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Entrevista: Fernando Facury Scaff, tributarista e professor

A crise da epidemia de Covid-19 gera a necessidade de investimento do Estado para implementar políticas públicas de saúde. Mas com as restrições às atividades econômicas, a própria solidez da economia também é posta à prova. Essa é a primeira fase da crise, que demanda salvaguardas à saúde das pessoas e das empresas. Passada a turbulência, vem uma segunda etapa: a de reconstrução do sistema econômico.

Esse é a leitura feita pelo advogado Fernando Facury Scaff, colunista da ConJur, em entrevista por telefone. Tributarista e professor titular de Direito Financeiro da USP, ele afirma que o Estado, diante da queda na arrecadação e do aumento de gastos, não pode ceder à tentação de “tirar a forra” e recrudescer a carga tributária. Para ele, passada a “primeira fase”, deve haver “apoio integral às empresas, com endividamento do Estado”. “A etapa futura não poderá ser pela via tributária, que quebrará o sistema que sobreviver à primeira fase.”

Para isso, Scaff não tem dúvidas: a política econômica mais apta a reconstruir a economia deve se inspirar no chamado new deal, programa do presidente norte-americano Franklin Delano Roosevelt para combater a crise de 1929. Referindo-se a John Maynard Keynes — que inspirou o new deal — e comparando-o a Friedrich Hayek — economista da matriz libertária, contra a intervenção estatal na economia —, Scaff resume: “A fórmula é Roosevelt, é Keynes. E não Hayek”. 

Noves fora, a saída de emergência certamente não será aberta pelo Judiciário: “o adequado seria uma movimentação dos órgãos legislativos e executivos”. Que, no entanto, estão sendo tímidos. “Quando falo de medidas tímidas, eu quero dizer: ‘É necessário ser mais agressivo na desoneração, mais agressivo na renúncia fiscal. Esta é a hora’.”

Na entrevista à ConJur, o professor falou também sobre reforma tributária e criticou a maneira como o Executivo federal está politicamente conduzindo a crise: “Falta um gabinete de crise, falta comando”.

Confira a íntegra de entrevista:

ConJur — Quando surgiram os primeiros efeitos da crise econômica decorrentes da epidemia de Covid-19, muitas empresas ingressaram na Justiça pedindo que as datas de pagamentos de tributos fossem adiadas. Em um primeiro momento, muitos desses pleitos foram acolhidos. Mas a segunda instância tem revertido essas decisões. Esse diagnóstico está correto?
Fernando Facury Scaff — Sim. A ideia que preside esse movimento é que a primeira instância é sempre mais próxima do cidadão. E que acolhe com mais agilidade as expressões e os pedidos do pleito. Assim, ela tem a sensibilidade de atuar perto das ansiedades dos contribuintes. Já a segunda instância tem uma dinâmica diferenciada, é um pouco mais afastada do cidadão e tem uma visão de Estado, de governo, gostemos ou não. Portanto, em um dado momento, para evitar uma avalanche de pedidos, quase que uma “corrida ao fundo do poço” — na qual quem tem a sorte de cair no juiz “a” e não no juiz “b” consegue a vantagem que o outro não está conseguindo — o que a instância superior faz? Segura tudo, prende tudo. Infelizmente, essa dinâmica está presente e a gente identifica isso no movimento que está acontecendo hoje, seja nos âmbitos estaduais — todos os estados estão com situação semelhante —, seja no âmbito federal, nas diversas circunscrições.

ConJur — E o que seria mais recomendável, em termos tributários, para este momento que vivemos?
Fernando Facury Scaff — O adequado seria uma movimentação dos órgãos legislativos e executivos, e não do Judiciário, porque a disputa perante o Judiciário acaba gerando essa “corrida ao fundo do poço”: todo mundo vai tentar obter junto ao juiz, que é sorteado, a apreciação do seu processo, para convencê-lo de que é necessário postergar o pagamento. E isso gera uma incerteza enorme, porque o cliente vai questionar os advogados por que o concorrente, em uma outra ação, obteve liminar, e por que ele, cliente, não teve a liminar — pois não deu a sorte de cair com um juiz que teve sensibilidade com a dificuldade existente.

O Judiciário consegue resolver as questões que estão fora da curva da norma. Mas é a norma, a lei, que vai tratar os parâmetros de isonomia entre os contribuintes. Se esta lei não vier, será essa “corrida ao fundo do poço”. Então, já tardam providências do Legislativo e do Executivo de todos os níveis federativos para dar esse suporte, postergando pagamento de tributos nesse aspecto que eu estou chamando de “primeira fase da crise”. Essa é uma fase muito mais centrada em salvar vidas, em manter a saúde das pessoas, que são coisas diferentes, mas correlatas, e manter a empregabilidade das pessoas, salvando as empresas.

ConJur — E qual seria a segunda fase?
Fernando Facury Scaff — É quando a parte da saúde estiver estabilizada. Então, quando começar a flexibilizar esse resguardo em que todos estamos, esse distanciamento social, e as empresas e os comércios voltarem a abrir regularmente, mesmo que seja de maneira paulatina, eu vislumbro uma segunda etapa, que é a superação da crise sanitária, para uma outra etapa, que é de ir às empresas saudáveis. E o meu temor é que, nessa segunda fase, o Estado — em sentido amplo (União, estados e municípios) — queira “tirar a forra”, como se diz no popular, tributando mais fortemente as empresas. Ele terá se endividado vastamente, porque haverá seguramente um desequilíbrio financeiro, pois há menos arrecadação e mais gastos com saúde.

Então, se nessa segunda fase a saída for tributária, nós estaremos todos perdidos, porque cobrarão mais tributos das empresas nesse momento em que elas terão sobrevivido e tentarão sobreviver, já em uma fase de retorno à normalidade. A saída pelo tributário será um erro, porque elas terão dificuldades de pagar os tributos correntes. Imagina se o “saco de maldades” dos fiscos vier a ser aberto com empréstimos, compulsórios, com criação de tributação sobre dividendos, com imposto sobre grandes fortunas, com aumento de cargas tributárias, com mais multas, mais juros… Quer dizer, todo esse pacote que se avizinha em uma segunda fase é muito negativo, por isso que sempre trabalho com duas etapas. A etapa agora é de apoio integral às empresas, com endividamento do Estado. A etapa futura não poderá ser pela via tributária, que quebrará o sistema que sobreviver à primeira fase.

Tem um aspecto relevante: uma empresa, uma vez destruída, é muito difícil de ser reconstruída. Porque você tem que reconectar todos os canais de fornecedores, todo o mercado comprador, todo o sistema de expertise que pode ter sido destruído pela perda dos empregos. Então, existem inúmeros fatores de organização de uma empresa. E é uma dificuldade enorme reconstruí-los. Portanto, quando se diz “preservar emprego”, não é só preservar em favor do empregado. Isto é muito importante. Mas também em favor da própria empresa, que pode precisar, na retomada que virá, ter toda a expertise de bons vendedores, ou bons operários, ou bons agricultores que possam recriar as cadeias produtivas.

ConJur — Essa redistribuição forçada de renda que tem sido feita — por meio do auxílio emergencial — vai produzir algum efeito positivo na economia?
Fernando Facury Scaff — Sim, sem dúvida. Eu não diria na economia apenas, eu diria que isso salva vidas. Esse dinheiro, que está sendo pago com muita dificuldade — dificuldade logística de fazer o dinheiro chegar às pessoas —, vai reativar a economia em parte, mas o foco central é salvar vidas. É uma medida correta de gasto público. Salva vidas e, perifericamente, reativa a economia.

ConJur — Para além do auxílio emergencial, qual é a sua avaliação sobre as medidas, de modo geral, que têm sido adotadas?
Fernando Facury Scaff — Eu acho que o governo federal tem sido tímido nas medidas. E os governos estaduais, no âmbito financeiro e tributário, também. Ou seja, medidas de maior alcance poderiam ser feitas. Vou dar um exemplo: o parâmetro geral que tem sido adotado nos governos federal, estadual, municipal é de postergação do pagamento do tributo. Postergar, diferir, quer dizer que você não vai pagar hoje mas vai pagar daqui a algum tempo. Ok, alguns demoram sessenta dias, noventa, que seja. Mas esse mecanismo é ruim. Quer dizer, é bom porque ele dá um fôlego. Mas é ruim porque daqui sessenta dias o sujeito vai ter que pagar o tributo corrente e mais o que foi adiado.

Então, essas medidas são medidas paliativas e que só estão jogando o problema para frente. Em algum momento, essa superposição do pagamento do corrente com o que foi postergado vai gerar dificuldade nas empresas. Portanto, quando falo de medidas tímidas, eu quero dizer: “É necessário ser mais agressivo na desoneração, mais agressivo na renúncia fiscal. Esta é a hora”. O risco é que os governos que vão “tirar a forra”, cobrando mais quando o risco de saúde tiver passado. Por isso que sempre saio pela lógica do endividamento do governo federal e transferência de dinheiro de estados e municípios. A União tem que se endividar. Porque os estados e municípios não conseguirão sequer fazer os pagamentos correntes em mais trinta, sessenta dias. O socorro para esses estados terá que vir da União.

ConJur — Alguns dizem que a crise de 2008 só foi minimamente estancada porque os estados abriram o bolso. Ainda assim, o paradigma de economia política que se viu desde então foi mais liberal, pelo não intervencionismo. A crise atual vai gerar um Estado mais liberal ou mais à moda new deal?
Fernando Facury Scaff — A crise de 2008 não serve como um imediato paradigma para a situação atual, porque em 2008 nós tivemos uma crise econômica decorrente do sistema financeiro norte-americano. O que nós temos hoje é alguma coisa completamente diferente, porque não há uma crise econômica, há uma crise de saúde pública. Mundial. Então, a crise econômica há de vir da crise de saúde. Agora, posteriormente a esta crise, ou seja, para sairmos do buraco, vamos precisar muito mais de Roosevelt do que de governos liberais. Precisamos de um new deal. A fórmula é Roosevelt, é Keynes. E não Hayek. O que nos coloca, no Brasil, em uma situação muitíssimo complicada, porque o nosso establishment público, o Paulo Guedes [ministro da Economia], o Roberto Campos Neto [presidente do Banco Central] e outros, são todos liberais. Como é que você vai ter uma pegada necessariamente keynesiana a partir de pessoas que estão focadas, enquadradas, formatadas por uma lógica liberal hayekiana? Vai ser difícil.

