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Ministro propõe julgamento coletivo de atos de outros Poderes

Autocontenção do Judiciário

Marco Aurélio pede que atos de outros poderes sejam julgados por colegiado

O ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal, encaminhou à presidência da corte ofício solicitando que as decisões relativas à atuação de outros poderes sejam tomadas pelo colegiado, seja no Plenário ou nas turmas.

O ministro cita como motivação “a exceção de vir o Supremo a afastar a eficácia de ato de outro Poder, enquanto Poder” e “a necessidade de guardar a Lei das Leis, a Constituição Federal”.

Assim, propõe emenda ao Regimento Interno do Supremo para dar ênfase à atuação colegiada, com o objetivo de preservar a harmonia entre os poderes por meio da autocontenção do Judiciário.

Clique aqui para ler o ofício

Revista Consultor Jurídico, 4 de maio de 2020, 15h34

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Ministro do STJ coordena grupo de trabalho contra violência doméstica

O ministro Rogerio Schietti Cruz, do Superior Tribunal de Justiça, foi indicado coordenador do grupo de trabalho criado pelo Conselho Nacional de Justiça para elaborar sugestões de medidas emergenciais de prevenção à violência doméstica e familiar durante o isolamento social decorrente da pandemia do coronavírus.

Miriam Zomer/Agência ALSchietti coordena grupo de trabalho contra violência doméstica na epidemia

O grupo foi criado pela Portaria 70/2020 após a confirmação do aumento do registro de casos de violência contra a mulher durante o isolamento social em várias regiões do Brasil e tendo em vista a necessidade de priorizar o atendimento às vítimas.

“O agressor nos crimes de violência doméstica costuma ser o próprio companheiro ou ex-companheiro, que, por diversas razões, pratica todo tipo de violência com a parceira, que se encontra em uma situação de vulnerabilidade. Atualmente, com o isolamento social, com a recomendação de que as famílias fiquem em casa, temos observado um significativo aumento no número de casos de violência doméstica”, declarou o ministro.

Schietti afirmou que a iniciativa de elaboração de medidas emergenciais para prevenir essas ocorrências é importante porque, na situação de isolamento social, as vítimas não estão tendo acesso a outras pessoas e encontram mais dificuldade para pedir ajuda aos órgãos públicos.

Reunião virtual

A primeira reunião do grupo, de forma virtual, aconteceu na última segunda-feira (27/4). O grupo pretende realizar estudos e apresentar diagnósticos que conduzam ao aperfeiçoamento dos marcos legais e institucionais, sugerindo medidas que garantam maior celeridade, efetividade e prioridade no atendimento às vítimas de violência doméstica e familiar.

Uma das providências já deliberadas, segundo Schietti, foi a determinação para que as ocorrências policiais de violência contra a mulher possam ser registradas também por meio da internet. “Essa medida pode auxiliar no processo de apuração de fatos criminosos”, observou.

Sinal de socorro

O ponto principal debatido foi a criação de uma campanha publicitária para a divulgação do “sinal vermelho para a violência contra a mulher” — procedimento de auxílio às vítimas já adotado em outros países. Schietti esclareceu que a ideia é dar à mulher vítima de violência uma forma de pedir socorro sem se expor a riscos, o que pode ser muito útil em determinadas situações: desenhando um “X” com um batom vermelho na própria mão, ela teria a oportunidade de mostrar o sinal a qualquer pessoa — por exemplo, quando fosse a uma farmácia ou a algum outro estabelecimento comercial.

Essa forma de combate à violência exige ampla divulgação, para que as mulheres se sintam estimuladas a denunciar a agressão, quando não tiverem outra forma de fazê-lo, e para que as demais pessoas, potenciais receptoras do pedido de socorro, saibam o que ele significa e quais providências devem ser tomadas, por exemplo, chamar a polícia.

O grupo de trabalho também considera necessário ampliar a conscientização dos magistrados, por meio das escolas judiciais, acerca da importância de dar atendimento prioritário às mulheres vítimas de violência neste momento.

Estão sendo estudadas maneiras de envolver parceiros da sociedade civil — como ONGs e empresas com grande número de empregadas que tenham contato direto com suas clientes — em iniciativas para aumentar o nível de informação e de consciência das mulheres sobre seus direitos.

Prazo

O grupo tem prazo de 60 dias para apresentar propostas de políticas públicas judiciárias com o objetivo de modernizar e dar maior efetividade ao atendimento dos casos de violência doméstica ocorridas durante o período de quarentena. Com informações da assessoria de imprensa do Superior Tribunal de Justiça.

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Por pandemia, juíza suspende pagamento de acordo trabalhista

Força maior

Por pandemia, juíza suspende pagamento de acordo trabalhista em São Paulo

Juíza acatou pedido de empresa para suspender parcelamento de acordo
Gajus

A juíza Andrea Grossmann, da 87ª Vara do Trabalho de São Paulo, acatou pedido de suspensão de acordo trabalhista por 90 dias. No entendimento da magistrada, a pandemia do novo coronavírus é um motivo de força maior e que justifica a suspensão.

O pedido foi feito pela empresa VG Estacionamentos, que foi representada pelo escritório NWADV — Nelson Wilians e Advogados Associados.

Ao analisar o caso, a juíza aponta que a VG estava em dia com o pagamento e que a suspensão do parcelamento é pelo prazo máximo de 90 dias, “podendo ser revisto de acordo com o que vem sendo noticiado pela mídia, notadamente no que diz respeito aos atos governamentais”.

Segundo o advogado Leandro Dalponte, a magistrada se baseou no artigo nº 393, do Código Civil, que disciplina que “o devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado”.

“Dessa forma, diante de tantos prejuízos à saúde pública, também de prejuízos de ordem social e econômica ocasionadas ao país, se mostra medida mais do que proporcional, justa e razoável”, diz Dalponte.

“Trata-se de uma flexibilização do pagamento para o devedor que não possui qualquer culpa pelo inadimplemento de suas obrigações, possibilitando o recebimento pela parte reclamante, ainda que com pequena morosidade, do valor a que tem direito”, explica.

