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Opinião: A perícia no caso Bolsonaro x Moro

A controvérsia que mobilizou o país merece uma análise técnico‑pericial criteriosa tanto das mensagens contidas no celular de Sérgio Moro quanto das gravações audiovisuais da reunião ministerial de 22 de abril. Afinal, a eventual comprovação dos crimes atribuídos ao presidente da República impacta diretamente nos rumos da nação.

Ocorre que o trabalho pericial até aqui desempenhado não corresponde ao protagonismo esperado na elucidação das graves imputações de ambos os lados, na medida em que há flagrante atropelo da lei. De saída, nunca existiu o necessário controle da cadeia de custódia da prova, assim definido pela Lei nº 13.964/2019 (Pacote Anticrime) como “o conjunto de todos os procedimentos utilizados para manter e documentar a história cronológica do vestígio coletado em locais ou em vítimas de crimes, para rastrear sua posse e manuseio a partir de seu reconhecimento até o descarte” (artigo 158-A). Lamentável. Preservar a integridade do objeto de prova é fundamental para garantir a idoneidade da perícia.

Nesse sentido, tanto o equipamento que contiver a gravação audiovisual relativa à reunião ministerial havida em abril quanto o celular de Moro exigem os mesmos cuidados na coleta, preservação da integridade dos dados, extração de informações patentes e recuperação de dados eventualmente “apagados”, por intermédio de ferramentas distintas para cada qual dos exames.

Há informação de que o arquivo audiovisual foi fornecido por meio de um HD externo, o que certamente indica que não se trata do arquivo original. Se isso for verdade, trata-se de grave equívoco. O correto, necessário e imprescindível é que esse arquivo fosse obtido mediante extração forense (do sistema de gravação que o gerou, ou dos arquivos originais), gerando-se a cópia e criando-se o hashcode, assegurando a integralidade e a integridade do arquivo, fornecendo-se cópia do auto de coleta, no qual deve ser consignado o respectivo código gerado (hash). Isso dificultaria, inclusive, que ocorresse edição do arquivo, pois, se ocorreu, e se foi bem feita, será muito difícil constatar.

Nesse particular, consta da investigação que o Laudo nº 1.242/2020 focou na transcrição dos áudios sem que tenha sido concluída a averiguação preliminar sobre a eventual edição do material; restou consignado que tal análise será objeto de laudo diverso.

Cabe o alerta, entretanto, de que o segundo exame não deve ser relegado; sabidamente, o arquivo de vídeo coletado não possui time stamp (marcador de data e horário). Essa peculiaridade, sob a ótica pericial, exige que seja percorrida e descartada a hipótese de eventual supressão de trecho(s). Aliás, bastaria que tal supressão tivesse sido conduzida por alguém tecnicamente capacitado, fazendo-o de maneira a restabelecer os atributos originais do arquivo, para mascarar a eventual eliminação.

No caso do celular de Moro, o procedimento de coleta também se mostrou inadequado, na medida em que se permitiu ao próprio investigado que selecionasse os conteúdos que poderiam servir à investigação, a despeito de outras conversas que pudessem interessar à Justiça, inclusive aquelas eventualmente apagadas. Por sorte, mesmo arquivos apagados podem ser recuperados, uma vez que meros fragmentos podem ser reconstruídos ou “esculpidos” (carving files). Vale destacar ainda que, tecnicamente, recuperar arquivo apagado é muito mais fácil do que se comprovar que houve edição, pois há ferramentas muito eficazes para encobrir edições e modificações de certos atributos de arquivos.

Não cabe ao investigado decidir o que interessa à investigação
Nesse contexto, marcante contradição no comportamento do ex‑ministro merece destaque. Em sua oitiva, Moro disponibilizou o aparelho celular tão-somente “para extração das mensagens trocadas via WhatsApp com Bolsonaro e Carla Zambelli”. E por que não as demais mensagens? Será mesmo que a controvérsia se resume a poucos diálogos? Ora, desde quando o investigado decide aquilo que é do interesse da investigação? Na verdade, nunca decidiu. Bem por isso, quando chamado a se manifestar sobre a conveniência de entrega parcial, pelo Executivo, dos vídeos da reunião, Moro pontuou que escolher trechos “que são ou não importantes para investigação é tarefa que não pode ficar a cargo exclusivo do investigado”, porquanto isso não garantiria a integridade do elemento de prova fornecido. Faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço…

A cereja do bolo no tocante à inconsistência pericial reside no fato de que o Pacote Anticrime, de iniciativa do então ministro da Justiça Sérgio Moro, sancionado pelo presidente Jair Bolsonaro, disciplinou rigorosamente a questão relativa à cadeia de custódia da prova, preconizando tudo aquilo que é obrigatório e não está sendo feito, ironicamente, no caso concreto.