ConJur — Ainda em relação a como o governo de modo geral está reagindo à situação, na sua opinião essa edição sucessiva de medidas provisórias é o melhor caminho para tentar gerir a crise sanitária?

Fernando Facury Scaff —
Seguramente não. Falta um gabinete de crise. Falta comando no governo federal e, consequentemente, os governadores passam a ter mais protagonismo. Os governadores estão fracionadamente estabelecidos — o que, de certo modo, não é negativo. Mas falta uma coordenação central de todas essas operações. Por que eu quero dizer que não é negativo? Porque essa crise tem uma dimensão federalista, federativa, que a gente precisa entender. Seguramente o problema de saúde na cidade de São Paulo é diferente do que ocorre na cidade de Tanabi, no interior de São Paulo. Diferente do que acontece em Fortaleza de Minas, no interior de Minas Gerais, e diferente do que acontece em Bujaru, no interior do Pará. Então, a abertura e o fechamento de comércio, indústria e outras atividades em cada qual deles deve ter uma dinâmica distinta. A lógica federativa é uma lógica positiva nesse sentido. Mas volto à pergunta sobre as medidas provisórias: falta um gabinete de crise, alguma coordenação central, algo que dê um ordenamento para esse pandemônio que estamos vivendo no meio desta pandemia.

ConJur — O voto do ministro Gilmar Mendes usou a expressão “política dos governadores” (ao se referir à competência concorrente para medidas de saúde pública, no julgamento da ADI 6.341). A pergunta é: corremos risco de essa “política dos governadores” invadir também o campo tributário? Estamos diante da possibilidade de um novo ciclo de guerra fiscal?

Fernando Facury Scaff —
A Constituição delimita muito bem a competência de cada estado. E a guerra fiscal do ICMS já foi de alguma maneira complementada pela LC 160/2017, aprovada ainda na época do governo Temer. Então, eu diria que não se trata propriamente de uma nova etapa de guerra fiscal, mas sim de um protagonismo político dos governadores. Agora, isso não se refletirá em mais poder para eles, porque a estrutura tributária amarra os governadores a certos limites. Vamos olhar para o passado. Até pouco tempo atrás, a guerra fiscal era uma guerra de redução de carga tributária. O que se avizinha para frente com os estados ainda mais quebrados não será uma política de redução, será uma política de incremento.

Fernando Facury Scaff — A epidemia que estamos vivendo e as suas consequências econômicas tornam mais urgente a reforma tributária? Ou as discussões sobre ela devem ficar momentaneamente paralisadas?
Fernando Facury Scaff — As propostas de reforma tributária que estão em trâmite, a PEC 45 e a PEC 110, devem ser arquivadas imediatamente. Se elas já não eram boas na época da normalidade, no pós-normalidade elas se revelam piores do que se imagina. Vou dar um exemplo: se aquelas duas propostas já estivessem vigorando, nenhuma medida de redução de carga tributária sobre o consumo poderia ser adotada. Nenhuma. Então, essa redução de tributação que você vê hoje sobre alguns medicamentos, sobre máscaras, sobre alguns equipamentos de saúde, não poderia ser adotada, o que aponta para um erro crasso no desenho que estava sendo feito. Então, a meu ver, as propostas têm que ser arquivadas e algo novo tem de ser desenhado. Não quer dizer jogar fora o sistema tributário que existia antes, mas é um novo desenho de propostas de reforma tributária, aproveitando o que existe hoje e não querendo reconstruir o mundo.

ConJur — Qual seria o erro crasso dessas duas propostas?
Fernando Facury Scaff — Seria impedir a flexibilidade na tributação do consumo. Porque as propostas impediriam a concessão de incentivos fiscais sobre consumo. E consumo aqui em geral. Não estou falando só de ICMS, mas dos pacotes com PIS, Cofins, IPI, Cide, ISS. Esses pacotes estão como que amarrados na reforma tributária, nas duas propostas. As duas impediriam esse tipo de procedimento, o que aponta para um erro de ambas.

ConJur — Desde a Constituição de 1988, houve uma centralização tributária na União. Isso tem que ser revisto?
Fernando Facury Scaff — Sem dúvida. Mais um motivo para arquivar as duas propostas de reforma tributária. Porque elas centralizam poder na União. Em vez de serem reformas descentralizadoras, elas concentram poder na União. Até mesmo quem tiver uma lógica vinculada ao bolsonarismo tem de olhar e dizer: “o discurso não era ‘menos Brasília e mais Brasil’”? Como voltaram as reformas tributárias propondo mais força em Brasília?

ConJur — O risco de populismo tributário aumenta?
Fernando Facury Scaff — Não tenho a menor dúvida. É só você ver que estão discutindo na Câmara agora uma proposta de empréstimo compulsório em meio dessa confusão [PLP 34/2020]. É inadequado. Eu até acho que essas medidas podem ser debatidas depois. Mesmo depois, estarão erradas, mas debater nesta fase? É um erro. Quer dizer, as empresas estão tentando sobreviver e o Fisco querendo cobrar mais?

ConJur — E, à luz do que foi conversado, como fica a emenda constitucional 95, conhecida como “emenda do teto de gastos”?
Fernando Facury Scaff — Por um aspecto que alcança os gastos em geral, ela vai receber alguma emenda dizendo que a correção monetária de ano para ano, ou seja, reposição de inflação, não vai ser feita. Então, nesse aspecto, acho que a regra do teto será até mais fortemente apertada. Por outro lado, o trecho que trata não dos gastos em geral, mas dos gastos com saúde e educação, esses dois tópicos, em razão do gasto enorme com saúde, terão que ser flexibilizados. Então, acho que a dinâmica vai acontecer em um aperto para todos os gastos, retirando a correção monetária — a reposição inflacionária automática — que é prevista na emenda do teto, e, por outro lado, os gastos com educação e saúde serão seguramente flexibilizados. Aliás, o que toda a sociedade inteligente vinha dizendo há muito tempo. Ou seja, não pode colocar em uma amarra gastos com saúde e educação.

ConJur — Nesta quinta-feira (8/5), o Congresso promulgou a emenda constitucional apelidada de “orçamento de Guerra”, que flexibiliza gastos do governo durante a epidemia. Ela é o caminho para que a União possa se endividar e transferir recursos aos demais entes de federação, dispensando o aumento de carga tributária? Ou seus efeitos tendem a se restringir ao que o senhor está chamando de “primeira fase da crise”?
Fernando Facury Scaff — Essa emenda não traz a ideia de endividamento fora da crise. Apenas durante ela. E se complementa por outra lei que deve ser editada na sequência, de transferência de recursos para estados e municípios. Pode ser que resulte em endividamento sem aumento de tributos, mas a decisão será posterior. A depender de seu manejos. Tudo indica que será usada apenas para a primeira fase. A da calamidade sanitária.

ConJur — E o que mudanças normativas deveriam ser feitas para que também haja medidas tributárias para a “segunda fase”?
Fernando Facury Scaff — Decisão política de maior endividamento da União e transferência a custo zero para estados e municípios.

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10 de maio: Justiça do Trabalho comemora o Dia da Memória do Poder Judiciário

A data contribui para o fomento de atividades de preservação da história dos vários tribunais no país

logomarca do Dia da Memória do Poder Judiciário

logomarca do Dia da Memória do Poder Judiciário

A memória dos tribunais e o legado das personalidades que fizeram a Justiça brasileira ganharam um marco histórico. Em 14/4, em sessão plenária, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) instituiu a data de 10/5 como o Dia da Memória do Poder Judiciário, com o objetivo de contribuir para o fomento de atividades de preservação da história dos vários tribunais no país.

Para a presidente do Tribunal Superior do Trabalho e do Conselho Superior da Justiça do Trabalho, ministra Maria Cristina Peduzzi, a instituição da data é relevante e significativa, notadamente para a Justiça do Trabalho, que tem a história ligada à evolução dos direitos sociais e como essência a dignidade da pessoa humana. ”O Dia da Memória do Poder Judiciário nos ajuda a valorizar o passado e as pessoas que contribuíram para que chegássemos até aqui, como magistrados, servidores, advogados, membros do Ministério Público e representantes da sociedade”, afirma. “Não há como viver o hoje e pensar no amanhã sem olhar para as nossas referências de ontem”. 

O presidente da Comissão Permanente de Documentação do TST, ministro Mauricio Godinho Delgado, considera que a memória é parte do patrimônio cultural brasileiro e que cabe ao Poder Público, com a colaboração da comunidade, promovê-lo e protegê-lo. “Um país, um povo e instituições sem memória são entidades sem perspectivas consistentes de futuro. A escolha da data, para a Justiça do Trabalho, foi alvissareira, pois maio é o mês mais simbólico para o campo social do Direito, em vista da força histórica e representativa do Dia do Trabalho, comemorado em 1º de Maio”, ressaltou. 

Exposição virtual

Para marcar o Dia da Memória do Poder Judiciário e o mês de maio, em homenagem ao Dia Internacional do Trabalho, o TST e o CSJT lançam a exposição virtual “1º de Maio: diálogo entre lutas, conquistas e resistências”. A mostra mescla, a partir da comemoração do Dia Internacional do Trabalho, a evolução do trabalho e do Direito do Trabalho no mundo ocidental e a evolução, a estrutura e o papel da Justiça do Trabalho no Brasil. “É uma exposição dúplice, em um só formato e unidade, apontando aspectos relevantes do trabalho e dos direitos trabalhistas e também aspectos importantes do Poder Judiciário Trabalhista, com ênfase, naturalmente, na realidade histórica brasileira”, aponta o presidente da Comissão Permanente de Documentação do TST.