Clique aqui para ler a decisão

1001003-60.2019.5.02.0087

Revista Consultor Jurídico, 4 de maio de 2020, 14h17

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Opinião: Assembleias Legislativas e as mensalidades escolares

Muito se tem noticiado a respeito de projeto de várias assembleias legislativas buscando prever descontos nas mensalidades escolares durante o período de isolamento.

Com certeza, tal iniciativa serve para amenizar a aflição dos responsáveis pelo custeio da educação, tendo em vista a diminuição do poder aquisitivo provocada pela pandemia.

Muitos especialistas têm invocado dois precedentes do Supremo Tribunal Federal, mais precisamente a ADI 1.007/PE e a ADI 1.042/DF, para defender a inconstitucionalidade de leis estaduais que vierem a versar sobre matérias e obrigações típicas de direito civil, como as mensalidades escolares.

No entanto, entende-se que tais julgados não possuem a especificidade necessária.

Pois bem, começa-se pela competência dos Estados em se tratando do Direito do Consumidor.

Com efeito, a Constituição da República, em seu artigo 24, incisos V e VIII, atribui competência concorrente à União, aos Estados e ao Distrito Federal para legislar sobre produção e consumo e responsabilidade por dano ao consumidor.

O §1º desse artigo esclarece que, no âmbito da legislação concorrente, a competência da União limitar-se-á a estabelecer normas gerais.

E o §2º que a competência da União para as normas gerais não exclui a suplementar dos Estados.

Não se pode deixar de registrar que a jurisprudência mais recente da Suprema Corte é “no sentido de conferir uma maior ênfase na competência legislativa concorrente dos Estados quando o assunto gira em torno dos direitos do consumidor”. (ADI 6195, Relator: Min. ALEXANDRE DE MORAES, Tribunal Pleno, julgado em 27/03/2020, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-089 DIVULG 14-04-2020 PUBLIC 15-04-2020)

Na invocada ADI 1.007/PE, julgada há mais de uma década, percebe-se que a lei impugnada estabeleceu prazo para o pagamento das mensalidades escolares naquela unidade da federação.

No julgamento final, entendeu-se que referido diploma tratou de matéria cuja competência foi atribuída à União, nos termos do disposto no artigo 22, inciso I, da Constituição da República, por entender que tal previsão tinha natureza de norma de Direito Civil (relações contratuais), de competência da União.

Já na ADI 1.042/DF, também julgada há bastante tempo, a situação, aparentemente, aproxima-se mais da que está sendo aqui objeto de estudo, por ter a lei objurgada tratado de mensalidades escolares, taxas, descontos obrigatórios etc, de forma permanente, tendo, no caso, entendido o STF, por maioria, que a legislação distrital tratou de tema próprio de contratos, usurpando competência legislativa privativa da União. No voto condutor, fez-se referência, inclusive, à ADI 1.007, ao se elaborarem as seguintes indagações: “Quais peculiaridades? As do Estado. Que peculiaridades há no Estado de Pernambuco que justifiquem devam as mensalidades escolares ser pagas em dias diferentes dos outros? O que, a respeito, há de particular em Pernambuco, para que o Estado, supondo-se que houvesse lacuna normativa – mas não há-, pudesse legislar sobre mensalidades escolares?”. De fato, diante desses questionamentos, percebe-se que as legislações de PE e do DF tratavam de regras perenes, invadindo, sem dúvidas, a competência da União.

Aqui a situação é totalmente diversa, peculiar, fato este que permite sim aos Estados legislar a respeito do impacto da pandemia nas relações de consumo, até porque a cada Estado tem sido afetado de forma diferente.

A relação contratual de que se cuida aqui é sim travada entre prestador do serviço e consumidor, em uma situação excepcional de pandemia, e não meramente entre aquele e usuário do serviço público. Não seriam normas estaduais de caráter geral sobre contratos!

Há, na espécie, portanto, pura e simplesmente uma relação de consumo, o que enseja a ponderação do disposto no artigo 24, inciso V, da Constituição da República.

Enfatize-se, ao contrário do que se decidiu nas referidas ADI’s, eventual lei estadual que obrigue as escolas a concederem descontos na mensalidade durante a pandemia não estaria tratando de Direito Civil (contratual), mas sim de Direito do Consumidor, em situação emergencial, adequando-se à realidade local do Estado. Nesse sentido:

Ementa: AGRAVO INTERNO NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. MUNICÍPIO. COMPETÊNCIA SUPLEMENTAR PARA LEGISLAR SOBRE CONSUMO EM QUESTÕES QUE EVIDENCIAM O INTERESSE LOCAL. […] 7. O princípio geral que norteia a repartição de competência entre os entes componentes do Estado Federal brasileiro é o princípio da predominância do interesse, tanto para as matérias cuja definição foi preestabelecida pelo texto constitucional, quanto em termos de interpretação em hipóteses que envolvem várias e diversas matérias, como na presente Ação Direta de Inconstitucionalidade. 8. A própria Constituição Federal, portanto, presumindo de forma absoluta para algumas matérias a presença do princípio da predominância do interesse, estabeleceu, a priori , diversas competências para cada um dos entes federativos, União, Estados-Membros, Distrito Federal e Municípios, e, a partir dessas opções, pode ora acentuar maior centralização de poder, principalmente na própria União (CF, art. 22), ora permitir uma maior descentralização nos Estados-membros e Municípios (CF, arts. 24 e 30, inciso I). 9. Verifica-se que, na espécie, o Município, ao contrário do que alegado na petição inicial, não invadiu a competência concorrente da União, Estados e Distrito Federal para a edição de normas geral ou suplementar atinentes aos direitos do consumidor (CF, art. 24, V e VIII). Em realidade, o legislador municipal atuou no campo relativo à competência legislativa suplementar atribuída aos Municípios pelo art. 30, I e II, da Constituição Federal. 10. Com efeito, a legislação impugnada na presente Ação Direta atua no sentido de ampliar a proteção estabelecida no âmbito do Código de Defesa do Consumidor, o qual, apesar de apresentar amplo repertório de direitos conferidos ao consumidor e extenso rol de obrigações dos fornecedores de produtos e serviços, não possui o condão de esgotar toda a matéria concernente à regulamentação do mercado de consumo, sendo possível aos Municípios o estabelecimento de disciplina normativa específica, preenchendo os vazios ou lacunas deixados pela legislação federal (ADI 2.396, Rel. Min. ELLEN GRACIE, Tribunal Pleno, DJ de 1º/8/2003). 11. Não há que se falar, assim, em indevida atuação do Município no campo da disciplina geral concernente a consumo. 12. Agravo Interno a que se nega provimento. (RE 1181244 AgR, Relator: Min. ALEXANDRE DE MORAES, Primeira Turma, julgado em 23/08/2019, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-265 DIVULG 04-12-2019 PUBLIC 05-12-2019)

