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Maioria do Supremo vota para manter o inquérito das fake news

O Supremo Tribunal Federal formou maioria para manter o chamado inquérito das fake news, que desde 2019 apura ameaças contra os ministros da corte. O julgamento está em andamento nesta quarta-feira (17/6) e são aguardados mais dois votos, dos ministros Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes. O presidente do STF, ministro Dias Toffoli, já adiantou que irá suspendê-lo após esses votos e o julgamento será retomado amanhã.

Seis ministros votaram para rejeitar o pedido de suspensão do inquérito das fake news

A investigação (Inq 4.871) foi aberta por ordem ministro Dias Toffoli, que designou o ministro Alexandre de Moraes para presidir o processo. O inquérito corre sob sigilo.

Logo após anunciado, o partido Rede Sustentabilidade ajuizou uma ADPF para questionar a portaria que determinou a abertura do inquérito. 

Além do relator da ação, ministro Luiz Edson Fachin, votaram até o momento os ministros Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber, Luiz Fux e Cármen Lúcia. Todos eles acompanham o relator e entendem que ataques em massa, orquestrados e financiados com propósito de intimidar os ministros e seus familiares, justificam a manutenção das investigações. 

O relator também afirmou que a regra regimental do Supremo que prevê a hipótese de instauração de inquérito, de ofício, pelo presidente da Corte, tem e deve ter “nítidos limites constitucionais”, não sendo usual o manejo desse dispositivo. Afinal, para garantir isenção e independência, aquele que julga não deve investigar e muito menos acusar.

Inicialmente, Fachin votou para o inquérito continuar, mas sugeriu delimitações. Para ele, era o caso de dar interpretação conforme à Constituição para, dentre outros tópicos, definir que o inquérito deve ser acompanhado pelo Ministério Público.

No entanto, o ministro adequou seu voto nesta tarde após o ministro Alexandre de Moraes apontar que as medidas sugeridas já estão sendo cumpridas.

Desta forma, o dispositivo final do voto de Fachin é o seguinte: “Ante o exposto, nos limites desses processos, diante de incitamento ao fechamento do STF, de ameaça de morte ou de prisão de seus membros, de apregoada desobediência a decisões judiciais, julgo totalmente improcedente o pedido nos termos expressos em que foi formulado ao final da petição inicial, para declarar a constitucionalidade da portaria GP 69/2019, enquanto constitucional o artigo 43 do regimento interno, do STF, nas específicas e próprias circunstâncias de fato, com esse ato exclusivamente envolvidas”.

Em seu voto, Moraes defendeu que todo tribunal pode abrir inquéritos e investigações criminais sem que haja pedido do Ministério Público. Segundo o ministro, não existe o monopólio da investigação por parte das policiais judiciárias e a determinação de instauração de inquérito por parte do MP.

O ministro também apresentou trechos que estão na investigação, que envolvem ataques cibernéticos com e-mails institucionais, ameaças de morte e perseguição. Segundo ele, não se trata de meros xingamentos, mas sim tentativas de coação.

Já o ministro Barroso afirmou que o inquérito impugnado deve ser interpretado de maneira restrita. Ele ponderou que esse tipo de ameaça não pode ser tolerado por qualquer sociedade civilizada.

Por sua vez, a ministra Rosa Weber frisou que ataques “deliberados e destrutivos” contra o Poder Judiciário, seja com a pretensão de seu fechamento ou não, “revelam não só absoluto desapreço pela Democracia, como também configuram crimes”. 

De acordo com Luiz Fux, o processo deve prosseguir como forma de acabar “no nascedouro com esses atos abomináveis que vêm sendo praticados contra o Supremo Tribunal Federal”. 

Já a ministra Cármen Lúcia lembrou do papel do Supremo como guardião da Constituição e destacou que a liberdade de expressão “não pode ser biombo para criminalidade”. Para ela, é importante resguardar a integridade de todos os magistrados do país.

ADPF 572

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Moraes e Barroso votam por continuidade do inquérito das fake news

A instauração do chamado inquérito das fake news não apresenta inconstitucionalidades, além de ter em seu escopo a investigação de ataques em massa, orquestrados e financiados com propósitos de intimidar os ministros do Supremo Tribunal Federal e seu familiares. 

O entendimento é compartilhado pelos ministros Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso, que votaram nesta quarta-feira (17/6) pela manutenção do inquérito. O julgamento continua à tarde.

Alexandre de Moraes foi designado para relatar o inquérito que apura ameaças contra os ministros do STF e seus familiares
Nelson Jr./SCO/STF

Aberto em março de 2019, por ordem do presidente do Supremo, Dias Toffoli, o inquérito apura ameaças contra ministros da corte. Ele é presidido pelo ministro Alexandre de Moraes e corre sob sigilo. Logo após anunciado, o partido Rede Sustentabilidade ajuizou uma ADPF para questionar a portaria que determinou a abertura do inquérito. 

Na última semana, apenas relator da ação, ministro Luiz Edson Fachin, tinha votado no julgamento. Para ele, o inquérito deve seguir, mas com delimitações. O ministro propôs dar interpretação conforme à Constituição para, dentre outros tópicos, definir que o inquérito deve ser acompanhado pelo Ministério Público.

Nesta sessão, o ministro Alexandre de Moraes acompanhou o relator sobre o cabimento da ação e constitucionalidade da portaria. No entanto, foi contra dar interpretação conforme, por entender que as medidas sugeridas por Fachin já estão sendo cumpridas. 

Relator do inquérito

Em seu voto, Alexandre explicou o que chamou de sistema acusatório híbrido, que permite inquéritos policiais e também autoriza hipóteses de investigações pré processuais. Mais de uma vez afirmou que a privatividade da ação penal pública concedida ao Ministério Público não deve ser confundida com as investigações penais. 