Ocorre que o STF sempre destacou a relevância pericial para o fiel esclarecimento dos fatos. Isso porque o decano e relator do inquérito em andamento, ministro Celso de Mello, ao requisitar as gravações, consignou expressamente que “as autoridades destinatárias de tais ofícios deverão preservar a integridade do conteúdo de referida gravação ambiental (com sinais de áudio e vídeo), em ordem a impedir que os elementos nela contidos possam ser alterados, modificados ou, até mesmo, suprimidos, eis que mencionada gravação constitui material probatório destinado a instruir, a pedido do senhor procurador-geral da República, procedimento de natureza criminal”.

Nessa toada, obrigatório ter em mente que ao menor sinal de adulteração dos arquivos periciados será imprescindível e urgente nova diligência pericial, agora com observância estrita da cadeia de custódia da prova, que tenha por objeto o equipamento utilizado na gravação da reunião ministerial ou o celular do ex-ministro, fazendo-se a respectiva extração forense do arquivo desejado. Somente dessa forma será preservada a integralidade (todo o arquivo) e a integridade (na forma original) dos arquivos, de maneira não só a garantir que não tenham sido anteriormente modificados ao exame, como também desmascarando eventuais adulterações. Tudo em prol da necessária e cabal apuração dos fatos.

 é sócio-fundador do escritório Damiani Sociedade de Advogados e especialista em Direito Penal Econômico pela Fundação Getúlio Vargas (GV-LAW).

 é sócio-fundador do Dynamics Perícias, perito criminal aposentado, professor de Criminalística da Academia de Polícia Civil de São Paulo e especialista em compliance e governança.

 é advogado associado ao escritório Damiani Sociedade de Advogados e especialista em Compliance.

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Opinião: Impactos extraordinários e a conexão com a retomada

A crise gerada pela pandemia em relação ao novo coronavírus vai além da saúde e impacta todas as áreas da vida em sociedade. Com a suspensão de parte das atividades comerciais e das aglomerações, profissionais autônomos e pequenas empresas foram gravemente prejudicados.

A grande verdade é que a Covid-19 vem produzindo efeitos colaterais e repercussões não apenas de ordem epidemiológica em progressão global, mas também em repercussões e impactos sociais, econômicos, políticos, culturais e históricos sem precedentes na história recente das epidemias mundiais.

Sendo assim, os empresários paralisados há quase dois meses, com taxa de mortalidade elevadíssima, tanto no país, quanto no mundo, tem que pensar em retomar suas atividades diante do impacto extraordinário da Covid-19.

Na verdade, não se sabe quando será a data de início das atividades, mas os empresários já planejam a retomada das atividades, tão logo tenham uma previsão.

O fato é a estimativa de infectados e mortos, concorre diretamente com o impacto sobre os sistemas de saúde, com a exposição da população e dos grupos vulneráveis, a sustentação econômica e o sistema financeiro de todos, a saúde mental das pessoas em tempos de confinamento e temor pelo risco de adoecimento e morte, acesso a bens essenciais como alimentação, medicamentos, transporte, entre outros.

Agrava-se ao fato da política discordante entre o Governo Federal e os Governos Estaduais, causa ainda mais dificuldades no Empresariado que encontra-se com suas atividades totalmente ou parcialmente paralisadas, esperando uma definição médica e científica, mas só tem incertezas.

A população e os empresários tem a extrema necessidade de: Iniciar PROTOCOLO PARA O ENFRENTAMENTO À PANDEMIA DE COVID19, com um tratamento jurídico, na ordem trabalhista e tributária, com  proteção à vida de quem trabalha em suas empresas, com medidas para contenção da mobilidade social como o isolamento e a quarentena, mas buscando a velocidade das suas atividades empresárias.

A humanidade vulnerável diante da urgência de testagens de medicamentos e vacinas que evidenciam em implicações éticas e de direitos humanos que merecem análise crítica e prudência, demanda ainda mais instabilidade neste momento.

Ainda que muitos juristas afirmem ser o caso de “estado de necessidade”, não afasta a responsabilidade civil do agente público, posto que, responde pelos prejuízos causados, aliás a lei determina apenas que os atos praticados nesta situação sejam lícitos, mas não são isentos de indenização por danos materiais, mas não será objeto deste artigo.

No entanto, os empresários não esperam apenas do governo, assim, devemos entender os procedimentos dos primeiros países que adotaram o isolamento, a Europa iniciou o relaxamento das medidas restritivas com muita cautela, por exemplo, na Alemanha os grandes eventos continuam proibidos, mas o Campeonato Alemão volto no último dia 16. “Conseguimos controlar o número de infecções”, anunciou Angela Merkel.