EMENTA: CONSTITUCIONAL. FEDERALISMO E RESPEITO ÀS REGRAS DE DISTRIBUIÇÃO DE COMPETÊNCIA. LEI ESTADUAL 18.752/2016 DO ESTADO DO PARANÁ. SERVIÇO PÚBLICO DE TELEFONIA MÓVEL E INTERNET. OBRIGAÇÃO DE FORNECER AO CONSUMIDOR INFORMAÇÕES SOBRE A VELOCIDADE DIÁRIA MÉDIA DOS SERVIÇOS DE INTERNET. DIREITO DO CONSUMIDOR. COMPETÊNCIA CONCORRENTE DOS ESTADOS (CF, ART. 24, V). IMPROCEDÊNCIA. 1. As regras de distribuição de competências legislativas são alicerces do federalismo e consagram a fórmula de divisão de centros de poder em um Estado de Direito. Princípio da predominância do interesse. 2. A Constituição Federal de 1988, presumindo de forma absoluta para algumas matérias a presença do princípio da predominância do interesse, estabeleceu, a priori, diversas competências para cada um dos entes federativos – União, Estados-Membros, Distrito Federal e Municípios – e, a partir dessas opções, pode ora acentuar maior centralização de poder, principalmente na própria União (CF, art. 22), ora permitir uma maior descentralização nos Estados-Membros e nos Municípios (CF, arts. 24 e 30, inciso I). 3. Entendimento recente desta SUPREMA CORTE no sentido de conferir uma maior ênfase na competência legislativa concorrente dos Estados quando o assunto gira em torno da defesa do consumidor. Cite-se, por exemplo, a ADI 5.745, Rel. ALEXANDRE DE MORAES, Red. p/ acórdão: Min. EDSON FACHIN, julgado em 7/2/2019. 4. A Lei Estadual 18.752/2016, ao obrigar que fornecedores de serviço de internet demonstrem para os consumidores a verdadeira correspondência entre os serviços contratados e os efetivamente prestados, não tratou diretamente de legislar sobre telecomunicações, mas sim de direito do consumidor. Isso porque o fato de trazer a representação da velocidade de internet, por meio de gráficos, não diz respeito à matéria específica de contratos de telecomunicações, tendo em vista que tal serviço não se enquadra em nenhuma atividade de telecomunicações definida pelas Leis 4.117/1962 e 9.472/1997. 5. Trata-se, portanto, de norma sobre direito do consumidor que admite regulamentação concorrente pelos Estados-Membros, nos termos do art. 24, V, da Constituição Federal. 6. Ação Direta julgada improcedente. (ADI 5572, Relator: Min. ALEXANDRE DE MORAES, Tribunal Pleno, julgado em 23/08/2019, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-195 DIVULG 06-09-2019 PUBLIC 09-09-2019)

[…] COMPETÊNCIA NORMATIVA – CONSUMIDOR – PROTEÇÃO – AMPLIAÇÃO – LEI ESTADUAL. Ausente a instituição de obrigações relacionadas à execução contratual da concessão de serviço de telecomunicações, surge constitucional norma estadual a vedar a realização de “cobranças e vendas de produtos via telefone, fora do horário comercial, nos dias de semana, feriados e finais de semanas”, ante a competência concorrente dos Estados para legislar sobre proteção aos consumidores – artigo 24, inciso V, da Constituição Federal. Precedente do Plenário: ação direta de inconstitucionalidade nº 5.745, julgada em 7 de fevereiro de 2019. (ADI 6087, Relator: Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 21/08/2019, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-205 DIVULG 20-09-2019 PUBLIC 23-09-2019)

Tanto é tema de Direito do Consumidor que o senador Rogério Carvalho (PT-SE) apresentou o PL 1.163/2020, dispondo sobre a “redução de, no mínimo, 30% (trinta por cento) no valor das mensalidades das instituições de ensino fundamental, médio e superior da rede privada cujo funcionamento esteja suspenso em razão da emergência de saúde pública de que trata a Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020”. Na justificação fica clara a natureza do normativo em questão:

Vale lembrar que tal medida não implicará sacrifícios financeiros às instituições escolares, já que, no período de suspensão de suas atividades, elas terão redução de seus custos (água, energia, alimentação, manutenção, entre outros). O projeto ainda prevê que o descumprimento da redução da mensalidade sujeita o infrator à multa, nos termos do Código de Defesa do Consumidor.

Além disso, veja-se que, no projeto de lei federal, fala-se em desconto mínimo, permitindo, pois, aos demais entes federado que estipulem, se assim desejarem, normas com percentuais maiores, como deveria ocorrer em Estados em que a gravidade é maior, como, por exemplo, no Ceará, Rio de Janeiro e São Paulo.

E, como foi dito, o eventual diploma estadual que venha a trazer tal previsão, para situação específica e com “prazo de validade” expresso (“durante a pandemia”, ou melhor, durante a proibição governamental de abertura das escolas), não poderia ser acoimado de inconstitucional, por não exorbitar dos limites da competência legislativa estadual (suplementar), nem ter invadido a esfera de competência concorrente da União, seja a que ficou expressa no Código do Consumidor, seja na legislação correlata, inclusive aquela concernente à proteção do consumidor.

Como se sabe, a norma geral não pode e nem está impedindo o exercício da competência estadual de suplementar as matérias arroladas no artigo 24, sendo aqui constitucionalmente admitido que a legislação estadual possa disciplinar a matéria em questão, homenageando o mínimo de unidade normativa almejado pela Constituição da República.

