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TJ-SP concede HC preventivo a mãe desempregada que não pagou pensão

Inadimplemento não voluntário

TJ-SP concede HC preventivo a mãe desempregada que não pagou pensão alimentícia

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A Constituição só permite prisão por dívida decorrente de prestação de alimentos quando o inadimplemento é voluntário e inescusável. Com esse entendimento, o desembargador Manoel Pereira Calças, do plantão judiciário do TJ-SP, concedeu Habeas Corpus preventivo para que uma mãe solteira e desempregada não seja presa por não pagar a pensão alimentícia da filha que vive com os avós.

123RFTJ-SP concede HC preventivo a mãe desempregada que não pagou pensão

Pereira Calças citou acórdão de relatoria da ministra do Supremo Tribunal Federal Cármen Lúcia que prevê a prisão apenas em situação de inadimplemento voluntário, que não é o caso dos autos. “Voto, neste caso, como votou a ministra Cármen Lúcia. Não há inescusabilidade que daria estofo à autorização de prisão por dívida alimentar excepcionada na Carta Constitucional que tem como pedra angular a dignidade da pessoa humana”, disse.

A mulher foi intimada a pagar pensão de R$ 3 mil para a filha mais velha, de 12 anos, que é autista e está sob a guarda dos avós. Como o pagamento não foi feito até o momento, foi decretada prisão civil por 30 dias. A mãe alega que está desempregada há dois meses e tem mais duas filhas sob seus cuidados, de 7 e 5 anos.

Para o desembargador, a circunstância “indica a aplicação de antigo precedente da Suprema Corte no sentido de que o inadimplemento da obrigação alimentar em relação à filha primogênita da paciente não foi voluntário e inescusável, mas derivou da situação de desemprego, que, infelizmente, nesta situação terrível de pandemia que campeia pelo universo da Covid-19, que traumatiza a humanidade, não autoriza que se esqueça das virtudes que o Poder Judiciário deve seguir: prudência, justiça, fortaleza e temperança”.

Ainda segundo Pereira Calças, considerando que a impetrante é mãe de família e possui três filhas menores de idade, duas sob seu cuidado direto, a decretação da prisão neste momento de pandemia e em que ela se encontra desempregada em nada auxiliará nas despesas familiares, ao contrário, poderá deixá-las em grave situação de penúria.

 é repórter da revista Consultor Jurídico

Revista Consultor Jurídico, 17 de maio de 2020, 14h21

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Distribuidoras contestam lei que proíbe negativação de consumidor

Norma de Rondônia

Distribuidoras contestam lei que proíbe inclusão em cadastros de inadimplentes

A Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica (Abradee) ajuizou no Supremo Tribunal Federal uma ação direta de inconstitucionalidade contra dispositivos da Lei estadual 4.738/2020 de Rondônia que proíbem a inscrição de consumidores do serviço em cadastros de inadimplentes por três meses e preveem multa em caso de descumprimento. O relator da ação é o ministro Celso de Mello.

ReproduçãoDistribuidoras contestam lei que proíbe inclusão em cadastros de inadimplentes

A entidade alega que a norma viola a competência privativa da União para legislar sobre energia elétrica e as regras gerais de Direito do Consumidor. Aponta ainda que a resolução da Aneel que disciplina o setor durante a epidemia da Covid-19 permite o corte do serviço por inadimplemento para alguns consumidores, mas não impede outras ações admitidas pela legislação para a cobrança dos débitos, como a negativação em cadastro de inadimplentes.

A associação argumenta que a arrecadação da concessionária de distribuição local, depois da edição da lei, caiu a praticamente zero, o que demonstra que a população de Rondônia, mesmo os que têm capacidade econômica, simplesmente parou de pagar as faturas de energia. Sustenta ainda que essa redução drástica de faturamento implicará prejuízos graves e imediatos à operação das distribuidoras e comprometerá o financiamento de suas atividades mais básicas, como o pagamento de salários e a manutenção de rede e equipamentos. Com informações da assessoria de imprensa do STF.

ADI 6.410

Revista Consultor Jurídico, 6 de maio de 2020, 18h25

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Paulo Torquato: Cláusula de força maior ganha importância nos contratos

O avanço da Covid-19 em nível global e a decretação de pandemia pela Organização Mundial da Saúde criaram um impacto exponencial negativo jamais visto na atividade econômica, em um efeito cascata sobre diversos setores produtivos, aumentando as incertezas das organizações quanto à possibilidade de cumprimento de contratos celebrados.

Tais impactos levam as partes contratantes à discussão sobre a necessidade de renegociação de cláusulas contratuais ou, em casos mais extremos, pressionam para a aplicação do instituto da força maior do Código Civil (artigo 393), previsto em alguns contratos, o qual exclui a responsabilidade do devedor pelo inadimplemento das obrigações em razão de acontecimentos imprevisíveis e inevitáveis quando da celebração do contrato e que conduzam a  um impedimento real e comprovado do seu cumprimento.

