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Defensoria de Goiás garante que jovem homossexual possa doar sangue

Defensoria de Goiás garantiu a jovem homossexual o direito de doar sangue 
Reprodução

A Defensoria Pública de Goiás (DPE-GO) garantiu a um jovem homossexual de 19 anos o direito à doação de sangue. A decisão se deu a partir da ação do Núcleo Especializado de Direitos Humanos (NUDH).

A resposta positiva se deu sem sequer a necessidade de ajuizamento de ação. Por meio de um ofício encaminhado à diretoria geral da unidade de saúde, situada em Goiânia, a DPE-GO apontou que o impedimento, supostamente provocado por “inaptidão temporária” ocasionada por “relação sexual com pessoa do mesmo sexo”, passou a ser considerado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal no último dia 11/5. Com isso, o hospital informou que passará a adotar tal entendimento.

O caso ocorreu em 18/5 no Hospital Estadual de Urgências da Região Noroeste de Goiânia Governador Otávio Lage de Siqueira (Hugol), quando um homem compareceu à unidade de coleta e transfusão de sangue do local. Durante a triagem, o rapaz respondeu de forma positiva quando questionado sobre a prática de relações sexuais com homens. Após isso, segundo conta, ele foi informado de que não poderia realizar o procedimento.

A negativa foi recebida com surpresa. Doador de sangue voluntário desde os 16 anos, o rapaz diz que imaginava que não teria problemas em concretizar o ato voluntário, pois já estava ciente da decisão recente do STF. “Eu argumentei sobre a decisão do Supremo, mas a atendente disse que eles ainda não haviam recebido nenhuma informação sobre isso”, diz ele. “Eu fiquei muito triste. A doação de sangue é uma causa nobre”, acrescenta.

A Defensoria Pública, que foi acionada pelo rapaz, emitiu ofício solicitando que a decisão que declarou a inaptidão do doador fosse reconsiderada. No ofício, o defensor público Philipe Arapian, coordenador do NUDH, comunicou à direção geral do Hugol sobre a decisão. Nela, o STF declarou, por maioria, que são inconstitucionais as normas da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e do Ministério da Saúde que impediam que homens homossexuais doassem sangue, com aspectos considerados discriminatórios e ofensivos à dignidade humana pela imposição de tratamento não igualitário injustificável.

Em resposta ao ofício, a diretoria técnica do Hugol comunicou que a unidade de coleta e transfusão do hospital passará a adotar o novo entendimento e que o voluntário poderá realizar a doação assim que tiver interesse. Com informações da assessoria de imprensa da DPE-GO. A identidade do doador foi preservada, a pedido dele.

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Juiz determina que avô faça visita virtual a neta

Sem contestação

Juiz determina que avô faça visita virtual a neta por videoconferência

Juiz garante a avô direito de visitar virtualmente a neta durante a pandemia
Reprodução

O juiz Ricardo Pereira Junior, da 12ª Vara da Família e Sucessões de São Paulo, acatou parcialmente o pedido da Defensoria Pública e concedeu o direito de um avô fazer uma visita virtual semanal à sua neta de dois anos durante a epidemia de Covid-19.

Antes de entrar com a ação, o avô tinha tido apenas contato telefônico com a neta apenas uma vez quando ela completou seu primeiro ano de vida, além da eventual visualização de fotos que o filho enviava por um aplicativo de troca de mensagens.

Em face do isolamento social em função da pandemia, o idoso pediu que as visitas sejam fixadas liminarmente por meio de videoconferências com duração de 1 hora. No pedido, a defensora pública Claudia Aoun Tannuri sustentou que, em razão do momento especial que estamos vivendo, embora não haja previsão legal para tal, a determinação de audiências de vídeo a medida alternativa salutar a ser imposta.

“Ante a atual situação de isolamento físico imposto pela pandemia da Covid-19, requer-se a fixação de regime provisório de visitas do autor em relação à neta, por meio de videoconferências, com duração de 1 hora, em terças-feiras, quintas-feiras e sábados, das 16h às 17h”, requereu.

“A criança não tem contato constante com o avô e os réus não apresentaram contestação. Assim, um contato gradual e constante com o autor, considerando-se ainda a tenra idade de Ana Rita mostra-se adequado ao convívio inicial”, diz trecho da decisão. Com informações da assessoria de imprensa da Defensoria Pública de São Paulo.