Memória 

A história e a memória da Justiça do Trabalho sempre tiveram relevância no âmbito do Tribunal Superior do Trabalho. Além do Memorial da Justiça do Trabalho, que tem como objetivo a preservação e a difusão cultural dos documentos e dos objetos que integram a memória desse ramo especializado do Judiciário, o espaço conta com um acervo permanente de fotografias, mobiliário de época, medalhas, prêmios, processos e outros objetos adquiridos ou doados ao Tribunal.

Há também a “Semana da Memória”, realizada anualmente pelo TST. O  evento conta com a presença de historiadores, sociólogos, juristas e outros especialistas e reúne produções sobre o Judiciário Trabalhista, o mundo do trabalho e os campos jurídicos que giram em torno dessa temática. 

A decisão do CNJ de comemorar a data também consagra e fortalece uma tradição da Justiça do Trabalho nas últimas década: desde os anos 1990, após a promulgação da Constituição de 1988, os diversos Tribunais Regionais do Trabalho criaram Centros de Memórias ou Memoriais em suas sedes nas distintas capitais no Brasil. 

Atualmente, todos os TRTs contam com espaços específicos institucionalizados para a promoção e a preservação da memória da Justiça do Trabalho, com programas de pesquisa, reflexão e divulgação, quase todos os anos, em distintos momentos e locais do país.

(NV/GS/CF/TG)
 

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Cobrança bancária de contrato nulo ultrapassa o mero aborrecimento

Se um contrato de cobrança foi julgado nulo em ação judicial transitada em julgado, mas os descontos continuaram a ser feito em conta na qual a correntista recebe remuneração, fica claro o ato ilícito, que representa dano maior que o mero aborrecimento. Com esse fundamento, o juízo da 14ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais negou recurso do Banco Pan em processo e majorou o pagamento de danos morais.

Banco Pan Americano foi condenado por descontar dinheiro de débito inexistente
Reprodução

No caso, o relator do recurso, desembargador Valdez Leite Machado, apontou que ficou provado no processo que foram feitos diversos descontos na conta poupança da autora, utilizada para receber benefício previdenciário, decorrentes de um contrato anulado em ação judicial anterior, com sentença transitada em julgado.

“Desse modo, o ato ilícito está, inegavelmente, presente na ação do Banco demandado ao realizar descontos indevidos na conta poupança da autora, utilizada para o recebimento de benefício previdenciário, fundados em contrato que foi declarado nulo em ação judicial anterior”, destacou o magistrado.

O banco tinha apresentado recurso de apelação, alegando que as cobranças não servem de fundamento para condenação indenizatória, tratando-se de meros aborrecimentos. Também pediu a redução do valor arbitrado a título de danos morais.

A autora da ação apresentou contrarrazões pedindo a majoração do valor dos danos morais para R$ 20 mil, por se tratar de conduta reiterada do banco.

Na decisão, o magistrado rejeitou o recurso do banco e aceitou o pedido da parte para aumentar o valor da indenização para R$ 20 mil, que deverá ser acrescido de juros de mora de desde o início da cobrança e correção monetária a partir da publicação do acórdão.

Ele também determinou que as custas de ambos os recursos e os honorários advocatícios fossem pagas pela instituição financeira sobre o valor da condenação atualizado.  O voto do relator foi seguido pelas desembargadoras Evangelina Castilho Duarte e Cláudia Maia.

Clique aqui para ler o acórdão

1.0000.19.074809-5/001

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Vidas perdidas para Covid-19 pedem melhores respostas do Direito

Em paradigma da ordem natural das coisas, a morte tem o seu tempo devido, como um código de barras de validade da vida. Nada, entretanto, será possível categorizar quando de vidas interrompidas, no espectro trágico da atual pandemia. Rupturas que subtraem da ordem da vida a sua própria ordem, em dramáticas anti-relações com a concretude do natural.

As perdas desconformes, de tamanha dor, daqueles que partem antes, em partida que retira, estranhamente, a vida do seu lugar, por uma caminhada inconclusa de horizontes, constitui uma enorme perda de capital humano, o que tem enlutado a humanidade inteira.

Para a melhor compreensão do problema, os diálogos do direito com os desafios da pandemia estão a exigir a análise de suas causas mediatas e imediatas, com suas evidências de políticas públicas. Sobretudo, em suas repercussões jurídicas nas áreas do direito de família, dos direitos fundamentais, bioéticos, trabalhistas e cíveis, com atenções na defesa da vida.

São vidas interrompidas que, em instante súbito, desapartam o que viria existir, contrariando o ritmo essencial e ingente, quando a vida estava à frente. Nos significantes desses lutos diferentes, sem linguagem exata a tanto poder expressá-los, a fatídica realidade convoca-nos refletir quantas as décadas de vida estão perdidas no morrer, diante de tantas mortes prematuras, arrostadas pela Covid-19. O mundo está indigente das vidas de suas famílias.

Mudou o cotidiano, mudamos nós, o modelo civilizatório será outro; e os que morrem deixam seus legados, avisos e lições por um mundo mais responsável com o próximo. Suas vidas subtraídas reclamarão, na ordem social e no Direito, melhores respostas.

Vejamos:

(i) As relações sistêmicas (ADPF 671/20 vs. ADI 6362) — Sistemas de saúde colapsados ou não em (in)suficiência de leitos de UTI às necessidades naturais ou emergenciais dos pacientes têm sido uma questão primacial enfrentada.

Em nosso país, as discussões jurídicas controvertem quanto ao uso de leitos privados pelo sistema de saúde pública, no sentido seguinte:

a) pela unicidade do sistema de saúde (público e privado) no efeito de o S.U.S. ter um eficaz controle da totalidade dos leitos disponíveis, em sistema da chamada “fila única”, para a redução de óbitos (ADPF 671/2020, de 31 de março). A ação, onde se pretende a regulação pelo poder público da utilização dos leitos de unidades de tratamento intensivo (UTIs) na rede privada durante a pandemia, teve seguimento negado pelo Min. Relator Ricardo Lewandowski, em 03.04.2020, com agravo em tramitação [1].

b) pelas garantias de os beneficiários do sistema privado obterem o devido atendimento, pelas operadoras de planos de saúde, regulado pela Agência Nacional de Saúde, conforme os investimentos próprios nas suas redes assistenciais; atualmente afetados pela Lei nº 13.979/20, quando permite “requisição de bens e serviços de pessoas naturais e jurídicas”, com o pagamento posterior de “indenização justa” (ADI 6362/2020, de 02 de abril). [2] 

Antes de mais, a experiência pandêmica tem evidenciado, quanto bastante em perdas de vidas, que o direito à saúde, como um direito social fundamental e prioritário, é um dever do Estado, cumprindo-lhe efetivá-lo a contento (art 196, CF), com maiores investimentos permanentes e não sazonais e/ou precários. A figura jurídica da grave negligência pública induz diversas responsabilidades.

Em ser assim, a privatização da saúde é um plus, não podendo o Estado, através dela, elidir a sua continuada omissão em prestar, a custo próprio, serviços de saúde pública satisfatórios a todos. Há exatos quatro anos (05/2016), o Conselho Federal de Medicina, com base em dados do Ministério da Saúde, identificou em todo o país, apenas 40.960 leitos de UTI (1,8/10 mil hab.), certo que dessa soma, 20.173 estavam disponíveis ao SUS, a atender, no mínimo, 150 milhões de pessoas (razão de 0,95/10 mil hab.); e os demais 20.787 leitos, disponíveis pela saúde suplementar ou privada, para atender 50 milhões (razão de 4,5/10 mil hab.). Pior: constatou-se a má distribuição dos leitos (públicos e privados), quando “apenas 505 dos 5.570 municípios brasileiros possuíam pelo menos um leito de UTI”. [3]

Afinal, leciona o jurista português Jorge Reis Novais, “nosso sentido de justiça considera intocável: as situações-tipo em que essencialmente afectado o estatuto de igual dignidade de cada pessoa”.

(ii) As relações de subtração de vidas — Interessante pesquisa utilizando dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) calculou o tempo de vida remanescente que as vítimas da Covid-19, depois dos cinquenta anos, perderam em média, desmistificando a preconceituosa ideia que “os idosos mortos por coronavírus teriam pouco tempo de vida mesmo antes da doença”. A pesquisa concluiu que: a) os homens tiveram, uma subtração de existência, em média, de 14 anos (sem doenças pré-existentes) ou de 13 anos (com comorbidades) e b) as mulheres, a seu turno, de 12 ou 11 anos, em respectivo. O gráfico do estudo indicou que quanto menor a idade e o número de comorbidades, mais tempo de vida o paciente que vem a óbito terá perdido. [4]

Ocorre que os indicadores da letalidade epidêmica não revelam dados suficientes que convivem com o trágico. Os registros que identificam agora uma multidão invisível que padece, antes do próprio vírus, da falta de uma assistência social adequada, encontram nas populações periféricas e na morte de idosos, as injúrias das desigualdades sociais e da solidão que já os desprotegiam, carecentes de um amor prestativo.

Tais relações de vidas subtraídas assinalam, em todas as faixas etárias, maior perda de vidas reprodutivas, implicando forte decesso na força de trabalho. Isso já sucede com taxas anuais de homicídio, considerando a Organização Mundial de Saúde (OMS) como epidêmicas as taxas de homicídio superiores a 10 homicídios a cada 100 mil habitantes. Ora bem. Os dados de morte na violência do Brasil vitimaram, dentre os 65,6 mil homicídios ocorridos em 2017, 35.783 jovens (entre 15 a 29 anos), significando “uma juventude perdida por mortes precoces”. [5]

(iii) As relações de força (o dom da vida desperdiçado) — Como se respeita o dom da vida quando as forças da morte vencem, diante das crônicas prestações deficitárias de saúde pública? Enquanto milhões de vidas foram salvas pelos epidemiologistas, a partir do primeiro (John Snow – 1813-58), com a invenção da vacina (sec. XVIII), a teoria microbiana das doenças (sec. XIX) e a descoberta dos grupos sanguíneos (Karl Landsteiner, 1900) para transfusões de sangue mais seguras; milhares de vidas são, todavia, perdidas, apesar dos avanços médicos. Muitos países agonizam até a morte, pela falência de cautelas nos investimentos sanitários, por insuficiência estatal com a proteção integral das pessoas e pela omissão iniludível ante as desigualdades sociais.