A questão que se coloca no atual momento é se a pandemia da Covid-19, a priori, pode ser considerada um  motivo de força maior que possa gerar um empecilho para o cumprimento das obrigações previstas no contrato, seja de forma temporária ou definitiva.  

A pandemia em si, de forma estritamente genérica, não é motivo de força maior sob a luz do Direito brasileiro. A configuração de elementos comuns para sua aplicação, contudo, como a imprevisibilidade do evento e seus impactos para o cumprimento de determinadas obrigações essenciais à atividade em questão, possibilita a aplicação do mecanismo jurídico.

Pela leitura do artigo 393 do Código Civil, o devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior se não tiver responsabilidade expressa por eles. O caso fortuito ou de força maior verifica-se ainda quando os efeitos decorrentes do acontecimento não podem ser evitados ou impedidos.

Dessa forma, para aplicação do instituto da força maior, deve ser realizada uma análise completa dos impactos concretos decorrentes do evento, através dos fatos que a motivaram e não apenas a sua simples presunção, a fim de excluir a responsabilidade daquele que quer se beneficiar de tal instituto.

No caso dos impactos causados pela Covid-19, os prejuízos de cada parte devem ser observados em uma avaliação cuidadosa sobre a possibilidade de continuidade de cumprimento das obrigações contratuais. Caso a Covid-19 resulte em significativo impacto nas operações de determinada parte, é necessário haver a devida comprovação da relação direta do evento imprevisível com os efeitos  que deram causa ao inadimplemento ou desequilíbrio contratual, como a perda de faturamento ou o fechamento de estabelecimentos determinadas pelo poder público, entre outras provas.

A revisão dos termos contratuais só é possível, por assim dizer, mediante a apresentação de provas substanciais. Vale destacar que essa exigência se aplica sobretudo aos contratos que possuem cláusulas genéricas que versam sobre força maior e não àqueles que possuem cláusulas específicas e abrangentes, determinando quais são as hipóteses que ensejam a alegação de força maior, como, por exemplo, contratos de seguro. Estes possuem entre as excludentes de força maior as pandemias, ou contratos que tenham como território países em moratória/default, impedindo ou dificultando assim a remessa/pagamento de royalties ou demais valores em moeda estrangeira.

Importante ainda observar que o devedor em mora ou contumaz não pode alegar força maior quando a pandemia causou impacto em sua atividade, se este já estava em descumprimento contratual.

O cenário polêmico e incerto atual demonstra que será necessário que a parte contratante entenda o ponto de partida do contrato para se posicionar quanto a uma possível negociação, bem como estar preparado para lidar com qualquer situação adversa, evitando, na medida do possível, que tais decisões e consequências sejam arbitradas por um terceiro alheio às partes.

Certo é que os acontecimentos advindos da Covid-19, ensinam que as partes contratantes deverão, daqui por diante, atentar para a previsão contratual de cláusula de força maior decorrente de pandemias e isolamento social, assim como delinear cenários estratégicos para cada relação contratual, com balanceamento de riscos e revisão de direitos e obrigações de cada parte.

 é advogado do escritório Montaury Pimenta, Machado & Vieira de Mello.

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Faccini Neto: A pandemia e o Direito Penal

1. Estamos vivendo um tempo completamente inusitado. Há, em curso, uma pandemia e praticamente todos nós estamos experimentando um período de reclusão difícil. Os sentimentos se apresentam de uma maneira completamente distinta daquela que normalmente acontece, na medida em que estamos oprimidos por uma realidade que nunca vivenciamos. Somam-se ao medo, o tédio, a angústia, na medida em que a nossa própria liberdade de trânsito é, com amplas justificativas, comprimida.

Numa situação complexa como essa, é importante discutir algumas questões jurídicas, mormente no campo do Direito Penal. Isto porque há alguns tipos penais que sobressaem, que tem sua incidência, por assim dizer, mais pertinentes a esse momento, e, além disso, há corolários em termos de dogmática, ou de teoria do Direito Penal, que se revelam importantes. De maneira que a ideia deste texto é tratar das figuras típicas correlacionadas com esse momento.

2. De início, porém, realizarei uma abordagem geral, e, depois, pretenderei ir especificando os termos dessa discussão, para, finalmente, ingressar na temática mais particular dos tipos penais que se poderiam revelar numa situação de pandemia.

A primeira vertente dessa abordagem mais ampliada revela o seguinte: que neste período de pandemia, pelo menos três categorias do Direito Penal, muitas vezes rechaçadas por alguma doutrina, adquirem novo significado e mostram a importância que têm.

A primeira delas alude à temática dos bens jurídicos coletivos.

Sabemos que a trajetória da teoria do bem jurídico começa no século 19, com a perspectiva de que o bem jurídico haveria de ser considerado em termos de lesões aos interesses das pessoas. Isto tinha uma dimensão importante, já era uma espécie de densificação teórica do conceito, mas não respondia, sobretudo, a um questionamento pertinente àquela época, e que dizia respeito aos crimes contra os sentimentos religiosos. Muito em função disso, a evolução da ideia de bem jurídico passou a abarcar as lesões coletivas e, até o presente, vimos assistindo a uma espécie de reforço muito consistente na temática da criminalização de condutas que afrontem interesses não individualizáveis. Os exemplos são vários, como o meio ambiente, o sistema financeiro, o patrimônio público, para ficar apenas nisso.