No contexto atual mundial assemelha-se, em muitos aspectos, a um momento de conflitos armados (uma guerra).

Nesta situação provocada pela Covid-19, não há soluções convencionais, isto é, uma máxima que após uma guerra sempre é necessário ter plano econômico e social de reconstrução, que apesar de ser função dos governos, a sociedade não pode esperar, e tem que planejar.

Devemos entender que esta é a fase de resposta aos problemas que surgiram com a pandemia onde é necessário Protocolos de Retomadas das atividades profissionais, empresariais, da retomada da vida e a retomada econômica, e é  momento de buscar as providências cabíveis para proteger a população sempre com o foco maior na saúde e a segurança da “vida”.

No entanto, os empresários brasileiros, que tiveram suas atividades suspensas, parcial e total, tem que iniciar os estudos de protocolos sanitários e operacionais afim de buscar soluções simples e práticas para suas empresas para desenvolver as atividades.

Neste sentido, os empresários, devem mitigar e minimizar os impactos extraordinários e buscar soluções para desenvolver suas atividades, como e quando iniciar, e após pandemia, como se portar, sob pena de sofrer prejuízos irreparáveis.

As empresas devem preparar-se para implantar um conjunto de medidas, no âmbito individual e coletivo, para  abranger a promoção e a proteção da saúde de seus empregados e colaboradores, com foco no exercícios gerencial e saúde sanitária.  

As empresas devem desenvolver os Protocolos para higienização à Covid19 :

• Higienizar as mãos com água e sabonete (ou, se possível, com álcool gel a 70%) após tossir, espirrar, usar o banheiro e antes das refeições;

• Não compartilhar objetos de uso pessoal e alimentos;

• Permanecer sempre que possível em sua residência; e

• Ficar em repouso, utilizar alimentação balanceada e aumentar a ingestão de líquidos. Para familiares e cuidadores;

• Evitar aglomerações e ambientes fechados (manter os ambientes ventilados);

• Higienizar as mãos frequentemente;

• Evitar tocar olhos, nariz ou boca após contato com superfícies potencialmente contaminadas. Para a população em geral

• Há  necessidade de usar máscara; e

• Evitar aglomerações e ambientes fechados (manter os ambientes ventilados).

Assim, serão necessários protocolos para identificar os GRUPOS E FATORES DE RISCO que podem contribuir para o agravamento do quadro e suas soluções.

O Grupo de risco: Pessoas que apresentam  as seguintes condições clínicas: • Imunodepressão: por exemplo, indivíduos transplantados, pacientes com câncer, em tratamento para Aids ou em uso de medicação imunossupressora;

Medidas preventivas para as equipes de saúde

• Frequente higienização das mãos;

• Utilizar máscaras cirúrgicas durante o atendimento de pacientes com Síndrome Gripal;

• Descartar luvas após atender um paciente e lavar as mãos para atendimento a outro paciente;

• Evitar tocar superfícies com luvas ou outro EPI contaminados ou com mãos contaminadas. As superfícies envolvem aquelas próximas ao paciente (ex.: mobiliário e equipamentos para a saúde) e aquelas fora do ambiente próximo ao paciente, porém relacionadas ao cuidado com o paciente (ex.: maçaneta, interruptor de luz, chave, caneta, entre outros);

ATENÇÃO Todos os indivíduos que compõem o grupo de risco ou que apresentam fatores para complicações por Covid-19 requerem — obrigatoriamente — avaliação e monitoramento clínico constantes de seu médico assistente, para indicação ou não de tratamento, além da adoção de todas as demais medidas terapêuticas. Atenção especial deve dada as gestantes, independentemente do período de gestação.

O caminho seria então baixar a guarda, jogar a toalha e desistir? Não, jamais! O empreendedor brasileiro é reconhecido pela resiliência e costuma crescer frente às crises e aos diversos desafios. Mas algo precisa ser feito, e rápido, para que a economia e as vendas baixas não decretem a falência das empresas.

Portanto é hora para replanejar, repensar processos e procedimentos, produtos e maneiras de atuar, mitigar e ajustar os impactos Extraordinários e a conexão com a Retomada de Atividades Empresariais.

 é advogado, especialista em Direito Bancário e Empresarial e membro do Conselho Superior de Direito da Fecomércio SP.

Walter Ciglioni é jornalista e vice-presidente da Câmara de Industria, Comércio e Turismo Brasil México. Foi candidato a governador de São Paulo e porta-voz nacional da Cruz Vermelha Brasileira.

Rubens Calvo é médico.