Para finalizar, insiste-se que o contexto atual é peculiar, único, como asseverou recentemente o Ministro Gilmar Mendes, ao conceder medida cautelar na ADPF 645-DF, em 13 de abril de 2020:

É óbvio que o sistema protetivo-constitucional incide em toda e qualquer circunstância. Já tive oportunidade de afirmar que as salvaguardas constitucionais não são obstáculo, mas instrumento de superação dessa crise. O momento exige grandeza para se buscarem soluções viáveis do ponto de vista jurídico, político e econômico.

As consequências da pandemia se assemelham a um quadro de guerra e devem ser enfrentadas com desprendimento, altivez e coragem, sob pena de desaguarmos em quadro de convulsão social.

Tudo isso demonstra que a identificação precisa do âmbito de proteção de determinado direito fundamental exige um renovado e constante esforço hermenêutico, a autorizar a edição da lei pelo Parlamento estadual.

Pensar o contrário, seria violar a autonomia dos entes da Federação, a revelar adequado o afastamento da exclusividade da União para dispor sobre as referidas providências.

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Renato Silveira: Judiciário, interferência e separação de poderes

2020, o ano em que o mundo parou, parece caótico em diversos aspectos. O distanciamento, que por vezes se mostra como isolamento, a todos incomoda mundo afora. No Brasil, entretanto, outras crises acompanham o dia-a-dia político. Contestações várias são travadas, deixando muitos simplesmente perplexos. Parece, tristemente, ter sido criado um perigoso clima de intranquilidade, que merece alguma ponderação, em especial quando se afirma por uma interferência do Judiciário sobre o Executivo.

De fato, o medo e receio que assolaram o mundo nos últimos meses, por estas bandas, simplesmente parecem ser elementos de um embate político dicotômico, o qual divide o país. O falso antagonismo entre saúde e economia foi tomado de forma excludente, sendo mobilizado, por alguns, como peça de um perigoso xadrez. A isso, se somam os significativos afastamentos dos ex-Ministros da Saúde e da Justiça e Segurança Pública, com acusações, da parte deste último em relação à atuação por parte do presidente da república. Além disso, avolumam-se as percepções recentemente havidas acerca de respostas judiciais dadas a tantas dessas questões, bem como a leitura destas em ambiente político. Haveria, contudo interferência ou quebra da separação de poderes?

De fato, e como se sabe, algumas recentes decisões por parte do Supremo Tribunal Federal têm sido acusadas de atentatórias à divisão ou independência dos poderes. Olvida-se, no entanto, que, em primeiro lugar, o Judiciário não atua por vontade própria, senão quando provocado. E diversas de suas colocações buscam, sim, a defesa da Constituição e os direitos individuais. Leis podem afirmar poderes de lado-a-lado, mas acima destes, existe uma lógica principiológica que sobrepaira a todos. E, diga-se, a defesa destes não é interferência, senão asseguramento dos ditames constitucionais.

Entendimentos judiciais que contestam, ainda que de maneira monocrática e temporária, atos executivos do Governo, não implicam necessariamente em atentado à separação de poderes. É claro que isso pode, em tese, até se dar, mas o papel de guardião da Constituição Federal impõe, ao STF uma condição de verdadeiro poder moderador, que deve ser vista não como parcialidade política, mas, sim, em defesa dos interesses da população em geral. Reação ao STF não cabe, nas instâncias de poder, fora de seu âmbito devido. E este, não se dá nas ruas.

Ser autorizado genericamente pela lei a fazer algo não significa que a conduta se mostra constitucionalmente defensável. Inquéritos para avaliação da ocorrência, ou não, de ilícito, não são novidades. Barrar nomeações de alguma forma questionáveis tampouco é novidade. Sustar expulsões do país, dada a pandemia mundial, e em termos de defesa da saúde e integridade dos envolvidos, como também buscar o asseguramento de pessoas detidas pela Justiça, pode vir a se mostrar, como aponta o Ministério Público Federal, consagração da pessoa humana, e não interferência em Poder alheio, senão garantia do que a Carta Maior consagra.

Como se disse, decisões podem eventualmente ser contestadas. Questionadas, ainda, quando se entender equivocadas as mesmas, mas devem ser, pelo poder constituído, respeitadas, uma vez que, de toda forma, é o STF quem faz a leitura última da Constituição. Impensável são, sim, agressões pessoais colocadas a membros do Poder Judiciário, quando não ao próprio Poder em si. Quando isso se dá, tem-se um enfraquecimento das instituições que devem ter, no Judiciário, um norte último.

É ele é um bastião importantíssimo da democracia. E isso, para governos de direita ou de esquerda, bons ou maus, queridos ou odiados. A banalização das críticas ao Judiciário não fortifica a ninguém, senão abala o que se tem de mais importante no mundo do Direito, qual seja, a busca da Justiça. Esse, o mote mais importe que a todos se sobrepõe. Não se trata de afirmar-se por falta de conversa ou paciência. O respeito, mais que tudo, deve prevalecer. Acima de tudo, sempre a Constituição, pois sua perenidade é a segurança última que se espera. Essa, a ponderação necessária para que se caminhe ao fim de tão severos tempos, com a tolerância e serenidade de todos os lados, sem intempestividades ou colocações que venham a turbar a democracia.

Renato de Mello Jorge Silveira é presidente do Instituto dos Advogados de São Paulo (Iasp) e professor titular de Direito Penal da Universidade de São Paulo (USP).

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Gustavo Ramiro: MP reduz impacto no setor de turismo

A pandemia da Covid-19, reconhecida e deflagrada no Brasil em meados do mês de março, vem causando um grande impacto em praticamente todos os setores produtivos. A economia nacional apresenta cenários desafiadores ante a completa paralisação das atividades em diversos segmentos.

Turismo, lazer e cultura, tradicionalmente, são vetores de grande importância na economia global. Segundo dados do Conselho Mundial de Viagens e Turismo (WTTC — World Travel & Tourism Council), o impacto direto, indireto e induzido de viagens e turismo no ano de 2019 foi responsável pela contribuição de US$ 8,9 trilhões para o PIB mundial, representando 10,3% do PIB global, além de gerar 330 milhões de empregos em todo o mundo.