De acordo o ministro, a possibilidade que investigações criminais sejam executadas e conduzidas sem a provocação do MP não conflita com o sistema acusatório. Não existe, disse, o monopólio da investigação por parte das policiais judiciárias e a determinação de instauração de inquérito por parte do Ministério Público. 

Já acerca da instauração do inquérito em análise, Alexandre defendeu que é competência do presidente do Supremo a defesa institucional da corte e a garantia de independência de seus magistrados. “Coagir, atacar, constranger, ameaçar, atentar contra o STF e o Poder Judiciário, seus magistrados e familiares é atentar contra a Constituição Federal, a democracia, o Estado de Direito e a defesa intransigente dos direitos humanos fundamentais.” 

Alvo certo

Moraes apresentou trechos que estão na investigação, que envolvem ataques cibernéticos com e-mails institucionais, ameaças de morte e perseguição. Segundo ele, não se trata de meros xingamentos, mas sim tentativas de coação.

Um dos episódios citados foi o de uma advogada do Rio Grande do Sul que incitou o estupro. “Que estuprem e matem as filhas dos ordinários ministros do STF”, disse a advogada, segundo Moraes. “Em nenhum lugar do mundo isso é liberdade de expressão. Isso é bandidagem, criminalidade”, criticou o ministro.

Em outro caso, disse o ministro, foi registrado que um artefato explodiu em frente à casa de um dos ministros. Noutro momento, também foi rastreada na deep web que criminosos já tinham a planta do STF.

Segundo o ministro, outro trecho dizia: “Quanto custa atirar à queima roupa nas costas de cada filho da puta do STF que queira acabar com a prisão em segunda instância. Se acabar com a segunda instância, só nos basta jogar combustível e tocar fogo do plenário com os ministros dentro. Onde está aqui a liberdade de expressão?”

Por fim, o ministro citou terceiro trecho: “Já temos em poder armas e munição de grosso calibre. Esconda seus filhos e parentes bem escondido na Europa, porque aqui não vai ter onde se esconder. Faremos um tribunal em praça pública com direito ao fuzilamento de todos os parasitas e vagabundos estatais.”

Providência excepcional

O ministro Luís Roberto Barroso seguiu os votos proferidos até então e frisou que o inquérito deve ser interpretado de maneira restrita, sendo considerado uma “providência excepcional”. 

Barroso entende que o inquérito impugnado deve ser interpretado de maneira restrita
Nelson Jr./SCO/STF

No início de seu voto, Barroso afirmou que a regra geral é de que “crime contra ministro não reclama inquérito específico”. Resgatando os valores do princípio republicano, ele disse que todos se sujeitam às mesmas normas e que, portanto, eventual crime contra honra de ministro do Supremo deve ser apurado nas instâncias próprias.

No entanto, fez uma ponderação: o caso analisado trata de legítima defesa, vez que são “ataques massivos, orquestrados e financiados com propósitos intimidatórios de seus ministros”. Nenhuma sociedade civilizada pode tolerar esse tipo de conduta, disse.

Além disso, Barroso afirmou que não se pode confundir liberdade de expressão com outras formas de movimentos. As instituições, disse, “não podem ficar amedrontadas diante de movimentos que visem destruí-las. Ao redor do mundo, é visto uma grave erosão democrática pela incapacidade das instituições muitas vezes reagirem”.

Para ele, a portaria que instaurou o inquérito é válida, mas o objeto é demarcação feita por Fachin é muito importante. O ministro concordou com as modulações do relator, mas inicialmente vota apenas pela improcedência do pedido. Ele preferiu aguardar o decorrer do julgamento para a corte balizar se fará ou não a interpretação conforme.

Bodas de madeira

No início da sessão desta quarta, o presidente Dias Toffoli prestou homenagem ao ministro Luiz Edson Fachin, que completou cinco anos na corte.

Toffoli afirmou que o ministro é detentor de firmeza, independência, vigilância e imparcialidade. Em especial na condução como relator da “lava jato”, Fachin é conhecido por manter a discrição, pronunciando-se apenas nos autos do processo.

“Costumo afirmar que processo não tem capa e que juiz não tem vontade. O Ministro Edson Fachin é um magistrado que sintetiza essa máxima. Ao vestir a toga de juiz do Supremo Tribunal Federal, despe-se das próprias convicções e ideologias e segue à risca a lição de Norberto Bobbio de que a democracia se faz com a observância das regras do jogo democrático”, afirmou. 

ADPF 572

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Ofensas e URL bastam para retirar conteúdo da internet, diz STJ

A existência de ofensas pessoais e a identificação precisa das URLs em que se encontram são fatores suficientes para a determinação de retirada de postagem feita na internet. Mas a ilegalidade do conteúdo questionado e sua relação com a liberdade de expressão consagrada pela Constituição Federal devem ser analisadas pelo Judiciário.

Google criticou decisão genérica na análise do contexto em que foi determinada a remoção do conteúdo ofensivo

Com esse entendimento, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça manteve decisão de segundo grau que obrigou o Google a remover postagens de um blog por ofensas ao autor da ação, no âmbito de uma discussão virtual. A empresa recorreu ao questionar os critérios usados ao decidir pela necessidade de exclusão do conteúdo.

Segundo o Google, a ação não visou a defender as postagens excluídas, mas sim tratar da aplicação adequada do sistema de remoção disciplinado pelo Marco Civil da Internet: pressupõe análise específica do conteúdo para que a ordem de remoção não seja genérica. 