Em “O Novo Iluminismo”, Steven Pinker escreve que durante a maior parte da história humana, a mais devastadora causa de morte foram as doenças infecciosas e que os ganhos de longevidade são os espólios da vitória contra as doenças, fome, guerras, homicídios e acidentes.

No entanto, quanto mais contribui a ciência e os esforços médicos para a melhoria da condição humana, a contradição dramática é assinalada por Angus Deaton (Nobel de Economia, 2015), apontando que em partes do mundo “as pessoas vivem resignadas à péssima saúde e nunca sonharam que mudanças em suas instituições e normas podem melhorá-la”.

Ele vaticina, na sua obra “The Great Escape” (2013): “Mas, à medida que as pessoas passam a viver mais, o objetivo começa a ser atacar a ‘próxima’ doença – ‘próxima’ aqui significa a enfermidade que assolará as pessoas mais velhas com impacto letal maior que a ‘anterior’”.

Não há negar, por consabido, que as mutações continuadas dos coronavírus, ano a ano, conduzem a desafios que exigem sistemas de saúde mais aptos a enfrentá-los.

(iv) As relações senectárias — A relação dos idosos de risco com a segurança de suas sobrevivências reclama revisitação do Estatuto do Idoso (Lei nº 10.741/2003) e maiores atenções com as Instituições de Longa Permanência para Idosos (ILPIs). Neste sentido, o PL 1.888/2020, de 14.04.2020, dispõe auxílio financeiro emergencial pela União, de até R$ 160 milhões a essas entidades que desenvolvam programas de institucionalização senectária, sujeitos aos princípios do art. 49 do I.I.

Lado outro, o PL nº 105/2020, de 05.02.2020, com muita oportunidade, introduz o novo instituto jurídico da senexão ao Estatuto do Idoso, como medida protetiva a colocar o idoso de risco em família substituta.

(v) As relações fatídicas — O fatídico das vidas subtraídas situa-se em diversos fenômenos:

a) A prioridade dos pacientes em confronto com o déficit de vagas em UTIS, em face da maior ou menor gravidade, tem seus critérios de admissão e alta em unidades de terapia intensiva, tratados pela Resolução nº 2.156-CFM, de 28.10.2016 (D.O.U. de 17.11.2006), em cinco níveis de necessidades que especifica. [6] 

A Resolução nº 2.077/2014 – CFM dispõe sobre a normatização do funcionamento dos Serviços Hospitalares de Urgência e Emergência, bem como do dimensionamento da equipe médica e do sistema de trabalho. Determina o atendimento denominado de “vaga zero” de pacientes mais graves e a quantificação da equipe médica “conforme a responsabilidade de cobertura populacional e especialidades que oferece na organização regional”.

b) as mortes diante de outros déficits, como os da falta de unidades médicas, de médicos, de profissionais de saúde e de medicamentos, com a gravidade atual dos índices de mortalidade, reclamam urgentes políticas públicas com melhor legislação que regule o funcionamento da saúde pública provido de condições mínimas obrigatórias à satisfatividade dos desempenhos.

c) as mortes periféricas dos que não ingressam, agora, nos hospitais por outras enfermidades, desconsideradas urgentes, configuram flagrante evidência do mal-estar da saúde que vitimiza milhares de outras pessoas.

d) as mortes no binômio relacional pobreza-letalidade, por razões de infortúnios sociais nunca resolvidos, à míngua de saneamento básico, de condições de habitação, de higiene, em extensivo rol de carências, subestimam, sempre, a dignidade humana. Mais de dezoito milhões no país não tem acesso diário ao fornecimento de água e esse dado, por si, é ilustrativo na moldura da vitimização mortal dos mais pobres.

Em todas as hipóteses acima, a objetividade implícita dos dados de mortalidade, pelos eventos e suas causas, acrescenta preocupação para o direito e aos seus operadores, à míngua de uma ordem jurídica de saúde pública com eficiência operacional. Logo, o único caminho a trilhar é o de sempre, o da Constituição.

(vi) As relações laborais — O adoecimento ocupacional por profissionais em face da Covid-19 configura, sim, acidente de trabalho, independente de culpa e dolo do empregador, máxime constituir prova diabólica exigir-se comprovação do momento preciso da contaminação, ou seja, tenha sido no ambiente de trabalho. Assim decidiu o Supremo Tribunal Federal (em 29.04.20), suspendendo os artigos 29 (que não considera como doença ocupacional as contaminações pelo novo coronavírus) e 31 (limitador da atuação dos auditores fiscais) da Medida Provisória 927/2020, de 22 de março. Na esteira desse julgado, tem-se relevante a garantia de pensões previdenciárias aos familiares dos que venham a óbito, por força da Covid-19. [7][8]

(vii) As relações resilientes — Sucede, então, neste Mês de Maria, a esperança tornar-se muito mais intensa. E porque onde mora a esperança, nela sempre existirão os sonhos (e os dias futuros), a fé mariana nos conduzirá ao dever etimológico de professar a crise (do grego, “krísis”), como ruptura de um estado anterior no absoluto significado de superação.

O amanhã convoca a confiança na travessia para os dias que virão, em vida pulsante. Na experiencia humanitária da pandemia que vitima o mundo, há uma morte que não provoca morte: a humanidade de ontem fenece e uma outra subsequente surgirá diferente, bem melhor, em um novo iluminismo. “O tempo é quando”, reza o poema.


[1] Estudos iniciais, nessa linha, estimam, até esta última semana, que até 14,7 mil mortes seriam evitadas. Web: https://noticias.uol.com.br/saude/ultimas-noticias/estado/2020/05/05/fila-unica-para-utis-poderia-evitar-147-mil-obitos-diz-estudo.htm?cmpid=copiaecola – Fonte: jornal “O Estado de São Paulo”. Acesso em 05.05.2020. Conferir decisão do STF. Web:

http://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=440821&ori=1

[2] A ação, com o relator prevento pela ADPF 671/2020, Min. Ricardo Lewandowski, está com vistas ao AGU. Web: http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=5886574

[3] Fonte: Conselho Federal de Medicina. Matéria a propósito da Resolução nº Resolução CFM nº 2.156/2016, que define critérios para melhorar fluxo de atendimento médico em UTIs.

Web: https://portal.cfm.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=26557:2016-11-17-13-28-46&catid=3

[4] Fonte: DANTAS, Carolina. G1. Globo.

Web: https://g1.globo.com/bemestar/coronavirus/noticia/2020/05/02/idosos-perdem-em-media-uma-decada-de-vida-ao-morrer-por-covid-19-diz-estudo.ghtml

[5] Atlas da Violência 2019: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) com dados de 2017, coletados pelo Ministério da Saúde. Web: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-48504184

[6] PUPO, Matheus. DAMIANI, André. Médicos precisam de ‘vacina jurídica’ para enfrentar colapso. In: Consultor Jurídico, de 05.05.2020. Web: https://www.conjur.com.br/2020-mai-05/damiani-pupo-medicos-vacina-juridica-colapso

[7] Decisão proferida pelo min. Marco Aurélio de Melo, no julgamento de sete ações diretas de inconstitucionalidade contra a M.P. 927/2020 (ADIs 6.342, 6.344, 6.346, 6.348, 6.349, 6.352 e 6.354). Web: https://www.conjur.com.br/2020-abr-29/suspensos-artigos-mp-flexibilizam-regras-trabalhistas

[8] Ver, a propósito: ARANTES, Denise. RAMOS, Gustavo. “Covid-19: empregador é responsável por adoecimento ocupacional”. In: Consultor Jurídico, em 05.05.2020. Web: https://www.conjur.com.br/2020-mai-05/arantes-ramos-empregador-responsavel-adoecimento-ocupacional


Resenhas bibliográficas:

DEATON, Angus. A Grande saída. Saúde, Riqueza e as origens da desigualdade. trad. Marcelo Levy; Rio de Janeiro: Intrínseca, 2017, 1ª ed., 335 p.;

PINKER, Steven. O Novo Iluminismo. Em defesa da razão, da ciência e do humanismo. Trad, Laura Teixeira Motta e Pedro Maia Soares. São Paulo: Companhia das Letras, 1ª ed., 2018, 686 p.;

 é desembargador decano do Tribunal de Justiça de Pernambuco, integra a Academia Brasileira de Direito Civil, membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM) e membro fundador do Instituto Brasileiro de Direito Contratual (IBDCont)

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Equilíbrio das prestações: recuperação da base objetiva dos contratos

O contrato não é estático, mas dinâmico, assim como a relação obrigacional (na asserção memorável de Clóvis do Couto e Silva, a obrigação como processo).

A ideia de base objetiva tem forte significado diante de um quadro de alteração radical de circunstâncias. Se já não se apresentam mais os mesmos fatos econômicos e sociais, em contraste com os que existiam quando do ajuste, abre-se a perspectiva de recomposição da base do negócio, em busca do retorno a uma posição saudável de equilíbrio contratual.

Em larga escala, a pandemia do novo coronavírus, declarada pela Organização Mundial da Saúde em 11 de março de 2020, pressiona as relações contratuais, sem que se possa, por ora, estimar com nitidez o seu alcance, que pode ser devastador.

A teoria da base objetiva do negócio, desenvolvida por Oertmann, logo após a primeira guerra mundial, e aprimorada por Larenz, depois da segunda grande guerra, enriqueceu o quadro doutrinário que contava com construções jurídicas anteriores, como a cláusula rebus sic stantibus, a teoria da pressuposição e a teoria da imprevisão.