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Revista Consultor Jurídico, 15 de junho de 2020, 18h44

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Abelardo Neto: Sobre o novo entendimento do Fisco

Após muitas discussões e divergências de entendimentos sobre o enquadramento dos incentivos fiscais de ICMS como subvenção para investimentos objetivando sua exclusão da base de cálculo de IRPJ e CSLL da pessoa jurídica, mesmo após o advento da Lei Complementar nº 160/2017, a Receita Federal se manifestou sobre o assunto, colocando fim a eventuais dúvidas existentes dos contribuintes.

Por meio das Soluções de Consultas COSIT nºs 11, de 4 de março de 2020, 15/2020, 99001/2020 e 99002/2020, o Fisco reconhece que a mencionada LC atribui a qualificação de subvenção para investimentos a todos os incentivos e os benefícios fiscais ou econômico-fiscais relativos ao ICMS.   

O artigo 30 da Lei nº 12.973/2014 possibilita que as subvenções para investimentos não sejam computadas na determinação do lucro real, desde que registradas em reserva de lucros, observados os requisitos previstos em seus incisos I e II, que estabelecem sua utilização na absorção de prejuízos ou aumento do capital social.

O artigo não define o que seria subvenção de investimentos, mencionando apenas que estariam abrangidas em tal conceito as isenções ou reduções de base de cálculo de tributos, concedidas como estímulo à implantação ou expansão de empreendimentos econômicos.

Portanto, a legislação permite que as subvenções para investimento deixem de ser computadas na determinação do lucro real, desde que observadas as condições previstas. A divergência que sempre existiu foi quanto ao enquadramento de benefícios fiscais de ICMS como uma subvenção para investimento para fins de apuração do lucro real da pessoa jurídica.

A Receita Federal, com fundamento no Parecer Normativo CST nº 112/1978, tinha posicionamento no sentido de que seria considerado como subvenção para investimento os incentivos concedidos em que restasse clara a intenção de subvencionar para investimento, bem como a efetiva e específica aplicação da subvenção, pelo beneficiário, nos investimentos previstos na implantação ou expansão do empreendimento econômico projetado.

Assim, para ser considerada subvenção para investimento o Fisco exigia do beneficiário a efetiva aplicação da renúncia fiscal em bens ou direitos utilizados com o fim de implantação ou expansão de seu empreendimento econômico.

A Lei Complementar nº 160/2017 acrescentou os §§ 4º e 5º no artigo 30 da Lei nº 12.973/2014, prevendo que os incentivos e os benefícios fiscais ou financeiro-fiscais relativos ao ICMS seriam considerados subvenções para investimentos, vedada a exigência de outros requisitos ou condições não previstos no artigo, sendo que tal disposição seria aplicável aos processos administrativos e judiciais ainda não definitivamente julgados.

Mesmo após a publicação da referida LC, persistiam dúvidas se o Fisco federal manteria seu entendimento restritivo em relação ao enquadramento de incentivos e benefícios fiscais de ICMS como subvenção para investimento, exigindo indevidamente a efetiva aplicação da subvenção em bens ou direitos utilizados com o fim de implantação ou expansão do empreendimento econômico do beneficiário.

Contudo, com o advento da Solução de Consulta COSIT nº 11/2020 restou definitivamente esclarecido que nos termos das disposições da Lei Complementar nº 160/2017 todos os incentivos e os benefícios fiscais ou econômicos-fiscais de ICMS são caracterizados como subvenção para investimentos, afastando, de forma expressa, as conclusões anteriormente lançadas no mencionado Parecer CST no 112/78.

Assim, os únicos requisitos que passam a ser de observância obrigatória para validar o reconhecimento do benefício fiscal de ICMS como uma subvenção para investimento são aqueles previstos no caput e nos incisos I e II do artigo 30 da Lei no 12.973/14, vale dizer, ser registrado em reserva de lucros e utilizado para absorção de prejuízos ou aumento do capital social.

Importante destacar que a Solução de Consulta Cosit possui efeito vinculante no âmbito da Receita Federal, respaldando os contribuintes que a observarem, conforme previsto no 9º, da Instrução Normativa RFB nº 1.396/2013.

Dessa forma, ante a expressa confirmação do Fisco federal sobre o assunto, não há mais dúvidas de que todos os incentivos fiscais de isenção ou redução de base de cálculo de ICMS se enquadrariam como subvenção para investimento, podendo ser excluídos da base de cálculo de IRPJ e CSLL da pessoa jurídica.

Aplicando esse entendimento de forma retroativa, conforme possibilita o parágrafo 5º do referido artigo 30 da Lei no 12.973/14, é possível aos contribuintes a revisão da apuração do IR/CSLL no período de cinco anos anteriores, objetivando apurar se houve recolhimento a maior em razão da não exclusão dos benefícios fiscais do ICMS na apuração do lucro real.

