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Advogados explicam novo ordenamento para relações privadas

Advogados comentam PL que disciplinou Direito Privado durante a epidemia

Após mais de dois meses de epidemia de Covid-19 e profunda deterioração nas relações sociais e econômicas, o Congresso encaminhou nesta quinta-feira (21/5) o PL 1.179/20 para sanção presidencial.

Segundo o futuro presidente do Superior Tribunal de Justiça, ministro Humberto Martins, “é necessária no ordenamento brasileiro uma lei específica para as relações privadas ora afetadas pela pandemia”: os aluguéis, as mensalidades escolares, os prazos prescricionais e decadenciais, os empréstimos contraídos, os alimentos, as visitas, as questões consumeristas, o condomínio, entre outros.

E o projeto de lei votado pelo Senado na última terça (19) propôs-se a enfrentar essas questões, com a função de regular as relações privadas durante este período emergencial e transitório, oferecendo um norte para a jurisprudência e aos profissionais do direito, assim como contribuindo para a celeridade e uniformidade na pacificação dos conflitos decorrentes. É um documento provisório, porque o momento atual não é favorável a alterações definitivas na legislação já existente de Direito Privado.

O anteprojeto é fruto do trabalho de um grupo de juízes, ministros de tribunais e advogados especialistas em Direito Privado, sob a liderança do ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal.

Em entrevista à ConJur no último dia 14, o advogado e professor de Direito Civil da USP Otavio Rodrigues classificou a aprovação como um “exemplo de cooperação entre magistrados, parlamentares, universidade e advocacia”.

Na avaliação do advogado Tiago Asfor Rocha de Lima, sócio do Rocha, Marinho e Sales Advogados, o projeto é fundamental para segurança jurídica no país. “Com a legislação que foi para sanção presidencial, temos a probabilidade de uma prática jurídica uniforme. Ela vai evitar termos decisões diferentes sobre as mesmas questões em diferentes estados do país nesse período de crise”, explica.

Veja as principais mudanças promovidas pelo PL 1.179/20:

– Contratos: Conforme o artigo 7º que determina que não serão considerados como fatos imprevisíveis argumentos como desvalorização cambial, aumento da inflação e troca da moeda. “Isso é muito benéfico porque já neutraliza argumentos que poderiam ser usados por quem no fundo só quer se beneficiar na crise”, explica Renata Cavalcante de Oliveira, sócia da área cível do escritório Rayes & Fagundes Advogados Associados;

– Prazos prescricionais e decadenciais: O PL prevê que os prazos prescricionais sejam suspensos a partir da entrada em vigor da lei até 30/10/20. Desse modo, o dispositivo impede que demandas indenizatórias não sejam prejudicadas por conta do período de isolamento social imposto pelo avanço da Covid-19 no país; 

– Relação de consumo: O projeto suspende até o dia 30 de outubro a possibilidade de consumidores pleitearem o desfazimento do negócio firmado por meio de delivery. “A suspensão do artigo 49 do código de defesa do consumidor é importante por ajustar o ordenamento jurídico a uma nova realidade”, comenta Eduardo Tomasevicius Filho, professor de Direito Civil da Faculdade de Direito da USP. O regramento não abarca produtos perecíveis e medicamentos; 

 – Locação de imóveis: Suspende ações de despejo de imóveis até 30 de outubro. A medida é valida para ações ajuizadas a partir de 20/03/20. Para Renata Cavalcante de Oliveira, a medida é polêmica. “Eu considero um pouco temerária porque existem situações em que devedores estão se aproveitando desse momento para adiar o não cumprimento de uma obrigação que eles já não iriam cumprir”, explica; 

 Usucapião: O dispositivo suspende até 30 de outubro os prazos para usucapir imóveis; 

– Direito de família e sucessões: O PL suspende a prisão civil de devedores de pensão alimentícia. As ordens de prisão só poderão ser cumpridas no regime domiciliar. A medida não altera em nada a cobrança paralela dos valores devidos. Em relação as sucessões, o prazo para abertura do processo fica suspenso até 30 de outubro;

– Reuniões e assembleias: Determina que reuniões e assembleias gerais, no âmbito societário e condominial, devem ocorrer eletronicamente. “O PL prevê  também algumas prerrogativas e poderes de caráter emergencial para o síndico, visando proteger a população do condomínio do contágio pela Covid-19, inclusive impedindo a realização de reuniões, festividades nas unidades autônomas, ou seja, nos apartamentos”, destaca a advogada Juliana Raffo, do escritório Briganti Advogados.

– Transporte por aplicativo: O PL aprovado no Senado prevê a redução de 15% das comissões cobradas dos motoristas por aplicativos de transporte como Uber e 99. A medida vale até o próximo dia 30 de outubro e também proíbe o aumento dos preços cobrados nas viagens. 

Clique aqui para ler a íntegra do PL 1.179/20

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STF modula efeitos sobre destino do pagamento de emolumentos no RJ

O plenário virtual concluiu nesta quinta-feira, 21, o julgamento de embargos de declaração da ADIn 3.111, na qual foi declarada inconstitucionalidade de lei estatual do Rio de Janeiro que repassava emolumentos recebidos pelos cartórios a entidades assistenciais de servidores do Judiciário fluminense.

Após a análise dos embargados, os ministros decidiram, por maioria dos votos, modular os efeitos da inconstitucionalidade estabelecida em acórdão com efeitos ex nunc que terá contagem iniciada a partir da publicação da ata do julgamento do plenário virtual.

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Histórico do caso

A ADIn 3.111 foi proposta, em 2004, pela PGR contra artigo 1° da lei 3.761/02, editado pelo Estado do Rio de Janeiro, para alterar o artigo 10 do decreto-lei 122/69, do antigo Estado de Guanabara.

A norma determinava que parte dos valores recolhidos a título de emolumentos pelos cartórios e ofícios notariais no Estado fosse revertida em favor de entidades como a Mútua dos Magistrados do Estado do Rio de Janeiro, as caixas de Assistência do Ministério Público, dos Procuradores e dos Membros da Assistência Judiciária do Estado do Rio de Janeiro e a Associação dos Notários e Registradores do Estado do Rio de Janeiro.

Em 2017, o ministro Alexandre de Moraes, relator, explicou que, de acordo com a CF/88, as custas e emolumentos são destinados exclusivamente ao custeio dos serviços afetos às atividades específicas da Justiça. Afirmou que “há clara censura da Jurisprudência da Corte no tocante à destinação desses valores a entidade privadas, estranhas à estrutura do Estado” e votou pela procedência da ação.

Em sua análise, o relator apontou que esses montantes têm como destinação única e exclusiva o financiamento para “o aperfeiçoamento da administração da Justiça”. Por fim, completou que eventuais aportes de recursos públicos no melhoramento dessas atividades devem seguir “as regras constitucionais e legais que regem a atividade financeira e orçamentária do Estado”, sendo “injustificada a transferência direta de recursos públicos para entidades privadas, a título gracioso e sem qualquer contrapartida”.

Neste sentido, por unanimidade, o plenário seguiu o voto do relator, segundo o qual o Supremo já tem jurisprudência pacífica no sentido da invalidade de normas estaduais que destinam receitas oriundas de custas ou emolumentos a pessoa jurídica de direito privado.

Na ação, a PGR também solicitava que fossem declaradas inconstitucionais as leis estaduais do RJ 290/79, 489/81 e 590/82, mas Alexandre de Moraes explicou que “o efeito repristinatório da declaração de inconstitucionalidade não alcança normas editadas antes da CF/88, cuja análise de constitucionalidade se resolve por um juízo de direito intertemporal, no sentido da recepção ou da não recepção da norma”.

