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Ofensas e URL bastam para retirar conteúdo da internet, diz STJ

A existência de ofensas pessoais e a identificação precisa das URLs em que se encontram são fatores suficientes para a determinação de retirada de postagem feita na internet. Mas a ilegalidade do conteúdo questionado e sua relação com a liberdade de expressão consagrada pela Constituição Federal devem ser analisadas pelo Judiciário.

Google criticou decisão genérica na análise do contexto em que foi determinada a remoção do conteúdo ofensivo

Com esse entendimento, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça manteve decisão de segundo grau que obrigou o Google a remover postagens de um blog por ofensas ao autor da ação, no âmbito de uma discussão virtual. A empresa recorreu ao questionar os critérios usados ao decidir pela necessidade de exclusão do conteúdo.

Segundo o Google, a ação não visou a defender as postagens excluídas, mas sim tratar da aplicação adequada do sistema de remoção disciplinado pelo Marco Civil da Internet: pressupõe análise específica do conteúdo para que a ordem de remoção não seja genérica. 

Caso concreto

O caso concreto trata de discussão entre dois blogueiros com posições antagônicas, que usavam de plataforma do Google para postagem de conteúdo. O ofendido defende linha conservadora baseada em fundamentos religiosos, enquanto que a ofensora é ateia e tem visão mais libertária. O embate se tornou acalorado e com excessos de ambos os lados.

Segundo a empresa, a sentença e o acórdão ignoraram esse contexto. Não consideram, por exemplo, que não há desigualdade entre as partes, já que são ambos pessoas físicas com blogs pessoais; nem que a agressão não foi unilateral; que não é possível fazer juízo de falso ou verdadeiro, já que a discussão tem opiniões que ganharam temperatura além do desejado; e que debates políticos devem ter a liberdade de expressão protegida.

“Todos desejamos que haja mais moderação nos debates, que sejam mais construtivos e menos agressivos. Mas, na medida em que um lado é silenciado inteiramente, inclusive em manifestações que talvez não sejam ofensivas, não achamos que esse silenciamento vá produzir uma internet menos agressiva. Isso apenas fortalece o outro lado, que também se excedeu em igual ou talvez maior medida”, destacou o advogado da empresa, na tribuna virtual.

Marco Civil da Internet

“Nas razões recursais apresentadas pelo Google, o foco é o conteúdo. Na lei não existe esse procedimento que o advogado sugeriu. Seria até interessante. Mas não vejo como analisar da forma sugerida”, afirmou a ministra Nancy Andrighi.

A responsabilização por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros está disposta no artigo 19 do Marco Civil da Internet, que não deixa expresso o que configura ilegalidade de conteúdo ou de sua forma de divulgação. Esta análise recai ao Judiciário, portanto. Segundo o acórdão recorrido, o caso desbordou da liberdade de manifestação, configurando ofensa à honra.

Ao votar, a ministra Nancy Andrighi leu pelo menos uma dezena das ofensas listadas no acórdão recorrido. E concluiu: “não há dúvidas de que tais palavras fogem totalmente a discussão ideológica e que se consubstanciam em ofensas, não se tratando, portanto, de ofensa à liberdade de manifestação”.

Debate fora de lugar

O voto foi seguido por unanimidade. “A última palavra é do Judiciário. Não há o que imputar de errado no procedimento adotado. Houve indicação precisa da URL. O Judiciário analisou a questão, e o fez com muita ponderação, porque os termos eram inadequados para aquele tipo de comunicação”, concordou o ministro Ricardo Villas Bôas Cueva.

“Este debate está fora de lugar”, destacou. “Talvez se coloque no âmbito das redes sociais, das fake news, desinformação, e da moderação de conteúdo que deverá ser feita pelas redes sociais no futuro, para preservar a democracia e a liberdade de expressão. No contexto deste caso, parece absolutamente inatacável a decisão recorrida”, complementou.

