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Defensoria de Goiás garante que jovem homossexual possa doar sangue

Defensoria de Goiás garantiu a jovem homossexual o direito de doar sangue 
Reprodução

A Defensoria Pública de Goiás (DPE-GO) garantiu a um jovem homossexual de 19 anos o direito à doação de sangue. A decisão se deu a partir da ação do Núcleo Especializado de Direitos Humanos (NUDH).

A resposta positiva se deu sem sequer a necessidade de ajuizamento de ação. Por meio de um ofício encaminhado à diretoria geral da unidade de saúde, situada em Goiânia, a DPE-GO apontou que o impedimento, supostamente provocado por “inaptidão temporária” ocasionada por “relação sexual com pessoa do mesmo sexo”, passou a ser considerado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal no último dia 11/5. Com isso, o hospital informou que passará a adotar tal entendimento.

O caso ocorreu em 18/5 no Hospital Estadual de Urgências da Região Noroeste de Goiânia Governador Otávio Lage de Siqueira (Hugol), quando um homem compareceu à unidade de coleta e transfusão de sangue do local. Durante a triagem, o rapaz respondeu de forma positiva quando questionado sobre a prática de relações sexuais com homens. Após isso, segundo conta, ele foi informado de que não poderia realizar o procedimento.

A negativa foi recebida com surpresa. Doador de sangue voluntário desde os 16 anos, o rapaz diz que imaginava que não teria problemas em concretizar o ato voluntário, pois já estava ciente da decisão recente do STF. “Eu argumentei sobre a decisão do Supremo, mas a atendente disse que eles ainda não haviam recebido nenhuma informação sobre isso”, diz ele. “Eu fiquei muito triste. A doação de sangue é uma causa nobre”, acrescenta.

A Defensoria Pública, que foi acionada pelo rapaz, emitiu ofício solicitando que a decisão que declarou a inaptidão do doador fosse reconsiderada. No ofício, o defensor público Philipe Arapian, coordenador do NUDH, comunicou à direção geral do Hugol sobre a decisão. Nela, o STF declarou, por maioria, que são inconstitucionais as normas da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e do Ministério da Saúde que impediam que homens homossexuais doassem sangue, com aspectos considerados discriminatórios e ofensivos à dignidade humana pela imposição de tratamento não igualitário injustificável.

Em resposta ao ofício, a diretoria técnica do Hugol comunicou que a unidade de coleta e transfusão do hospital passará a adotar o novo entendimento e que o voluntário poderá realizar a doação assim que tiver interesse. Com informações da assessoria de imprensa da DPE-GO. A identidade do doador foi preservada, a pedido dele.

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Lei da PB que concedia descontos em mensalidades é suspensa

Uma lei estadual da Paraíba que garantia descontos em mensalidades escolares foi suspensa. A decisão é da desembargadora Maria das Graças Morais Guedes, que deferiu medida cautelar para suspender a eficácia da Lei 11.694/20. O pleno do Tribunal de Justiça da Paraíba ainda vai apreciar o caso. 

Lei paraibana previa desconto de até 25% em mensalidades

A norma questionada dispõe sobre a repactuação provisória e o reequilíbrio dos contratos de consumo educacionais nas escolas de ensino infantil, fundamental e médio, universidades e cursos pré-vestibulares, em razão da não realização de aulas presenciais ocasionada pela pandemia da Covid-19. Um dos dispositivos previa desconto de 25% nas mensalidades de instituições que oferecem aulas remotamente.

O pedido de suspensão foi feito pelo Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino do Estado da Paraíba (Sinep-PB) nos autos da ADI 0807102-51.2020.8.15.0000. De acordo com a entidade, a lei padece de flagrante inconstitucionalidade por vício de iniciativa, ao dispor de matéria relativa a contratos —Direito Civil, portanto —, fugindo da competência das autoridades legislativas estaduais, conforme disposto no artigo 7º da Constituição Estadual da Paraíba.

O sindicato também argumentou que, na hipótese de não suspensão dos efeitos da lei, induvidosamente, haverá a incidência de consideráveis perdas de faturamento por parte das instituições de ensino na Paraíba, as quais serão levadas à falência, com demissões em massa no setor educacional.

Ao analisar os requisitos necessários para a concessão da medida cautelar, a desembargadora observou que a norma estadual é de aplicação imediata, gerando efeitos concretos nas instituições de ensino, que serão obrigadas a conceder os descontos, o que pode acarretar quebras, desgastes financeiros e inviabilidade na condução normal da prestação dos serviços.

Destacou, ainda, que poucas instituições de ensino têm suporte financeiro para fazer frente aos descontos impositivos, sendo certo que a maioria recorrerá a financiamentos, circunstância que gerará evidente prejuízo.