Caso concreto

O caso concreto trata de discussão entre dois blogueiros com posições antagônicas, que usavam de plataforma do Google para postagem de conteúdo. O ofendido defende linha conservadora baseada em fundamentos religiosos, enquanto que a ofensora é ateia e tem visão mais libertária. O embate se tornou acalorado e com excessos de ambos os lados.

Segundo a empresa, a sentença e o acórdão ignoraram esse contexto. Não consideram, por exemplo, que não há desigualdade entre as partes, já que são ambos pessoas físicas com blogs pessoais; nem que a agressão não foi unilateral; que não é possível fazer juízo de falso ou verdadeiro, já que a discussão tem opiniões que ganharam temperatura além do desejado; e que debates políticos devem ter a liberdade de expressão protegida.

“Todos desejamos que haja mais moderação nos debates, que sejam mais construtivos e menos agressivos. Mas, na medida em que um lado é silenciado inteiramente, inclusive em manifestações que talvez não sejam ofensivas, não achamos que esse silenciamento vá produzir uma internet menos agressiva. Isso apenas fortalece o outro lado, que também se excedeu em igual ou talvez maior medida”, destacou o advogado da empresa, na tribuna virtual.

Marco Civil da Internet

“Nas razões recursais apresentadas pelo Google, o foco é o conteúdo. Na lei não existe esse procedimento que o advogado sugeriu. Seria até interessante. Mas não vejo como analisar da forma sugerida”, afirmou a ministra Nancy Andrighi.

A responsabilização por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros está disposta no artigo 19 do Marco Civil da Internet, que não deixa expresso o que configura ilegalidade de conteúdo ou de sua forma de divulgação. Esta análise recai ao Judiciário, portanto. Segundo o acórdão recorrido, o caso desbordou da liberdade de manifestação, configurando ofensa à honra.

Ao votar, a ministra Nancy Andrighi leu pelo menos uma dezena das ofensas listadas no acórdão recorrido. E concluiu: “não há dúvidas de que tais palavras fogem totalmente a discussão ideológica e que se consubstanciam em ofensas, não se tratando, portanto, de ofensa à liberdade de manifestação”.

Debate fora de lugar

O voto foi seguido por unanimidade. “A última palavra é do Judiciário. Não há o que imputar de errado no procedimento adotado. Houve indicação precisa da URL. O Judiciário analisou a questão, e o fez com muita ponderação, porque os termos eram inadequados para aquele tipo de comunicação”, concordou o ministro Ricardo Villas Bôas Cueva.

“Este debate está fora de lugar”, destacou. “Talvez se coloque no âmbito das redes sociais, das fake news, desinformação, e da moderação de conteúdo que deverá ser feita pelas redes sociais no futuro, para preservar a democracia e a liberdade de expressão. No contexto deste caso, parece absolutamente inatacável a decisão recorrida”, complementou.

REsp 1.851.328

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Fachin completa cinco anos como ministro do Supremo Tribunal Federal

Há cinco anos, em 16 de junho de 2015, Luiz Edson Fachin foi declarado empossado, pelo então presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Ricardo Lewandowski, como mais novo ministro a integrar a Corte. O gaúcho de Rondinha, na ocasião, expressou o sentimento de “honra e vocação” ao assumir a missão de servir a Justiça e ao país, dever que tem cumprido com afinco durante esse período.

Carlos Moura/SCO/STFLuiz Edson Fachin completa 5 anos como ministro do Supremo Tribunal Federal

O ministro teve seu nome anunciado pela presidente da República Dilma Rousseff em 14 de abril e, em 19 de maio, o Plenário do Senado Federal aprovou a indicação. Fachin ocupou a vaga deixada pelo ministro Joaquim Barbosa, em decorrência de sua aposentadoria.

“lava jato”

No STF, assumiu relevante papel ao substituir o ministro Teori Zavascki, falecido em acidente aéreo em janeiro de 2017, na relatoria dos processos relativos à “lava jato”. Na época, Fachin reconheceu a importância do novo encargo e reiterou o compromisso de cumprir seu dever, como ministro do Supremo, “com prudência, celeridade, responsabilidade e transparência”.

Em balanço divulgado no final de 2019 pelo gabinete do ministro, em cinco anos de operação, foram proferidas mais de 10 mil decisões e despachos em inquéritos, ações penais, petições, ações cautelares e habeas corpus, entre outros processos. Delas, resultou a apuração de mais de R$ 800 milhões, que vêm sendo destinados a empresas e instituições vitimadas pelas ações ilícitas reveladas na “lava jato”.

Trajetória no Supremo

Nesses cinco anos, o ministro também se destacou como relator de outras ações fora do campo penal. No Plenário, encampou decisão que julgou inconstitucional a proibição de doação de sangue por homens homossexuais, tema da ADI 5.543. Também prevaleceu o seu voto, como relator, no julgamento da ADI 5.540, quando o STF alterou sua jurisprudência e afastou a necessidade de licença prévia da Assembleia Legislativa para o recebimento de denúncia ou queixa-crime e a instauração de ação penal contra governador de estado por crime comum.

Em decisão mais recente, o Plenário, por maioria de votos, confirmou liminar deferida pelo ministro Fachin na ADI 6.327, para considerar a data da alta da mãe ou do recém-nascido como marco inicial da licença-maternidade. Em matéria eleitoral, prevaleceu, no julgamento da ADI 5.617, seu voto no sentido de garantir o mínimo de 30% do fundo partidário às campanhas para candidaturas de mulheres.

Biografia

Fachin é professor titular de Direito Civil da Universidade Federal do Paraná (UFPR), onde se graduou em Direito em 1980. Tem mestrado e doutorado, também em Direito Civil, pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), concluídos respectivamente em 1986 e 1991.

