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Laurentiz e Quatrini Neto: A decisão do STF sobre precatórios

Na última semana, por ocasião do julgamento do Tema nº 361 (RE 631.537), em sede de repercussão geral, pelo plenário virtual do Supremo Tribunal Federal, pacificou-se o entendimento de que, na hipótese de cessão de crédito alimentício a terceiros, não há alteração da natureza jurídica alimentar do precatório.

O recurso extraordinário citado acima foi interposto para que fosse reformado um acórdão proferido pela 4ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, no qual houve o entendimento de que a cessão do crédito alimentar a terceiros supostamente modificaria a sua natureza, transformando-o em um crédito comum, o que resultaria na perda da preferência de seu pagamento, nos moldes previstos pela Constituição Federal.

A tese proposta pelo ministro relator Marco Aurélio foi acolhida por unanimidade pelos demais ministros, no sentido de que a cessão de crédito não implica perda da natureza alimentar e do direito de precedência a ela atrelado e, por consequência, não resulta em qualquer mudança na ordem cronológica de pagamento do respectivo requisitório [1]Diante de uma crise sanitária que assumiu proporções sociais, políticas e econômicas imprevisíveis e ainda com a perspectiva de uma gravíssima recessão econômica nos meses que se seguirão, com entes federados em dificuldades para manter um orçamento minimamente equilibrado e alcançar suas metas fiscais, uma possível decisão na contramão do que foi decidido pelo tribunal provocaria, por certo, um desastroso efeito econômico que tornaria ainda menos líquido o mercado de compra, venda e antecipação de precatórios.

O atraso de pagamento de precatórios no Brasil é circunstância bastante notória, que permite afirmar que na equação da dívida pública a quitação de requisitórios quase nunca é alçada a prioridade máxima. A pressão de Estados e demais entes federados para suspender o pagamento de precatórios com um atraso já sem precedentes deixa ainda mais evidente a importância da antecipação dessas requisições de pagamento, responsável por girar um mercado praticamente estagnado, que efetivamente transforma “títulos podres” estaduais e municipais em dinheiro em circulação, conferindo liquidez, favorecendo o consumo e, em última instância, movimentando a economia e ajudando a superar a crise. Entender o contrário transmudação da natureza do precatório na hipótese de cessão do crédito (o que não encontra fundamento na Constituição Federal e se admite unicamente a título de argumentação) conduziria a um cenário de completo desaquecimento do mercado de compra e venda de precatórios, praticamente reduzindo ao credor a opção objetivada pelos Estados e demais entes federados de aguardar indefinidamente a prorrogação do pagamento de seu título sem liquidez ou ainda obrigar o credor, diante de possível urgência financeira, a aceitar acordo com deságio a critério da Fazenda Pública. Em resumo, compreenderia mais um benefício às entidades devedoras em detrimento dos sofridos credores de Estados que estão, em alguns casos, há mais de 18 anos atrasados no pagamento pontual de seus precatórios, como é o caso do Estado de São Paulo [2].

Há propostas em tramitação na Câmara dos Deputados que antecipam o pagamento de precatórios durante a pandemia, como o PLP nº 107/20, por exemplo, proposto pelo deputado Rodrigo Coelho (PSB-SC), no fito de alterar a Lei de Responsabilidade Fiscal (LC nº 101/2000) para determinar a antecipação do pagamento de precatórios de natureza alimentar enquanto durar o estado de calamidade pública [3]. Diante de um pedido de providências solicitado pelas Comissões de Precatórios da OAB em favor da liberação imediata de precatórios e modificação dos prazos de expedição, tanto o Conselho de Justiça Federal quanto o corregedor nacional de Justiça já se manifestaram no sentido de que haveria violação ao artigo 100 da Constituição Federal, que estabelece a regra de expedição de precatórios até 1º de julho de cada ano para pagamento no exercício subsequente [4].

Mesmo essa alternativa não solucionaria o problema histórico de pagamento de precatórios ainda que de natureza alimentar devidos por entidades estaduais e municipais com décadas de atraso. Não é demais lembrar, por exemplo, que a Emenda Constitucional nº 99, promulgada em 2017, foi a quarta emenda à Constituição a tratar exclusivamente da sistemática dos precatórios, estendendo o prazo de pagamento de 2020 para 2024, para que Estados, Distrito Federal e municípios quitassem seus precatórios dentro do regime especial aprovado pelo Congresso em 2016. Naquele momento, a maior motivação para aprovação da emenda foi a grave crise fiscal decorrente da queda de arrecadação de tributos, restando evidente a impossibilidade de cumprir a Emenda Constitucional anterior nº 94, que previa a quitação dos precatórios até 2020.