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Luciana Gouvêa: Soluções online para os conflitos

João Pedro e Danielle assinaram documento declarando união estável em dezembro de 2019. Três meses antes, em setembro, José Rafael e Clara tiveram a grande emoção de receber o mais novo representante da família, seu primeiro filho. Marialice e Gabriel Luís estão apaixonados, mas cada um mora no seu bairro. Edinho e Luana estão casados há mais de 30 anos e trabalham firme, ele nas duas startups que fundou e ela aplicando terapias alternativas.

O que esses quatro casais têm em comum? As crises que estão passando em 2020 devido à doença do coronavírus (Covid-19), doença infecciosa que faz as pessoas adoecerem apresentando inicialmente sintomas leves a moderados, transmitida principalmente por meio de gotículas de algum infectado que tosse, espirra ou exala, mas que tem levado a óbito aproximadamente seis pessoas de cada cem contaminadas (junho/2020).

O vírus, além de estar impactando a política e a economia mundiais, trouxe os mais diferentes desafios nas relações familiares e pessoais devido às determinações de isolamento social. Exemplo disso foi o registro de crescimento de 82% da pergunta “como dar entrada em um divórcio?” (dados do Google Brasil de abril), também o número recorde de pedidos de divórcio em uma das cidades da China e, mais recentemente, a suspensão de casamentos e divórcios determinada pelo Ministério da Justiça da Rússia.

Ademais, devido ao aumento das mortes em todo o mundo, especialmente entre pessoas com mais idade, incluindo chefes de família e fundadores de empresas, as consultas referentes às questões relativas a herança, partilha e sucessão de bens aumentaram expressivamente nos escritórios de advocacia.

Ora, se os tribunais brasileiros já estão abarrotados de processos (79 milhões), quem vai solucionar as possíveis crises desse momento, quando os acontecimentos podem ser tratados como casos fortuitos ou de força maior devido à determinação de quarentena para todos? Como o Judiciário decidirá sobre quem tem ou não razão se houver desentendimento entre casais, entre sócios ou herdeiros, ou qualquer quebra de contrato?

Primeiramente, vale esclarecer, nos casos fortuitos ou de força maior há a possibilidade de descumprimento das obrigações devido à ocorrência de algo inevitável, previsível ou não, como o caso da pandemia da Covid-19, por isso vivemos tempos de grande insegurança econômica e jurídica e, para momentos assim, de excepcionalidade, melhor usar de precaução consultando bons advogados que auxiliem na resolução do conflito porventura existente, tanto entendendo das leis vigentes, quanto atuando com métodos de autocomposição, a fim de ser possível às partes a realização de negociação ganha-ganha e das soluções melhores para todos os envolvidos.

Ademais, existem diversas medidas anticonflitivas que podem ser realizadas em cartório, e até mesmo particularmente, para aqueles quatro casais e para tantos outros poderem evitar usar os serviços lentos e caros da Justiça  brasileira. Doações, testamentos, contratos de namoro, divórcios via escritura pública e inventários extrajudiciais também, assim como partilha de bens fora do Judiciário, negociação de dívidas tributárias de empresas com uso de precatórios judiciais ou de dívidas com outros credores por intermédio de recuperação extrajudicial, e muito mais, são algumas das possibilidades.

Se um ente familiar faleceu e deixou bens, para que esses bens (imóveis, investimentos, empresas etc) sejam transmitidos aos seus sucessores, eles devem ser organizados e divididos. Isso já pode ser feito fora do Poder Judiciário (inventário extrajudicial), o que acarreta agilidade e barateamento de custos. Foi a Lei 11.441/07 que desburocratizou o procedimento de inventário, e também possibilitou efetuar divórcios e partilhas de bens nos cartórios, por meio de escritura pública, de forma rápida, simples e segura, mas exigindo a participação de ao menos um advogado para assistência das partes.

Para as possíveis desavenças daqueles quatro casais que já completaram três meses de reclusão devido à pandemia, vale a busca por profissionais do Direito, mas também especialistas em conciliação e mediação, técnicas amplamente adotadas para solucionar as questões controvertidas, muito praticadas em países de primeiro mundo e estimuladas pelo Conselho Nacional de Justiça que normatizou audiências virtuais pela Plataforma Emergencial de Videoconferência (Portaria nº 61/2020 do CNJ) e que recentemente anunciou nova plataforma para realização de sessões de conciliação e mediação, totalmente online, especialmente para resolver os conflitos desse tempo de Covid-19.