Leia o acórdão na íntegra.

Embargos de declaração

Em julgamento no plenário virtual, Alexandre de Moraes não conheceu dos embargos de declaração da Caixa de Assistência dos Procurados do Estado do Rio de Janeiro por entender que a entidade não detém legitimidade para a oposição, uma vez que não figura como parte requerida ou amicus curiae na ação.

O recurso do Governador do Estado do Rio de Janeiro e da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro foram acolhidos parcialmente para declarar a inconstitucionalidade a norma impugnada com efeitos ex nunc, a partir da publicação da ata do presente julgamento.

Para decidir, Alexandre de Moraes pontuou que o repasse de receitas previsto na norma impugnada constituiu, durante toda a sua longa vigência, importante suporte financeiro às atividades associativas dessas entidades.

Por isso, o relator entendeu que o caso concreto é passível de modulação em respeito à segurança jurídica, “uma vez que a lei invalidada vigeu por mais de dezessete anos, com plena presunção de constitucionalidade, dando suporte à confiança na idoneidade do repasse de recursos”.

Os ministros Edson Fachin, Luiz Fux, Lewandowski, Gilmar Mendes, Dias Toffoli, Rosa Weber acompanharam o voto do relator. 

No mesmo sentido, votou o ministro Luiz Fux. Ao dar parcial provimento aos embargos para modular os efeitos do acórdão, o ministro considerou que, no caso concreto, as entidades do Estado do Rio de Janeiro se valeram de recursos arrecadados por meio de custas e emolumentos para financiar suas atividades.“Inegável neste caso, como descrito, a presença de elementos para a modulação”.

Divergência

O ministro Marco Aurélio divergiu do relator. Para S. Exa., modular os efeitos do acórdão é praticar “inconstitucionalidade útil” na qual “praticamente aposta-se na morosidade da justiça”.

O ministro Luís Roberto Barroso declarou suspeição.

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TST confirma direito de sustentação oral a advogados em casos de juízo de retratação

O direito foi conferido, sem condicionantes, em questão de ordem, por 8 votos a 6.

Microfone numa tribuna.

Microfone numa tribuna.

21/05/20 – A Subseção I Especializada em Dissídios Individuais (SDI-1) do Tribunal Superior do Trabalho decidiu nesta quinta-feira (21), em sessão telepresencial, que advogados terão direito à sustentação oral em casos em que se discute o juízo de retratação. A possibilidade não é prevista no Regimento Interno da Corte, e a concessão  ficava a critério do presidente da Turma. Contudo, a questão gerava controvérsias, pois alguns advogados cogitavam se não estaria havendo cerceio de defesa.  

Juízo de retratação

O caso foi discutido durante o julgamento de um recurso da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT), que retornou ao TST para eventual exercício de juízo de retratação, como prevê a Lei 11.418/2006, que trata do instituto da Repercussão Geral. O dispositivo confere à autoridade julgadora a possibilidade de rever uma decisão, parcial ou totalmente, caso ela divirja de entendimento do Supremo Tribunal Federal em sede de repercussão geral.

Uniformização

A questão de ordem foi proposta pela presidente do TST, ministra Maria Cristina Peduzzi, para quem havia a necessidade de uniformizar a questão. “Há Turmas que estão concedendo o direito, outras não”, explicou. A ministra observou ainda que a uniformização poderia evitar recursos incidentais. 

Por oito votos a seis, a SDI-1 decidiu assegurar de forma ampla o direito de sustentação oral. O relator do recurso da ECT, ministro Alberto Bresciani, sugeriu que a matéria fosse encaminhada à Comissão de Regimento Interno do TST para que a disciplinasse.

(RR/CF)

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Fábio Calcini: O que cabe ao STF julgar na ADI 4.395?

Nesta sexta-feira (22/5), o Supremo Tribunal Federal julgará a ADI 4.395/DF, tendo como relator o ministro Gilmar Mendes.

O tema principal em referida Ação Direta de Inconstitucionalidade, naturalmente, não será a avaliação da constitucionalidade da contribuição sobre a receita bruta denominada de Funrural (art. 25, da Lei n. 8.2121/91), mas, em verdade, a previsão, em tese, estabelecida no art. 30, IV, da Lei n. 8.212/91, que trata da sub-rogação.

Por força de tal dispositivo, os adquirentes em geral são obrigados a reter, declarar e recolher referido tributo em substituição ao produtor rural pessoa física (segurado especial e/ou empregador), de tal sorte que, na hipótese de não realizar, a exigência pode recair em face daqueles.

Mas qual discussão constitucional poderá o Supremo Tribunal Federal apreciar quanto à sub-rogação do art. 30, IV, da Le n. 8.212/91? Este é o ponto que pretendemos esclarecer é de alto relevo.

Antecipando, entendemos que não há razão para o Supremo Tribunal Federal julgar na ADI a sub-rogação prevista no art. 30, IV, da Lei n. 8.212/91 quanto ao produtor rural pessoa física empregador, o qual representa a principal parcela das discussões sobre o tema. Ficaria restrito à análise da sub-rogação em face do segurado especial somente, cuja redação legal não é a atual que consta no site do planalto.

Esta conclusão não é complexa, bastando recordar temas clássicos e básicos de Direito Constitucional, notadamente, os efeitos repristinatórios da declaração de inconstitucionalidade, bem como da Resolução de competência do Senado Federal no art. 52, X, da Constituição Federal, na hipótese de julgamento pelo pleno Supremo Tribunal Federal.

Vale lembrar que o Supremo Tribunal Federal julgou por vício de inconstitucionalidade formal e material, por seu pleno, sem modulação, o art. 30, IV, da Lei n. 8.212/91, com as alterações dadas pelas Leis n. 8.540/92 e 8.528/97, em recurso extraordinário de um adquirente:

“Decisão: O Tribunal, por unanimidade e nos termos do voto do Relator, conheceu e deu provimento ao recurso extraordinário para desobrigar os recorrentes da retenção e do recolhimento da contribuição social ou do seu recolhimento por sub-rogação sobre a “receita bruta proveniente da comercialização da produção rural” de empregadores, pessoas naturais, fornecedores de bovinos para abate, declarando a inconstitucionalidade do artigo 1º da Lei nº 8.540/92, que deu nova redação aos artigos 12, incisos V e VII, 25, incisos I e II, e 30, inciso IV, da Lei nº 8.212/91, com a redação atualizada até a Lei nº 9.528/97, até que legislação nova, arrimada na Emenda Constitucional nº 20/98, venha a instituir a contribuição, tudo na forma do pedido inicial, invertidos os ônus da sucumbência.”[1]

Com isso, temos a velha e clássica lição no sentido de que lei inconstitucional é nula, ou seja, conforme Francisco Campos, “era o que é e continuará a ser, coisa nenhuma em Direito, antes e depois da declaração da sua inconstitucionalidade.”[2] Ou, ainda, segundo Afredo Buzaid a dizer que lei inconstitucional “não chegou a viver. Nasceu morta” [3], na linha da teoria da nulidade das normas inconstitucionais.