Fez pós-doutorado no Canadá, atuou como pesquisador convidado do Instituto Max Planck, em Hamburgo, na Alemanha, e como professor visitante do King’s College, em Londres. Atuou como procurador do Estado do Paraná de 1990 a 2006 e na advocacia. Com informações da assessoria de imprensa do STF.

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STF julga poder de PGR de substituir procuradores em ação

O Supremo Tribunal Federal iniciou nesta semana o julgamento sobre a constitucionalidade da regra da Lei Orgânica do Ministério Público que permite ao procurador-geral da República designar membros do MP para, por ato excepcional e fundamentado, exercer as funções processuais afetas a outro membro da instituição. Essa alteração teria de ser previamente analisada pelo Conselho Nacional do Ministério Público.

Lei Orgânica do MP prevê ação da PGR em ato excepcional e justificado 
U.Dettmar

O julgamento, iniciado no Plenário Virtual em 5 de junho, foi interrompido por pedido de vista do ministro Alexandre de Moraes. A regra contestada está disposta no artigo 10, inciso IX, alínea “g” da Lei 8.625/1993 e rendeu divergência de entendimento nos dois votos registrados no sistema da corte até o momento.

A ação foi levada ao STF pela Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp), argumentando que a norma fere o artigo 127 da Constituição Federal, pois afronta as prerrogativas da inamovibilidade e da independência funcional, cujos conteúdos visam a evitar o arbítrio do chefe do Ministério Público.

Relator da ação, o ministro Marco Aurélio concordou. A norma permite que a PGR afaste da ação o membro do MP que normalmente atuaria na situação jurídica surgida para designar outro para o caso concreto. Surge a possibilidade, segundo ele, da criação do “acusador de exceção”, pois a PGR pode pinçar o promotor de acordo com a situação.

O que está em jogo, aponta, é o princípio do acusador natural. “Há de respeitar-se o profissional que ordinariamente atua no órgão, implicando a substituição, presentes as peculiaridades do caso, verdadeira diminuição aos olhos dos cidadãos em geral”, destacou o relator.

Divergência

Abriu divergência o ministro Luiz Edson Fachin, para quem a inamovibilidade do membro do Ministério Público não é absoluta, pois limitada pela própria Constituição ao interesse público. Ou seja, o agente só seria removido compulsoriamente por motivo de interesse público, respeitada decisão colegiada do CNPM por voto da maioria absoluta, desde que assegurada a ampla defesa.

“A designação não implica, necessariamente, remoção. O que a norma prevê é a possibilidade de designação nas estritas hipóteses em que o interesse do membro da carreira, de forma individual, possa contrastar com os interesses da instituição, na busca de realização de sua missão constitucional”, explicou o ministro.

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ADI 2.854

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Toron: O HC substitutivo de Recurso Ordinário e a 3ª Seção do STJ

Uma questão instrumental sacudiu o julgamento do HC nº 535.063 realizado pela 3ª Seção do STJ na sessão desta quarta-feira (10/6). O ministro Sebastião Reis Jr. trouxe um tema da maior importância: saber se o conceito de insignificância aplicável pela jurisprudência aos tributos federais sonegados também o pode no caso dos impostos estaduais. O assunto foi ventilado pelo conceituado advogado Leonardo Massud e, de saída, o presidente da seção, ministro Nefi Cordeiro, adiantou que, ressalvada a posição do ministro Rogério Schietti, o colegiado estava a conceder a ordem. O advogado, inteligentemente, desistiu da sustentação oral.

Ocorre que o ministro Reynaldo Soares da Fonseca levantou uma questão de ordem sustentando que o Habeas Corpus não deveria ser conhecido porque se tratava de impetração substitutiva do recurso ordinário, mas “concedido de ofício”. Houve um acendrado debate, apesar da advertência de vários ministros de que o quórum não estava completo para se decidir a questão de ordem. O ministro Rogério Schietti, como noticiou a ConJur (“3ª Seção do STJ acolhe questão de ordem para negar jurisprudência sobre HC”), ponderou (corretamente, diga-se) que o não-conhecimento “cria um embaraço até para fins estatísticos. Temos dificuldade de identificar quando houve a denegação ou o efetivo não-conhecimento, além das hipóteses de manifesto descabimento”.

Deixemos de lado o problema estatístico, que é real e importante, e também o igualmente relevante fato, sobretudo para uma corte que se pretende “de precedentes”, de que o Pleno do STF, ao julgar o HC 152.752, relatado pelo ministro Edson Fachin, firmou o entendimento de que “é admissível, no âmbito desta Suprema Corte impetração originária substitutiva de recurso ordinário constitucional” (DJe 27/6/2018). Esqueçamos também a estranheza de se conceder uma ordem de ofício, mas nos termos em que pedida.

Poderia ser que os defensores do não-conhecimento da ordem substitutiva do recurso ordinário tivessem algum argumento de natureza dogmática, científica, a alicerçar seu posicionamento. Mas não! O que se ouviu é que a 1ª Turma do STF, embora majoritariamente, continuava a “não conhecer” e que, na 2ª, talvez a ministra Carmen Lúcia tivesse o mesmo posicionamento. Decepcionante. Argumento de autoridade por autoridade, melhor seria seguir a orientação definida pelo Pleno do STF no citado HC nº 152.752 (caso Lula). Quanto à ministra Carmen Lúcia, é bom dizer que no julgamento do HC nº 157.627, do famigerado caso da cronologia da entrega dos memoriais, que a 5ª Turma do STJ não havia conhecido, ela conheceu e concedeu a ordem.

