeitos à escravidão da necessidade, à desigualdade trazida pela miséria e o trabalho não se dará de forma justa e em condições de seguridade. Sem renda, estaremos diante de um trabalho “não decente”.

Considerações finais
Veja-se que a evolução da OIT, com sua característica tripartite e ênfase no diálogo, determina no tratamento da questão social a aproximação dos três princípios maiores do patamar civilizatório: liberdade, igualdade e fraternidade. Seguir esses princípios, mais que em outros tempos, é a diretriz da OIT para que se ataque em conjunto a pandemia da Covid-19. Como refere o diretor-geral da OIT, Guy Ryder, em 7 de abril, ao enunciar que as medidas adotadas devam ser as mais seguras e sustentáveis, estamos vivendo o maior teste para a cooperação internacional já vivido nos últimos 75 anos.

Neste momento, ações planetárias revelam que a fraternidade, esquecida desde a Revolução Francesa, necessita ocupar seu lugar como norte da ação humana em âmbito político e jurídico. Por isso são essenciais as medidas de transferência de renda aos particulares, no termos da legislação da pandemia representadas pelo BEM e pelo “coronavoucher”, para superar-se com resiliência o desastre do coronavírus. Por fim, o paradigma fraternal da OIT incentiva a concertação social com o uso do diálogo social entre governos, trabalhadores e empregadores, de modo que se encontrem as melhores soluções, no âmbito da sociedade e do Estado, ainda que rápidas, para resiliência, paz social e justiça social em meio à pandemia.

 

Referências bibliogáficas

CNJ Portaria CNJ nº 57, de 20/3/2020  Inclui no Observatório Nacional sobre Questões Ambientais, Econômicas e Sociais de Alta Complexidade e Grande Impacto e Repercussão o caso Coronavírus Covid-19. https://paineisanalytics.cnj.jus.br/single/?appid=ba21c495-77c8-48d4-85ec-ccd2f707b18c&sheet=b45a3a06-9fe1-48dc-97ca-52e929f89e69&lang=pt-BR&opt=currsel&select=clearall

MACHADO, Carlos Augusto Alcântara. A fraternidade como categoria jurídica. Curitiba: Appris, 2017

OIT  https://www.ilo.org

VOSKO, Leah F. Decent Work: The Shifting Role of the ILO and the Struggle for Global Social Justice. http://gsp.sagepub.com/content/2/1/2019

 


[1] No Brasil, o Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020, do Congresso Nacional, reconheceu o estado de calamidade pública.

[6] VOSKO, Leah F. Decent Work : The Shifting Role of the ILO and the Struggle for Global Social Justice. http://gsp.sagepub.com/content/2/1/19

[7] MACHADO, Carlos Augusto Alcântara. A fraternidade como categoria jurídica. Curitiba: Appris, 2017

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Conselheira do CNJ alerta para o impacto de fake news na Justiça

A ampla mobilização para combater a circulação de notícias falsas na internet é o caminho para garantir a integridade da sociedade e a credibilidade da instituição jurídica diante de distorções, inclusive, de decisões judiciais e sobre as atividades do Poder Judiciário.

Conselheira Tânia Reckziegel é presidente da Comissão Permanente de Comunicação do Poder Judiciário do CNJ Agência CNJ

Para a presidente da Comissão Permanente de Comunicação do Poder Judiciário do Conselho Nacional de Justiça, conselheira Tânia Reckziegel, a atuação do CNJ por meio do Painel de Checagem de Fake News contribui no sentido da transformação paulatina da consciência social em relação à divulgação de falsas notícias.

“Todos os segmentos, inclusive o dos meios de comunicação, devem criar mecanismos de controle interno que, aliados às normas jurídico-administrativas, sejam mais eficientes no combate a esse mal”, afirmou a conselheira.

O Painel de Checagem foi criado há um ano pelo CNJ com o apoio e parceria de entidades, instituições e veículos de comunicação com atuação em checagem de fake news — a ConJur é um dos veículos que colaboram.

As ações estão voltadas ao esclarecimento sobre publicações suspeitas disseminadas pela internet nas redes sociais. Uma das iniciativas do Painel foi a campanha #FakeNewsNão, que divulgou no último dia 1º de abril chamado Dia da Mentira posts, vídeos, textos e artes no Twitter para esclarecer sobre os danos provocados por informações falsas.

“É necessário, tanto para a população quanto para o magistrado, desenvolver um espírito crítico em relação a toda e qualquer informação ou conteúdo que se receba, analisando o contexto e verificando se o texto apresenta qualidade de redação, quem é o autor, se foi reproduzido na imprensa tradicional”, destacou Tânia em entrevista à Agência CNJ de Notícias.

Leia a entrevista:

Qual a importância do Painel de Checagem de Fake News, que conta com o trabalho e participação de diversas entidades, instituições e veículos de comunicação?

A crescente desinformação e a propagação de falsas notícias em mídias e redes sociais vêm acarretando à sociedade uma alienação preocupante. A evolução da tecnologia e das ferramentas de comunicação conferiu também uma celeridade à disseminação de conteúdo. A conscientização da população e a educação da sociedade acerca dos prejuízos trazidos pela desinformação e propagação de notícias falsas é o escopo maior do Painel Multissetorial. Ele amplia a mobilização para combater as falsas notícias, buscando garantir a integridade da sociedade e a credibilidade da instituição jurídica, a partir do enfrentamento das distorções das decisões judiciais e a duplicação dessas deturpações. Com a iniciativa deste Painel, cria-se uma corrente com diversas entidades que trabalham em conjunto para enfrentar a desinformação e a disseminação de falsos relatos.