REsp 1.851.328

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Hospital deve permitir acompanhante em partos durante epidemia

Direito da mulher

Hospital deve permitir acompanhante em todos os partos durante epidemia

Por 

A Lei 13.079/20, em seu artigo 3º, § 2º, inciso III, dispõe que a disciplina para os cuidados com a Covid-19 não deve se afastar dos postulados da dignidade da pessoa humana. Com esse entendimento, o juiz Bruno Machado Miano, da Vara da Fazenda Pública de Mogi das Cruzes (SP), obrigou a Santa Casa de Misericórdia a garantir a todas as gestantes o direito a um acompanhante antes, durante e depois do parto.

ReproduçãoHospital deve permitir acompanhante em todos os partos durante epidemia

O descumprimento da decisão ensejará multa de R$ 2 mil por recusa injustificada. A liminar foi concedida em ação civil coletiva impetrada pela Defensoria Pública, que alegou que o hospital restringiu a presença de acompanhantes nos partos em razão da epidemia da Covid-19. Para o juiz, a Santa Casa não pode inviabilizar o direito da mulher.

“A Lei 13.079/20 [que dispõe sobre as medidas para enfrentamento à Covid-19], podendo, não suspendeu a eficácia da Lei 11.108/05, que alterou a Lei do SUS (Lei 8080/90), ao estabelecer o direito ao acompanhante antes, durante e depois do parto”, afirmou. O magistrado destacou que o acompanhante continua garantido, desde que se submeta aos procedimentos da nota técnica da Secretaria de Atenção Primária à Saúde, referente às medidas de prevenção para os partos durante a epidemia.

Entre as precauções, está a de que o acompanhante deve ser assintomático e não integrar o grupo de risco para a Covid-19. “Após o parto, somente em condições específicas (instabilidade clínica da mulher ou condições específicas do recém-nascido)”, concluiu Miano. Cabe recurso da decisão.

1006473-71.2020.8.26.0361

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 é repórter da revista Consultor Jurídico

Revista Consultor Jurídico, 4 de junho de 2020, 17h28

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Erika Oliveira: Efeitos da Covid-19 nas relações imobiliárias

A indústria da construção civil é claramente um termômetro da economia brasileira e mundial, sendo uma das maiores geradoras de empregos do país, com o número surpreendente de mais de 70 mil vagas criadas no ano passado no setor, correspondendo a 11% [1] do total de empregos surgidos no país em 2019.

No Brasil, a construção civil iniciou o ano de 2020 em claro ritmo de bull market, após disparar mais de 100% [2] na Bolsa e ter crescimento de 1,6% no ano de 2019, sendo a maior alta do Ibovespa no setor desde 2013 [3].

A reviravolta, no entanto, foi verificada em março de 2020 com o avanço exponencial da Covid-19 [4], o que, de forma inesperada, obrigou os governos a implementarem medidas duras e sem precedentes para a contenção da propagação do vírus, o que, por consequência, ocasionou a abrupta interrupção desse movimento de crescimento e reestruturação da construção civil.

Com a interrupção das obras, férias coletivas, escassez de material, insumos e mão-de-obra e, sobretudo, em razão da piora da percepção dos empresários acerca das expectativas para os próximos trimestres e a insegurança dos consumidores para aquisição de novos imóveis ou mesmo a manutenção de contratos preexistentes, já houve perdas significativas para o setor [5].

A projeção é de que os impactos sejam ainda maiores a médio e longo prazo, em razão dos mesmos motivos listados, o que acarretará, certamente, no atraso na entrega das chaves dos imóveis adquiridos na planta e o aumento da inadimplência.

É possível dizer que, além de paciência e trabalho árduo, deverá haver uma compreensão recíproca, ou seja, de todos aqueles que atuam nas relações contratuais, para minimizar os impactos da situação vivida.

É esperado que em razão da fragilidade da economia e dos eventuais atrasos na entrega dos imóveis, o número de ações ajuizadas aumente significativamente, seja com o objetivo de se pleitear a rescisão contratual, seja com o objetivo de obter indenização material.

Considerando especificamente o cenário de atraso na entrega dos imóveis, que comprovadamente se deram em decorrência da Covid-19, é possível sustentar a ocorrência de caso fortuito ou de força maior, previsto no artigo 393, do Código Civil [6], que preceitua que o devedor não responde pelos prejuízos resultantes do caso fortuito ou força maior se expressamente não se houver por eles responsabilizado.