Mas o ponto é outro! A gênese da confusão está em querer ressuscitar pela via exegética uma proibição que não existe na Constituição de 1988. Foi com o AI-6, de 1º de fevereiro de 1969, que se mudou o processamento do Habeas Corpus. Das decisões denegatórias proferidas pelos Tribunais de Justiça dos Estados e pelo Tribunal Federal de Recursos (lembremo-nos que os Regionais Federais só vieram com a Constituição Federal de 1988) era perfeitamente possível impetrar-se Habeas Corpus originário substitutivo do RHC. A jurisprudência o admitia desde 1951, como percucientemente anotou o ministro Moreira Alves no voto que proferiu no RHC nº 67.788 (STF, Pleno, DJ 22/2/1991).

Como todos sabemos, o regramento constitucional em vigor, estabelecido pela Constituição de 1988, não reproduziu a proibição constante do AI-6 e por essa razão passou-se a admitir o manejo do Habeas substitutivo do RHC. Elucidativo a esse respeito o acórdão relado pelo ministro Costa Lima: “A Constituição em vigor não opõe restrições à impetração originária de habeas corpus, visando a substituir o recurso ordinário” [1]. No STF, a jurisprudência construída pelo pleno, em julgamento realizado em 1º de agosto de 1990, relatado pelo ministro Moreira Alves, foi clara nesse sentido:

Ora, se a atual Constituição se omitiu quanto a essa proibição, quer quanto ao S.T.F. quer quanto ao S.T.J., nos casos em que admite recurso ordinário de Habeas Corpus para eles, o sentido normal dessa omissão é o de ter deixado de haver a proibição, que tanto não era infensa ao sistema processual do Habeas Corpus que o Supremo Tribunal Federal, de 1951 a 1969, admitiu pacificamente essa substituição (RHC nº 67.788)”.

Todavia, no julgamento do HC nº 109.956, em 2011, da relatoria do ministro Marco Aurélio em razão da “sobrecarga de processos”, uma questão funcional, revigorou-se a proibição pela via interpretativa. O próprio ministro Marco Aurélio voltou atrás no julgamento do HC nº 115.601, mas os demais membros da turma, não.

A 2ª Turma do STF não acompanhou o movimento restritivo da 1ª Turma. Em sentido oposto: “Possui entendimento consolidado no sentido da possibilidade de impetração de Habeas Corpus substitutivo de recurso ordinário (HC 122.268, relator ministro Dias Toffoli, 2ª Turma, DJe de 4/8/2015; HC 112.836, relatora ministra Carmen Lúcia, 2ª Turma, DJe de 15/8/2013; HC 116.437, relator ministro Gilmar Mendes, 2ª Turma, DJe 19/6/2013)” [2]. No julgamento do HC nº 106.566, o ministro Gilmar Mendes trouxe à colação o voto proferido no HC 111.670, no qual sustentou o cabimento do Habeas Corpus substitutivo do recurso ordinário. Nesse julgamento, o ministro Gilmar Mendes trouxe um argumento irrebatível e que deveria iluminar essa discussão:

“O valor fundamental da liberdade, que constitui o lastro principiológico do sistema normativo penal, sobrepõe-se a qualquer regra processual cujos efeitos práticos e específicos venham a anular o pleno exercício de direitos fundamentais pelo indivíduo. Ao Supremo Tribunal Federal, como guardião das liberdades fundamentais asseguradas pela Constituição, cabe adotar soluções que, traduzindo as especificidades de cada caso concreto, visem reparar as ilegalidades perpetradas por decisões que, em estrito respeito a normas processuais, acabem criando estados de desvalor constitucional” [3].

Soa especiosa a criação de limites artificiais, ainda mais quando descolados da lei e da Constituição, para se restringir a discussão de temas fundamentais ligados à liberdade quando se proclama, mais e mais, a instrumentalidade das formas, ou será que tal forma de pensar só vale quando se trata de flexibilizar direitos e garantias preteridos?

O sistema de proteção judicial efetiva reclama que as ilegalidades sejam discutidas sem peias e, obviamente, repudia artificialismos que não se compadecem com outras garantias constitucionais (CF, artigo 5º, e Convenção Americana de Direitos Humanos, artigo 25).

 é advogado, doutor e mestre em Direito pela USP, professor de Processo Penal da Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP), ex-presidente do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim) e ex-diretor do Conselho Federal da OAB.

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Para Fachin, inquérito do STF sobre fake news deve seguir

A regra regimental do Supremo Tribunal Federal que prevê a hipótese de instauração de inquérito, de ofício, pelo presidente da Corte tem e deve ter “nítidos limites constitucionais”, não sendo usual o manejo desse dispositivo. Afinal, para garantir isenção e independência, aquele que julga não deve investigar e muito menos acusar.

Ao votar pela manutenção do inquérito, ministro Luiz Edson Fachin sugeriu limites
Rosinei Coutinho/STF

O entendimento é do ministro Luiz Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal, ao votar pela manutenção do chamado inquérito das fake news. Fachin é relator da ação que questiona a investigação aberta de ofício pela corte. Ele foi o único a votar nesta quarta-feira (10/6), em julgamento que será retomado na manhã próxima quarta-feira (17/6).

O inquérito foi aberto em março de 2019, por ordem do Supremo, para apurar ameaças contra ministros da Corte. O processo é presidido pelo ministro Alexandre de Moraes e corre sob sigilo. Logo após anunciado, o partido Rede Sustentabilidade ajuizou uma ADPF para questionar a portaria que determinou a abertura do inquérito. 

Em extenso voto, Fachin adentrou ao entendimento de mérito. Julgou o pedido improcedente e entendeu pela declaração de constitucionalidade da portaria, deixando claro que deve haver sua interpretação conforme à Constituição para alguns tópicos. 