Mesmo nesse período de proibição de ações presenciais, é possível buscar a melhor solução para os conflitos de maneira virtual, por intermédio de videoconferência, até mesmo iniciar pedidos online de divórcio, de divisão de bens, de acerto de dívidas, ou simplesmente buscar informação sobre o que é legal, e o que não está de acordo com a legislação ou conforme os julgamentos jurisprudenciais, lembrando que essas são atividades técnicas e devem ser exercidas por profissionais do Direito, imparciais, sem poder de decisão, experientes na facilitação das soluções consensuais de conflitos.

 é advogada, diretora-executiva do escritório Gouvêa Advogados Associados (GAA), pós-graduada em Neurociências Aplicadas à Aprendizagem (UFRJ) e em Finanças com Ênfase em Gestão de Investimentos (FGV) e especialista em Mediação e Conciliação de Conflitos e Proteção Patrimonial legal.

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Corregedor edita norma para que vulneráveis tenham acesso a registro

Desde o último dia 9 os cartórios de Registro Civil de Pessoas Naturais devem enviar, de forma gratuita, os dados registrais das pessoas em estado de vulnerabilidade, aos Institutos de Identificação dos Estados e do Distrito Federal, para fins exclusivos de emissão de registro geral de identificação. A determinação é do corregedor nacional de Justiça, ministro Humberto Martins, ao editar o Provimento nº 104/2020.

Gil Ferreira/Agência CNJ

De acordo com o normativo, o envio dos dados registrais pode ser realizado diretamente pelos cartórios de registro civil ou pela Central de Informações de Registro Civil de Pessoas Naturais (CRC), de forma eletrônica, em até 48 horas, a contar do recebimento da solicitação.

Martins ressaltou que a edição do ato normativo se baseou no compromisso social do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e da Corregedoria Nacional de Justiça de ampliação do acesso ao cidadão brasileiro à documentação civil básica, mediante colaboração e articulação dos entes públicos.

“Editamos esse provimento considerando que as pessoas em situação de vulnerabilidade social não têm condições socioeconômicas de obter os dados registrais para o exercício de direitos fundamentais, atingindo o exercício da cidadania, o que, por questão humanitária e escopo do Estado Democrático de Direito, exige esforços das instituições para a sua superação”, afirmou o corregedor nacional.

A edição do normativo também faz parte da adesão da corregedoria nacional à Agenda 2030 das Nações Unidas (Provimento nº 85/2019), que dispõe no item 16.9 como Objetivo de Desenvolvimento Sustentável que “até 2030, fornecer identidade legal para todos, incluindo o registro de nascimento”.

Situação de vulnerabilidade

O normativo estabelece, como em estado de vulnerabilidade socioeconômico, a população em situação de rua, definida no Decreto nº 7.053/2009; os povos e comunidades tradicionais, hipossuficientes, definidos no Decreto nº 6.040/2007; pessoa beneficiada por programas sociais do governo federal; pessoa com deficiência ou idosa incapaz de prover sua manutenção, cuja renda familiar per capta, seja igual ou inferior a ¼ do salário mínimo; e migrantes, imigrantes e refugiados sem qualquer identidade civil nacional.

A comprovação das hipóteses previstas no Provimento nº 104 será efetuada pelos órgãos públicos, inclusive de assistência social dos Estados e municípios, no momento em que formularem a solicitação aos institutos de identificação, e o agente público que, falsamente, atestar a existência de estado de vulnerabilidade socioeconômica inexistente, incorrerá em crime. Com informações da assessoria de imprensa do CNJ.

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Caio Druso: Marco Aurélio, 30 anos e adiante

“Processo não tem capa; tem conteúdo.”

“Não faço questão de formar na corrente majoritária.”

“Não ocupo cadeira voltada a relações públicas.”

Tempos estranhos, muito estranhos, geradores de grande perplexidade.”

“Onde está a liturgia?”

Estudantes e doutores, que todos somos, mesmo quando sem prática ou diploma, numa era em que todos parecem saber tudo, conhecemos a autoria dessas e de tantas expressões que, em cadência marcada, como se o oral e o erudito fossem um apenas, brotam dos votos e das imagens do ministro Marco Aurélio, no Supremo Tribunal Federal há trinta anos.

Pode-se concordar ou discordar do ministro em quase tudo — e penso até que a discordância lhe trará mais alegria. Mas não se pode ficar, jamais, indiferente a ele. Também se pode concordar ou discordar das decisões que, ao longo desse longo tempo, o ministro Marco Aurélio apresentou. Mas não há como negar o impacto que ele já trouxe, e continua trazendo, à história do Brasil e de sua Justiça.