Aliás, o que também é o entendimento do próprio Supremo Tribunal Federal:

“ …. reveste-se de nulidade o ato emanado do Poder Público que vulnerar, formal ou materialmente, os preceitos e princípios inscritos no documento constitucional. Um ato inconstitucional do Poder Público é um ato nulo, desprovido, conseqüentemente, no plano jurídico, de qualquer validade e conteúdo eficacial. Essa nulidade – fenômeno que se processa no plano da validade – é apta, como já decidido por esta Corte, a inibir a eficácia derrogatória do ato inconstitucional (RTJ, vol. 101/505); a tornar inoponíveis situações jurídicas criadas em desarmonia com a ordem constitucional (RTJ, vol. 114/237); a operar a rescindibilidade de sentença, com trânsito em julgado, fundada em ato inconstitucional (v. RTJ, 55/744).

Essa nulidade do ato inconstitucional realiza, de modo bastante expressivo, a concretização do princípio da hierarquia das normas e das fontes de direito. A formulação clássica do Juiz Marshall — John Marshall —, na histórica decisão do caso Marbury vx. Madison (1803), antecipava esse juízo. Para o ‘Chief Justice’, um ato do Poder Legislativo, que ofenda a Constituição, é ‘void’, nulo”[4].

Qual a consequência prática para a questão da sub-rogação do Funrural? As alterações legislativas ao art. 30, IV, da Lei n. 8.212/91, foram são nulas.

Mais do que isso, coroando este aspecto, houve a edição da Resolução n. 15/2017 do Senado Federal, que traz efeito vinculante e “erga omnes”:

“Art. 1º É suspensa, nos termos do art. 52, inciso X, da Constituição Federal, a execução do inciso VII do art. 12 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, e a execução do art. 1º da Lei nº 8.540, de 22 de dezembro de 1992, que deu nova redação ao art. 12, inciso V, ao art. 25, incisos I e II, e ao art. 30, inciso IV, da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, todos com a redação atualizada até a Lei nº 9.528, de 10 de dezembro de 1997, declarados inconstitucionais por decisão definitiva proferida pelo Supremo Tribunal Federal nos autos do Recurso Extraordinário nº 363.852.”

Por esta resolução, portanto, há suspensão da execução do inciso VII do art. 12, da Lei n. 8.212/91, bem como art. 1º, Lei n. 8.540/92, que deu nova redação ao art. 12, V, 25, incisos I e II, art. 30, IV, da Lei n. 8.212/91, com a redação atualizada até a Lei n. 9.528/97, por força decisão definitiva pelo pleno do Supremo Tribunal Federal no recurso extraordinário n. 363.852 (“caso Mataboi”).

Com isso, temos a seguinte consequência, diante da declaração de inconstitucionalidade e Resolução editada:

Art. 30, IV, da Lei 8.212/91 – redação original

Art. 30, IV, da Lei 8.212/91 – Primeira Alteração – Lei n. 8.540/92

Art. 30, IV, da Lei 8.212/91 – Segunda Alteração – Lei n. 8.528/97

IV – o adquirente, o consignatário ou a cooperativa ficam sub-rogados nas obrigações do segurado especial pelo cumprimento das obrigações do art. 25, exceto no caso do inciso X deste artigo, na forma estabelecida em regulamento;

IV – o adquirente, o consignatário ou a cooperativa ficam sub-rogados nas obrigações da pessoa física de que trata a alínea a do inciso V do art. 12 e do segurado especial pelo cumprimento das obrigações do art. 25 desta lei, exceto no caso do inciso X deste artigo, na forma estabelecida em regulamento

IV – a empresa adquirente, consumidora ou consignatária ou a cooperativa ficam sub-rogadas nas obrigações da pessoa física de que trata a alínea “a” do inciso V do art. 12 e do segurado especial pelo cumprimento das obrigações do art. 25 desta Lei, independentemente de as operações de venda ou consignação terem sido realizadas diretamente com o produtor ou com intermediário pessoa física, exceto no caso do inciso X deste artigo, na forma estabelecida em regulamento

Bem por isso, o que tem vigor, atualmente, que pode ser objeto de análise pelo Supremo Tribunal Federal é tão somente a redação original do art. 30, IV, da Lei n. 8.212/91, que disciplina a sub-rogação somente com relação ao produtor rural pessoa física segurado especial:

IV – o adquirente, o consignatário ou a cooperativa ficam sub-rogados nas obrigações do segurado especial pelo cumprimento das obrigações do art. 25, exceto no caso do inciso X deste artigo, na forma estabelecida em regulamento;

 Com isso, surge a questão: as revogações e alterações ocorridas por leis posteriores declaradas inconstitucionais sem mantém?

Daí temos a aplicação da velha e conhecida lição quanto aos efeitos repristinatórios da declaração de inconstitucionalidade da lei.

Equivale dizer: diante da nulidade da lei, não produzindo efeitos jurídicos (“coisa nenhuma em direito”), as revogações e alterações legislativas inicialmente ocorridas são desconsideradas como se não houvessem ocorrido. Resgatam-se as redações anteriores às alterações legislativas, como se não houvessem ocorrido, tornando-se vigentes no formato anterior, como se tais mudanças nunca houvessem ocorrido.

Neste sentido, em caso muito semelhante, vejamos posicionamento consolidado do Supremo Tribunal Federal sobre o tema, onde esclarecer não ser de sua competência esta apreciação:

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA PATRONAL. EMPRESA AGROINDUSTRIAL. DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE PARCIAL DA LEI Nº 8.870/1994. REPRISTINAÇÃO. LEGISLAÇÃO APLICÁVEL. CARÁTER INFRACONSTITUCIONAL DA CONTROVÉRSIA. A declaração de inconstitucionalidade tem efeitos repristinatórios, porquanto fulmina a norma desde o seu surgimento. Ante a nulidade do dispositivo que determinava a revogação de norma precedente, torna-se novamente aplicável a legislação anteriormente revogada. A controvérsia acerca do correto regime a ser aplicado à agravante, em razão da declaração de inconstitucionalidade da Lei nº 8.870/1994, demanda o reexame da legislação infraconstitucional pertinente, providência vedada nesta fase processual. Agravo regimental a que se nega provimento.”[5]           

 

Esta decisão do Supremo Tribunal Federal citada possui dois pontos relevantes para o caso concreto: (i) – quando uma lei é declarada inconstitucional, por ser nula, não produz efeitos jurídicos, voltando a vigorar as redações legislativas sem as alterações sofridas; (ii) – o tema dos efeitos repristinatórios é matéria

Trata-se de tema a ser decidido pelo Superior Tribunal de Justiça, daí porque:

“TRIBUTÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. LEI 8.212/91. EFEITOS REPRISTINATÓRIOS. DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 25, § 2º, DA LEI 8.870/94 PELA ADI 1.103-1/600-DF. EMPRESA AGROINDUSTRIAL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. NÃO-OCORRÊNCIA.

1. A declaração de inconstitucionalidade pelo Pretório Excelso, em controle concentrado, via de regra, opera efeitos erga omnes e ex tunc, excetuando-se, todavia, as hipóteses em que ocorra a modulação destes efeitos, consoante o disposto no art. 27 da Lei 9.868/99.

2. Deveras, reconhecida a inconstitucionalidade do §2º do artigo 25 da Lei 8.870/94 (ADI 1.103-1/600), sem ressalvas, conjura-se ab ovo do ordenamento jurídico a norma inconstitucional, desde a data da publicação da declaração da Excelsa Corte, restabelecendo-se o status quo ante, com efeito repristinatório, não obstado pela vedação do artigo 2º, § 3º, da LICC, que proscreve o fenômeno adstrito à revogação da lei (Precedentes: REsp. 491.009/PR, Rel. Min. João Otávio de Noronha, Segunda Turma, DJU de 03/08/2006; EREsp. 645.155/AL, Rel. Min. José Delgado, Primeira Seção, DJU de 22/05/2006; REsp. 665.469/AL, Rel. Min. Eliana Calmon, Segunda Turma, DJU de 05/06/2006; e EREsp. 517.789/AL, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, Primeira Seção, DJU de 10/04/2006).”[6]

É também a conhecida lição dos efeitos repristinatórios da declaração de inconstitucionalidade! Nada mais que isso!