Ao longo da história da civilização, não tem sido tão raro que “um fato incomum torne impossível a manutenção daquilo que se estabeleceu”, levando as partes à “contingência de adequar regras já definidas às exigências de eventos supervenientes”.

A humanidade experimentou guerras, revoluções, catástrofes naturais, inúmeras epidemias e pandemias. As teorias mencionadas são soluções imaginadas pelos juristas, e por vezes incorporadas à legislação, para lidar com fenômenos de monstruosa envergadura.

Os contratos supõem uma certa estabilidade, sem a qual se descaracterizam e podem ter esvaziada ou exaurida a respectiva força obrigatória. Por base do negócio entende-se, de tal maneira, o estado geral de coisas cuja existência ou persistência é objetivamente necessária para que o sinalagma subsista, como regulação dotada de sentido.

A teoria da base objetiva influenciou, de forma decisiva, a norma do § 313 do BGB (com a redação dada pela Lei de Modernização do Direito das Obrigações alemão, de 2001) e o art. 437 do Código Civil português, impulsionando ademais a doutrina e a legislação brasileiras.

O caráter vinculante dos contratos não é mitigado porque lhes falte a moralidade ínsita às promessas que reciprocamente são feitas pelos sujeitos que os celebraram: se é verdade que a palavra dada tem um valor moral respeitável e um peso jurídico relevante, não é menos correto que a vontade das partes tenha, há muito tempo, deixado de ser a exclusiva chave hermenêutica para a compreensão do contrato.

O princípio do equilíbrio contratual anima, por um lado, a sempre preferível renegociação, pelas próprias partes, dos termos avençados. Por outro lado, abre a via judicial, conducente à revisão do negócio ou à sua extinção.

A resolução, como modalidade de extinção do vínculo, é evidenciada pelo art. 478 do Código Civil brasileiro, diante de fatos supervenientes que tenham colaborado com feição marcante para a quebra do equilíbrio das prestações das partes. Por isso, tem-se que a comutatividade é a regra, conquanto qualquer álea anormal não seria presumível.

Para evitar a resolução, a lei prevê, como remédio, que o credor ofereça a modificação equitativa das condições do contrato (Código Civil, art. 479).

A resolução, contudo, é medida extremada, tornando mais sensato, mesmo quando o credor não aquiesça, promover-se a revisão do que fora pactuado. Bem antes do Código Civil de 2002, os princípios da boa-fé e da conservação dos negócios já iluminavam a orientação colhida pelo Código de Defesa do Consumidor e de bom grado aceita pela jurisprudência também para os contratos civis e empresariais, ao estipular “a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas” (art. 6º, V).

Note-se que a Declaração de Direitos de Liberdade Econômica (Lei nº 13.874, de 2019) não eliminou a possibilidade de revisão, a despeito de ter coarctado sua incidência, no contexto de ingerência estatal mínima sobre os negócios. O art. 421 do Código Civil recebeu o acréscimo de um parágrafo único, com a seguinte redação: “Nas relações contratuais privadas, prevalecerão o princípio da intervenção mínima e a excepcionalidade da revisão contratual”.

Ao indesejável risco da resolução, como expediente que, não obstante, permanece em vigor, acrescente-se o apego, de parte da literatura jurídica brasileira, a uma concepção de imprevisão de perfil subjetivista, que não é a melhor construção a que se pode chegar sob a égide do princípio do equilíbrio entre as partes. O que sustenta a revisão do contrato não é o caráter imprevisível dos fatos supervenientes que venham a atingir a base do negócio, mas a necessidade elementar de se manter a paridade entre os contratantes.

Essa vertente da teoria da imprevisão se revela insuficiente, dado o voluntarismo psicológico de que é infiltrada, e resulta inapta a fornecer respostas para problemas como a excessiva dificuldade da prestação e a frustração dos fins do contrato.

O critério da anormalidade da alteração de circunstâncias se afigura mais apropriado que o da imprevisibilidade, permitindo, razoavelmente, conjugado com a boa-fé, fundamentar a resolução ou a revisão do contrato.

Dado que o equilíbrio contratual remete à igualdade, a resolução ou a revisão do contrato em razão da alteração grave de circunstâncias são expressões de uma exigência fundamental do ordenamento. A paridade é a ratio que enseja a proporcionalidade nas relações contratuais privadas.

É imperativo ter em conta, todavia, que a atuação judicial sobre os contratos, quando açodada, em vez de reequilibrar os sujeitos envolvidos, pode gerar ainda maior desequilíbrio, além de romper a segurança jurídica. Têm-se visto, desde a eclosão da pandemia, algumas decisões judiciais que, embora a pretexto de salvaguardar valores caros ao ordenamento, como a dignidade da pessoa humana, suscitam intercorrências potencialmente desastrosas, em curto, médio e longo prazos, ao tutelar uma das partes, mas à custa do aniquilamento da outra.

A pandemia não é sectária, não se atendo a prejudicar apenas uma das partes, de tal modo que a atuação estatal não há de perder de vista a habitual bilateralidade do contrato, a dependência recíproca das prestações.

As relações jurídicas em que haja um sujeito protegido em especial, como o consumidor, ostentam um perfil diferenciado, fazendo sentido que a lei nacional estabeleça, por ora, alguma espécie de mecanismo transitório, como, por exemplo, uma exceção dilatória em vista de eventual mora do devedor.

Entretanto, no campo dos contratos do direito comum, de natureza civil e empresarial, a pressa legislativa, politicamente oportunista, no calor dos acontecimentos, pode ser ruinosa. Na esfera federal, ressalve-se, tramita o Projeto de Lei nº 1.179, de 2020, com alicerces doutrinários idôneos. Por sua vez, nos níveis estadual e municipal da federação brasileira, têm sido editadas deletérias leis de ocasião que, com frequência, nascem inconstitucionais.

Posto que a base do negócio, como qualquer outra teoria, não seja isenta de críticas, representa uma fórmula maleável e adaptável a uma variedade incontável de situações práticas, que o legislador não teria como esgotar.

A atuação judicial precisa ser bastante prudente, de preferência a posteriori da pandemia, para resguardar e oportunamente restaurar, com o imperioso amadurecimento dos fatos, a comutatividade contratual.

Enquanto não é sequer possível medir a intensidade e a duração da crise sanitária, que pode se prolongar por vários meses, havendo tantas indefinições e grandes desafios, não parece aconselhável redesenhar relações obrigacionais, sobretudo para afastar o cumprimento de prestações que não tenham objetivamente deixado de ser exequíveis, sem embargo de seu exame percuciente no porvir.

Assim como os seres humanos, os contratos não são imortais. Como escreveu Carnelutti, “a experiência de sua mortalidade é o valor da crise”. Que as pessoas sobrevivam e que os contratos subsistam, é o que se espera.

Esta coluna é produzida com a colaboração dos programas de pós-graduação em Direito do Brasil e destina-se a publicar materiais de divulgação de pesquisas ou estudos relacionados à pandemia do Coronavírus (Covid-19).


“Com a expressão ‘obrigação como processo’, tenciona-se sublinhar o ser dinâmico da obrigação, as várias fases que surgem no desenvolvimento da relação obrigacional e que entre si se ligam com interdependência”. COUTO E SILVA, Clóvis V. do. A obrigação como processo. 2. ed. Rio de Janeiro: FGV, 2007, p. 20.

OERTMANN, Paul. Die Geschäftsgrundlage: ein neuer Rechtsbegriff. Leipzig: Deichert, 1921. Para esse autor, a base do negócio denota a representação de uma das partes, reconhecida e não contestada pela outra, ou a representação comum às partes, sobre a presença de certas circunstâncias tidas como fundamentais para a formação da vontade.

LARENZ, Karl. Geschäftsgrundlage und Vertragserfüllung: die Bedeutung “veränderter Umstände” im Zivilrecht. München: Beck, 1951. O jurista difere a base subjetiva e a base objetiva do negócio. Enquanto a primeira abrange as representações mentais sobre as quais as partes concluíram o acordo, a segunda traduz as circunstâncias pressupostas, mesmo sem que delas tenham as partes consciência, tais como a manutenção da legislação ou de determinado sistema econômico. Dissipa-se a base objetiva do negócio quando há uma perturbação na equivalência das prestações ou uma frustração do escopo do contrato.

ZIMMERMANN, Reinhard. The Law of Obligations: roman foundations of the civilian tradition. Oxford: Oxford University Press, 1996, p. 579 e seguintes.

A pressuposição corresponderia a uma condição não desenvolvida, isto é, não expressa, mas da qual os contratantes fariam depender a validade da sua estipulação. WINDSCHEID, Bernhard. Die Lehre des römischen Rechts von der Voraussetzung. Düsseldorf: Julius Buddeus, 1850, p. 3.

Para um bem construído estudo histórico, veja-se: RODRIGUES Junior, Otavio Luiz. Revisão judicial dos contratos: autonomia da vontade e teoria da imprevisão. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2006, p. 32 e seguintes.

BORGES, Nelson. A teoria da imprevisão no Direito Civil e no Processo Civil. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 70.

“No sentido de base objetiva do negócio (isto é, de que o negócio jurídico, segundo o conceito imanente de justiça comutativa, supõe a coexistência de uma série de circunstâncias econômicas, sem as quais ele se descaracteriza), sem dúvida alguma vige e é utilizável em nosso direito. Nesse sentido, escreve Siebert, desaparece a base do negócio jurídico, quando a relação de equiponderância entre prestação e contraprestação se deteriora em tão grande medida, que de todo modo compreensível não se pode mais falar de ‘contraprestação’ (teoria da equivalência)”. COUTO E SILVA, Clóvis. Op. cit., p. 108.

KHAYAT, Gabriel; SAAD, Gustavo. O necessário estudo do art. 437 do Código Civil português. Revista de Direito Privado, São Paulo, v. 99, p. 240, mar./abr. 2019.

ATIYAH, Patrick. The Rise and Fall of Freedom of Contract. Oxford: Clarendon, 2000, p. 731.