Na trajetória desses tantos anos, desde quando Marco Aurélio assumiu a cadeira que ocupa, muitas manifestações cotidianas e insistentes, que eram minoria e, ao longo do tempo, passaram a prevalecer, em temas como os da vedação da progressão da pena dos crimes hediondos (HC 69.657), e da prisão somente após o trânsito em julgado (HC 126.292), têm se associado a atos de coragem.

Foi o que se deu com a TV Justiça, inciativa pioneira que, na presidência do Supremo Tribunal, Marco Aurélio conduziu, enfrentando resistências e, mais com elas do que apesar delas, assumindo os ônus de uma decisão que faz dessa Corte, entre todas as Cortes de Justiça que existem no mundo, talvez a mais pública, a mais transparente e, portanto, a que mais se expõe ao escrutínio social.

Foi o que se deu, também, com a questão dos juros previstos no texto original do artigo 192, § 3º, da Constituição de 1988. Quando a Carta era ainda uma esperança, Marco Aurélio foi vencido no voto da ADI nº 4, em que sustentava que o limite de 12% disposto naquele texto era, mesmo, um limite real. A disposição constitucional precisou ser revogada para que o voto do ministro fosse esvaziado e, não houvesse essa revogação, apesar de tudo o que se disse em contrário, continuaria o texto a prever que “as taxas de juros reais, nelas incluídas comissões e quaisquer outras remunerações direta ou indiretamente referidas à concessão de crédito, não poderão ser superiores a 12% ao ano”.

Da mesma forma, quando era candente e público o debate sobre a interrupção da gestação por anencefalia, como relator da ADPF nº 54, em 2004, Marco Aurélio deferiu uma liminar que, em análise histórica, naquele momento ao menos, seria certamente desconstituída pelo colegiado. Oito anos depois, e somente depois desse longo período de maturação, é que o processo foi levado a julgamento pelo ministro. Pela maciça maioria de seus pares, a liminar foi confirmada no Supremo.

No arco de 30 anos cabe uma vida inteira. No caso de Marco Aurélio, pode-se dizer que são muitas as vidas. O Supremo de hoje não é diferente daquele que existia em 13 de junho de 1990, quando ele assumiu sua cadeira, apenas na forma de se expor a público e de deliberar, ou na composição dos julgadores, mas também no direito que examina e que aplica, e nos desafios institucionais que lhe são apresentados.

Desafios que, nos dias que correm, vêm tornando necessário ao Supremo Tribunal explicitar, inclusive, regras tão óbvias quanto as de que ao Judiciário cabe arbitrar os conflitos, de que o espaço de discussão quanto ao cumprimento de suas decisões está no próprio sistema de justiça, e de que a manutenção dos procedimentos legais é a melhor garantia para tempos de incerteza.

Ao longo dessas três décadas, Marco Aurélio não tem deixado de decidir, de atuar e de se manifestar, por mais diversas e adversas que tenham sido as circunstâncias, e por maiores que tenham sido as resistências. Nesses dias inquietos, nos quais persiste uma pandemia que parece não ter fim, e nos quais as crises internas são tão cotidianas que já se fazem previsíveis, não poderiam ser mais oportunas as homenagens que se prestem a quem, como ele, faz parte da história, do presente e do futuro da Justiça e do Brasil.

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Uma jurisprudência de família (re)construída na pandemia

O chão de vida das pessoas é normalmente o chão de suas casas, quando ali suas vidas são assentadas a partir da família. Construo essa metáfora indicando-a como um dogma íntimo que orienta o direito familista.

Segue-se, então, que a jurisprudência, ao equacionar a família conforme seu estado de vida experenciado, seja por interesses comuns ou por conflitos intrafamiliares existentes, deve, a tanto, ser o justo meio para uma justa medida do direito. A jurisprudência aperfeiçoa a lei; chega, muitas vezes, antes dela e o seu prestígio é o direito espontâneo.

Jean Cruet explicou: “A lei vem de cima: as boas jurisprudências fazem-se em baixo”, ponderando que “se a lei dissimula de maneira quase completa a vida espontânea do direito, não é verdade que a tenha inteiramente suprido”.

O tema ganha destaque, no tempo da pandemia, com uma jurisprudência da crise da Covid-19, em seara do direito de família, edificando novos paradigmas ou um novo direito sobreprocessual. Diante das atuais situações emergenciais, tempo no Judiciário não é substantivo: transmuda-se ontologicamente em verbo. No Judiciário, o “ser-tempo”, na função de verbo, está no núcleo do princípio de acesso à justiça pelo viés de uma justiça otimizante.