Já no Brasil, também segundo o WTTC, o setor responde por 7,7% do PIB nacional, além de ocupar 7,9% de todos os postos de trabalho no país, demonstrando a importância do segmento no contexto econômico atual.

Por outro lado, a chegada da crise gerada pela pandemia da Covid-19 trouxe imensos prejuízos às empresas e pessoas que prestam serviços no ramo de turismo, lazer e cultura. A impossibilidade de se utilizar o transporte aéreo, a imposição de isolamento social e o fechamento temporário da grande maioria dos estabelecimentos e equipamentos públicos coletivos são as causas mais evidentes dos pedidos de cancelamento e desistência de reservas já realizadas anteriormente pelo público consumidor. O quadro se alastra com a impossibilidade de se realizar conferências, seminários, congressos, feiras e outras atividades corporativas que também influenciam na atividade.

A preocupação do setor vem sendo exposta de maneira reiterada na mídia e em publicações especializadas. A principal meta em busca da preservação da atividade é de manutenção das viagens e programações já contratadas. Incentiva-se, sobretudo, a remarcação para período posterior à crise. Essa parece a única maneira de evitar um colapso generalizado e a falência das operações ligadas ao turismo, lazer e cultura.

De todo modo, malgrado o correto direcionamento das campanhas publicitárias que destacam esta necessidade, é fato que todos os fornecedores de serviços e produtos ligados à atividade em questão estão a receber um número absurdo de pedidos de cancelamento e desistência. Isso gerou, num primeiro momento, a necessidade de ressarcimento, ainda que proporcional, dos valores recebidos.

Obviamente, o fluxo de caixa da grande maioria das empresas não permite uma descapitalização em massa, com a concomitante restituição de valores pagos pelos consumidores, ainda que se refiram a eventos e atividades futuras.

Diante desse cenário e de um iminente rompimento das condições de manutenção das atividades do setor, foi adotada pelo Governo Federal a Medida Provisória nº 948/2020, que especificamente “dispõe sobre o cancelamento de serviços, de reservas e de eventos dos setores de turismo e cultura em razão do estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020, e da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus (Covid-19)”.

A norma em questão, sem dúvidas, representa um importante instrumento para o setor de turismo, lazer e cultura ao relativizar a obrigação de restituição imediata de valores por partes dos prestadores de serviço e fornecedores de produtos, desde que atendidas algumas condições.

Detalhemos essas hipóteses.

A regra geral prevista é a da não obrigatoriedade de reembolso dos valores pagos pelo consumidor, desde que fique assegurada: I) a remarcação dos serviços, das reservas ou dos eventos cancelados; II) a disponibilização de crédito para uso ou abatimento na compra de outros serviços, reservas e eventos, disponíveis nas respectivas empresas; ou III) outro acordo a ser formalizado com o consumidor.

São condições para qualquer das hipóteses da regra geral que não haja custo adicional, taxa ou multa ao consumidor, caso a solicitação seja efetuada no prazo de 90  dias, bem como que o crédito eventualmente disponibilizado seja utilizado pelo consumidor no prazo de até 12 meses, contados da data de encerramento do estado de calamidade pública.

Já a regra excepcional abriga soluções não desejáveis, mas também consideradas válidas e menos prejudiciais do que a imediata restituição de valores. Abre-se, assim, a possibilidade secundária de restituição a prazo do valor recebido ao consumidor, atualizado monetariamente, no período de até 12 meses. Nesse caso, a devolução pode ser realizada de modo parcelado, desde que respeitado o prazo estipulado, ou em uma única parcela dentro desse mesmo lapso.

Estabelecidas essas formas de solução do problema ligado a reservas e eventos, conforme expressamente contemplado pelo artigo 2º da MP nº 948/2020, também ficou previsto que precisa ser considerada a sazonalidade e o valor dos serviços originalmente contratados, respeitando-se, em qualquer caso, o prazo de 12 meses, este sempre contado da data de encerramento do estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 06/2020.

Isso quer dizer que não poderá o consumidor, por exemplo, utilizar uma reserva em período futuro de alta estação ou data comemorativa de maior fluxo de pessoas se ela originalmente foi contratada para um período de baixa estação ou época menos concorrida.

Na hipótese de contratos de shows artísticos, firmados antes da vigência da MP nº 948/2020, o regime segue a mesma lógica.

Nesse caso, a regra geral é de que os artistas que tiverem suas apresentações canceladas não estão obrigados a reembolsar imediatamente os valores dos serviços ou cachês. A condição é que o evento seja remarcado e ocorra no mesmo prazo de 12 (doze) meses. Igual previsão é válida para diversos outros diversos tipos de evento, a exemplo de shows, rodeios, espetáculos musicais e de artes cênicas.

Já a regra excepcional é aplicável em caso de não se chegar a nenhuma das soluções que preservem a relação contratual. Prevê-se, assim, que a não prestação do serviço deverá ser secundada da restituição do valor recebido, devidamente atualizado monetariamente, também no prazo de até 12 meses.

Em conclusão, anota-se que a MP nº 948/2020 prestigia a continuidade da relação contratual e a manutenção da avença pactuada, ainda que admita a postergação da respectiva execução. Adota-se, em sequência, uma solução alternativa, admitindo-se o desfazimento do contrato mediante restituição de valores em prazo razoável, tendo-se em conta os prolongados efeitos da crise decorrente da pandemia da Covid-19. Nessa última solução, não há prejuízo aparente imediato ao consumidor, pois apesar de ser ter que aguardar um prazo de 12 meses, exige-se a atualização dos valores devidos pelo IPCA-E.

Por óbvio, ainda que a norma traga soluções preconcebidas, todas as negociações consensuais poderão ser levadas a cabo livremente pelas partes, ainda que suplantando ou relativizando prazos e condições previstas na MP nº 948/2020. Os acordos bilaterais continuam sendo válidos, para qualquer caso, sendo desejável sua homologação judicial para segurança de ambas as partes. A mediação também pode servir de importante instrumento para apaziguar eventuais conflitos.