“Não se desconhece e, também não se está proferindo decisão afastada da real situação pela qual passa toda a sociedade brasileira, em decorrência da pandemia de Covid-19. Aliás, a sociedade já vem por demais vulnerada em várias áreas, notadamente na Educação, uma lastimável e difícil dívida de ser paga às gerações futuras. Dessa forma, não há como impor, ante a plausível inconstitucionalidade da lei, que as instituições de ensino procedam às repactuações. Porém, cabe a elas, caso a caso, por liberalidade, o compadecimento quanto à situação econômico-financeiro de seus educandos”, ressaltou. Com informações da assessoria de imprensa do TJ-PB.

ADI 0807102-51.2020.8.15.0000/PB

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Tradição da Suprema Corte dos EUA é quebrada pela Covid-19

A gravíssima crise mundial ocasionada pelo coronavírus tem propiciado, de forma abrupta e acentuada, inusitada mudança de hábitos, quebra de paradigmas e rearranjo social.

Até mesmo nos domínios do Poder Judiciário — o mais conservador dentre os poderes constituídos — tem sido evidente a acomodação às medidas de segurança decorrentes do necessário isolamento social.

No Brasil, as autoridades encarregadas de administrar a justiça procurando, de um modo geral, estabelecer estratégias para que não houvesse estagnação da prestação jurisdicional, sobretudo em situações mais urgentes, responderam rapidamente, ao estabelecerem, além de outras providências, nova rotina de funcionamento do expediente forense e suspensão racional dos prazos processuais.

Ademais, a tradicional sistemática dos julgamentos foi igualmente alterada, passando-se a dar ênfase aos julgamentos virtuais, como, por exemplo, a experiência inédita do Superior Tribunal de Justiça, cuja primeira sessão virtual, aberta ao público, ocorreu no dia 28 de abril, por iniciativa da 3ª Turma, atualmente presidida pelo ministro Moura Ribeiro.

Toda essa reconfiguração do tradicional modelo de julgamentos, em brevíssimo lapso temporal, está a demonstrar como as necessidades de nova dinâmica social impõem soluções que ensejam verdadeira quebra de paradigmas, fixados em passado remoto.

Essa tendência à conservação do costume forense predomina igualmente na Suprema Corte dos Estados Unidos da América, que detém competência para julgar, em último grau, questões relevantes de interpretação e aplicação da constituição e de lei federal infra-constitucional.

Desde a sua criação, em 1789, os oral arguments — vale dizer, a discussão final da causa – são apresentados em audiência presencial, aproximadamente 80 casos por ano, perante os nove ministros (Justices). Desse importante ato processual, além dos advogados dos respectivos litigantes, ainda participam um secretário (Clerk) e um ou dois agentes (Marshal), para preservar o decoro e a segurança do ambiente. As sessões se realizam geralmente pela manhã, da primeira segunda-feira de outubro até o final do mês de abril, às 10hs, nas segundas, terças e quartas-feiras. Cada sessão, aberta ao público, é reservada para discussão de dois processos, previamente pautados, estipulando-se uma hora para cada um. Geralmente, no período da tarde, a transcrição dos debates é disponibilizada aos advogados. E, na sexta-feira, a secretaria da Suprema Corte também coloca à disposição dos interessados os áudios dos debates ocorridos na semana.

A predominância do processo escrito na superior instância prevalece na experiência jurídica dos Estados Unidos da América. Cumpre lembrar que, no sistema judicial americano, antes do julgamento propriamente dito, após a distribuição de memoriais — briefs — ocorre a única parte oral e pública do processo em curso nos tribunais americanos, consistente exatamente nas sessões acima referidas, para exposição dos oral arguments, nas quais os advogados das partes são convocados a apresentar suas razões perante o tribunal. Nessa ocasião, são questionados pelos ministros acerca dos pontos controvertidos da demanda, estabelecendo-se, assim, um debate efetivo sobre o tema em análise. Assim, seja na Suprema Corte ou em tribunais de apelação, após essa sessão de discussão dos casos sub judice (oral arguments), os julgamentos são realizados em sessões fechadas – as denominadas conferências – das quais participam somente os Justices. “Nelas, não são admitidos nem mesmo assessores ou garçons, sendo que, na Suprema Corte, cabe ao Associate Justice (ministro) mais moderno a pitoresca tarefa de servir água para os colegas, abrir a porta da sala de conferências e atender ao telefone…” (Carlos Bastide Horbach (Qual é a utilidade da sustentação oral nos tribunais?, Revista Conjur, 09.02.2014).