Impõe-se, portanto, assinalar os recentes julgados, com uma jurisprudência (re)construída por novas percepções:

(i) Alimentos e Prisão civil.
1.Tudo começou com a análise prefacial do HC n° 566.021-CE, perante a 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça. O ministro Paulo de Tarso Sanseverino determinou: “considerando a gravidade da atual situação de pandemia pelo coronavírus — Covid-19 — a exigir medidas para contenção do contágio e em atenção à Recomendação CNJ n. 62/2020, deve ser assegurado aos presos por dívidas alimentares o direito à prisão domiciliar” (23.03.20). Logo a seguir, a pedido da Defensoria Pública da União, a medida liminar foi estendida para todo o território nacional (26.03.20). Importa realçar que a importante decisão atendeu à situação daqueles já encarcerados por dívidas alimentares (02)

Bem de ver, por essencial, que (i) a Recomendação CNJ n. 62/6020, em seu artigo 6º, tratou de considerar “a colocação em prisão domiciliar das pessoas presas por dívida alimentícia, com vistas à redução dos riscos epidemiológicos”. A cláusula decisiva: “pessoas presas”; (ii) tratou-se de HC Coletivo apenas Liberatório e não também preventivo.

2. Sucede, adiante, o HC Coletivo nº 551311.7 do Órgão Especial do Tribunal de Justiça de Pernambuco também analisar a situação de demais devedores alimentantes, ainda não presos. Como Relator do pedido, entendi pela suspensão do cumprimento da ordem, sem o implemento imediato de medida substitutiva de prisão civil em regime domiciliar. Nesse passo, ultrapassado o prazo de 90 dias, as dívidas preexistentes e as demais do período protraído, autorizarão a prisão civil das parcelas impagas e acumuladas (26.03.20 e 04.05.20).

3. Nessa mesma linha do TJPE, posicionou-se o Min. Villas Boas Cuevas, do Superior Tribunal de Justiça, perante a 3ª Turma, ao denegar pedido de Habeas Corpus (01.06.20), afirmando, com precisão cirúrgica, que:

a) “Assegurar aos presos por dívidas alimentares o direito à prisão domiciliar é medida que não cumpre o mandamento legal e que fere, por vias transversas, a própria dignidade do alimentando. Não é plausível substituir o encarceramento pelo confinamento social — o que, aliás, já é a realidade da maioria da população, isolada no momento em prol do bem-estar de toda a coletividade”;

b) Como não é possível a concessão da prisão domiciliar, admite-se, excepcionalmente, a suspensão da prisão dos devedores de pensão alimentícia em regime fechado, enquanto durar a pandemia”.

c) Isto é: “A prisão civil suspensa terá seu cumprimento no momento processual oportuno, já que a dívida alimentar remanesce íntegra, pois não se olvida que, afinal, também está em jogo a dignidade do alimentando — em regra, vulnerável”. (03)

4. Pois bem. Afetado o julgamento do HC nº 566.021-CE, à 2ª Seção do STJ, para uniformização de jurisprudência, houve, em sessão de quarta-feira passada (10/06) de ser adiado para o próximo dia 24 de junho. O adiamento proposto pelo relator min. Paulo de Tarso Sanseverino fundou-se em duas premissas de base: a) o prazo de sanção do PL n. 1.779/20 vir a se encerrar naquele dia; b) em editada a lei dispondo sobre a questão, haver de se deliberar terá ela ou não efeitos retroativos (04).

5. Ocorre, logo em seguida, a edição da Lei nº 14.010/20, de 10 de junho (05).

O seu artigo 15 expressa: “Até 30 de outubro de 2020, a prisão civil por dívida alimentícia, prevista no art. 528 § 3º e seguintes da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil), deverá ser cumprida exclusivamente sob a modalidade domiciliar, sem prejuízo da exigibilidade das respectivas obrigações”.

Diante do teor do dispositivo, o que se tem de sua teleologia é o propósito incontroverso de impedir a prisão civil em regime fechado, como é de sua característica e essência, quando em atual momento de imensa gravidade de risco o devedor inadimplente ou recalcitrante ao cumprimento de suas obrigações alimentares estaria mais exposto ao coronavírus.

Como será incontroverso também entender que o art. 15 não poderá significar ou atrair estímulo ao inadimplemento do devedor, dentro do mesmo período. Eis a questão decisiva, por dignidade do alimentando.

