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Unimed pode cancelar plano, mas deve manter tratamento já iniciado

Rescisão imotivada

Unimed pode rescindir plano, mas tratamento já iniciado deve ser mantido, diz TJ-SP

 TJ-SP cofirma rescisão, mas determina continuidade de tratamentos já iniciados
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O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo deu parcial a um agravo de instrumento ajuizado pela Associação dos Servidores do Tribunal de Justiça de São Paulo (ASSETJ) contra a Unimed do Estado de São Paulo.

A associação pretendia, por meio do recurso, suspender por 120 dias a rescisão do plano de saúde — contrato vigente há 16 anos. O pleito da agravante fora indeferido no primeiro grau.

Mas o acórdão do TJ-SP — relatado pelo desembargador Giffoni Ferreira, da 2ª Câmara de Direito Privado — entendeu que, embora a rescisão do contrato seja respaldada juridicamente, a manutenção dos tratamentos em andamento é responsabilidade social da seguradora.

“Mesmo possível a rescisão imotivada, na forma preconizada pelo R. despacho da honrada magistrada, não menos exato é que os segurados em tratamento hão que merecer a proteção do Judiciário e para esses casos aconselha contra a mantença integral da decisão de Primeiro Grau”, decidiu o desembargador.

Segundo a decisão, portanto, a liminar de primeiro grau foi confirmada “para que o plano de saúde não seja rescindido relativamente aos segurados que estejam em tratamento de saúde — mantendo-se-nos na contratação, até a alta médica — mas em relação aos demais, que nessa condição não se enquadrem, plenamente válida a rescisão”.

A Unimed foi representada pelo advogado Guilherme Moreira, do Rueda e Rueda Associados, e pela banca Juabre Sociedade de Advogados. “O tribunal decidiu por analisar friamente os regimentos e aplicar o direito da empresa. Claro que em tempos de crise sanitária é preciso sopesar decisões pertinentes à saúde das pessoas, mas não se pode, concomitantemente, abandonar a segurança jurídica”, disse Moreira ao comentar a decisão.

Clique aqui para ler a decisão

2047663-13.2020.8.26.0000

Revista Consultor Jurídico, 19 de maio de 2020, 20h55

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Receita Federal lança documento digital de CPF

Já disponível

Receita Federal lança documento digital de CPF

Governo lançou aplicativo que funciona como versão digital do CPF e dá orientações sobre Declaração de Imposto de Renda
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A Secretária da Receita Federal passou a disponibilizar o aplicativo CPF Digital que, além de servir como uma versão digital do documento, também conta com um ChatBot para auxiliar o cidadão no preenchimento da Declaração do Imposto de Renda Pessoa Física 2020 (IRPF).

Conforme Decreto nº 9.723, de 11 de março de 2019, o governo instituiu o número de CPF como instrumento suficiente e substitutivo da apresentação de outros documentos do cidadão no exercício de obrigações e direitos ou na obtenção de benefícios.

O CPF Digital exibe o cartão do CPF e também envia notificação push contendo notícias aos usuários. Neste primeiro momento, a funcionalidade de atendimento virtual interativo, que utiliza tecnologia de inteligência artificial, trará informações sobre a declaração do IRPF 2020, esclarecendo dúvidas dos contribuintes a respeito de como preencher a declaração, como consultar a restituição, prazo para apresentação, multa por atraso na entrega ou não apresentação, situações individuais, declaração em conjunto, carnê leão e isenção para portadores de moléstias graves.

O CPF Digital já está disponível para download na Google Play e App Store.

Revista Consultor Jurídico, 14 de maio de 2020, 19h42

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Bonome e Almeida: A exclusão do ICMS da base de PIS e Cofins

Após quase duas décadas aguardando julgamento pelo Supremo Tribunal Federal, a questão relativa à inclusão ou não do ICMS nas bases de cálculo do PIS e da Cofins foi decidida quando do julgamento do Tema 69 (Recurso Extraordinário 574.706) sob a sistemática da repercussão geral, fixando-se a seguinte tese: o ICMS não compõe a base de cálculo para a incidência do PIS e da Cofins.

Diante da decisão favorável aos contribuintes, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) apresentou embargos de declaração, os quais foram originalmente pautados para julgamento no dia 5 de dezembro de 2019. No entanto, o julgamento foi adiado com o argumento de que não haveria tempo hábil para concluir os votos, motivo pelo qual foi agendado novo julgamento para o dia 1º de abril deste ano.