Por último, poderiam questionar: mas tivemos nova lei! Ora, e a Lei n. 10.256/2001? Inclusive declarada constitucional pelo Supremo Tribunal Federal!  

Daí vem meu desafio: em qual parte da Lei n.10.256/2001 constou a edição de qualquer aspecto que trate da sub-rogação prevista no art. 30, IV, da Lei n. 8.212/2001?

A Lei n. 10.256/2001, ao contrário do que fez com o art. 25, da Lei n. 8.212/91, não disciplinou, muito menos faz qualquer menção ao art. 30, IV, da Lei n. 8.212/91 com relação à sub-rogação!

Não há lei posterior! Inexiste lei que trate da sub-rogação com relação ao produtor rural pessoa física empregador, configurando um claro vácuo legislativo.

Aliás, tema de responsabilidade tributária é matéria reservada à lei complementar (art. 146, CTN).

E, convenhamos, seria um total absurdo jurídico afirmar que, por força da constitucionalidade do Funrural prevista no art. 25, da Lei n. 8.2312/91, após Lei n. 10.256/2001 (STF, RE 718.874),  continuaria a existir sub-rogação para o produtor rural pessoa física empregador, como se fosse aplicável a regra do direito civil acessório segue o principal. Vale lembrar que o julgamento do Supremo Tribunal Federal não se deu quanto à sub-rogação, pois se tratava de um recurso de produtor rural e não adquirente, além de não ser o debate, razões de decidir e dispositivo da decisão.

Em tais condições, é evidente que a ADI a ser julgada não deverá ser conhecida, por perda do objeto, quanto à sub-rogação prevista no art. 30, IV, da Lei n. 8.212/91 para o produtor rural pessoa física empregador, uma vez que o instituto da responsabilidade tributária é competência do legislador e não de decisão do Poder Judiciário, salvo se a separação dos poderes for extinta.

 

 é advogado tributarista, sócio do Brasil Salomão e Matthes Advocacia. É doutor e mestre em Direito do Estado pela PUC-SP, pós-doutorando em Direito pela Universidade de Coimbra (Portugal) e ex–membro do Carf.

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Ligações para o exterior não geram isenção de IR para operadoras

A regra de direito internacional que isenta operadoras de telefonia de alguns impostos só alcança os tributos incidentes sobre serviços importados, não afetando a tributação sobre a remessa de pagamentos — como quando as operadoras pagam pelo uso de redes internacionais. É o que ocorre, por exemplo, no caso de ligações feitas do Brasil para o exterior, situação em que a operadora brasileira paga pelo uso de uma rede em outro país, em operação conhecida como “tráfego sainte”.

Com esse entendimento, a 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça negou provimento ao recurso de um grupo de operadoras de telefonia e manteve decisão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) que concluiu pela incidência do Imposto de Renda e da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide) sobre os pagamentos feitos para o exterior nessas ligações.

Para as operadoras, o Regulamento Administrativo das Telecomunicações Internacionais (RTI), incorporado pela legislação brasileira, isentaria o pagamento do IR e da Cide nos pagamentos pela utilização das redes internacionais, na hipótese do “tráfego sainte”.

Em primeira instância, o pedido de isenção foi julgado improcedente, sob o entendimento de que as normas do RTI referentes à isenção tributária não teriam sido incorporadas ao ordenamento jurídico interno. Ao julgar a apelação, o TRF-1 afirmou que tais normas foram incorporadas, mas asseguram a isenção apenas na importação de serviços.

Importação versus remessa

Segundo o ministro Gurgel de Faria, relator do recurso no STJ, não há dúvida de que as regras do RTI foram efetivamente incorporadas na legislação nacional pelo Decreto Legislativo 67/1998 e pelo Decreto 2.962/1999, e têm prevalência sobre o direito interno infraconstitucional.

Ele explicou que, como estabelecido pelo RTI, se houver tributo incidente na tarifa que o usuário paga pela importação do serviço de telecomunicação internacional, este deve ser recolhido somente sobre o que for cobrado do consumidor.

Gurgel de Faria disse que o RTI trata da tributação da importação do serviço internacional e da base de cálculo a ser considerada.

“Pelo contexto, revela-se inequívoco que a regra do tratado internacional só alcança os tributos incidentes sobre serviços importados, não determinando a exclusão de outros tributos sobre a remessa de pagamento — fato submetido a outras hipóteses de incidência, como o IR e a Cide, nos termos do artigo 7º da Lei 9.779/1999 e do artigo 2º da Lei 10.168/2000”, explicou.

Para o relator, o TRF-1 acertou ao decidir que a remessa de pagamento para o exterior está sujeita à incidência do IR e da Cide, porque a hipótese do “tráfego sainte” é de remessa de pagamento, e não de mera importação de serviço. Com informações da assessoria de imprensa do Superior Tribunal de Justiça.

Clique aqui para ler o acórdão

REsp 1.772.678

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Contratos: a jurisprudência antes e depois da epidemia

TV ConJur

Contratos: a jurisprudência antes e depois da epidemia

O ministro do Superior Tribunal de Justiça, Raul Araújo, analisa nesta quinta-feira (21/5), com especialistas em direito privado, qual deve ser a jurisprudência dos contratos durante a epidemia da Covid-19 e posteriormente.

O programa vai ao ar às 15h na tela da TV ConJur no YouTube. Em pauta, os contratos agrários, a possibilidade de falência de produtores rurais, intervenção judicial nos contratos, como era e como ficará a jurisprudência do STJ em razão da calamidade?

O acesso ao STJ em matéria contratual e a restrição imposta pela Súmula 5 — que impede a revisão de cláusulas negociais, em recurso especial é outra questão. O bom senso não exige uma exceção em razão da crise?

Os assuntos são tratados pelo PL 1.179, aprovado na Câmara e no Senado, e agora aguardando sanção pelo Palácio do Planalto. O projeto prevê mudanças temporárias no Direito Privado durante o estado de calamidade pública no país.

Comporão a mesa com o ministro do STJ a professora Flávia Trentini, da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto da USP; Alexandre Freire, assessor especial da Presidência do STF e professor da UFMA; e o ex-conselheiro do CNJ, Marcelo Nobre. A mediação fica a cargo do conselheiro do CNMP Otavio Luiz Rodrigues Jr.

O seminário tem apoio da Rede de Pesquisa de Direito Civil Contemporâneo.

Clique aqui ou acompanhe ao vivo a transmissão a partir das 15h:

Revista Consultor Jurídico, 21 de maio de 2020, 8h52

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MP 966 e a responsabilidade dos agentes públicos

A responsabilidade civil (patrimonial) e administrativa (disciplinar) dos agentes públicos não se define por presunção ou pela simples ocorrência de dano à administração ou a terceiros. É exatamente o contrário: a ação ou omissão de agentes no campo funcional presume-se de boa-fé e conforme ao direito.

Para que a responsabilidade dos agentes públicos irrompa é fundamental que o (1) dano ou o agravamento do risco de dano seja antijurídico (não se deva suportar ou tolerar), (2) seja relevante (não insignificante), (3) reprovável (possível de evitação e não justificado), (4) culpável (deliberado, previsível ou resultante de erro de conduta evitável) e (5) diretamente imputável à ação ou omissão específica do agente público (individualizável e vinculado ao exercício da função pública). Todos esses elementos exigem investigação e prova das circunstâncias concretas do agir ou da inação dos agentes no exercício de função e da presença de causas excludentes da responsabilidade.