Por fim, o artigo 5º da MP nº 948/2020 também adota uma regra que, em nossa avaliação, acaba por prevenir conflitos que poderiam ocorrer em busca de indenizações por dano moral, ao reconhecer que as relações de consumo citadas caracterizam hipóteses de caso fortuito ou força maior, não ensejando qualquer dano natureza extrapatrimonial.

As regras propostas pela novel legislação, portanto, orientam situações em que o consenso não é alcançado, proporcionando soluções transitórias e equilibradas, na busca da normalização do mercado de turismo, lazer e cultura, não sem exigir de todos os envolvidos algum desprendimento e sentimento de coletividade.

 é advogado e sócio-fundador do escritório Duarte & Ramiro Advogados Associados.

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Callegari e Weber: O apito dourado de Moro

Poucas pessoas podem viver de acordo com suas próprias regras. Sergio Moro pode vir a se tornar um desses privilegiados indivíduos. Ao anunciar em coletiva sua saída do governo federal, antecipando os motivos pelos quais o fizera, o ex-juiz da “lava jato” e ex-ministro da Justiça atraiu para si — ao menos esse é o ponto que nos propusermos a discutir — a aplicação da novidade legislativa por ele patrocinada: a figura do informante do bem.

Também conhecida como whistleblower, expressão de origem anglo-saxã que, traduzida para o português significaria “soprador de apito”, tem esse nome devido ao antepassado método de comunicação da polícia quando em frente a um crime em andamento ou perigo: soprava-se o apito para comunicar os colegas e demais pessoas de profissão e demais pessoas das redondezas. Com o passar dos anos, o apito, lá fora, foi entregue também aos cidadãos, permitindo denúncias desde irregularidades até mesmo crimes que estejam em andamento ou tenham ocorrido dentro de empresas ou órgãos do governo. Do século 15 até os dias atuais, vários nomes tornaram-se conhecidos em decorrência de sua atitude denunciativa de atos ilegais ou irregulares, destacando-se o “garganta profunda” da administração de Nixon, até Edward Snowden, em casos mais recentes.

No Brasil, há uma tendência, por meio de teorias importadas, de tornar cidadãos comuns em verdadeiros garantes, exigindo dos mesmos a denúncia de atos sob a ameaça de processo penal e prisão. Nesse contexto, o informante do bem opera de maneira oposta: premia-se o individuo que, espontaneamente, esteja disposto a denunciar o que acredita estar em desacordo com as normas vigentes.

Introduzido por meio da Lei 13.964/2019, o instituto do informante do bem assegura a qualquer pessoa o direito de relatar informações sobre crimes contra a administração pública, ilícitos administrativos ou quaisquer ações ou omissões lesivas ao interesse público. Para tanto, a legislação exige que a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios e suas autarquias e fundações, empresas públicas e sociedades de economia mista mantenham unidade de ouvidoria ou correição.

O dispositivo legal garante proteção integral contra retaliações e isenção de responsabilização civil ou penal em relação ao relato, exceto se o informante tiver apresentado, de modo consciente, informações ou provas falsas. Pergunta-se, então: um informante do bem só terá direito a essa proteção se a denúncia houver sido feita por meio da ouvidoria ou corregedoria?

Responder positivamente à questão levaria, a nosso ver, a uma drástica redução da aplicabilidade do instituto, contrariando o objetivo da norma, que é justamente abrir caminho a denúncias de irregularidades e possíveis ilicitudes. A forma e o meio da denúncia pouco importarão, desde que respeitados os preceitos da legislação: informações cujo conteúdo o informante julgue verdadeiro sobre crimes contra a administração pública, ilícitos administrativos ou quaisquer ações ou omissões lesivas ao interesse público.

A inserção da figura na lei do “disque-denúncia” está muito mais inclinada à proteção da identidade do informante do que a exigência desse formato para sua caracterização. Levado a cabo o formalismo extremo, sequer notícias endereçadas às autoridades investigativas permitiria a proteção do informante, o que não parecer ser a intenção do legislador.

Dentro desse contexto, parece-nos que a coletiva de imprensa de Sergio Moro tornou-o verdadeiramente um informante do bem para fins legais, já que destacou ações do presidente da república que, em análise superficial, contrariariam o interesse público, e, quiçá, configurem abuso de poder e desvio de finalidade de atos do governo. Falou-se em Sergio Moro como delator, contudo, a figura não parece ser aplicável, pois, em princípio, não estamos a tratar de ilícitos criminais no seio de uma organização criminosa, e, tampouco o ex-ministro afirmou a prática ou conhecimento de crimes.

Em sendo enquadrado o ato de revelação de Moro como uso de seu “direito de relatar informações crimes contra a administração pública, ilícitos administrativos ou quaisquer ações ou omissões lesivas ao interesse público”, o ex-ministro terminaria por se beneficiar de legislação por ele patrocinada e defendida. Outrossim, ele passaria a ser protegido contra ações ou omissões praticadas em retaliação ao exercício do direito de relatar.

Aí reside o principal e final direito de Moro, sendo ele considerado informante do bem: isenção de responsabilização civil ou penal em relação ao relato feito. E, nesse caminho, o depoimento que virá a prestar ou a coletiva que já prestou não podem ser utilizadas contra ele. É dizer, portanto, que resta descabida a menção por parte da Procuradoria-Geral da República a crimes contra a honra e a descabida previsão de denunciação caluniosa.

O futuro de Moro e seus relatos, a não ser que se comprove falsas as informações e a má-fé do ex-Ministro, está, portanto, intimamente entrelaçado ao destino da novel legislação. À PGR caberá assegurar os direitos previstos na legislação, sob pena de agir contra as previsões legais mencionadas, levando ao descrédito e prematura morte da figura do informante do bem no direito pátrio.

 é advogado criminalista, professor de Direito Penal no IDP-Brasília e pós-doutor em Direito pela Universidad Autónoma de Madrid.

Ariel Barazzetti Weber é advogado criminalista e mestre em Direito pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos.

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Caixa libera saque do FGTS por força maior sem trânsito em julgado

A Caixa Econômica Federal publicou na última quarta-feira (29/4) a nova versão do Manual FGTS. Agora, empregados que que foram demitidos por força maior não precisarão apresentar decisão transitada em julgado para conseguir sacar a multa de 20% do FGTS. 