6. Nessa esteira, questões subjacentes estão postas:

a) implica dizer, por implicitude, que o cumprimento da ordem terá de ser feito imediatamente após o decreto judicial da prisão civil, a sugerir o manejo incontinenti do regime domiciliar?

b) Ou poderá ser protraída a sua execução, suspensos os efeitos do decreto de prisão civil e/ou das demais prisões que venham ser decretadas, como já se posicionou a 3ª Turma do STJ?

c) Em hipótese anterior (b), o cumprimento da ordem terá sua incidência a partir de 31.10.20, ou a suspensão da prisão civil estará condicionada a tempo próprio, segundo o prudente arbítrio do juízo competente, conforme o adequado controle da disseminação do Covid-19, em sua jurisdição?

d) Como interpretar a cláusula “sem prejuízo da exigibilidade das respectivas obrigações”, diante da exata latitude do Enunciado 309 da Súmula 309 do STJ, uma vez afastado o perigo de contágio?

Reserva-se esse capítulo para o próximo dia 24, no STJ.

7. Lado outro, não há negar acerca da possibilidade combinatória dos ritos de execução, com relevo no Enunciado n. 32 do IBDFAM, aprovado no seu XII Congresso Brasileiro, realizado em outubro de 2019:

“É possível a cobrança de alimentos, tanto pelo rito da prisão como pelo da expropriação, no mesmo procedimento, quer se trate de cumprimento de sentença ou de execução autônoma”.

8. No mais, há de se reconhecer, em nossa ordem jurídica, não existir a figura penal do inadimplemento alimentar, com tratamento específico; embora o elemento obrigacional esteja na espécie do abandono material do art. 244 do Código, em sua atual redação dada pela Lei nº 10.741, de 01.10.2003 (06)

Em Portugal, todavia, enquanto o seu Código Civil preceitua no seu art. 1.675, nº1 que “o dever de assistência compreende a obrigação de prestar alimentos e a de contribuir para os encargos da vida familiar”, o Código Penal, em seu art. 250, trata, com devida exatidão e maior aplicabilidade, do crime de violação da obrigação de prestação de alimentos.

O elemento objetivo do tipo penal, introduzido no Código Penal português pelo Decreto n° 48/1995, é de criminalizar o devedor que, reunindo condições de adimplir a obrigação queda-se inerte em satisfazê-la. Mas não é só: nas hipóteses em que o alimentando estiver exposto a perigo em suas necessidades fundamentais, a pena de prisão será de até dois anos.

(ii) Alimentos compensatórios

Questão enfrentada pelo Superior Tribunal de Justiça, no último dia 2 de junho, em caráter prefacial, no Recurso de Habeas-Corpus nº 117.996-RS – (2019/0278331-0), discutiu a natureza indenizatória e/ou compensatória dos alimentos compensatórios frente à possibilidade de prisão civil em hipótese do inadimplemento da obrigação.

Sob a relatoria do ministro Marco Aurélio Bellize, da 3ª Turma do STJ, resultou assente que:

“O inadimplemento dos alimentos compensatórios (destinados à manutenção do padrão de vida do ex-cônjuge que sofreu drástica redução em razão da ruptura da sociedade conjugal) e dos alimentos que possuem por escopo a remuneração mensal do ex-cônjuge credor pelos frutos oriundos do patrimônio comum do casal administrado pelo ex-consorte devedor não enseja a execução mediante o rito da prisão positivado no art. 528, § 3º, do CPC/2015, dada a natureza indenizatória e reparatória dessas verbas, e não propriamente alimentar”. (07)

O tema é relevante e recorrente, a distinguir a finalidade do tipo-espécie dos alimentos, em seu caráter ressarcitório, com aqueles destinados à subsistência do alimentando, valendo referir os excelentes estudos de doutrina, a respeito, dos juristas Zeno Veloso, José Fernando Simão, Rolf Madaleno e Otávio Luiz Rodrigues Júnior (08).

(iii) Medidas do art. 139, IV, CPC

O Superior Tribunal de Justiça, em julgamento da Reclamação n° 37.521, por sua 3ª Turma, sob a relatoria da Min. Nancy Andrigui, admitiu a aplicação das medidas preconizadas pelo art. 139, IV, do Código de Processo Civil, em ações investigatórias de paternidade, dimensionando o devido e adequado alcance da nova norma processual trazida pelo CPC/2015 (09).

A posição coincide com a doutrina do jurista Flávio Tartuce defendendo a utilização de medidas coercitivas atípicas do art. 139, inciso IV, do CPC nas ações de família em tempos pandêmicos e pós-pandêmicos (10).