Trata-se de responsabilidade subjetiva, diversa da responsabilidade objetiva do Estado. Na responsabilidade subjetiva, além do nexo de imputação e da lesão ao bem jurídico em si, perquire-se o dolo ou a culpa do suposto infrator. Qual o grau da culpa? Essa é questão esclarecida pela recente Medida Provisória 966, de 13 de maio de 2020, publicada no Diário Oficial do dia seguinte.

A rigor, a MP 966 introduz normas interpretativas e, caso venha a ser convertida, terá caráter de lei interpretativa. São enunciadas prescrições que detalham ou clarificam o disposto no artigo 28 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB), artigo introduzido pela Lei nº 13.655, de 25 de abril de 2018.

O que prescreve esse enunciado da LINDB? Ei-lo:

“Art. 28. O agente público responderá pessoalmente por suas decisões ou opiniões técnicas em caso de dolo ou erro grosseiro.”

A MP 366 contempla enunciados que interpretam o artigo 28 da LINDB em termos semelhantes ao do parágrafo primeiro que constava do artigo 28, vetado por ocasião da sanção da Lei nº 13.655/2018 e, por igual, ao enunciado do artigo 54 do Anteprojeto de Normas Gerais de Organização Administrativa, que antecedeu e influenciou a elaboração da LINDB.

Qual o conceito interpretado pela MP 966? O conceito de erro grosseiro para fins de responsabilização patrimonial e disciplinar dos agentes públicos. Erro grosseiro é, nesse domínio, conceito equivalente ao de culpa grave e passou a ser invocado em sede de responsabilização dos agentes públicos a partir de decisões do STF sobre sanções aplicadas a pareceristas públicos e situações similares (v.g., MS 24.631/DF, Rel. Min. Joaquim Barbosa, DJ de 1º/2/2008; MS 27867 AgR/DF, rel. Min. Dias Toffoli, 18.9.2012; MS 30928 AgR, Rel. Min. Roberto Barroso, DJe-171, 15-08-2016).

Essa jurisprudência, em decisão recente, foi explorada e aplicada com precisão por acórdão lavrado pelo Ministro Luiz Fux, com invocação também da LINDB (MS 35196 AgR, Primeira Turma, julgado em 12/11/2019, DJe-022 04-02-2020).

Pode parecer surpreendente que se precise editar Medida Provisória para reafirmar e detalhar disposição expressa de lei vigente, que aplica jurisprudência firme do STF, sob a argumento de premente necessidade de atenuar a insegurança jurídica neste momento de pandemia da Covid-19. É que, na prática, a disposição lacônica do Art. 28 da LINDB, desacompanhada dos seus parágrafos, permanece sofrendo resistência de alguns órgãos de controle. O TCU, por exemplo, decidiu, litterim:

“O dever de indenizar os prejuízos ao erário permanece sujeito à comprovação de dolo ou culpa, sem qualquer gradação, como é de praxe no âmbito da responsabilidade aquiliana, inclusive para fins do direito de regresso (art. 37, § 6º, da Constituição Federal). As alterações promovidas na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINB) pela Lei 13.655/2018, em especial a inclusão do art. 28, não provocaram modificação nos requisitos necessários para a responsabilidade financeira por débito”. (Acórdão 2.391/2018, Plenário, Tomada de Constas Especial, Rel. Min. Benjamin Zymler, Boletim de Jurisprudência do TCU n. 241 de 06/11/2018).[Grifo nosso].

Neste acórdão, o TCU fez uma distinção não contemplada no artigo 28 da LINDB: para a fins punitivos, seria exigida a prova de dolo ou culpa grave (erro grosseiro); para fins reparatórios, supostamente domínio fora do campo de incidência do artigo 28 e com fundamento no § 6º do artigo 37 da Constituição, seria exigida a prova de dolo ou da culpa simples. Em outros Acórdãos, o TCU invoca a exigência de “especial zelo” e a figura idealizada do “administrador médio” como parâmetro de controle (Acórdão 2.860/2018 – Pleno).

Na MP 966, os artigos 2º e 3º cuidam de esclarecer aspectos da aplicação do conceito de erro grosseiro, assimilado à culpa grave, mas limitam essa inteligência à prática de atos relacionados, direta ou indiretamente, com as medidas de enfrentamento da emergência de saúde pública decorrente da pandemia da Covid-19 e o combate aos efeitos econômicos e sociais decorrentes da pandemia da Covid-19.

Em verdade, não seria sequer necessário limitar as disposições da MP 966 ao contexto do enfrentamento da pandemia da Covid-19. O ideal é que essa cláusula de restrição temporal fosse eliminada. A incerteza jurídica em praticamente todos os domínios hoje é paralisante e desincentivadora do bom gestor na Administração Pública brasileira e, por óbvio, toda ou qualquer atuação e controle de atuação deve considerar os itens I a IV do Art. 3º. da MP 966/2020, sintonizados perfeitamente com o Art. 22 da LINDB.

Nada há de inconstitucional nesses dispositivos. Essa graduação da culpa traz realismo à gestão pública e ao controle e, embora apenas com a LINDB tenha sido proclamada em termos gerais, é usual a graduação da culpa em diversos diplomas infraconstitucionais precedentes quanto à responsabilidade de magistrados (art. 133 do CPC/73; art. 143, I, do CPC/2015 e art. 49 da LC 35/1979), membros do Ministério Público (art. 85 do CPC/1973; art. 181 do CPC/2015), advogados públicos (art. 184 do CPC/2015) e defensores públicos (art. 187 do CPC/2015).

A MP 966 interpreta e densifica o Art. 28 da LINDB para assegurar maior segurança jurídica a agentes que não contam com a cobertura de normas especiais de graduação da culpa e, no mesmo passo, cobra dos órgãos de controle atuação zelosa na fundamentação de suas decisões, que deixam de poder adotar para o juízo de censura de agentes públicos paradigmas abstratos, atemporais ou idealizados de “gestor médio”, conceitos presumidos ou a culpa simples. Todo e qualquer juízo de responsabilização, seja de reparação ou sanção punitiva, diante dos dispositivos ora expressos, passarão a exigir avaliação contextual e individualizada, pois deverá ser considerado no juízo de caracterização do erro grosseiro ou falta grave os obstáculos e dificuldades reais do agente público, pela complexidade da matéria e das atribuições exercidas, pela circunstância de incompletude de informações na situação de urgência ou emergência ou pelas circunstâncias práticas que houverem imposto, limitado ou condicionado a ação ou a omissão do agente público.

Essas disposições não afastam a responsabilidade penal, política ou a responsabilidade por improbidade de qualquer agente público. A expressão agente público é a mais ampla, como se sabe. Mas a responsabilidade tem vários rostos e a responsabilidade civil e administrativa dos agentes públicos são apenas duas das faces da responsabilidade. Nenhum agente de má-fé deixará de ser responsabilizado na esfera política, penal ou por improbidade em razão do art. 28 da LINDB ou dos Arts. 2º e 3º da MP 966/2020. Porém, o agente inábil ou que erra de modo escusável não deve ser equiparado ao gestor de má-fé ou ímprobo, este último punido por legislação especial (Lei 8429/1992), exigente de conduta dolosa ou, pelo menos, eivada de culpa grave (STJ, AIA 30/AM, Rel. Min. Teori Zavaski, Corte Especial, Dje 28/9/2011).