Dentre eles, o inquérito deve ser acompanhado pelo Ministério Público e observar integralmente a Súmula Vinculante 14. Seu objeto deve ser limitado às manifestações que apontem risco efetivo à independência do Poder Judiciário, pela via da ameaça aos membros do STF e a seus familiares, que atentam contra os poderes instituídos, contra o estado de direito e contra a democracia.  

E ainda deve seguir a proteção da liberdade de expressão e de imprensa nos termos da Constituição, sendo excluídos do escopo do inquérito notícias e postagens, compartilhamentos ou outras manifestações (inclusive pessoais) na internet, feitas anonimamente ou não, desde que não integrem esquemas de financiamento e divulgação em massa nas redes sociais. 

Segundo o ministro, o regime jurídico da liberdade de expressão garante a impossibilidade de censura prévia e a possibilidade da responsabilidade civil e criminal futura.

Nem além, nem aquém

Na ADPF, a Rede apontou que não é competência do Judiciário conduzir investigações criminais. Ao analisar esse ponto, Fachin buscou explicação no Regimento Interno da corte que, em seu artigo 42, dispõe que o presidente responde pela polícia do tribunal no exercício da qual poderá requisitar auxílio de outros órgãos.

Citou também que o artigo 43 prevê que o presidente instaure o inquérito, mas apontou mais de uma vez que, nestes caso, há uma “competência investigatória atípica”. “Não é, nem deve ser usual ao Judiciário e ao Supremo Tribunal Federal, valer-se dessa hipótese legal que emerge na inércia ou omissão dos órgãos de controle. (…) O STF não pode ir além, mas não pode ser impedido a ficar aquém”, defendeu.

“Quando o artigo 42 dispõe que o presidente responde pelo polícia do tribunal no exercício da qual poderá requisitar o auxílio de outros órgãos e o artigo 43 prevê que o presidente ‘instaurará’ o inquérito, estabelece-se uma competência investigatória atípica, eis que não é (nem deve ser) usual o STF valer-se dessa hipótese legal.”

O julgador, disse Fachin, “não deve investigar, menos ainda acusar, eis que a premissa é da isenção, sinônimo de independência”. Ele também defendeu que existe uma congruência entre a Constituição e as práticas que demandam contenção, consistência, nexo e lógica adstrita a normatividade jurídica. “Essa fenda há de ser moderada passagem e não insustentável fissura com a ordem jurídica.”

Já sobre a crítica de que o inquérito foi instaurado pelo STF e não pela polícia ou pelo Ministério Público, não tendo havido sorteio para o relator, Fachin explicou que o artigo 43 no regimento interno também não prevê a redistribuição entre todos os ministros. A previsão é que caberá ao presidente a possibilidade de afastar a distribuição por sorteio. 

No entanto, assentou seu entendimento de que a livre distribuição é “mais coerente e mais consentânea com o processo no estado democrático de direito”, de forma que evitaria possíveis questionamentos de ofensas à imparcialidade do juiz natural.

Incompatibilidades

Noutro momento, o relator tratou da importância de proteção do estado democrático e dos poderes, ressaltando que decisões judiciais devem ser respeitadas. Caracterizou como inadmissíveis as manifestações que defendem o fechamento do Congresso, do Supremo ou a volta de regimes totalitários. 

“São inadmissíveis no estado de direito democrático a defesa da ditadura, a defesa do fechamento do Congresso ou a defesa do fechamento do Supremo Tribunal Federal. Não há liberdade de expressão que ampare a defesa desses atos”, afirmou.

E foi além. O relator afirmou que quem faz esse tipo de defesa “precisa saber que este Supremo não os tolerará”. Fachin disse que não há direito ou princípios que possam ser invocados para autorizar tamanha transigência dos direitos fundamentais. “Não há no texto constitucional qualquer norma que autorize outro poder ou instituição a última palavra sobre e a Constituição, que cabe ao Judiciário. A espada sem a justiça é o arbítrio.”

Início da sessão

Na tarde da sessão falaram o procurador-Geral da República, Augusto Aras, e o advogado-Geral da União, José Levi Amaral. O PGR manifestou-se pela concordância com o inquérito e pediu interpretação conforme a Constituição ao artigo 43 do regimento interno. 

O AGU, por sua vez, defendeu a regularidade da portaria e propôs que, entre a liberdade de expressão e uma possível notícia fraudulenta, deve ser assegurada a liberdade de expressão. 

Também falaram os amici curiae admitidos: o Colégio dos Presidentes dos Institutos dos Advogados do Brasil, a Associação Nacional das Empresas de Comunicação Segmentada (Anatec), o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) e a Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp).

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ADPF 572

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Duarte e Cardoso: A decisão do Supremo no RE 607477

O presente texto busca analisar, de forma pontual, a decisão tomada pelo STF no último dia 22 de maio tornando prescindível que seja realizado o depósito recursal caso a parte pretenda interpor o recurso extraordinário. Pretende-se demonstrar que tal decisão foi acertada, mas não cabe sua ampliação em outros recursos durante a jurisdição trabalhista.

Uníssono que o exercício do direito de ação não se afigura absoluto, antes, podem ser fixadas determinadas balizas que dizem respeito à sua própria regularidade. Por isso, a existência de regras sobre competência, perempção, patrocínio advocatício etc., conquanto estabeleçam condicionantes ao exercício do direito de ação, na realidade, concorrem para que essa garantia constitucional seja concretizada de uma forma regular. Por outro lado, esse condicionamento ao exercício do direito de ação não pode desbordar determinados limites, pois, se assim o fizerem, traduzir-se-iam em efetivo óbice no acesso ao Judiciário. Como exemplos de condicionantes que violam o direito de ação, no processo do trabalho, podemos citar: a) a obrigatoriedade de submissão de litígios a instâncias não jurisdicionais (como as CCPs, tendo o STF realizado leitura conforme do artigo 625-D, caput, da CLT, para tornar facultativa a submissão das demandas a tais comissões [1]); ou b) as regras de competência territorial que sejam materialmente impeditivas (v.g., exigir que pessoa sem maiores posses residente em Curitiba tenha que se deslocar a Altamira-PA para ajuizar ação relativa a período no qual trabalhou na Usina de Belo Monte, cuja distância, superior a três mil quilômetros, e tempo de deslocamento tornariam uma mera promessa, ao final descumprida, de acesso ao Judiciário).