O entendimento jurisprudencial sufragado, na extensão de suas latitudes, destacou:

“A impossibilidade de condução do investigado “debaixo de vara” para a coleta de material genético necessário ao exame de DNA não implica na impossibilidade de adoção das medidas indutivas, coercitivas e mandamentais autorizadas pelo art. 139, IV, do novo CPC, com o propósito de dobrar a sua renitência, que deverão ser adotadas, sobretudo, nas hipóteses em que não se possa desde logo aplicar a presunção contida na Súmula 301/STJ ou quando se observar a existência de postura anticooperativa de que resulte o non liquet instrutório em desfavor de quem adota postura cooperativa, pois, maior do que o direito de um filho de ter um pai, é o direito de um filho de saber quem é o seu pai”.

E com maior e elogiável alcance construtivo determinou:

“Aplicam-se aos terceiros que possam fornecer material genético para a realização do novo exame de DNA as mesmas diretrizes anteriormente formuladas, pois, a despeito de não serem legitimados passivos para responder à ação investigatória (legitimação ad processum), são eles legitimados para a prática de determinados e específicos atos processuais (legitimação ad actum), observando-se, por analogia, o procedimento em contraditório delineado nos art. 401 a 404, do novo CPC, que, inclusive, preveem a possibilidade de adoção de medidas indutivas, coercitivas, sub-rogatórias ou mandamentais ao terceiro que se encontra na posse de documento ou coisa que deva ser exibida”.

Como se observa do alinhamento jurisprudencial em ordem da atual crise da pandemia do Coronavid-19, uma nova jurisprudência está sendo apresentada, em prol da efetividade dos direitos e da instrumentalidade processual.

O presente momento é auspicioso para uma postura de jurisdição concretizada pelo sacramento de justiça perante a vida.

Na lição de Nelson Hungria tem-se que a vida, por ser uma variedade infinita, uma verdade difícil, nunca lhe assentam com irrepreensível justeza as roupas feitas da lei e os figurinos da doutrina.

Abner de Vasconcelos realçou o problema, reconhecendo que, não obstante a lei represente a fonte imediata do direito, a jurisprudência “é talvez a corrente mais rica da sua formação”, por refletir a necessidade sentida ao contato da vida real, sendo um fator eficiente na fixação de princípios.

Nessa nova produção de justiça, coloque a jurisprudência mais direito na vida e mais vida na vida da justiça. Que seja dita a justiça feita, dissipando as manifestações de carências e as tensões sociais; eficiente e imediata.

Ao modo dos ingleses:

“Justice must not only be done but also be seen to be done” (“A justiça não deve apenas ser feita, é preciso também que seja visto que ela foi feita”)

Anotações:

(01) CRUET, Jean. “A Vida do Direito e a Inutilidade das Leis”. Lisboa: Editorial Ibero-Americana, 239 p., p. 57.

(02) Web:

https://ww2.stj.jus.br/processo/dj/documento/mediado/?componente=MON&sequencial=107921477&tipo_documento=documento&num_registro=202000728103&data=20200325&formato=PDF

(03) Web:

http://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/Terceira-Turma-nega-regime-domiciliar–mas-suspende-prisao-de-devedor-de-alimentos-durante-a-pandemia.aspx

Web: https://www.conjur.com.br/2020-jun-02/devedor-pensao-prisao-suspensa-fim-epidemia

(04) Web: https://www.conjur.com.br/2020-jun-10/sancao-lei-adia-definicao-prisao-pensao-pandemia

(05) Web: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/lei/L14010.htm

(06) Art. 244. Deixar, sem justa causa, de prover a subsistência do cônjuge, ou de filho menor de 18 (dezoito) anos ou inapto para o trabalho, ou de ascendente inválido ou maior de 60 (sessenta) anos, não lhes proporcionando os recursos necessários ou faltando ao pagamento de pensão alimentícia judicialmente acordada, fixada ou majorada; deixar, sem justa causa, de socorrer descendente ou ascendente, gravemente enfermo:

(07) Web: Web: https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=1948444&num_registro=201902783310&data=20200608&formato=PDF

(08) Web: https://www.conjur.com.br/2014-jan-08/direito-comparado-alimentos-compensatorios-brasil-exterior-parte

Web: https://www.conjur.com.br/2014-jan-15/direito-comparado-alimentos-compensatorios-brasil-exterior-parte

Web: https://www.conjur.com.br/2014-jan-22/direito-comparado-alimentos-compensatorios-brasil-exterior-parte

Web: https://www.conjur.com.br/2014-fev-05/direito-comparado-alimentos-compensatorios-brasil-exterior-parte

(09) Web: https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=1941100&num_registro=201900610800&data=20200605&formato=PDF

(10) Web: http://www.flaviotartuce.adv.br/

 é desembargador decano do Tribunal de Justiça de Pernambuco, integra a Academia Brasileira de Direito Civil, membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM) e membro fundador do Instituto Brasileiro de Direito Contratual (IBDCont)