Em situações menos complexas, os institutos do caso fortuito e da força maior são de difícil verificação prática e aplicação pelo Judiciário, já que vulgarmente utilizados por empresas do setor para justificar atrasos que poderiam de fato ser evitados.

No entanto, em situação extrema como a pandemia causada pela Covid-19, é possível evocar o caso fortuito e força maior sem grandes dificuldades, já que as construtoras e incorporadoras imobiliárias, por certo, não deram causa aos problemas enfrentados e tampouco poderiam evitá-los, sendo estes os fatores da excludente do nexo de causalidade em relação a eventuais prejuízos suportados pelos consumidores.

Inclusive, o Código Civil, em seu artigo 625, inciso I [7], prevê a possibilidade de suspensão da obra em razão do motivo de força maior, reforçando a ideia de impossibilidade de responsabilização do empreiteiro e da incorporada em razão de atrasos a que não deram causa e que não poderiam ser por eles evitados.

Esclarecida a possibilidade das construtoras e incorporadoras evocarem o caso fortuito e de força maior para justificar o atraso na entrega do imóvel, surge o questionamento acerca do direito do consumidor de receber multas e penalidades relacionadas ao referido atraso.

Nesse prisma, embora seja pacífico o entendimento da validade da cláusula prevista na maioria dos compromissos de venda e compra que possibilita o atraso na entrega das obras por 180 dias, espera-se do Poder Judiciário uma maior flexibilização desse prazo, podendo ser prorrogado em razão da pandemia, sem a aplicação da aludida cláusula penal.

Um cenário ainda mais sensível e alarmante para o setor é aquele em que o consumidor, alegando impossibilidade ou desinteresse na manutenção do contrato, pugna pela rescisão do instrumento, com a aplicação de multa compensatória e a restituição dos valores pagos.

Não é demais relembrar que toda a crise enfrentada nos últimos anos no setor imobiliário se deve justamente aos problemas desencadeados pela desistência voluntária por parte dos adquirentes, que não refletem apenas em seu direito individual, mas colocam em xeque a viabilidade do empreendimento como um todo e comprometem drasticamente a subsistência da atividade do incorporador, correndo o risco, entre tantos outros, de dispender altíssimos valores com os distratos, além de suportar os prejuízos decorrentes do cancelamento do empreendimento.

Nesse contexto, levando-se em consideração que o setor da construção civil é responsável por gerar grande parte dos empregos formais no Brasil e por aquecer a economia, conforme tratado no início deste artigo, temos que o problema a ser enfrentado pelas construtoras e pelo Judiciário ao tratar das ações de rescisão contratual é delicado e exige atenção do ponto de vista macro.

Inobstante a questão afeta à economia de modo geral, por certo o promitente comprador que não estiver disposto a suportar o atraso na entrega da obra ou não tiver condições de manutenção do contrato não poderá ser impedido de prosseguir com a rescisão do instrumento, porém, seguirá como rescisão imotivada, devendo suportar as penalidades previstas no contrato e na Lei n° 13.786/2018 (Lei do Distrato), que prevê multa de 25% para empreendimentos sem patrimônio de afetação ou de 50% para empreendimentos com patrimônio de afetação.

Em contrapartida, é inevitável que o Judiciário atente para aqueles casos em que o consumidor demonstrar de forma cabal e nos termos dos artigos 478, 479 e 480 do Código Civil [8], que em razão dos efeitos da Covid-19 na sua capacidade financeira o contrato se tornou excessivamente oneroso, hipótese em que poderá se eximir das penalidades previstas na lei e, em contrapartida, pugnar pela restituição integral dos valores pagos, devidamente atualizados.

Os dois cenários apresentados são sensíveis e certamente impactarão de forma drástica a economia brasileira, seja do ponto de vista do consumidor, seja do ponto de vista do incorporador, existindo justificativas suficientes para defesa de um ou do outro lado.