O Art. 1º da MP 966/2020, no entanto, não pode ser mantido como foi redigido, pois padece de técnica legislativa inconsistente. Para enfatizar a aplicação de seus comandos durante a pandemia do Covid-19, a norma sugere uma suposta imunidade para tudo o mais, o que obviamente não é o que almeja prescrever, pois incidiria em inconstitucionalidade chapada. Espera-se que o Congresso Nacional altere radicalmente essa redação.

O “apagão das canetas”, o “direito administrativo do medo” (conceito cunhado por Fernando Vernalha), o fetiche da culpa no controle público, não são fenômenos nacionais exclusivos. Luc Ferry, filósofo e ex-ministro francês, refere como fenômeno global a “desculpabilização do medo”, a transformação completa dos sentimentos associados ao medo, que deixa de ser percebido como algo essencialmente negativo e passa a ser introjetado e exibido sem causar vergonha. E, arremata, com uma analogia: “deve-se confessar que também o poder está paralisado pela angústia. Para cada projeto de reforma, ele mede o terreno, como banhistas que experimentassem, pusilânimes, com a ponta do pé, a água. Se estiver fria, retiram-se rapidamente. Não estando tão hostil, seguem pé ante pé, até a cintura, para uma meia-volta à primeira marola inoportuna. É trágico o resultado dessa situação: a impotência pública é tamanha que nossas democracias ficam praticamente sem ação”

Essa matéria sensível não deveria ser lançada na agenda dos embates de narrativa política. No entanto, é o que ocorreu. Bastou a MP 966 ser editada que foi questionada por seis ações diretas de inconstitucionalidade com ilações várias, mas de escassa fundamentação jurídica (ADIs 6421, 6422, 6424, 6425, 6427 e 6428). Fala-se que foi editada para impedir o Presidente da República e seus assessores de serem responsabilizados por insistirem na indicação pública da “cloroquina”, medicamento considerado de incerta eficácia no tratamento da covid-19. Trata-se de algo surpreendente, pois desconhece-se qualquer responsabilização disciplinar ou civil do Presidente da República na história do país!

É indiscutível que atuação de má-fé na esfera administrativa deve ser punida e avaliada com rigor. O mesmo deve ocorrer em face de crimes e atos de improbidade praticados por gestores públicos. Para os gestores de boa-fé, no entanto, o controle não pode ser uma surpresa, um incentivo para a inércia, um desincentivo para a inovação, o oráculo obrigatório a que ser consultado antes de qualquer decisão. No mundo dos nossos dias, processos de risco complexos desafiam a capacidade de compreensão e reação dos gestores; atividades em rede, envolvendo coordenação de interesses e a ativação de parceiros e órgão diversos, exigem flexibilidade, estratégia e, não raro, algum experimentalismo. A complexidade jurídica, elevada ao plano da juridicidade e não apenas da legalidade, oferece diversas trilhas de decisão. A mais desafiadora é aquela que apoia o planejamento da ação futura e viabiliza a preservação dos interesses das atuais e futuras gerações. Porém, esse processo decisório termina por ser insuportável quando até o passado é incerto e o entendimento dominante e fundamentado em um tempo histórico passa a ser avaliado no futuro, em termos retroativos, como desajustado ou ilegítimo. Trata-se de insegurança jurídica radical que paralisa a administração e não serve a qualquer interesse público. Na névoa dos nossos dias, essa paralisia não pode ser tolerada pelos seus graves custos humanos, administrativos e econômicos.


O § 1º do Art. 28 do Projeto de Lei nº 7.448, de 2017 (nº 349/15 no Senado Federal), enunciava: “§ 1º Não se considera erro grosseiro a decisão ou opinião baseada em jurisprudência ou doutrina, ainda que não pacificadas, em orientação geral ou, ainda, em interpretação razoável, mesmo que não venha a ser posteriormente aceita por órgãos de controle ou judiciais.” O veto informava que o dispositivo atribuía “discricionariedade ao administrado em agir com base em sua própria convicção, o que se traduz em insegurança jurídica.” (Cf. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2018/Msg/VEP/VEP-212.htm). A justificativa do veto ao § 1º do Art. 28 do Projeto de Lei 7.448, de 2017, é inconsistente: a discricionariedade, se houver, será derivada da norma de competência e não do Art. 28 e, com o veto, mesmo o administrador apoiado em interpretação razoável e calçado em jurisprudência ou doutrina precedentes poderia sofrer censura quando a inteligência adotada divergisse de entendimento futuro (e incerto) de órgãos de controle. Na prática, o veto manteve em insegurança jurídica o gestor: reduziu a previsibilidade dos efeitos futuros de sua atuação presente, conquanto adotadas cautelas de fundamentação e motivação suficientes. Ocorre que não se tolera “infração por hemenêutica” quando a interpretação é motivada e razoável, havendo inclusive duas Súmulas do STF nesta direção: Súmula 400: “Decisão que deu razoável interpretação à lei, ainda que não seja a melhor, não autoriza recurso extraordinário pela letra “a” do art. 101, III, da Constituição Federal”; Súmula 343: “Não cabe ação rescisória por ofensa a literal disposição de lei, quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais”.

“Art. 54. Os órgãos de consultoria jurídica da administração, independentemente de sua função de assessoria, devem, no exercício do controle prévio de legalidade, prestar orientação jurídica quanto à adoção de medidas aptas a permitir a efetividade da ação administrativa, em conformidade com os preceitos legais.

§ 1º Os agentes dos órgãos a que se refere o caput deste artigo não serão passíveis de responsabilização por suas opiniões técnicas, ressalvada a hipótese de dolo ou erro grosseiro, em parecer obrigatório e vinculante para a autoridade a quem competir a decisão.

§ 2º Não se considera erro grosseiro a adoção de opinião sustentada em interpretação razoável, em jurisprudência ou em doutrina, ainda que não pacificada, mesmo que não venha a ser posteriormente aceota, no caso, por órgão de supervisão ou controle, inclusive judicial. Cf. a íntegra do projeto em MODESTO, Paulo (org). Nova Organização Administrativa Brasileira. Belo Horizonte: Fórum, 2009 (1a. Ed), p. 336. Confira ainda, na web, em https://www.academia.edu/1055240 [acesso em 19/05/2020].

Ver em http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=751913839 [Acesso em 19/05/2020].

Sobre esse aspecto, o preciso artigo de Niebuhr, Joel Menezes. O Erro Grosseiro – Análise crítica do Acórdão nº 2.391/2018 do TCU, in: Contratos Administrativos, Licitação 14/11/2018. In: https://www.zenite.blog.br/o-erro-grosseiro-analise-critica-do-acordao-no-2-3912018-do-tcu Concorda-se com o autor nos seus três argumentos: a) a LINDB pode graduar a culpa, inclusive para fins ressarcitórios; b) o TCU ao criar a distinção realizou controle de constitucionalidade (interpretação conforme), atuando fora de sua competência (STF, MCMS 35.410/DF, Rel. Min. Alexandre Moraes, em 15/12/2017); c) o caso aplicou indevidamente o art. 37, § 6º , da CF, por se tratar de hipótese de dano à própria Administração Público e não a terceiros. No mesmo sentido, FERRAZ, Luciano. Alteração na Lindb e seus reflexos sobre a responsabilidade dos agentes públicos. Interesse Público. https://www.conjur.com.br/2018-nov-29/interesse-publico-lindb-questao-erro-grosseiro-decisao-tcu#sdfootnote6sym

“ Art. 22. Na interpretação de normas sobre gestão pública, serão considerados os obstáculos e as dificuldades reais do gestor e as exigências das políticas públicas a seu cargo, sem prejuízo dos direitos dos administrados.