Um outro condicionante que a legislação estabelece ao exercício do direito de ação, especialmente no âmbito do processo do trabalho, consiste na fixação de depósito recursal para que a parte condenada possa interpor os recursos ordinário, de revista, embargos, agravo de instrumento e recurso extraordinário. O depósito, portanto, possui o caráter de pressuposto recursal extrínseco. Além dessa característica, a doutrina e a jurisprudência têm reconhecido ao depósito recursal também outra finalidade, qual seja, assegurar a execução [2]. Esta última perspectiva tem colaborado, em diversas situações, para antecipar, parcial ou totalmente, a satisfação do credor, com a liberação do depósito após fixação de crédito superior ao seu valor. Ademais, a exigência do depósito recursal apresenta uma externalidade, qual seja, reduzir a interposição de recursos meramente protelatórios (GIGLIO, 2000, p. 410), pois ou o valor ficaria imobilizado ou a pessoa teria que arcar com o valor gasto para obter fiança bancária ou seguro garantia judicial (artigo 899, § 11, CLT). Embora seja um instituto de marcada predominância no âmbito do processo do trabalho, como pressuposto recursal, o depósito existe também na ação rescisória, tanto aquela ajuizada no âmbito cível (CPC, artigo 968, II) quanto no trabalhista (CLT, artigo 836, caput). Note-se que no processo do trabalho, o valor do depósito para o ajuizamento da ação é superior ao exigido no processo comum justamente em face da natureza dos créditos normalmente discutidos na Justiça do Trabalho, de predominante caráter alimentar, o que exige, portanto, um tratamento diverso do legislador.

Observe-se que, ao contrário de argumento às vezes apresentado, não há de se imputar como inconstitucional a exigência de depósito para a interposição de recursos trabalhistas, pois tal requisito caminha no sentido de concretizar todo um arcabouço protetivo dos créditos trabalhistas [3]. Observe que, a par desse fundamento constitucional, a simples existência do depósito recursal não viola a ampla defesa e o direito de ação pois os empregadores que, em razão de suas dificuldades financeiras devidamente comprovadas, fizerem jus à gratuidade da justiça, ficam dispensados de seu recolhimento (CLT, artigo 899, § 10), além do que determinadas pessoas jurídicas (micro e pequenas empresas, empreendedores individuais), em relação às quais a Constituição (artigo 179) assegura um tratamento especial, devem recolher apenas a metade do valor do depósito recursal (CLT, artigo 899, § 9º).

Deste modo, o depósito recursal trata-se, na verdade, de um condicionamento imposto validamente ao exercício do direito de ação.

O STF, de seu lado, em ambas as suas turmas, sempre teve firme jurisprudência no sentido de impossibilidade de analisar esse pressuposto recursal porque a sua fixação é realizada em sede de legislação infraconstitucional. Nesse sentido, citam-se:

“Trabalhista. Depósito recursal. Lei nº. 8.177/91. Alegada contrariedade ao artigo 5º., II, da Constituição. A discussão em torno do depósito recursal na Justiça do Trabalho e da ocorrência da deserção cinge-se ao âmbito da legislação ordinária, sendo inadequada a apreciação pelo Supremo Tribunal Federal. Agravo regimental improvido” (AI 153269. Rel. Min. Ilmar Galvão. 1ª T. Dt. Julg.: 07/06/1994. Pub.: DJ 10.2.95).

AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. TRABALHISTA. INSUFICIÊNCIA DO DEPOSITO RECURSAL. MATÉRIA INFRACONSTITUCIONAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. A controvérsia acerca do depósito recursal há de ser dirimida através da legislação ordinária que disciplina os pressupostos extrínsecos e intrínsecos para a interposição de recurso trabalhista. A violação a norma constitucional, se houvesse, seria indireta e reflexa, o que não viabiliza a instância extraordinária. Agravo regimental improvido” (AI 138965. Rel. Min.: Maurício Corrêa. Dt. Julg.: 16.5.95. Dt. Pub.: 8.9.95).

Não obstante esse posicionamento prevalecente por longo período, houve uma inflexão por parte do STF que, em 2013, entendeu tratar-se de matéria constitucional a exigência de depósito recursal em recurso extraordinário, tanto que desafiou sua análise sob o regime de repercussão geral (Tema 679). Em 22 de maio, houve publicação da decisão, tendo prevalecido por maioria o entendimento de que é “incompatível com a Constituição Federal exigência de depósito prévio como condição de admissibilidade do recurso extraordinário” (RE 607447. Pleno virtual. Rel. min.: Marco Aurélio). Em razão disso, declarou-se a “inconstitucionalidade do § 1º do artigo 899 da Consolidação das Leis do Trabalho, sendo inconstitucional a (exigência) constante na cabeça do artigo 40 da Lei nº 8.177 e, por arrastamento, no inciso II da Instrução Normativa nº 3/1993 do Tribunal Superior do Trabalho”.