Não obstante, diante do atual cenário de incerteza em decorrência da pandemia causada pelo coronavírus, o STF anunciou novamente a postergação do julgamento dos referidos embargos opostos pela PGFN, os quais foram retirados de pauta novamente na data de 24 de março.

A despeito da data em que ocorrerá o julgamento, a grande polêmica dos embargos de declaração opostos pela PGNF reside: I) na existência de vícios que possibilitariam a atribuição de efeitos infringentes ao recurso e a nítida pretensão de rediscussão da matéria já consignada pelo STF; e II) na modulação dos efeitos do julgado.

Quanto ao primeiro ponto, a PGFN alega que, entre outros pontos, deixou de se manifestar acerca de qual ICMS deve ser excluído das bases de cálculo do PIS e da Cofins, isto é, se é aquele destacado em nota fiscal ou o efetivamente recolhido.

Frise-se que a Receita Federal do Brasil já manifestou, por meio da Solução de Consulta Interna Cosit nº 13/2018, o entendimento de que o ICMS a ser excluído da base de cálculo do PIS e da Cofins seria somente aquele efetivamente recolhido pelos contribuintes, e não aquele incidente na operação (destacado). No mesmo sentido, a Instrução Normativa RFB nº 1.911/19, em seu artigo 27, parágrafo único, inciso I, dispôs que “o montante a ser excluído da base de cálculo mensal das contribuições é o valor mensal do ICMS a recolher”.

Em entendimento contrário, os contribuintes alegam que a cobrança é ilegal, pois o valor do ICMS a ser excluído é o destacado em nota, visto que parte do valor do ICMS destacado na “fatura” é aproveitada pelo contribuinte para compensar com o montante do ICMS gerado na operação anterior, em algum momento, ainda que não exatamente no mesmo, ele será recolhido e não constitui receita do contribuinte. Cabe ressaltar que também nesse sentido a relatora do recurso, ministra Cármen Lúcia, defendeu em seu voto que “o ICMS, todo ele, não se inclui na definição de faturamento”, o que demonstra que a referência sempre foi no sentido de se excluir o valor destacado em nota fiscal.

A segunda questão trazida pelos embargos é sobre a modulação dos efeitos do julgamento pelo STF, eis que a PGFN requer que sejam dados efeitos meramente prospectivos ao quanto decidido pela corte, com base nos argumentos de: I) potencial impacto financeiro da demanda nas contas públicas; II) transferência aleatória de riqueza social, na medida em que ao se realizar uma alteração tão profunda na sistemática de cálculo dos tributos incidentes sobre receita bruta; e III) dificuldades operacionais para aplicação retroativa do entendimento, pois a RFB supostamente não disporia de dados para aplicar a decisão de forma puramente retroativa, existindo incompatibilidade entre os regimes de apuração do PIS e da Cofins e o aplicável ao ICMS.

Em que pese a linha argumentativa da PGFN, a modulação de efeitos é medida excepcional que deve ser utilizada quando vislumbrada notória insegurança jurídica evidente decorrente de alteração de entendimento jurisprudencial ou a interesse social. Não é o que ocorre no caso em análise.

Desde o julgamento pelo STF do Recurso Extraordinário (RE) 240.785, relatado pelo ministro Marco Aurélio, julgado pelo tribunal pleno, em 2014, decidiu-se que o ICMS não compõe a base de incidência do PIS e da Cofins. Desde então, de maneira irresponsável, a Fazenda vem tratando a questão como algo não prioritário, deixando, por exemplo, de constituir provisão contábil para suportar o grande impacto financeiro e, ao mesmo tempo, continuar exigindo tributo de maneira inconstitucional, em total desrespeito aos contribuintes que continuam arcando com o ônus financeiro a despeito do quando decidido pelo STF.

Resta aguardar o julgamento final dos embargos de declaração para sabermos o desfecho de uma das questões mais debatidas no âmbito tributário dos últimos anos.

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Evanilda Godoi: Saúde pública e política de isenções tributárias

Na sexta-feira do dia 1º de maio, foi publicada a Lei nº 23.637/2020, do Estado de Minas Gerais, instituindo a isenção do Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos — ITCD, em razão do estado de calamidade pública decorrente da pandemia de Covid-19.