As circunstâncias atuais, em alguma medida, possuem semelhança: existe uma reserva do possível no jogo de regras orçamentárias que torna improvável de ser cumprida qualquer norma jurídica que se proponha a criar ainda que com as melhores intenções de forma instantânea um equilíbrio orçamentário capaz de tirar os anos de atraso na quitação de precatórios. Pelo contrário, a história demonstra que à medida que os prazos se esgotam, são sucessivamente aprovadas emendas constitucionais tentando conferir fôlego às entidades devedoras e prorrogando os possíveis calotes.

A decisão do STF, portanto, face ao contexto de redução na arrecadação de tributos e prognóstico de estagnação econômica, senão recessão, para os próximos meses, não poderia ter sido diferente: em momentos de crise, em que o mercado desacelera e o governo se endivida, deve-se viabilizar, de todas as formas possíveis, mecanismos que permitam colocar dinheiro nas mãos da população e girar a economia, garantindo a segurança jurídica e a estabilidade nas relações.

 é diretora jurídica da Gênesis Precatórios e doutoranda em Direito Penal pela Faculdade de Direito da USP.

 é analista jurídico da Gênesis Precatórios e pós-graduado em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (Ibet).

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Corte aceita denúncia contra governo por insulto a vítimas da ditadura

Caso Gomes Lund

Corte Interamericana aceita denúncia contra Bolsonaro por insulto a vítimas da ditadura

Brasil foi condenado na Corte IDH por violação dos Direitos Humanos na Guerrilha do Araguaia durante ditadura
Reprodução

O presidente da Corte Interamericana de Direitos Humanos, Pablo Saavedra, informou que aceitou como amicus curiae uma ação que denúncia o governo do presidente Jair Bolsonaro por desrespeitar disposições de sentença que condenou o Brasil por violação dos Direitos Humanos na Guerrilha do Araguaia (1967–1974).

A denúncia foi formulada no último dia 7 pela bancada do PSol na Câmara dos Deputados, o Instituto Vladimir Herzog e o Núcleo de Preservação da Memória Política. Foi motivada pelo convite do presidente brasileiro ao tenente-coronel reformado do Exército Sebastião Curió Rodrigues de Moura, 85, um dos responsáveis pela repressão à guerrilha durante a ditadura militar (1964-1985).

Conforme a denúncia, o governo Bolsonaro insulta a “memória das vítimas do caso Gomes Lund e outros e de todas as pessoas desaparecidas, mortas e torturadas pela ditadura brasileira”.

O caso provocou a condenação do Brasil, por unanimidade, na Corte Interamericana de Direitos Humanos em 2010. A sentença prevê a adoção de ações por parte do Estado para reparar violações cometidas durante o período da ditadura militar.

Clique aqui para ler a condenação do Brasil na corte

Revista Consultor Jurídico, 19 de maio de 2020, 19h52

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TRF-4 mantém pena de Lula no caso sítio de Atibaia

A 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região negou nesta quarta-feira (6/5) recurso apresentado pela defesa do ex-presidente Lula e manteve a pena de 17 anos, 1 mês e 10 dias de prisão no caso do sítio de Atibaia (SP). 

TRF-4 manteve pena de 17 anos de prisão
Ricardo Stuckert

O petista foi condenado pela corte de segunda instância em novembro do ano passado pelos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro. O ex-presidente é acusado de receber propina de construtoras, que teriam reformado e decorado um sítio no interior de São Paulo.

Em primeira instância, Lula foi condenado pela juíza Gabriela Hardt, da 13ª Vara Federal de Curitiba. A denúncia foi aceita em 2017 pelo então juiz Sergio Moro, que deixou o cargo para assumir o Ministério da Justiça.

O caso não tem relação com o do tríplex do Guarujá, que levou Lula à prisão em 2018. Como o STF derrubou execução antecipada da pena, o ex-presidente não será preso por conta da decisão desta quarta.

Suspensão negada

Nesta terça-feira (5/5), a defesa de Lula pediu que o julgamento virtual dos embargos de declaração fosse suspenso. De acordo com os advogados, as declarações feitas recentemente pelo presidente Jair Bolsonaro e por Moro reforçam a suspeita de que o ex-juiz não era isento para julgar Lula.