Em corajoso sentido minoritário, a defender, à luz do art. 479 do Código Civil, que é somente do credor a legitimidade para postular a modificação do contrato afetado pela excessiva onerosidade superveniente, vide: MARINO, Francisco Paulo De Crescenzo. Revisão contratual: onerosidade excessiva e modificação contratual equitativa. São Paulo: Almedina, 2020, p. 71 e seguintes.

“Portanto, dispensa-se a imprevisibilidade nos casos em que a boa-fé obrigaria a outra parte a aceitar que o contrato ficasse dependente da manutenção da circunstância alterada”. COSTA, Mário Júlio de Almeida. Direito das Obrigações. 9. ed. Coimbra: Almedina, 2004, p. 304.

Nos dois sentidos de “princípio da igualdade perante a lei contratual” e de “princípio de equivalência na economia geral do contrato”. BERTHIAU, Denis. Le principe d’egalité et le droit civil des contrats. Paris: LGDJ, 1999, p. 13.

A dignidade da pessoa humana deixou, lastimosamente, de expressar a essência do ser (na acepção em que a filosofia kantiana distingue as pessoas das coisas), como fundamento para a proteção das situações subjetivas existenciais, para se tornar, em vez disso, um elemento do discurso legitimador das decisões judiciais, quaisquer que sejam elas. Constituiu-se, assim, uma caricatura inigualável, engendrada a suprir debilidades argumentativas. Seja consentido remeter a: MATTIETTO, Leonardo. Estado de direito, jurisdição e dignidade humana. Lex humana, Petrópolis, v. 11, n. 1, p. 97-109, jan./jun. 2019.

A providência seria inspirada na lei alemã de mitigação das consequências da pandemia (Gesetz zur Abmilderung der Folgen der COVID-19-Pandemie im Zivil-, Insolvenz- und Strafverfahrensrecht), de 27 de março de 2020. Para a defesa de sua implantação no direito brasileiro, vide: MARQUES, Claudia Lima; BERTONCELLO, Karen; LIMA, Clarissa Costa. Exceção dilatória para os consumidores frente à força maior da pandemia de covid-19. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, v. 129, p. 1-23, maio/jun. 2020.

CORDEIRO, António Menezes. Da alteração das circunstâncias. Lisboa: Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa, 1987, p. 30.

CARNELUTTI, Francesco. La morte del diritto. In: La crisi del diritto. Padova: CEDAM, 1953, p. 183.

 é professor na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio), onde coordena o Curso de Mestrado em Direito, professor na UCAM, mestre e doutor em Direito pela UERJ, e procurador do Estado do Rio de Janeiro

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O Direito Constitucional, a saúde e sua evolução

A pandemia da Covid-19 impôs ao mundo uma nova realidade ao reconfigurar o cenário político-econômico e, consequentemente, alterar as pautas prioritárias no debate público. Questões relacionadas à saúde ganharam relevância e se tornaram onipresentes em diferentes aspectos da vida humana. Para o universo jurídico, e aqueles que orbitam em torno dele, isso implica na necessidade de aprimorar as discussões que envolvem direito e saúde, sendo o fornecimento judicial de medicamentos um tópico de elevada controvérsia que se pretende abordar neste artigo.

Pertinente contextualizar que a abordagem contemporânea sobre saúde tem sua origem no período do pós-guerra, época em que foi constituída a Organização Mundial da Saúde (OMS). Rompeu-se com a tradição negativista que vigorava e conceituava a saúde como a ausência de doenças e passou a prevalecer a concepção positivista que a define como um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não somente de ausência de enfermidades [1]. A saúde se tornou um saber social a ser empregado em políticas governamentais para elevar a qualidade de vida da população.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos, editada em 1948, reconheceu a saúde como direito inalienável de toda e qualquer pessoa e como um valor social a ser perseguido por toda a humanidade. Tal direito objetiva assegurar as condições de bem-estar e de desenvolvimento mental e social, conectando-se diretamente ao direito à vida, seja como pressuposto indispensável para sua existência, seja como elemento agregado à sua qualidade.

Incorporando ampla gama de direitos sociais, a Constituição brasileira de 1988 consagrou o direito fundamental à saúde nos artigos 1º, III; 6º, 23, II, 196, 198, II e § 2º, e 204. Qualificado pela doutrina pátria como direito de segunda dimensão [2], exige para seu implemento uma atuação ativa do poder público por meio de prestações positivas e materiais que podem ser legitimamente reivindicadas pelos cidadãos e, inclusive, por estrangeiros residentes no país. Por ser um direito fundamental, deve possuir a máxima eficácia e efetividade possível, configurando-se ainda como requisito essencial para a dignidade humana que é fundamento da República segundo o artigo 1º, inciso III, da Constituição.

Sua relevância motivou o constituinte a inserir na própria Carta Magna os meios para garantir a efetividade deste direito ao criar um orçamento específico para o financiamento da seguridade social, que inclui a saúde, com recursos oriundos da União, dos estados, do Distrito Federal e de outras fontes. Nesse ínterim, a Emenda Constitucional nº 29 aprimorou o arcabouço de garantias à saúde ao estabelecer a obrigatoriedade da aplicação, anualmente, de recursos mínimos pelos entes da federação em ações e serviços públicos de saúde.

O Brasil, segundo dados coletados pelo IBGE, gasta 3,8% do PIB em saúde pública, posicionando o país ligeiramente acima dos países de renda média e abaixo dos países desenvolvidos. Esse quadro impõe aos administradores públicos a formulação e implementação de políticas públicas eficientes que garantam acesso universal e igualitário à assistência médico-hospitalar considerando a escassez de recursos disponíveis para aplicação no sistema de saúde.

Parte essencial desse planejamento consiste em organizar a compra e a distribuição de medicamentos à população. Em que pese inexistir previsão constitucional expressa nesse sentido, cabe ao poder público o fornecimento de fármacos à população, eis que o direito dos enfermos de receber o devido tratamento medicamentoso provém do direito constitucional à saúde. O Sistema Único de Saúde (SUS) é o arranjo organizacional do Estado brasileiro responsável por essa tarefa, fornecendo suporte à efetivação da política de saúde no Brasil e operando a distribuição de fármacos com base na política nacional de medicamentos.

Apesar do estabelecimento de diretrizes e do crescente aperfeiçoamento da gestão pública, o SUS não consegue fornecer medicamentos a todos que dele precisam. Os limites orçamentários do sistema de saúde são um empecilho concreto que refletem a teoria da reserva do possível. Surgida na Alemanha, a teoria aponta a limitação dos direitos sociais de acordo com as capacidades financeiras do Estado em prover as prestações materiais necessárias para concretizá-los.

Esses limites se tornam ainda mais evidentes em contextos de crise econômica, como a atual, na qual o orçamento público é pressionado pela necessidade de dar respostas imediatas à pandemia da Covid-19. Ao passo em que crescem as despesas com medidas de prevenção e de profilaxia ao vírus, além do auxílio econômico direto à população, as receitas tributárias sofrem queda devido à suspensão, por prazo indeterminado, de serviços, atividades ou empreendimentos com circulação ou potencial de aglomeração de pessoas e que não se enquadram como atividade essencial.

Na tentativa de ultrapassar essa falha de prestação material do Estado, tornou-se comum recorrer ao Poder Judiciário para se ter acesso ao medicamento pretendido. O fenômeno ganhou tal proporção que convencionou-se falar em “judicialização da saúde” diante do grande número de processos envolvendo solicitações no setor de saúde. Segundo o Relatório Justiça em Números do Conselho Nacional de Justiça, publicado em 2019 na sua 15ª edição, tramitam nos tribunais do país 2.228.531 processos referentes à judicialização da saúde, sendo que 544.378 dizem respeito ao fornecimento de medicamentos.

As demandas judiciais sobre o tema são cada vez mais frequentes e consequência da deficiência do sistema de saúde proposto pelo Estado, que fornece apenas alguns medicamentos previamente listados. A população, então, vê-se obrigada a procurar a tutela judicial de seus direitos, principalmente por meio de provimentos liminares. Busca-se obrigar a Administração Pública a cumprir o dever que lhe foi imposto pela norma constitucional de prestação universalizada do serviço de saúde.

O amplo acolhimento em juízo das ações de concessão de medicamentos demonstra a eficácia da proteção constitucional do direito à saúde, mas também gera preocupação por frequentemente impor aos administradores públicos vultuosos gastos não previstos em medicamentos de eficácia duvidosa. Alcançou-se um quadro em que a própria continuidade das políticas de saúde pública é posta em risco, dificultando a alocação racional dos escassos recursos públicos. Tornou-se urgente uniformizar entendimentos e critérios para a concessão de medicamentos na via judicial a fim de dar previsibilidade ao gestor público e segurança para o jurisdicionado.

O Superior Tribunal de Justiça buscou dar previsibilidade à questão ao julgar os casos de medicamentos requeridos pelos jurisdicionados que não estão previsto em atos regulamentares do SUS, principalmente a Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (Rename), um elemento técnico-científico que orienta a oferta, a prescrição e a dispensação de medicamentos nos serviços do SUS. Nesse contexto, a corte resolveu afetar o Recurso Especial nº 1.657.156 ao rito dos recursos repetitivos. Atribuiu-se ao julgamento daquele recurso a uniformização de entendimento nos processos cujo tema versasse enunciado “Obrigatoriedade do poder público de fornecer medicamentos não incorporados em atos normativos do SUS”.

Sob relatoria do ministro Benedito Gonçalves, a Primeira Seção fixou tese de que nesse casso a concessão dos medicamentos exige a comprovação de três requisitos com base na jurisprudência do STJ e do STF: I) comprovação, por meio de laudo médico fundamentado e circunstanciado expedido por médico que assiste o paciente, da imprescindibilidade ou necessidade do medicamento, assim como da ineficácia, para o tratamento da moléstia, dos fármacos fornecidos pelo SUS; II) incapacidade financeira de arcar com o custo do medicamento prescrito; III) existência de registro na Anvisa do medicamento.

