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Thiago Rufino: A retrovenda na crise econômica

A legislação brasileira permite às pessoas físicas ou jurídicas a celebração de contratos dispostos expressamente em lei (típicos) e atípicos, desde que não contrariem os bons costumes, a boa-fé dos contratantes e as normas legais.

Em regra, para celebração de qualquer contrato deve ser observada a regra geral dos negócios jurídicos, prevista no Código Civil: a) agente capaz: maior de 18 anos, se menor deverá ser assistido ou representado; b) objeto lícito, como por exemplo, apartamento, casa, fazenda ou bem móvel, entre outros; c) expressa previsão em lei ou forma não proibida; e d) livre manifestação de vontade: a pessoa física ou jurídica não pode sofrer qualquer vício de manifestação de vontade para formalização do negócio jurídico.

Alguns contratos exigem, para sua validade, a formalização por escritura pública, como por exemplo negócios envolvendo a compra e venda de imóveis com valor superior a 30 salários mínimos do país.

Preenchidas as formalidades legais, o contrato pode ter qualquer forma, como assinatura digital ou eletrônica, livre formatação, letra, disposição e negociação de cláusulas contratuais ou estipulação de nome do instrumento contratual mesmo sem qualquer previsão em lei.

Entre inúmeras cláusulas contratuais possíveis na formalização de contrato, uma é aplicável exclusivamente para contratos de compra e venda de imóveis, que é a retrovenda, prevista no artigo 505 do Código Civil.

A retrovenda dá ao vendedor de um imóvel residencial ou comercial o direito de recobrá-lo do comprador, dentro de um prazo máximo de três anos, devendo restituir o valor pago e reembolsando as despesas do adquirente.

A cláusula pode ser uma alternativa para o momento atual que vivemos na nossa economia, tanto para pessoas jurídicas como físicas não realizar empréstimos bancários com altas taxas de juros e oferecimento do imóvel como garantia em alienação fiduciária ou hipoteca.

O contrato com cláusula de retrovenda por ser uma alternativa para obtenção de crédito por pessoas físicas ou jurídicas, mediante auxílio de parceiros, ou familiares, na obtenção de um “empréstimo”, tendo a certeza de que pode ter maior flexibilidade na devolução do valor emprestado durante o período de três anos.

A cláusula incluída no contrato pode ser entendida como um acordo entre as partes, no qual o vendedor se reserva o direito de efetuar uma recompra do seu imóvel, mediante o pagamento do dinheiro recebido e de despesas pactuadas em contrato, recuperando a propriedade do imóvel.

Destacamos que o vendedor, inclusive, tem o direito de requerer judicialmente a devolução do imóvel mediante o preço estipulado em contrato dentro do prazo de três anos, na hipótese de o comprador ter repassado o imóvel a terceiros.

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Seguro do SFH deve cobrir danos por vício na construção, diz STJ

Não é compatível com a garantia de segurança esperada supor que prejuízos que se verifiquem por vícios de construção sejam excluídos de cobertura securitária no âmbito de imóveis financiados pelo Sistema Financeiro de Habitação.

No financiamento feito pelo SFH, a adesão ao seguro é obrigatória 
Ivan Kruk

Com esse entendimento, a 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça reformou acordão do Tribunal de Justiça de São Paulo para garantir a 20 contratantes que problemas estruturais decorrentes da construção verificados nos imóveis por eles adquiridos, com instituição do seguro obrigatório, sejam pagos pela seguradora.

A decisão se deu por maioria de votos e pacifica questão tormentosa na jurisprudência da 2ª Seção, que tem precedentes distintos: ora pelo reconhecimento da abusividade da cláusula que restringe a cobertura securitária, ora pela exclusão do pagamento por vícios na construção, quando não expressamente previstos na apólice. 

Prevaleceu o entendimento fixado pela 3ª Turma e apresentado pela relatora da ação, a ministra Nancy Andrighi, que foi seguida pela maioria. Ficaram vencidos os ministros Antonio Carlos Ferreira, que na sessão desta quarta-feira (27/5) trouxe voto-vista divergente, e o ministro Ricardo Villas Bôas Cueva.

Ministra Nancy considerou que a apólice do seguro é pouco clara quanto à cobertura 
Divulgação

Boa fé do contrato

Para a ministra Nancy, a questão deve ser analisada mediante a questão da boa fé, levando em conta que uma das causas do contrato de seguro é a garantia do interesse legítimo do segurado. 

A apólice, segundo a relatora, é pouco clara ao definir os riscos cobertos e excluídos, levando o mutuário a acreditar legitimamente que existe uma cobertura quanto aos vícios de construção, para só descobrir o contrário no momento em que aciona a seguradora.

No caso concreto, os problemas nos imóveis foram causados por vício na construção — problemas de material ou na execução das obras — que não poderiam ser previstos ou evitados pelos mutuários.

“Não posso ignorar que há hipóteses em que as pessoas passam dos limites ou alegam vícios que não estão cobertos pelo contrato. Mas para isso temos a fase da execução. E aí será feita a análise de cada caso”, destacou a relatora, seguida integralmente pelos ministros Luís Felipe Salomão, Raul Araújo, Paulo de Tarso Sanseverino, Marco Buzzi, Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro.

Ministro Antonio Carlos Ferreira aplicou a súmula 5 do STJ e abriu divergência 
STJ

Divergência

O ministro Antonio Carlos Ferreira abriu a divergência no caso sem, no entanto, analisar o mérito. O acórdão contestado, do TJ-SP, deu provimento ao recurso da seguradora para entendeu que os referidos danos, provenientes de causas internas, são qualificados como responsabilidade do construtor, sendo excluídos da cobertura securitária.