Clique aqui para acessar os dados

do Termômetro Covid-19 em tempo real

No entanto, para que os valores depositados sejam acessados, continua sendo necessário apresentar ação para que a Justiça do Trabalho reconheça a rescisão. 

Segundo levantamento feito pela ConJur, em parceria com a instituição de educação Finted e a startup Datalawyer Insights, grande parte dos 10 mil processos trabalhistas que estão se amontoando no Judiciário por conta da epidemia do novo coronavírus são referentes a ações sobre aviso prévio e multa de 40% do FGTS, temas inerentes às demissões. Os dados fazem parte da plataforma Termômetro Covid-19 na Justiça do Trabalho, lançada na última sexta-feira (1º/5). 

Mesmo com a mudança de entendimento da Caixa, não é possível dizer que o número de casos que irão desembocar no Judiciário tende a diminuir. Como não há necessidade de que a decisão transite em julgado, no entanto, o tempo decorrido até que o trabalhador consiga sacar o FGTS será mais curto.

Força maior

A força maior é prevista no artigo 501 da CLT (Decreto-Lei 5.452/43), segundo o qual “entende-se como força maior todo acontecimento inevitável, em relação à vontade do empregador, e para a realização do qual este não concorreu direta ou indiretamente”. 

Nesses casos, segundo o artigo 18, parágrafo 2 da Lei 8.036/90, o trabalhador que tiver contrato rescindido tem direito a apenas 20% da multa do FGTS. 

A força maior, tal como prevista na CLT, além de ser um acontecimento inevitável à vontade do empregador, deve afetar sua situação econômica e financeira a ponto de acarretar a extinção da empresa ou de um dos estabelecimentos. 

Isso mudou desde que o Governo Federal editou, em 22 de março, a Medida Provisória 927, que reconhece, no artigo 1º, parágrafo único, que a calamidade pública constitui, para fins trabalhistas, hipótese de força maior, não sendo necessário que a Justiça do Trabalho reconheça esse fato para que a rescisão ocorra. 

Problemas práticos

Para Ricardo Calcini, professor de pós-graduação da FMU, mestre em Direito do Trabalho pela PUC-SP e organizador do e-book Coronavírus e os Impactos Trabalhistas, a mudança de entendimento da Caixa e a MP deixam uma série de questões em aberto. 

Entre elas, de quem será a competência para analisar essas questões, se da Justiça do Trabalho ou Federal. Além disso, não se sabe quem irá figurar no polo passivo da ação, se a empresa, a Caixa ou ambas. 

“O atual problema que já está sendo enfrentado hoje no Judiciário é que nem toda rescisão contratual pode ser reputada, na forma do artigo 501 da CLT, como força maior. E a origem de toda essa discussão se deu após a MP 927, que reconhece a hipótese de força maior. Logo, a partir de uma interpretação literal da medida provisória, não seria necessário que a Justiça do Trabalho reconheça esse fato para que ocorram as rescisões contratuais com redução da multa do FGTS para 20%”, explica. 

Assim, Calcini vislumbra dois cenários. No primeiro, as rescisões contratuais, por força maior, ocorridas na vigência da MP 927, não necessitarão de chancela judicial e, assim, a Caixa deverá proceder com as mudanças de suas diretrizes internar para permitir o levantamento do FGTS.

No segundo, milhares de ações serão ajuizadas perante o Judiciário trabalhista para que a situação de força maior seja efetivamente reconhecida em cada caso, evitando-se, assim, fraudes com a redução da multa para 20%, uma vez que, na prática, nem todas as empresas foram extintas. 

“Sem dúvida, a recente mudança de diretriz interna da Caixa para que não mais se exija o trânsito em julgado da decisão judicial representou um grande avanço, por abreviar anos e anos de debates judicias, permitindo que a parte mais interessada em toda essa discussão — o trabalhador — possa, em curto espaço de tempo, levantar seu FGTS acrescido de multa de 20%. Contudo, exigir o ajuizamento de ações trabalhistas é incongruente com os atuais estágios de urgência e necessidade pelos quais estão atravessando os trabalhadores”, diz Calcini.

Ainda segundo ele, as fraudes que se pretende evitar devem ser combatidas caso a caso, a depender do interesse do reclamante em vir ou não discutir tal questão na Justiça.

“Isso, porém, deve ser exceção, e não a regra, pois, tal como a problemática está posta hoje, todos os trabalhadores, independentemente da existência ou não de fraudes nas rescisões contratuais por força maior têm que ingressar em juízo para terem direito a liberação do FGTS com a multa reduzida em 20%.”

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Rafael Maciel: Os perigos da ditadura pelos dados

Aspirantes a autocratas costumam usar crises econômicas, desastres naturais e, sobretudo, ameaças à segurança guerras, insurreições armadas ou ataques terroristas para justificar medidas antidemocráticas”. Nessa passagem do livro Como as Democracias morrem, Steve Levitsky e Daniel Ziblatt [1] poderiam ter incluído a pandemia como outro “inimigo comum” a justificar atos autoritários.

Provavelmente não imaginariam um vírus com impactos sanitários e econômicos como os provocados pela Covid-19. Relevantes a ponto de provocarem uma grande mudança de hábitos, tanto pela gravidade que a doença tem apresentado, com índices crescentes de fatalidades e contaminação, como pela bancarrota generalizada e aumento do desemprego. Diante de tantos danos, não se tem dúvida de que a atual pandemia se tornou o mal a ser combatido, capaz de justificar, aos olhos menos atentos, toda e qualquer invenção legislativa, sobretudo as arbitrárias as quais, em situação comum, poucos ousariam representar.

É o que temos visto no Brasil. O cotidiano jurídico tem sido inundado por Medidas Provisórias e propostas legislativas visando a modificações ou inovações diversas. Não se tem dúvidas de que boa parte são válidas e necessárias ao combate dos males da pandemia, seja em seus aspectos econômicos ou sanitários; outras, todavia, repousam sobre o falso argumento da urgência pandêmica para terem tramitação ligeira ou oportunista e escondem violações a direitos fundamentais, primeiro front prejudicado nesses levantes populistas.