§ 1º Em decisão sobre regularidade de conduta ou validade de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa, serão consideradas as circunstâncias práticas que houverem imposto, limitado ou condicionado a ação do agente.

§ 2º Na aplicação de sanções, serão consideradas a natureza e a gravidade da infração cometida, os danos que dela provierem para a administração pública, as circunstâncias agravantes ou atenuantes e os antecedentes do agente.

§ 3º As sanções aplicadas ao agente serão levadas em conta na dosimetria das demais sanções de mesma natureza e relativas ao mesmo fato.”

Sobre o conceito de gestor médio, no TCU, confira-se PALMA, Juliana Bonacorsi de. Quem é o ‘administrador médio’ do TCU? https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/controle-publico/quem-e-o-administrador-medio-do-tcu-22082018

VERNALHA, Fernando. O Direito Administrativo do Medo: a crise da ineficiência pelo controle. Revista Colunistas de Direito do Estado, 2016, n. 71, http://www.direitodoestado.com.br/colunistas/fernando-vernalha-guimaraes/o-direito-administrativo-do-medo-a-crise-da-ineficiencia-pelo-controle

MODESTO, Paulo. O Controle Público e o Fetiche da Culpa. Revista Colunistas de Direito do Estado, 2016 n. 114. http://www.direitodoestado.com.br/colunistas/paulo-modesto/o-controle-publico-e-o-fetiche-da-culpa

FERRY, Luc. Famílias, amo vocês. Política e vida privada na era da globalização. Trad. Jorge Bastos. Rio de Janeiro: Objetiva, 2008, p. 12-13.

 é professor da Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia (UFBA), presidente do Instituto Brasileiro de Direito Público e membro do Ministério Público da Bahia e da Academia de Letras Jurídicas da Bahia.

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Ives Gandra está errado: o art. 142 não permite intervenção militar!

Prefiro pecar pelo excesso. Até porque circula nas redes (sempre elas) matéria de O Globo de 2018 (aqui) na qual o General Mourão, nosso vice-presidente, falava do malsinado artigo 142 da Constituição. E ele dá ao artigo 142 da CF a interpretação que o estimado professor Ives Gandra vem dando.

Por isso, exercendo minha chatice epistêmica e o meu zelo democrático, volto ao assunto. Pela quarta vez. Retomo o tema também porque jornalistas, jornaleiros, juristas e militares parecem não saber o que é interpretação do Direito.

Há limites na interpretação. Não podemos, no Direito, agir como o personagem Humpty Dumpty (imagem acima da capa do livro Alice Através do Espelho) e dizer: “— eu dou ao artigo 142 da CF o sentido que quero”.

Lembra o jurista Michael Stolleis que, quando da edição das leis de Nuremberg, em 1935, os nazistas utilizaram-se exatamente do sistema jurídico como ferramenta de poder, fazendo com que ele fosse nada mais que um instrumento do Führer e seus objetivos. Instrumentalizam as leis e a Constituição. Aplicação da lei aos objetivos do regime. Qual é o ponto? Exatamente a expressão utilizada por Michael Stolleis, que o faz recorrendo à obra de Bernd Rüthers, para definir o que ocorreu naquele período: a interpretação do Direito não fora constrangida (limitada). E cita o livro de Rüthers, denominado justamente Die unbegrenzte Auslegung uma interpretação não-constrangida. No Brasil isso pode se encaixar perigosamente como uma luva.

Por isso, insisto: a interpretação dada por Ives Gandra ao artigo 142 da CF aqui no Conjur (há também um vídeo que circula nas redes) é, sendo um pouco eufemista e generoso com o estimado Professor paulista, muitíssimo perigosa. Para ele, as forças armadas poderiam intervir para restaurar a ordem democrática. Todavia, o que diz o artigo 142?

As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.

Não encontrei aquilo que Gandra quis mostrar. Aliás, o artigo cheirou a uma ameaça ao STF, do tipo “cuidado com as decisões, porque isso pode dar problema”. Permito-me, com toda lhaneza, dizer: isso não é adequado em termos acadêmicos.

O pior de tudo é termos que insistir no fato de que a interpretação do Direito não comporta relativismos. Ora, se o artigo 142 pudesse ser lido desse modo, a democracia estaria em risco a cada decisão do STF e bastaria uma desobediência de um dos demais Poderes. A democracia dependeria dos militares e não do poder civil. Seria um haraquiri institucional.

Ou seja, as interpretações simplificadoras-distorcidas do artigo 142 devem ser abortadas ab ovo. O artigo 142 não permite intervenção militar. Qualquer manual de direito constitucional ensina o que é o princípio da unidade da Constituição. Por qual razão o constituinte diria que todo poder emana de povo, com todas as garantias de sufrágio etc. e, de repente, dissesse: ah, mas as forças armadas podem intervir a qualquer momento, como uma espécie de “poder moderador”.

Como funciona essa Unidade da CF? Simples. O artigo 142 diz que As Forças Armadas, sob a autoridade suprema do Presidente da República, destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.

Pois bem. O dispositivo trata simplesmente da exceção na missão das FA, isto é, elas — as forças armadas — podem ser usadas também na segurança pública. Nada mais do que isso!

E tem mais uma coisa: para que as FA possam ser usadas na segurança pública, têm vários requisitos. Isso se depreende dos artigos 34, III, 136 e 137 da CF. Na verdade, essa “intervenção das FA” está já regulamentada pela GLO, que tem justamente o nome de Garantia da Lei e da Ordem, bem assim como diz o artigo 142 (basta ver a LC 97/99 e o Decreto 3.897). Simples assim. Ademais, há sempre possibilidade de rigoroso e amplo controle legislativo e jurisdicional. Basta ler, com boa vontade, os dispositivos. Portanto, não basta “chamar as FA” para intervirem, como querem fazer notar Ives Gandra, Mourão e alguns outros políticos e pessoas da área jurídica.

Portanto, muita calma na interpretação da Constituição. Quando o personagem Humpty Dumpty disse à Alice que ela poderia ter “364 desaniversários” em vez de um aniversário e, assim, receber 364 presentes em vez de apenas um, Alice respondeu: não pode ser assim. E deve ter brandido a Constituição do reino nas barbas de Humpty Dumpty. Na “Constituição” do reino de Alice estava escrito que cada habitante tem só um aniversário por ano.

Recuperando o sentido original do diálogo de Alice com Humpty Dumpty:

“— Quando eu uso uma palavra — disse Humpty Dumpty num tom escarninho — ela significa exatamente aquilo que eu quero que signifique … nem mais nem menos.

— A questão — ponderou Alice — é saber se o senhor pode fazer as palavras dizerem coisas diferentes”.

Por aqui, no reino brasileiro, temos de repetir que x é x. Por quê? Porque parte da comunidade jurídica pensa que se pode dar às palavras o sentido que bem pretender.


STOLLEIS, Michael. The Law Under the Swastika: Studies on Legal History in Nazi Germany. Chicago: University of Chicago Press, 1998, p. 8.

Ver meu Dicionário de Hermenêutica, verbete Constrangimento Epistemológico.

 é jurista, professor de Direito Constitucional e pós-doutor em Direito. Sócio do escritório Streck e Trindade Advogados Associados:
www.streckadvogados.com.br.