Posteriormente, em sede de embargos declaratórios, o terceiro requisito teve sua redação alterada para “existência de registro do medicamento na Anvisa, observados os usos autorizados pela agência”, objetivando evitar que o sistema público seja obrigado a fornecer medicamentos que, devidamente registrados, tenham sido indicados para utilizações não previstas na bula registrada na Anvisa (utilização off label), nem mesmo em caráter excepcional. A decisão determina ainda que, após o trânsito em julgado de cada processo, o Ministério da Saúde e a Comissão Nacional de Tecnologias do SUS (Conitec) sejam comunicados para que estudem a viabilidade de incorporação do medicamento pleiteado no âmbito do SUS.

O Supremo Tribunal Federal também foi instado a se pronunciar sobre a questão nos Recursos Extraordinários com repercussão geral reconhecida 657718 e 566471, ambos sob a relatoria do ministro Marco Aurélio. O RE 657718 aborda a obrigatoriedade, ou não, de o Estado, ante o direito à saúde constitucionalmente garantido, fornecer medicamento não registrado na Anvisa, enquanto o RE 566471 trata do dever do Estado de fornecer medicamento de alto custo a portador de doença grave que não possui condições financeiras para comprá-lo.

Ao analisar o RE 657718, a maioria dos ministros da corte entendeu que o Estado não deve ser obrigado à fornecer o medicamento, salvo em caso de mora irrazoável [3] da Anvisa em apreciar o pedido quando preenchidos três requisitos: I) a existência de pedido de registro do medicamento no Brasil (salvo no caso de medicamentos órfãos para doenças raras e ultrarraras); II) a existência de registro do medicamento em renomadas agências de regulação no exterior; e III) a inexistência de substituto terapêutico com registro no Brasil. Também decidiram que as ações que demandem fornecimento de medicamentos sem registro na Anvisa deverão necessariamente ser propostas em face da União.

A aguardada decisão da corte deu-se por meio da conclusão pela constitucionalidade do artigo 19-T da Lei 8.080/1990, que veda, em todas as esferas de gestão do SUS, o pagamento, o ressarcimento ou o reembolso de medicamento experimental ou de uso não autorizado pela Anvisa. Ponderou-se que o direito fundamental à saúde deve observar as possibilidades materiais do Estado e o planejamento de políticas públicas para a área, sob pena de restringir o acesso da coletividade ao aparato de saúde estatal que possui recursos escassos.                      

Nesse ponto, importa citar o voto do ministro redator do acórdão, Luis Roberto Barroso, que afirmou não se tratar de negativa ao direito fundamental à saúde, mas de perceber que o orçamento público é finito. O ministro destacou em seu voto que, para cada decisão judicial concedendo a oferta de medicamentos, há de ser feito um replanejamento da gestão do sistema de saúde estatal. Asseverou que esse sopesamento é necessário, pois “senão, não teremos universalidade, mas seletividade, onde aqueles que obtêm uma decisão judicial acabam tendo preferência em relação a toda uma política pública planejada”.

O julgamento do RE 566471, embora ainda pendente de formulação da tese, alcançou solução similar, tendo a corte, por maioria, estabelecido que o Estado não é obrigado a fornecer medicamentos de alto custo solicitados judicialmente quando não estiverem previstos na relação do Programa de Dispensação de Medicamentos em Caráter Excepcional, do SUS. Situações excepcionais ainda serão definidas na formulação da tese de repercussão geral.

Os citados julgamentos pretendem fornecer balizas aos juízes do país no que tange à concessão de medicamentos pela via judicial. O tema da judicialização da saúde é repleto de complexidades e sutilezas que não foram exauridas com as conclusões extraídas dos julgados do STJ e do STF e espera-se que essas cortes se debrucem novamente sobre a questão a partir de outros ângulos.

Entretanto, o esforço para uniformizar parâmetros e critérios demonstra que o Poder Judiciário não está alheio às dificuldades de planejamento que os gestores públicos de saúde enfrentam devido ao elevado número de decisões judiciais que geram custos não previstos. O estabelecimento de teses com critérios objetivos para o fornecimento de medicamentos pela via judicial, com as devidas resguardas para casos excepcionais, parece ter sido o caminho encontrado para equilibrar a efetividade do direito à saúde e as restrições orçamentárias do sistema de saúde público.

Essas diretrizes são fundamentais no momento atual em que a imprensa noticia medicamentos que supostamente curam o coronavírus. Espera-se que o Judiciário receba diversos pedidos para o fornecimento desses fármacos e caberá aos julgadores considerarem em cada caso, além das diretrizes jurisprudenciais, as dificuldades reais do gestor conforme o artigo 22 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB). A observância desses fatores é um elemento-chave para que se atravesse o quadro de pandemia com a manutenção da promessa constitucional de um sistema de saúde público universal que concretize o direito à saúde e à vida.

[1] MARTINS, Sérgio Pinto. Direito da Seguridade Social. São Paulo: Atlas, 2005.

[2] SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 30ª edição. São Paulo: Malheiros, 2008.

 é advogado, doutor em Direito pela Universidade de Salamanca (Espanha), ex-presidente do Conselho Federal da OAB e presidente da Comissão de Estudos Constitucionais da entidade.

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O dia em que queimaram a biblioteca de Dom Quixote

A queima de livros e de bibliotecas é permanente em livros que tratam de livros. Umberto Eco finalizou o “Nome da Rosa” com páginas inesquecíveis do incêndio da biblioteca do mosteiro. Burgos, o bibliotecário cego (uma homenagem a Borges) em desespero contemplava as chamas, que ameaçavam o personagem central da narrativa, William de Baskerville, que ao mesmo tempo era um homem de livros e de ação. Quixote foi um deles, a seu modo. Umberto Eco não conseguia imaginar um enredo sobre a idade média que não fosse concluído com uma fogueira imensa, destruindo uma biblioteca. Tem-se a impressão que há sempre quem queira queimar livros, recorrentemente.

Há na memória coletiva a imagem das imensas fogueiras que os nazistas organizavam, nas quais ardiam livros que combatiam, especialmente de autoria escritores judeus ou que reputavam judaizantes. Há também a lenda do incêndio da biblioteca de Alexandria. O sultão ordenou a queima dos livros contrários ao Alcorão, justamente porque contrários ao que se deveria ler. E também ordenava que se queimassem os livros que não discordassem do Alcorão, porque desnecessários.

Aqueles que amamos livros reiteradamente nos lembramos com tristeza da noite de 10 de maio de 1933, quando em Berlim cerca de 40 mil livros foram queimados. A valer-me de um neologismo de gosto duvidável, presenciou-se um bibliocausto, quando obras de autores como Sigmund Freud, Emil Ludwig e Erich Maria Remarque foram incineradas. Outros autores, como Helen Keller, Jack London, Heinrich Mann e Albert Einstein também tiveram seus livros queimados. H. G. Wells montou uma biblioteca em Paris, com exemplares desses livros que foram destruídos. Quando da invasão alemã à capital da França, os invasores teriam mantido esse edifício, que recorrentemente visitavam. Paradoxal. Os nazistas haviam proscrito cerca de 500 autores (nem todos eram judeus); bem como respectivos 4 mil livros.

A queima de livros é instância periódica na história da cultura; exemplos há de bibliotecas medievais que sucumbiram ante a sanha de incendiários do pensamento. Porém, e essa a reflexão aqui colocada, a queima dos livros não significa o desaparecimento das ideias. Pelo contrário, ainda que veiculada por livros, ideias transcendem a seus opositores e, como o lendário pássaro que renasce das cinzas, revive, sempre e efetivamente, nas revoluções que provocam. Ideias não morrem simplesmente porque os livros que as divulgaram pereceram no fogo. O assunto é dramático.

Pode-se ainda lembrar a lista dos livros proibidos que a Igreja Católica indexou na cruzada da Contrarreforma. Um ataque ao espírito científico, que afetou Galileu e tantos outros. A queima de livros é uma forma radical de censura. A escolha dos livros que serão queimados é também uma forma radical de crítica literária. Livros não são ingênuos. Servem aos mais variados propósitos. Transitam do incentivo à anarquia ao mais radical libelo totalitário. Alguns não servem para nada, o que já é uma grande serventia, justamente porque também há livros que levam à desrazão. A combinação desses elementos (crítica literária, censura, queima de livros, desrazão) é o substrato do capítulo VI da narrativa de Dom Quixote. Trata-se de um grande e gracioso escrutínio na biblioteca do cavaleiro da triste figura. É uma das partes mais encantadoras do livro.

O padre, o barbeiro, a ama e a sobrinha do Quixote serão, ao mesmo tempo, censores, críticos e incendiários. Trata-se de uma das passagens mais revolucionárias da narrativa. Cervantes ridiculariza a idade média e sua literatura e costumes na pessoa do ensandecido Dom Quixote. Ao longo do livro, em praticamente todas as passagens há nítida crítica aos valores medievais, centrados no ideal da cavalaria. O capitulo VI, mais especificamente, explicita essa crítica, de forma total.

A biblioteca do Quixote era expressiva para os referenciais da época. Contava com cerca de cem volumes dos grandes, muito bem encadernados, além de vários outros, menores, mas também bem cuidados e lidos. A ama pediu que o padre benzesse aquele aposento, onde estavam os livros, fontes de tantos problemas na vida do Quixote. O padre fixou uma metodologia de trabalho e ordenou que o barbeiro lhe passasse livro por livro. Nada escaparia de um seríssimo escrutínio. Advertiu-se que algum alfarrábio poderia escapar da fúria incendiária, desde que seu conteúdo fosse bom e proveitoso. A sobrinha retrucou, insistindo que todos os livros deveriam ser queimados. Não admitia qualquer forma de perdão ou de condescendência. Cervantes conta-nos que a sobrinha tinha uma gana de morte contra aqueles inocentes.