É o que se dá com a Medida Provisória nº 954, de 17 de abril, pela qual o presidente Jair Bolsonaro, fundando-se no estado de calamidade pública, determina a todas empresas de telecomunicação que disponibilizem a “relação dos nomes, dos números de telefone e dos endereços de seus consumidores, pessoas físicas ou jurídicas” à Fundação IBGE para fins de produção estatística oficial. Logo de partida constata-se um excesso de dados pessoais a serem disponibilizados. Ora, para que fornecer endereço se essa dita necessidade é para pesquisa remota por conta do isolamento? Para piorar, não há sequer menção a qual tipo de estatística que deverá ser realizada e se ela é fundamental para combate à pandemia, primeiro pressuposto para avaliar o cabimento do compartilhamento de dados pessoais. Tem que haver finalidade específica e para essa, somente podem ser fornecidos dados necessários e adequados para atingi-la.

Os despropósitos não param por aí. Não há na MP qualquer controle previsto para esse tratamento que poderá, inclusive, estar sujeito ao vigilantismo ou uso indevido para envio de mensagens fake com viés eleitoral. Se serão sigilosos, como se dará o controle? Quais medidas foram implementadas para registrar os acessos? A única previsão de proteção prevista na MP é de um enviesado Relatório de Impacto à Proteção de Dados Pessoais.

A utilização dessa avaliação de impacto deve ser feita anteriormente a qualquer pretensão de tratar os dados, a fim de analisar todos os riscos envolvidos e, inclusive, os impactos aos titulares, sobretudo às suas liberdades individuais. O relatório de impacto não pode servir para o fim pretendido no §2º do artigo 3º da MP: “Divulgar as situações em que os dados foram utilizados”. Depois que são utilizados, pouco ou de nada importará saber das suas violações, sem falar que será difícil confiar nesse relatório feito casuisticamente. Até as situações divulgadas por alguns estados para o compartilhamento de dados dito anonimizados o que a rigor não se sujeitariam a tais limitações para fins de constatar aglomerações devem ser precedidas de uma análise prévia a fim de se constatar a impossibilidade de (des)anonimização mediante “esforço razoável”.

É claro que para combater a pandemia, por ser questão de saúde pública, o Estado pode utilizar alguns dados pessoais, porém essa permissão não é uma carta em branco para que faça da forma como queira, sem qualquer controle. Os dados de saúde são um bom exemplo: podem ser compartilhados para saber quantos estão contaminados, porém sempre respeitando os indivíduos, sem divulgação desautorizada de seus nomes e limitando o tratamento àqueles dados estritamente necessários.

Agências de proteção de dados pessoais ao redor do mundo têm se manifestado com diretrizes para tais compartilhamentos, pautando pela finalidade e implementação de medidas técnicas e organizacionais de proteção, prestigiando a anonimização. Por aqui, a regra, ao que parece, tem sido o compartilhamento irrestrito, como se aproveitassem da vacatio legis da LGPD ou da própria inércia de não instituir a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD).

Se são ou não medidas com viés antidemocrático, propositais, ingenuidade ou equívoco jurídico o tempo dirá. Enquanto isso, que nossos radares permaneçam atentos, assim como vigilantes nossas instituições.

 é advogado e especialista em Direito Digital e Proteção de Dados Pessoais.

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Empresa deve cumprir contrato e entregar respiradores a São Paulo

Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração. Com esse entendimento, o juiz Walter Godoy dos Santos Junior, da 11ª Vara da Fazenda Pública de São Paulo, concedeu liminar pedida pelo Estado de São Paulo para determinar que uma empresa entregue, no prazo de cinco dias, 20 respiradores para a rede pública de saúde.

Prefeitura de Porto AlegreEmpresa deve cumprir contrato e entregar respiradores ao Estado de São Paulo

Em 26 de março, foi firmado um contrato entre a empresa ré e uma organização sem fins lucrativos, que se comprometeu a comprar 200 respiradores, ao custo de R$ 12 milhões, e depois doá-los à Secretaria Estadual da Saúde. Porém, consta dos autos que a empresa teria criado embaraços ao cumprimento do contrato, argumentando que o Ministério da Saúde teria requisitado os respiradores.

Segundo o Estado, o Ministério revogou parcialmente o ato requisitório, excluindo do seu objeto os aparelhos destinados a estados e municípios, o que não impediria a empresa de fazer as entregas a São Paulo. Na decisão, o magistrado afirmou que a empresa, embora tenha firmado contrato com um ente privado, sabia que os respiradores seriam destinados ao Estado e, portanto, não havia motivo para não cumprir com sua obrigação.

“Consigne-se, ante o cenário fático delineado, que parece ter havido, em uma conclusão resultante de um juízo cognitivo sumário, violação da boa-fé objetiva ao longo das tratativas e do pacto firmado entre as partes”, afirmou o juiz. “Tal princípio deve ser observado em todas as fases do negócio jurídico, antes da celebração, durante e após. É o que se verifica dos artigos 113 e 422 do Código Civil”, completou.

O juiz afirmou ainda que restaram comprovadas a existência de obrigações assumidas pela empresa ré de entrega de bens destinados ao Estado de São Paulo. Assim, de rigor, afirmou Junior, que seja dado cumprimento ao trato firmado entre as partes.

“Vislumbro a presença da fumaça do bom direito, uma vez que se pode constatar, objetivamente, a ocorrência de mora injustificada ao cumprimento das obrigações assumidas pela ré perante as autoras. Por fim, o perigo da demora é intuitivo, na medida em que a frustração do cronograma de entrega estabelecido pelas partes pode custar milhares de vidas ao Estado de São Paulo, que é o epicentro da epidemia no Brasil”, concluiu.

Ainda segundo a decisão, a empresa deve entregar semanalmente 20 unidades do aparelho, conforme estipulado no contrato, até que se atinja os 200 respiradores. Foi fixada multa diária de R$ 100 mil em caso de descumprimento da decisão.

Clique aqui para ler a decisão

1021623-46.2020.8.26.0053