Justamente em razão do problema generalizado que apresentará desafios para todos os participantes da relação contratual e, principalmente, para a economia de modo geral, o caminho recomendável e saudável para a solução do conflito que certamente existirá, de fato não é a judicialização da questão ou a rescisão do contrato pura e simples, mas a intensificação das negociações entre contratante e contratado, por vezes intermediada por advogados e conciliadores, com concessões recíprocas e revisitação de cláusulas contratuais, caso seja necessário.

De tudo o que se espera para o correto enfrentamento dos danos causados pela Covid-19 no mercado imobiliário é que do lado da incorporadora se atente ao dever de informação, para que seja oportunizado ao consumidor, mesmo diante do conhecido cenário de crise de saúde pública e econômica, com pleno conhecimento do status da obra, da forma que os efeitos da pandemia afetará seu contrato e, principalmente, todas as medidas que o Incorporador está adotando para minimizar estes impactos.

Do lado do consumidor, espera-se, dentro do possível, um esforço acentuado e compreensão em relação aos impactos da crise no seu contrato, devendo priorizar a manutenção da relação contratual, ainda que para isso seja necessária a renegociação de valores, prazos para pagamento e revisitação de cláusulas contratuais em geral.

Por fim, sabendo que inexistem precedentes jurídicos e econômicos da situação atualmente vivida no Brasil e no mundo, o que se espera é um esforço mútuo para que sejam mantidos os compromissos assumidos, dentro dos princípios da transparência, boa-fé, proporcionalidade e razoabilidade, viabilizando, assim, a retomada do crescimento do mercado imobiliário brasileiro.

Erika Raissa Loiola de Oliveira é advogada, sócia do escritório Lee, Brock e Camargo Advogados e pós-graduada em Direito Processual Civil pela Universidade Presbiteriana Mackenzie.

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Felipe de Lara: Os Juizados Especiais Cíveis

Cumpre esclarecer, inicialmente, que entrou em vigor em 24 de abril de 2020 a Lei 13.994, que alterou os artigos 22 e 23 da Lei 9.099/95 (Lei dos Juizados Especiais Cíveis) a fim de possibilitar a conciliação não presencial no âmbito dos JECs.

Denota-se que a lei não facultou, mas, sim, obrigou as partes a aderir às audiências de conciliação por videoconferência.

E, como sabido, os Juizados Especiais se norteiam pelos princípios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, conforme previsto no artigo 2º da Lei 9.099/95, sendo que a alteração em vigor se coaduna com os princípios da informalidade e da celeridade.

Isso porque, de acordo com o novo teor do artigo 23, caso o demandado/réu não compareça ou se recuse a participar da tentativa de conciliação não presencial, o juiz togado proferirá sentença. Isso significa que, na prática, o servidor e/ou auxiliar que intimar a parte ré sobre a designação da audiência conciliatória não presencial deverá certificar, nos autos, que não houve consenso do réu a fim de participar da autocomposição do litígio de forma virtual. Ato posterior, o processo deverá ser concluso, a fim de ser reconhecida a revelia.

Impende ressaltar que o reconhecimento da revelia diverge da aplicação dos seus efeitos (artigo 20 da Lei 9.099/95).

Caso o juiz togado tenha plena convicção dos fatos ali alegados, proferirá sentença. De outro viés, caso entenda ser necessária a comprovação de algum fato ou diligência, poderá designar audiência de instrução e julgamento, conduzida por juiz togado ou leigo.

Por fim, saliente-se apenas que os Juizados Especiais deverão observar a disponibilidade de salas ou outro meio para atender aos jurisdicionados que não possuem mecanismos suficientes para a realização do ato.

Anote-se, ainda, que a vigência da lei se deu em meio a uma pandemia (Covid-19), o que torna ainda mais difícil a elaboração de projetos dos tribunais para se adequar à nova realidade, o que deverá unir a Ordem dos Advogados do Brasil e os Tribunais de Justiça a fim de consentir sobre o assunto.

 é advogado, juiz leigo, representante dos juízes leigos e conciliadores e membro do Conselho de Supervisão dos Juizados Especiais.