No voto-vista, o ministro afirmou que rever esse entendimento dependeria do exame completo da apólice, o que é vedado pela Súmula 5 do STJ — “A simples interpretação de cláusula contratual não enseja recurso especial”. E que mesmo pela análise dos trechos do documento colacionados no acórdão do TJ-SP, não é possível concluir de forma.

“Não vislumbro ausência de boa-fé da seguradora. Não se está a exigir prestações exageradas dos mutuários, mas apenas definir obrigações da seguradora, diante do mutualismo dos contratos de seguro. Apenas a análise ampla da apólice poderia ver eventuais desvios da seguradora, o que encontra óbice na Súmula 5”, disse. 

Temas prejudicados

O ministro Antonio Carlos Ferreira não invadiu o mérito da discussão e, segundo avaliou, nem poderia. Isso porque o TJ-SP também não o fez, já que antes de valorar as provas, decidiu sobre a exigibilidade de indenização. Como foi considerada inexigível, todo o resto ficou prejudicado.

Entre os temas não analisados em segundo grau estão: juros moratórios, prescrição, prova dos vícios de construção, incompetência da Justiça estadual, legitimidade passiva da Caixa Econômica Federal e inaplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor.

Por isso, o voto vencido deu parcial provimento ao recurso especial, por ofensa ao artigo 1.022 do Código de Processo Civil, determinando o retorno dos autos ao tribunal para que prossiga no julgamento do apelo que deverá sanar omissões dos embargos de declaração, instaurando incidente de assunção de competência (IAC) ou incidente de resolução de demandas repetitivas (IRDR). O único a acompanhá-lo foi o ministro Ricardo Villas Bôas Cueva.

REsp 1.804.965

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Paulo Torquato: Cláusula de força maior ganha importância nos contratos

O avanço da Covid-19 em nível global e a decretação de pandemia pela Organização Mundial da Saúde criaram um impacto exponencial negativo jamais visto na atividade econômica, em um efeito cascata sobre diversos setores produtivos, aumentando as incertezas das organizações quanto à possibilidade de cumprimento de contratos celebrados.

Tais impactos levam as partes contratantes à discussão sobre a necessidade de renegociação de cláusulas contratuais ou, em casos mais extremos, pressionam para a aplicação do instituto da força maior do Código Civil (artigo 393), previsto em alguns contratos, o qual exclui a responsabilidade do devedor pelo inadimplemento das obrigações em razão de acontecimentos imprevisíveis e inevitáveis quando da celebração do contrato e que conduzam a  um impedimento real e comprovado do seu cumprimento.

A questão que se coloca no atual momento é se a pandemia da Covid-19, a priori, pode ser considerada um  motivo de força maior que possa gerar um empecilho para o cumprimento das obrigações previstas no contrato, seja de forma temporária ou definitiva.  

A pandemia em si, de forma estritamente genérica, não é motivo de força maior sob a luz do Direito brasileiro. A configuração de elementos comuns para sua aplicação, contudo, como a imprevisibilidade do evento e seus impactos para o cumprimento de determinadas obrigações essenciais à atividade em questão, possibilita a aplicação do mecanismo jurídico.

Pela leitura do artigo 393 do Código Civil, o devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior se não tiver responsabilidade expressa por eles. O caso fortuito ou de força maior verifica-se ainda quando os efeitos decorrentes do acontecimento não podem ser evitados ou impedidos.

Dessa forma, para aplicação do instituto da força maior, deve ser realizada uma análise completa dos impactos concretos decorrentes do evento, através dos fatos que a motivaram e não apenas a sua simples presunção, a fim de excluir a responsabilidade daquele que quer se beneficiar de tal instituto.

No caso dos impactos causados pela Covid-19, os prejuízos de cada parte devem ser observados em uma avaliação cuidadosa sobre a possibilidade de continuidade de cumprimento das obrigações contratuais. Caso a Covid-19 resulte em significativo impacto nas operações de determinada parte, é necessário haver a devida comprovação da relação direta do evento imprevisível com os efeitos  que deram causa ao inadimplemento ou desequilíbrio contratual, como a perda de faturamento ou o fechamento de estabelecimentos determinadas pelo poder público, entre outras provas.

A revisão dos termos contratuais só é possível, por assim dizer, mediante a apresentação de provas substanciais. Vale destacar que essa exigência se aplica sobretudo aos contratos que possuem cláusulas genéricas que versam sobre força maior e não àqueles que possuem cláusulas específicas e abrangentes, determinando quais são as hipóteses que ensejam a alegação de força maior, como, por exemplo, contratos de seguro. Estes possuem entre as excludentes de força maior as pandemias, ou contratos que tenham como território países em moratória/default, impedindo ou dificultando assim a remessa/pagamento de royalties ou demais valores em moeda estrangeira.

Importante ainda observar que o devedor em mora ou contumaz não pode alegar força maior quando a pandemia causou impacto em sua atividade, se este já estava em descumprimento contratual.

O cenário polêmico e incerto atual demonstra que será necessário que a parte contratante entenda o ponto de partida do contrato para se posicionar quanto a uma possível negociação, bem como estar preparado para lidar com qualquer situação adversa, evitando, na medida do possível, que tais decisões e consequências sejam arbitradas por um terceiro alheio às partes.

Certo é que os acontecimentos advindos da Covid-19, ensinam que as partes contratantes deverão, daqui por diante, atentar para a previsão contratual de cláusula de força maior decorrente de pandemias e isolamento social, assim como delinear cenários estratégicos para cada relação contratual, com balanceamento de riscos e revisão de direitos e obrigações de cada parte.

 é advogado do escritório Montaury Pimenta, Machado & Vieira de Mello.