Depois de um ano de painel, é possível perceber diferença na quantidade de disparos de notícias mentirosas na Internet ou serviços de telefonia?

As práticas de informação hoje constituem uma atividade cada vez mais organizada, sofisticada, e que vêm contando com mais recursos, tanto financeiros como tecnológicos. O resultado é o aumento do desafio para quem queira combater as fake news, porque não só aumentam em termos de quantidade, mas em novos formatos que são utilizados. É possível perceber uma preocupação na população como um todo relativamente às notícias que se espalham. Nos grupos de aplicativos de comunicação, já se percebe uma maior conscientização em analisar a veracidade de determinado relato para seu compartilhamento. Mas é de conhecimento que esse ato de transformação da consciência social em relação à divulgação de falsas notícias é tarefa paulatina, de modo que essas diferenças também serão percebidas gradativamente.

Muitas vezes, uma das consequências das fake news é transformar uma minoria “falante” em uma suposta maioria. Os representantes do sistema de Justiça, como parte da sociedade, muitas vezes recebem esses conteúdos digitais e até podem vir a ser influenciados por eles. Qual o impacto das notícias falsas no trabalho dos magistrados?

Como já ressaltou o ministro Aloysio Corrêa da Veiga (ex-conselheiro do CNJ), pela incorporação e repercussão na sociedade, as redes sociais começam a ser classificadas como um novo poder. As falsas notícias têm grande poder de serem espalhadas rapidamente e em grande massa, acarretando uma penetração do material inverídico na sociedade. E esse poder viral dos falsos relatos pode vir a influenciar na tomada de decisões. Com efeito, essa consciência coletiva que se pretende alcançar acerca da busca pela informação e veracidade deve, sobretudo, abarcar os magistrados. Cabe ao juiz, portanto, como autoridade representativa da Justiça, buscar o aclaramento de questões distorcidas, fortalecendo a credibilidade da instituição judiciária.

Como os juízes, desembargadores, conseguem se blindar dessa pressão? E, se não conseguem, qual o efeito negativo disso na sociedade?

Algo que deve ser sempre lembrado é que não existe neutralidade na população, na qual se inserem juízes e desembargadores. Ser neutro é ser indiferente e isso não se confunde, em um campo hermenêutico, com imparcialidade. Aquele que convive em sociedade não está atingido pela neutralidade, pois está inserido em um sistema cultural próprio, com ideologias inerentes ao convívio social. Assim, como dito anteriormente, as falsas notícias têm grande poder de penetração na sociedade, pelo modo e celeridade com que são disseminadas, de modo que os magistrados também são suscetíveis de sofrer com os efeitos da propagação dos falsos relatos. Cumpre aos juízes e desembargadores filtrarem as informações que lhes chegam, buscando a fonte da informação, debatendo com assessorias de comunicação social, procedendo, enfim, à checagem da notícia.

É necessário, tanto para a população quanto para o magistrado, desenvolver um espírito crítico em relação a toda e qualquer informação ou conteúdo que se receba, analisando o contexto e verificando se o texto apresenta qualidade de redação, quem é o autor, se foi reproduzido na imprensa tradicional, enfim, o que chamei de checagem.

Na sua opinião, a Justiça fica vulnerável com essa disseminação de mensagens falsas por internet, aplicativos e telefonia celular? 

Acredito que sim. É fato que a disseminação de falsas notícias pode atingir de algum modo os pilares da democracia, trazendo riscos e insegurança para o cidadão, acarretando na sociedade uma descrença do sistema.

É possível para a Justiça minimizar ou reduzir o envio de informação inverídica?

O Poder Judiciário tem enfrentado a disseminação de fake news em todos os seus aspectos, para que o cidadão comum possa distinguir quais meios de comunicação merecem maior credibilidade, assim como para impedir ou minimizar, tanto quanto for possível, as consequências nefastas das notícias falsas. Daí a importância dos mecanismos e grupos de checagem. O Direito se amolda à proporção em que mudam os fatos sociais e, no caso da disseminação de falsas notícias, não é diferente.

O CNJ, assim como outros órgãos da Justiça, pode fazer ainda mais para combater a disseminação de mensagens falsas?

Os avanços tecnológicos se dão numa velocidade absurdamente maior do que a capacidade de adequação do Poder Judiciário em coibir os abusos. Como a desinformação é multissetorial, transversal e afeta todos os setores da sociedade, enfrentá-la é responsabilidade de todos. Assumir essa responsabilidade, como fez o CNJ e outros tribunais vêm fazendo, é o primeiro passo. Todos os segmentos, inclusive o dos meios de comunicação, devem criar mecanismos de controle interno que, aliados às normas jurídico-administrativas, sejam mais eficientes no combate a esse mal.

O CNJ e o STF, principalmente, têm se debruçado incessantemente sobre esse problema por meio da campanha #FakeNewsNão e do Painel de Checagem de Fake News, principais medidas hoje disponíveis a quem se propõe a enfrentar a desinformação, qual seja, a educação midiática da população, para que ela se conscientize sobre a existência do problema e conheça maneiras de não se tornar meio de sua propagação e de não ser prejudicada por ela. Com informações da assessoria de imprensa do CNJ.