A lei isenta do imposto as doações de bens a serem utilizados na prevenção e no enfrentamento da pandemia de Covid-19, bem como as doações de dinheiro, desde que o montante seja, comprovadamente, aplicado na aquisição de bens a serem também utilizados na prevenção e enfrentamento da pandemia.

Trata-se de isenção temporária, com término previsto para 31 de dezembro de 2020 ou até o fim do estado de calamidade pública em decorrência da pandemia de Covid-19, o que ocorrer primeiro.

À primeira vista, quando se tem notícia da Lei, ela surge como uma iniciativa louvável do legislativo mineiro. Afinal, uma das grandes queixas da sociedade, de um modo geral, é a alta carga tributária dificultando a retomada da economia. Some-se a isso a necessidade de prevenção e de enfrentamento da pandemia de Covid-19. O legislativo, então, estaria atuando rapidamente em consonância com as reivindicações da sociedade.

No entanto, quando se passa a analisar o curto texto da lei, em seus três artigos, defronta-se com uma situação incômoda. A lei, votada em regime de urgência, direciona a isenção do tributo aos hospitais e entidades privadas. E, do ponto de vista técnico, isto é correto, vejamos por quê:

O ITCD é um imposto de competência dos Estados, que tem como hipótese de incidência a transmissão, causa mortis ou doação, da propriedade de quaisquer bens ou direitos (art. 155, I, da CF), sendo regulamentado em Minas pela Lei nº 14.941, de 2003. Como é sabido, quando se trata de doações, o contribuinte do tributo é o donatário (no caso em análise, os hospitais privados e as instituições privadas mantenedoras), tendo a lei mineira trazido essa previsão em seu art. 12, II.  Por sua vez, o art. 2º estabelece as situações em que o imposto sobre doação não incide, sendo aquelas em que figurem como donatários, dentre outros, a União, o Estado ou o Município; as instituições de assistência social sem fins lucrativos e atendidos os requisitos da lei; as autarquias e as fundações instituídas e mantidas pelo poder público. Os hospitais e entidades públicas de saúde se encontram, portanto, abarcados pela não-incidência do art. 2º da Lei nº 14.941/2003, em perfeita consonância com a imunidade tributária estabelecida pela Constituição Federal, em seu art. 150, VI. Dito de outro modo, as doações para hospitais públicos já se encontram contempladas com a imunidade tributária, sendo a Lei nº 23.637/2020 exclusivamente voltada para os hospitais privados.

Feitos esses esclarecimentos e tendo clara a iminência do colapso do sistema público de saúde, uma Lei que direciona seus esforços para beneficiar a rede privada de saúde merece severas críticas.  Qual a finalidade de uma lei que beneficia a rede privada de saúde em detrimento da rede pública? Em detrimento, sim, pois a medida representa renúncia de receita de um lado e a probabilidade de despesa por outro, na medida em que, na hipótese de requisição de leitos hospitalares privados, o Estado terá que arcar com a “justa indenização”. Retira-se a fonte de receita e arca-se com o custeio, de modo que a rede privada ‘ganha’ dos dois lados.

Não se discute que a saúde seja um direito fundamental de todo cidadão, mas a norma aprovada pela Assembleia Legislativa, ao contrário do que se acredita, não viabiliza ações de enfrentamento da pandemia, na medida em que não alcançará os mais carentes, que mais precisam de fomento do Estado. A fundamentação para a instituição desta isenção é falaciosa. Para se ter uma noção, no ano passado, um levantamento do Tribunal de Contas da União (TCU) apontou que cinco hospitais privados receberam, desde 2009, cerca de 4 bilhões de reais em programas de isenções fiscais. O total de impostos que deixou de ser arrecadado deixou de ser repassado para o SUS.

Ações de enfrentamento à pandemia são necessárias e urgentes, mas não podem ser utilizadas visando finalidade diversa do atendimento à população carente. Há dúvidas sobre se a isenção do imposto sobre doação para os hospitais privados vai se reverter em benefícios para a população. Nesse cenário, duas demandas que tramitam perante o Supremo Tribunal Federal relacionadas à pandemia de Covid-19 e ao sistema de saúde público oferecem indícios de que a resposta é negativa.