Assim, como decidiu o STF, não se exige o depósito recursal para a interposição de recurso extraordinário. A despeito de críticas quanto a essa interpretação, em especial porque importaria em autorizar interposição de recurso meramente protelatório ou que alteraria todo o manto protecionista conferido aos créditos trabalhistas, não nos parece que a conclusão do STF tenha incorrido em atecnia, especialmente porque não cabe a ampliação desse entendimento para os demais recursos interpostos na jurisdição trabalhista.

Com efeito, o recurso extraordinário, ainda que cabível em um processo trabalhista, tem as suas balizas constitucionalmente fixadas, quais sejam, “julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida: a) contrariar dispositivo desta Constituição; e b) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal” (CF, artigo 102, III). A legislação infraconstitucional, ao estabelecer como pressuposto processual um requisito, extrínseco ou intrínseco, não estabelecido pela Constituição quanto ao cabimento do recurso extraordinário, quer nos parecer, incorreu em uma violação ao texto constitucional. Não se queira argumentar, todavia, que a partir dessa premissa poderia haver a alegação de que os demais pressupostos estabelecidos por lei sejam inconstitucionais, por exemplo, o prazo (15 dias), a representação por meio de advogado etc. Tal leitura soaria incorreta, com a devida vênia, uma vez que esses outros requisitos (prazo, representação etc) são pressupostos ontologicamente vinculados à própria existência do instituto “recurso”, ou seja, a existência de um determinado prazo, ou a sua representação por meio de advogado, ou a delimitação do tema sob análise, são exigências estabelecidas para o cabimento de qualquer recurso e, portanto, essenciais à manifestação de discordância da parte quanto à decisão. Disso decorre que se se tratam de requisitos essencialmente vinculados a qualquer recurso, de forma que a previsão desses pressupostos, também para o recurso extraordinário, afigura-se lícita. Diferente é, porém, da fixação de pressupostos que não são ontologicamente vinculados aos recursos, mas sim ao recurso extraordinário, hipótese em que somente a Constituição pode estabelecê-los. Em realidade, o recurso extraordinário não é um recurso trabalhista ainda que contingencialmente possa ser apresentado em um processo trabalhista: trata-se de um recurso constitucional.

Deste modo, ao fixarem para o recurso extraordinário pressupostos que não são ontológicos aos recursos e que não estão previstos na Constituição Federal, os textos normativos mencionados na decisão do STF violam a Constituição Federal, razão pela qual podemos afirmar que o entendimento sufragado pelo STF busca preservar a autoridade da Constituição Federal enquanto texto normativo básico do ordenamento brasileiro.

Note-se, por outro lado, não ser lícito estender o entendimento do STF para os demais recursos interpostos durante a jurisdição trabalhista. Pretendido elastecimento violaria todo o sistema jurídico em diversos aspectos: primeiro, importaria em uma hecatombe de todo o arcabouço processual trabalhista, habilmente construído para que haja uma forma de garantir a satisfação de créditos trabalhistas a partir de um determinado estágio processual e, como tal, permitir a satisfação dos credores de uma forma mais célere; ignoraria a necessidade de uma tutela diferenciada assentada na ideia de acesso efetivo à Justiça; afastaria a concretização das normas constitucionais que tutelam os direitos dos trabalhadores. Mas, além da violação ao sistema trabalhista como um todo, tal pretensão violaria a própria decisão ora tomada pelo STF, no sentido de que “para a interposição de recurso ao Supremo, não se pode cogitar de pagamento de certo valor” [4], uma vez que, diferentemente dos demais recursos trabalhistas, o recurso extraordinário é um recurso com sede constitucional, que lhe fixa os seus requisitos específicos, o que não se vislumbra nos demais recursos, cujas regras são integralmente fixadas pela legislação infraconstitucional. Daí, em relação ao recurso ordinário, ao recurso de revista e as embargos, porque não são dirigidos ao STF, pela própria decisão do STF, subsiste o ônus de realizar o depósito recursal.

A única possibilidade de elastecimento da decisão do STF refere-se ao agravo de instrumento interposto contra decisão que não admite o recurso extraordinário. Embora esse recurso não seja expressamente previsto no âmbito constitucional, premissa de nossa exposição acima, ao concluir que “para a interposição de recurso ao Supremo, não se pode cogitar de pagamento de certo valor”, o STF realça o seu papel de guardião da Constituição.

Deste modo, é possível concluir que, na decisão tomada no RE 607477, o STF zelou pela autoridade da Constituição, que não estabelece pressupostos de natureza financeira para a admissão do recurso extraordinário. Todavia, não cabe estender a premissa para todos os recursos trabalhistas pois, contrariamente ao extraordinário e do agravo de instrumento para destrancar ao recurso extraordinário, não possuem previsão e requisitos estabelecidos no texto constitucional nem possuem como órgão julgador o STF.

 

Referência bibliográfica

 

GIGLIO, Wagner. Direito Processual do Trabalho. 11ªed. São Paulo: Saraiva, 2000.

 


[1] Na ADI 2139 o STF reconheceu a inconstitucionalidade dessa exigência.

[2] Por isso a Fazenda Pública não precisa realizá-lo, ante o procedimento especial de sua execução; não há se fazer depósito recursal para a interposição de agravo de petição pela parte executada; de forma idêntica, não cabe realizá-lo se não houver condenação em pagamento, como nas ações para anotação da CTPS, mandamentais etc.

[3] Em grande parte, os direitos trabalhistas são previstos constitucionalmente. Assim, exige-se a adoção de medidas que visam a concretizá-los em razão da força normativa da Constituição.

 é juiz do trabalho da 18ª Região, professor universitário, mestre em Direito pela Faculdade de Direito de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo-USP e autor do livro “Segurança jurídica no Direito e Processo do Trabalho” (2020. No prelo).

 é professor da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (DFRP/USP).