Pois bem, por força do distanciamento social também recomendado na cidade de Washington, quebrando secular tradição, a Suprema Corte norte-americana, no último dia 4 de maio de 2020, determinou que a sessão de apresentação dos oral arguments passasse a ser realizada por meio virtual remoto, restringindo-se ao áudio, disseminado ao vivo pela internet. E, de fato, a primeira sessão de debates nesse sistema inédito foi o de n. 19-46, U.S. Patent and Trademark Office v. Booking.com, cuja questão central pode ser resumida na viabilidade ou não de registro do domínio eletrônico booking.com.

Aberta a sessão às 11hs de Brasília, apregoado o processo, o Chief Justice (presidente da Suprema Corte) John Roberts passou a palavra à sub-procuradora do advogado-geral dos Estados Unidos, Erica Ross, para expor os seus argumentos pelo prazo de 3 minutos.

Representando o U. S. Patent and Trademark Offíce (análogo ao nosso INPI), a referida advogada contestou o registro da marca booking.com, uma vez que o termo “reserva” (booking) se descortina genérico e, portanto, inviável o seu respectivo domínio, como porta de acesso à web.

Após declinar seus argumentos, a advogada passou a ser sabatinada por todos os ministros integrantes da Suprema Corte, na ordem de antiguidade, do mais antigo até aquele que foi nomeado mais recentemente, a saber: John Roberts (presidente), Clarence Thomas, Ruth Bader Ginsburg, Stephen Breyer, Samuel Alito, Sonia Sotomayor, Elena Kagan, Neil Gorsuch e Brett Kavanaugh.

Importa salientar, nesse particular, que, igualmente, em nosso direito, a análise do requisito de distintividade do nome é fundamental para que seja viável o respectivo registro. Sua apreciação leva em conta a capacidade distintiva do conjunto em exame, inibindo a apropriação a título exclusivo de sinais genéricos, necessários, de uso comum ou carentes de distintividade em virtude da sua própria constituição. Ressalte-se que um domínio na internet, diferentemente da marca, engloba a variedade de segmentos econômicos em todos os países do mundo.

A proibição do registro de sinais não distintivos é motivada, em primeiro lugar, pela própria incapacidade de que tais elementos sejam percebidos como marca pelo consumidor. Além disso, a apropriação exclusiva de signo de uso comum, genérico, necessário, vulgar ou descritivo geraria monopólio injusto, uma vez que impediria que os demais concorrentes fizessem uso de termos ou elementos figurativos necessários para sua atuação no mercado.

Apenas à guisa de exemplo, dada a palavra à Justice Ruth Ginsburg, indagou ela à representante do demandante se tinha ciência de que o deferimento do registro do domínio booking.com implicaria o cancelamento de muitos outros que têm o vocábulo genérico booking em seu site eletrônico. Curioso é notar que a advogada tentou sair pela tangente, valendo-se de argumento secundário, que acabou ensejando nova indagação, de forma veemente, pela Justice Ginsburg.

Encerrado o debate com a arguição do último ministro Brett Kavanaugh, o presidente da sessão passou então a palavra à advogada Erica Ross, para que fizesse um resumo de seus argumentos, pelo prazo máximo de 3 minutos.

Em seguida, tudo se repetiu com a advogada Lisa Blatt, representante da requerida Booking.com.

É interessante notar que a demandada invocou em abono de sua tese, vale dizer, da possibilidade de registro booking.com, um antigo precedente da Suprema Corte americana, do final do século XIX, 128 U.S. 598 (1888), Goodyear’s India Rubber Glove Manufactoring Company v. Goodyear Rubber Company, no qual foi decidido que não havia qualquer confusão da marca, pois cada indústria produzia produtos que não se confundiam.

Indagada pelo Justice Clarence Thomas se tal precedente de fato teria a mesma eficácia no ambiente de internet, a advogada Lisa Blatt respondeu que sim, dando ainda como exemplo o domínio thecheesecakefactory.com, conhecida cadeia de restaurantes nos Estados Unidos.

Por fim, apresentada a síntese dos argumentos pela advogada da demandada, a discussão, que durou aproximadamente 1h15m, foi encerrada pelo ministro presidente, declarando apenas: “case submited”, ou seja, processo já submetido à corte e conclusos para a prolação do veredito.

Esse novo regramento emergencial, determinado pela Suprema Corte americana, bem demonstra a necessidade de as instituições, por mais tradicionais que sejam, lidarem com a miríade de exigências decorrentes da pandemia.

 é sócio do Tucci Advogados Associados; ex-Presidente da AASP; professor titular sênior da Faculdade de Direito da USP; e membro da Academia Brasileira de Letras Jurídicas.