O padre, de algum modo mais equilibrado, queria, ao menos, ler os títulos. Começaram com a narrativa de Amadis de Gaula, que segundo o narrador fora o primeiro livro de cavalaria impresso na Espanha. Deveria ser poupado, contra o que se insurgiu o barbeiro. Afinal, por ser o primeiro livro, era o núcleo de todos os demais, a fonte de todo os problemas. Era a referência e estímulo de todos os dogmas que enlouqueceram Quixote. Deveria ir para o fogo. O barbeiro se opôs veementemente porque, por ser o melhor de todos os livros é que deveria (necessariamente) ser preservado.

Os livros que seguiram não mereceriam melhor sorte, argumentavam padre e barbeiro. Eram cópias de uma ideia original. O escrutínio alcançava todos os livros. O padre conhecia as obras, as explicava, contextualiza seus autores. O capítulo VI do Quixote é crítica literária pura, comentando-se, inclusive, dureza e secura de estilo. Cervantes inventaria os autores da época, direta ou indiretamente: Rodrigues de Montalvo, Vasco Lobeira, Antonio de Torquemada, Melchor Ortega, Alonso de Salazar, Pedro de Luján, Feliciano de Silva, e tantos outros.

Ao indicar e criticar as obras da cavalaria o livro de Cervantes fecha um ciclo, e mostra-se como o último livro da cavalaria. No entanto, e a opinião é de José Veríssimo, a sátira de Cervantes perde seu objeto, porque não se leem mais livros de cavalaria. Esse é um dos grandes enigmas desse livro encantador. Dom Quixote é permanentemente contemporâneo, ainda que seu conteúdo não alcance mais nenhum objetivo, e que a cavalaria seja apenas um capitulo de história.

Discutem o livro de Ludovico Ariosto (Orlando Furioso) escrito em italiano, e não em latim, um cânon que à época vicejava, a exemplo das obras de Dante, de Boccaccio e de Petrarca. Cansados de avaliar tantos livros resolveram mandar todos de uma vez para a fogueira. Passariam para uma outra seção da biblioteca, onde havia alguns livros sobre outros assuntos. Ama e sobrinha opinaram que também ser queimados. Quando o Quixote sarasse da loucura e os lesse, se remanescentes, louco ficaria de novo, ainda que em outros temas.  Ainda que salvo da doença cavaleiresca, era suscetível a outras influências devastadoras.

Cervantes critica a si mesmo! Inventaria na biblioteca a obra “Galatea”, de um tal Cervantes. O barbeiro se dizia seu amigo. Cervantes é definido como alguém mais versado em desgraças do que em versos. No entanto, observam os censores, o livro de Cervantes tinha algo de boa intenção, ainda que propondo algo, nada concluía. Anunciava uma segunda parte do livro (que é de 1581) que, no entanto, sabe-se que nunca foi concluída. O livro foi para a fogueira. Cervantes queimou o próprio livro! Preservaram os livros de poesia, guardados como exemplares da rica produção literária espanhola. Reconheceram que estavam cansados e resolveram queimar indistintamente os livros que faltavam.

Dos livros de cavalaria, no entanto, na opinião do crítico brasileiro José Veríssimo, o Quixote havia obtido os ideais e virtudes que a cavalaria exigia de seus modelos: sobriedade, castidade, honestidade e dedicação ilimitada. Nesse sentido, suas qualidades excediam sua loucura. Os livros ensinam, mesmo os de cavalaria, e mesmo os que provocam a desrazação, porque nunca se sabe nem mesmo o que é razão. Não sabemos nada. E também por isso não se podem queimar livros. Os que os queimam nada leram, se leram, nada aprenderam, e se aprenderam, tudo esqueceram.

 é livre-docente pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) e doutor pela PUC-SP.

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Seguradora que não cancela parcelas deve indenizar por acidente

Seguradora que não cancela os lançamentos futuros das parcelas no cartão de crédito do segurado não pode deixar de pagar indenização em caso de acidente. Com esse entendimento, a Justiça de Minas Gerais condenou a HDI Seguros a ressarcir uma cliente em mais de R$ 58 mil por danos materiais.

Segurada sofreu acidente que causou perda total de seu veículo
123RF

A mulher firmou um contrato de proteção veicular com a seguradora em outubro em 2017. Em dezembro do mesmo ano, sofreu um acidente, o que causou perda total em seu veículo. A mulher relata que, após o acidente, a seguradora foi acionada, o veículo, recolhido e encaminhado para uma oficina em Belo Horizonte. No entanto, o pedido de cobertura para o seu carro foi negado. A HDI alegou que não havia dever de indenizar, uma vez que uma prestação mensal do seguro estava em aberto.

A motorista demonstrou que, conforme fatura de seu cartão de crédito, o pagamento da primeira parcela do seguro já tinha sido debitado em dezembro e que a segunda viria no próximo mês. Sustentou que cumpriu com sua obrigação de fazer o pagamento nas respectivas datas de vencimento e alegou que o lançamento das parcelas é de obrigação da seguradora. O valor total do seguro foi divido em quatro vezes no cartão, na data de aquisição.

Em sua defesa, a seguradora HDI afirmou que, no dia do acidente, o contrato de seguro não estava mais vigente, porque não houve pagamento da segunda parcela, a qual não foi lançada na fatura do cartão de crédito por motivos alheios. E completou enviou uma carta para a segurada informando o término do contrato no dia 15 de dezembro.

Obrigação da seguradora

Em sua decisão, o juiz Cássio Azevedo Fontenelle apontou que o contrato firmado entre as partes concordava com o dia do vencimento de acordo com a operadora de crédito da cliente. A segunda parcela não havia sido paga pois não existia o lançamento na fatura.

Assim, ainda que tenha havido alguma irregularidade no lançamento da segunda parcela, todas as outras foram pagas, ressaltou o julgador. Portanto, a seguradora não cancelou o contrato na data que dizia, pois continuou a receber as outras parcelas.

Cássio Fontenelle também destacou que a empresa não providenciou o cancelamento dos lançamentos futuros no cartão de crédito da autora, tendo recebido o pagamento de três parcelas. Por isso, não poderia se esquivar ao pagamento de indenização.

O magistrado afirmou que a atitude da empresa de negar a cobertura para o acidente, com o argumento de que não houve o pagamento das parcelas do seguro, foi uma ação abusiva, frustrando a expectativa do consumidor.

Portanto, julgou procedente o pedido inicial para condenar a seguradora HDI, ao pagamento da indenização integral relativa à perda total para o veículo segurado. A empresa deverá pagar R$ 58.326,00, correspondente ao valor do carro na Tabela Fipe no mês de dezembro de 2017, data do acidente. Com informações da Assessoria de Imprensa do TJ-MG.

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Site deve cancelar reserva de hotel e estornar valor sem multa

Caso fortuito

Site deve cancelar reserva de hotel e estornar valor sem multa, decide juiz

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A epidemia do novo coronavírus se caracteriza como caso fortuito externo, cuja ocorrência era imprevisível por parte da ré e também da autora da ação, motivo pelo qual não se pode falar em culpa exclusiva do consumidor.

123RFSite deve cancelar reserva de hotel e estornar valor sem multa, decide juiz

Com esse entendimento, o juiz Udo Wolff Dick Appolo do Amaral, da Vara do Juizado Especial Cível de Barueri, condenou um site de reserva de hotéis a cancelar, sem multa, as reservas feitas por um consumidor, além de estornar o valor de R$ 5,5 mil previamente pago. A autora da ação alegou que o cancelamento da viagem ocorreu em razão da epidemia de Covid-19.

De acordo com o magistrado, diante do caso fortuito externo, “a obrigação de fazer concernente ao cancelamento das reservas é medida que se impõe à ré”. Ele determinou que o cancelamento da reserva seja feito sem a incidência de multa ou quaisquer abatimentos, sob pena de enriquecimento ilícito, pois, “repita-se, a autora não deu causa” a isso.

“A cláusula de reserva não-reembolsável não se aplica no caso vertente dada a completa imprevisibilidade do evento determinante para o cancelamento. Ademais, os próprios países que eram destinos do autor proibiram a entrada de turistas em seus territórios por causa da pandemia, o que inviabilizaria completamente a prestação dos serviços contratados”, concluiu.

1003997-66.2020.8.26.0068

 é repórter da revista Consultor Jurídico

Revista Consultor Jurídico, 10 de maio de 2020, 7h21

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Vara do Trabalho deve julgar contribuição sobre parcelas trabalhistas

Competência definida

Justiça do Trabalho pode julgar contribuições sobre parcelas reconhecidas em juízo

A 5ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho declarou a competência da Justiça do Trabalho para julgar o pedido de um aposentado do Banco do Brasil de recolhimento das contribuições a entidade de previdência privada sobre parcelas trabalhistas reconhecidas em juízo. 

O banco foi condenado na reclamação trabalhista ao pagamento de valores relativos a auxílio-alimentação e horas extras. O juízo de primeiro grau e o Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, no entanto, declararam a incompetência da Justiça do Trabalho para determinar o repasse das repercussões das verbas deferidas à Previ, entidade de previdência complementar dos empregados do BB. 

No recurso de revista, o bancário sustentou que a ação não é contra a Previ, mas contra o Banco do Brasil. Segundo ele, faz parte da obrigação mútua firmada entre empregador e empregado o recolhimento isonômico de percentual sobre o salário recebido e pago visando à complementação de aposentadoria. 

O relator, ministro Douglas Alencar, observou que o empregado não pediu a repercussão das verbas salariais, reconhecidas em juízo, na complementação de aposentadoria. O que pretende o empregado, segundo ele, é que se determine o recolhimento das contribuições sociais devidas pelo banco à Previ em relação ao objeto da condenação.

Ele explicou que, em casos semelhantes, a Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, responsável pela uniformização da jurisprudência do TST, concluiu que a obrigação de o empregador recolher as contribuições para a entidade de previdência não se confunde com a responsabilidade pelo pagamento da própria complementação de aposentadoria. O processo deverá retornar à Vara de origem para novo julgamento. Com informações da assessoria de imprensa do TST.

ARR-2225-81.2014.5.03.0005

Revista Consultor Jurídico, 10 de maio de 2020, 7h16