Na ADPF 671, discute-se a utilização dos leitos de unidades de tratamento intensivo da rede privada durante a pandemia de Covid-19 pelo poder público (SUS). Alega o autor da ação, o Partido Socialismo e Sociedade (PSol), que cerca de 56% dos leitos de UTI disponíveis no Brasil estão destinados às pessoas que possuem plano de saúde ou condições financeiras para pagar pelo serviço de saúde (cerca de 25% da população). Os 44% restantes dos leitos de UTI são os leitos públicos do SUS e conveniados; ou seja, 75% da população depende de menos da metade dos leitos de UTI disponíveis.

A intenção do autor da demanda era a de que o SUS passasse a controlar e gerenciar todos os leitos disponíveis no país (a exemplo do ocorrido na Espanha), a fim de garantir o acesso igualitário aos serviços por meio de uma fila única. Lewandowski negou seguimento à ação justificando que “já existem diversas normas que viabilizam a requisição administrativa de bens e serviços”, referindo-se, dentre outras, à Lei Federal nº 13.979/2020, que dispõe sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública decorrente de Covid-19. Especificamente, em seu art. 3º, VII, a Lei autoriza a requisição de bens e serviços de pessoas naturais e jurídicas para o enfrentamento da emergência de saúde pública, garantido o pagamento posterior de indenização justa. Essa norma, portanto, já permite a requisição dos leitos hospitalares.

A segunda demanda interposta perante o STF diz respeito justamente a esse dispositivo legal. A Confederação Nacional de Saúde questiona a constitucionalidade da permissão para os “gestores locais de saúde adotarem a requisição administrativa e bens e serviços no combate ao coronavírus sem o controle da União e sem o esgotamento de alternativas menos gravosas disponíveis”. Em apertada síntese, a Confederação objetiva ver conferida interpretação conforme a Constituição Federal ao inciso IV, bem como ao inciso III do § 7°, ambos do art. 3° da Lei Federal nº 13.979/2020. Alega que o Ministério da Saúde deveria ser o responsável por coordenar as medidas de requisição administrativas. Argumentam, ainda, que o abuso de requisições (ainda não constatado) gera insegurança jurídica, afeta o direito à saúde, a livre iniciativa e o direito de propriedade em prejuízo aos estabelecimentos privados de serviços de saúde.  Ainda, de acordo com a Confederação, “resolver o problema da escassez de equipamentos e leitos do setor público às custas do setor privado é enfraquecer de forma injustificada o já sobrecarregado setor de saúde”.

Percebe-se, sem muito esforço, que ainda prevalece na sociedade uma ideia equivocada acerca da natureza da propriedade, a de que ela seria um direito natural da pessoa, razão pela qual não poderia o Estado intervir nesse direito de propriedade, seja por meio da tributação, seja por meio de requisições. A propriedade privada precisa ser vista como uma convenção política; como um produto das instituições de governo, de uma decisão da própria comunidade, ou como um artefato cuja configuração concreta depende de um regime jurídico, que inclui não apenas uma regulamentação legal das formas de aquisição e transmissão da propriedade, mas também a forma de distribuição dos impostos. É assim que a Constituição a caracteriza.

Se a propriedade for vista dessa maneira — como uma criação do direito positivo, e não como um direito natural intocável e com um regime fixo, impossível de ser regulado pelo poder político —, então fica claro que a decisão sobre o conteúdo e a forma de aquisição da propriedade é uma questão de justiça política. Este é, afinal, o núcleo da função social da propriedade (art. 5º, XXIII, da CF).

O senso comum tributário, no Brasil, foi construído sob a premissa libertária de que as intervenções do estado por meio da tributação são por presunção ilegítimas, e as despesas com saúde que a classe média realiza com recursos privados devem ser excluídas da base tributária do imposto de renda. Isenções sobre serviços de saúde privada promovem anualmente uma transferência de vultosos recursos da esfera pública para a privada, impedindo uma oferta igualitária de serviços de saúde, como ocorre nos países mais avançados do mundo. Esse senso comum parece atuar novamente no âmbito do Estado de Minas Gerais, por meio dessa isenção tributária. É tempo de tratar as questões de saúde pública, que concernem a todos, como questões de justiça social, que passam pela proteção dos interesses de todos e pela exigência de tratar a todos com igual respeito e consideração, mesmo quando o que está em jogo é a oferta de leitos para combater a Covid-19.

 é professora de Direito Financeiro e Tributário da Universidade Federal de Viçosa. Doutora em Direito pela UFMG, mestre em Derechos Fundamentales Y Libertades Publicas pela Universidad de Castilla-La Mancha (ESP).