Quando se vive um período como este, de pandemia, aqueles que são críticos à criminalização de condutas que violam interesses coletivos têm o ônus de explicar de que maneira se poderia cuidar desse tipo de situação. Há autores muito relevantes que defendem a ideia de que o Direito Penal deveria seguir aferrado ao seu chamado padrão clássico, ou seja, aquele Direito Penal cuja tutela estivesse concentrada na propriedade, no patrimônio, e, consequentemente, que aludisse exclusivamente à proteção dos interesses individuais. Se essa é uma visão aparentemente elitista, na medida em que retira do Direito Penal exatamente aquelas condutas praticadas pelas classes sociais mais abastadas, e relega o Direito Penal unicamente para que tenha sua incidência naqueles casos de delitos praticados pelas pessoas mais pobres, além disso, a verdade é que, quando se fala de proteção da saúde pública, ou seja, da incidência criminal na proteção deste interesse coletivo, máxime em tempos de pandemia, efetivamente estamos a reconhecer a importância dessa categoria, qual seja, a dos bens jurídicos coletivos.

De maneira que quem recusa a ideia dos bens jurídicos coletivos acaba deixando a saúde pública e, consequentemente, os interesses mais expressivos das pessoas, desprotegidos numa situação como essa.

A segunda categoria que é resgatada, neste momento de pandemia, é a dos chamados crimes de perigo. Tais crimes, como cediço, são alvo de diversos ataques doutrinários, no sentido da sua ilegitimidade, porquanto o Direito Penal haveria de incidir somente quando houvesse dano, ou seja, resultado lesivo ao bem jurídico. A questão, entretanto, é que vivemos numa época em que a dimensão do risco, ou seja, da probabilidade de dano, é significativamente importante, e, muitas vezes, evitável. Atualmente, é possível prevermos situações que, em ocorrendo, terão uma gravidade brutal, de consequências tremendas. Quando isso sucede, é natural que se antecipe a tutela penal, de modo que, antes mesmo de que a lesão ocorra, e com o desiderato de inibi-la, o Direito Penal já atua para tutelar e proteger o bem jurídico.

A terceira categoria que se afigura importante neste quadro é a das chamadas normas penais em branco. Não é necessário ingressar em sua classificação, que alguma doutrina realiza, sobre serem as normas penais em branco lato sensu ou stricto sensu. A nomenclatura não se revela importante, pois o certo é que as normas penais em branco, que são aquelas cujo conteúdo carece de complemento e, sobretudo, cujo conteúdo carece de um complemento não legislativo, mormente em termos de atos administrativos, afeiçoam-se com o princípio da legalidade, visto que o conteúdo da proibição já vem expresso pela lei. Sucede que determinadas situações carecem de uma espécie de velocidade normativa que o parlamento não é capaz de dar, seja no sentido do preenchimento do conteúdo, seja no sentido de alterações que, eventualmente, se afigurem necessárias. Quer dizer, os atos normativos expedidos pelo Poder Executivo, por seus diversos órgãos, como o Ministério da Saúde, têm a possibilidade de regular muito mais adequadamente os meios de combate e os efeitos da pandemia.

Para além disso, embora não seja exatamente um tópico de Direito Penal, parece importante referir que o momento atual também nos faz pensar a respeito do chamado confronto entre o interesse público e o interesse particular. O Direito Constitucional e o Direito Administrativo de outrora consagraram a parêmia cediça da preponderância do interesse público sobre o interesse particular, mas, como se sabe, isso foi sendo alterado ao longo do tempo, principalmente por algumas decisões judiciais. A situação que vivenciamos mostra, contudo, que a Carta Constitucional não é formada somente de direitos, visto que também estabelece deveres. Isso significa que o interesse público, sobretudo em situações dramáticas de crise, fala mais alto do que o interesse particular, e, portanto, devemos nos submeter às variadas determinações que, no fim das contas, têm muito menos um sentido paternalista, de proteger o indivíduo de si próprio, e mais de proteger a coletividade. Noutras palavras, isso quer dizer que quando somos tolhidos da possibilidade de sair às ruas do modo como fazíamos há alguns meses, isto não é, exclusivamente, para garantir que não nos contaminemos, mas, sim, para evitar que nos tornemos um vetor de contaminação de outras pessoas, em especial daquelas pessoas mais frágeis e situadas em grupos de risco. Ou seja, busca-se evitar que nos tornemos uma “fonte de perigo”, uma espécie de bomba relógio, e que vai levar o vírus e as suas consequências a uma infinidade de outros indivíduos.

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 é juiz de Direito, doutor em Ciências Jurídico-Criminais pela Universidade de Lisboa, mestre em Direito Público pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos) e professor no Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e na Escola da Magistratura do Rio Grande do Sul.