“Há diversos fatos que mostram a suspeição do ex-juiz Sergio Moro e consequentemente comprometimento de toda a instrução deste processo. Dentre os apontamentos, está o fato do ex-juiz ter passado a integrar o governo do presidente Jair Bolsonaro com o afirmado compromisso para assumir uma cadeira no Supremo Tribunal Federal”, afirma o requerimento, assinado pelos advogados Cristiano Zanin, Valeska Teixeira Martins, Maria de Lourdes Lopes e Eliakin dos Santos

A fala dos advogados faz referência a uma declaração feita por Bolsonaro no dia 24 de abril, depois que Moro saiu do Ministério da Justiça. Na ocasião, o presidente disse que o ex-juiz pretendia ser indicado ao STF. 

“Injusto e arbitrário”

Em nota, Zanin e Valeska disseram que a decisão foi arbitrária e injusta. “É sintomático que o TRF-4, após ter julgado o recurso anterior (apelação) com transmissão ao vivo e grande espetáculo, tenha realizado esse novo julgamento, contraditoriamente, pelo meio virtual, que sequer permite que os advogados de defesa participem do ato”, afirma.

Leia nota na íntegra:
Em relação ao julgamento virtual finalizado hoje (06/05/2020) pela 8ª. Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª. Região (“embargos de declaração” — Autos nº 5021365-32.2017.4.04.7000/PR), reforçamos o caráter injusto e arbitrário da decisão que manteve a condenação do ex-presidente Lula, originariamente imposta por sentença proferida por “aproveitamento” de outra sentença proferida pelo ex-juiz Sergio Moro — que também foi o responsável pela instrução do processo com a parcialidade que sempre norteou sua atuação em relação a Lula, como sempre demonstramos e como foi reforçado pelo escândalo da Vaza Jato. Esclarecemos ainda que:

1 – É sintomático que o TRF-4, após ter julgado o recurso anterior (apelação) com transmissão ao vivo e grande espetáculo, tenha realizado esse novo julgamento, contraditoriamente, pelo meio virtual, que sequer permite que os advogados de defesa participem do ato e, se o caso, possam fazer as intervenções previstas em lei (Estatuto do Advogado) para esclarecimento de fatos ou para formulação de questões de ordem. Essa situação, por si só, configura violação à garantia constitucional da ampla defesa e violação às prerrogativas dos advogados. 

2 – Com a rejeição do recurso, diversas omissões, contradições e obscuridades apontadas em recurso de 318 laudas e que dizem respeito a aspectos essenciais do processo e do mérito do caso deixaram de ser sanadas — inclusive o fato de Lula ter sido condenado nessa ação com base na afirmação de que “seria o principal articulador e avalista de um esquema de corrupção que assolou a Petrobras”, em manifesta contradição com sentença definitiva que foi proferida pela 12ª Vara Federal de Brasília, que absolveu o ex-presidente dessa condenação com a concordância do Ministério Público Federal (Ação Criminal nº 1026137-89.2018.5.01.3400 — caso conhecido como “Quadrilhão”). Nesta decisão proferida pela Justiça Federal de Brasília, o juiz federal prolator, Dr. Marcos Vinicius Reis Bastos, fez consignar com precisão e de forma inconciliável com as decisões proferidas no processo em referência, que “a utilização distorcida da responsabilização penal, como no caso dos autos de imputação de organização criminosa sem os elementos do tipo objetivo e subjetivo, provoca efeitos nocivos à democracia, dentre elas a grave crise de credibilidade e de legitimação do poder político como um todo”.

3 – Mesmo com todo o cerceamento de defesa imposto ao longo da fase de instrução pelo então juiz Sergio Moro, conseguimos comprovar, por perícia, a partir da análise da suposta cópia dos sistemas da Odebrecht que estão na posse da Polícia Federal, que os R$ 700 mil que o MPF acusou Lula de ter recebido em suposta reforma no sítio de Atibaia, foram, em verdade, sacados em favor de um alto executivo da própria Odebrecht. A prova, no entanto, foi simplesmente desprezada pela sentença e também pelo TRF-4. O que foi levado em consideração foram apenas depoimentos de delatores que foram beneficiados para acusar Lula — inclusive o de Marcelo Odebrecht, que em depoimento posterior, prestado em ação penal que tramita perante a Justiça Federal de Brasília, reconheceu que “é tremendamente injusto fazer uma condenação de Lula sem que esclareça as contradições dos depoimentos de meu pai e Palocci”.

4 – Assim que os votos proferidos no julgamento virtual forem disponibilizados na plataforma do TRF-4 definiremos o recurso que será interposto para reverter essa absurda condenação.

5021365-32.2017.4.04.7000