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Mudanças no Direito do Trabalho em decorrência da Covid-19

A preocupação jurídica com a regulamentação das relações de trabalho no Brasil já é octogenária. Como o direito do trabalho, da mesma forma que os demais ramos jurídicos, baseia-se em fatos (Da mihi factum, dabo tibi jus); tem evoluído ao sabor dos fatos e das visões políticas dos momentos que se sucedem.

Ultimamente, sob a égide de política de flexibilização, houve muitas alterações, tanto no âmbito legislativo, quanto no jurisprudencial. Dois bons exemplos são: (i) a Lei 13.429/2017, que ampliou significativamente o âmbito da terceirização; e (ii) a Lei 13.467/2017 (lei da reforma trabalhista), que implementou radicais modificações no direito material e no direito processual do trabalho, atingindo, inclusive, a representação sindical e modificando seu respectivo custeio.

Circunstância imprevisível, de âmbito mundial, que se tornou conhecida em inícios do corrente ano, a pandemia Covid-19, influenciaria o rumo das relações juslaboralistas no país. O desconhecimento e a falta de informação de que sofreram os países e a Organização Mundial da Saúde, fizeram com que as reações fossem e, ainda sejam, variadas e nem sempre tempestivas e concordes vis-à-vis à circulação de pessoas e ao consumo de bens e serviços, impondo forte limitação à economia. As medidas impostas no Brasil (quarentenas etc.), inobstante díspares conforme os estados e os municípios considerados, impediram ou restringiram o funcionamento de diversos segmentos econômicos, nomeadamente o comércio, a prestação de serviços em geral e parte significativa da indústria.

O impacto na economia foi imediato atingindo, primeiramente, os trabalhadores informais, que receberam benefício emergencial do governo. A seguir, o desemprego passou a rondar os empregados formais; tendo inúmeros contratos de trabalho sido rescindidos, devido à queda abrupta de faturamento das empresas. A duração indefinida da pandemia e a necessidade de salvaguardar a economia, ainda que minimamente, levou a Presidência da República a adotar medidas provisórias. Sob o aspecto formal, tal adoção respeitou integralmente o art. 62 da Constituição Federal vigente, pois se tratava de “caso de relevância e urgência”, motivado por estado de calamidade na saúde pública, atípica e imprevisível. Entretanto a escolha do conteúdo das medidas não era fácil pois, de um lado, a extrema excepcionalidade das circunstâncias pandêmicas exigiam medidas urgentes e profundas; e de outro, as características do direito brasileiro somente aceitam mudanças arquitetadas com precisão cirúrgica, para não comprometer as garantias constitucionais.

Seria necessário possibilitar a suspensão do contrato de trabalho ou a redução de salários, desde que os empregadores pagassem parte dos salários, os empregados sofressem alguma redução em seus ganhos e o Estado suportasse parte do custo dessa operação tripartite, injetando recursos na economia. A questão era que a Constituição Federal somente permite a redução de salário mediante a celebração de convenção ou acordo coletivo de trabalho, obviamente com a participação dos sindicatos dos trabalhadores

Retomando o dito acima sobre as reformas significativas havidas no Brasil no campo trabalhista, lembre-se a redução das fontes de custeio dos sindicatos, na medida em que as contribuições somente passaram a ser permitidas frente à autorização prévia, expressa e individual (esta última reconhecida por decisão do STF) do trabalhador.

Tal causou forte desmantelamento do sistema sindical e redução da efetiva representação dos sindicatos, pelo afastamento das categorias que não mais pagavam contribuições. O advento inesperado da pandemia e a imperiosidade de soluções extremas encontraram, após a reforma, os sindicatos diminuídos em sua representatividade e importância, com possibilidade reduzida de atender à exigência constitucional de participar efetivamente no ritual da redução de salários etc.

A solução possível encontrada pela Presidência da República foi, por meio de medida provisória, autorizar suspensão contratual e redução salarial, por simples aditamento ao contrato de trabalho, sem participação sindical. Essa solução, como não poderia deixar de ser, interessou sindicatos, juristas e os Poderes Judiciário e Legislativo, tendo chegado ao Supremo Tribunal Federal. Liminarmente, houve determinação que se comunicasse aos sindicatos, abrindo prazo para manifestação de eventual desejo de iniciar negociação coletiva. Os empresários vislumbraram forte insegurança jurídica nessa decisão e retraíram-se na utilização desse meio. Agilmente, o Pleno do Supremo Tribunal Federal apreciou, em cognição sumária, a referida ação direta de inconstitucionalidade e concluiu pela excepcionalidade das circunstâncias atuais, reconhecendo a constitucionalidade das medidas provisórias adotadas pela Presidência da República; trazendo assim uma nova realidade ao direito do Trabalho, ainda que como ocorrência passageira.

Apesar de representar um alento às empresas e aos trabalhadores, há de se ter, contudo, redobrado cuidado na precisa e correta aplicação das disposições consignadas nas Medidas Provisórias 927 e 936, observando os limites nelas impostos. Não se esqueça que tais medidas, inobstante o acima asseverado, ainda exigem a presença dos sindicatos em determinados modos de redução de salários e de suspensão dos contratos de trabalho.

Muito provavelmente, toda a preocupação em busca do equacionamento de regras trabalhistas aceitáveis para o atual momento excepcional, mostrará a necessidade de dotar-se o direito do trabalho de permanente flexibilidade relativa, preservadas as garantias fundamentais.

 é sócio do Grandino Rodas Advogados, ex-reitor da Universidade de São Paulo (USP), professor titular da Faculdade de Direito da USP, mestre em Direito pela Harvard Law School e presidente do Centro de Estudos de Direito Econômico e Social (Cedes).

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Lei que condiciona promoção de servidor a receita é alvo de ação

ADI no Supremo

Lei que liga promoção de servidores do Judiciário a receita é alvo de ação no STF

A Federação das Entidades Sindicais de Oficiais de Justiça do Brasil (Fesojus) ajuizou no Supremo Tribunal Federal uma ação direta de inconstitucionalidade contra a Lei estadual 11.129/2020 do Espírito Santo, que trata do Plano de Carreiras e de Vencimentos dos Servidores Efetivos do Poder Judiciário do Estado. A relatora é a ministra Cármen Lúcia.

A norma, que altera a Lei estadual 7.854/2004, condiciona a promoção do servidor ao crescimento da Receita Corrente Líquida do estado e à manutenção do percentual da despesa total com pessoal do Judiciário no limite igual ou inferior a 95% do estabelecido pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).

A entidade aponta que o projeto de lei foi aprovado em sessão privada no Tribunal de Justiça local, o que viola o princípio da publicidade e o artigo 10 da Constituição Federal, que assegura a participação dos servidores nas sessões dos colegiados dos órgãos públicos em que seus interesses profissionais sejam objeto de discussão e deliberação.

Para a associação, a lei também ofende o princípio de moralidade e impessoalidade, ao estabelecer condicionantes ao direito de progressão funcional do servidor, enquanto não há qualquer condicionante em relação aos subsídios da magistratura.

Rito abreviado

A ministra Cármen Lúcia adotou o rito do artigo 12 da Lei das ADIs (Lei 9.868/1999), que permite o julgamento diretamente no mérito pelo Plenário, dispensando-se a análise de liminar. Ela determinou que sejam requisitadas informações ao governador do Espírito Santo e ao presidente da Assembleia Legislativa, a serem prestadas no prazo de dez dias.

Na sequência, a Advocacia-Geral da União e a Procuradoria-Geral da República, sucessivamente, terão cinco dias para se manifestarem. Com informações da assessoria de imprensa do STF.

ADI 6.426

Revista Consultor Jurídico, 21 de maio de 2020, 7h49