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Matsumoto, Paiva e Dias: A Covid-19 e a contribuição SAT/RAT

No atual cenário da Covid-19, para manter o funcionamento de determinados setores da economia e a manutenção das atividades essenciais, as empresas têm passado por adaptações fundamentais nas dinâmicas de suas atividades para superar uma série de restrições impostas pela quarentena.

Com efeito, essas mudanças substanciais em suas atividades, como por exemplo uma rede de restaurantes em que os empregados não estão mais desenvolvendo as atividades regulares, mas concentrando seus serviços em atividades como entregas rápidas, podem influenciar diretamente no reenquadramento de sua Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE), prevista no anexo V do Decreto nº 3.048/1999, o que, por sua vez, impacta a alíquota a ser recolhida a título de contribuição ao Seguro Acidente do Trabalho (SAT) / Risco Ambiental do Trabalho (RAT), prevista no artigo 22, inciso II, da Lei nº 8.212/1991.

A alíquota da contribuição em questão pode ser de 1%, 2% ou 3%, a depender do grau de risco da atividade desenvolvida pela empresa, que pode ser leve, médio ou grave, e incide sobre o total das remunerações pagas aos segurados empregados.

Cumpre esclarecer que, para fins previdenciários, a empresa deve realizar, mensalmente, o seu autoenquadramento nos referidos graus de risco, de acordo com a atividade econômica preponderante, a qual é definida como aquela que concentra o maior número de segurados empregados em cada estabelecimento inscrito em CNPJ próprio, conforme artigo 72, § 1º, incisos I e II da Instrução Normativa nº 971/2009. Cada atividade preponderante/principal corresponde a um CNAE específico.

Nesse contexto, se uma empresa alterar a alocação do número de segurados empregados dedicados a determinada atividade, o CNAE da atividade preponderante e, consequentemente, a alíquota de SAT/RAT estão sujeitos a alterações nos termos da legislação previdenciária (o que poderá inclusive proporcionar a redução da carga tributária incidente sobre a folha de salários).

Não é demais lembrar que a alíquota de SAT/RAT também é ajustada pelo índice do Fator Acidentário de Prevenção (FAP), conforme previsto pelo artigo 10 da Lei nº 10.666/2003, que poderá ser reduzido pela metade ou dobrada. Assim, o índice do FAP, que registra o número de acidentes ou doenças ocupacionais no estabelecimento da empresa, é fundamental para o cálculo da alíquota de SAT/RAT a ser recolhido pela empresa (contribuição ao SAT/RAT ajustado).

Nesse sentido, as empresas também deverão se atentar aos dados a serem considerados pela Previdência Social no que diz respeito ao cálculo do FAP, de modo que todas as acidentalidades ocorridas aos empregados durante o período de quarentena deverão ser minuciosamente analisadas, de maneira a avaliar se a empresa deverá ser responsabilizada por tais gravames. Note-se que, de acordo com o pronunciamento da Previdência Social, os casos de contaminação pelo coronavírus não serão considerados doenças ocupacionais e, portanto, não poderão impactar no cálculo do FAP futuro.

O multiplicador FAP é divulgado anualmente pelo Ministério da Previdência Social (MPS), atualmente pela Secretaria de Previdência (SPREV) do Ministério da Fazenda. Logo, quando for divulgado o índice do FAP que tenha por base as informações do ano de 2020, as empresas deverão verificar eventuais incongruências na metodologia de seu cálculo e, se for o caso, contestá-lo conforme autoriza a legislação vigente.

Portanto, seja na eventual reclassificação da CNAE ou na majoração do índice FAP, as mudanças na alocação de empregados durante a pandemia da Covid-19 deverão influenciar diretamente a contribuição ao SAT/RAT ajustado.

Henrique Wagner de Lima Dias é advogado associado do escritório Pinheiro Neto Advogados.

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Fechamento do comércio justifica redução de aluguéis, decide juiz

Distribuição Equitativa

Fechamento do comércio justifica redução de aluguéis, diz juiz de SP

Por 

O fechamento do comércio em decorrência da epidemia do novo coronavírus impacta negativamente no caixa das empresas, dificultando que elas cumpram suas obrigações tal como pactuado anteriormente e justificando a distribuição equitativa dos prejuízos.

Decisão foi tomada levando em conta fechamento do comércio no estado de SP
MF Press Global

Com base nesse entendimento, o juiz Marcelo Octaviano Diniz Junqueira, da 2ª Vara Cível de Atibaia (SP), concedeu liminar autorizando redução de 35% do aluguel pago por empresa, uma pizzaria em Atibaia (SP). A decisão foi proferida nesta quinta-feira (14/5). 

“É incontroversa a brusca redução de faturamento dos locatários, visto que estão impedidos, pelo Poder Público, de exercer sua atividade empresarial no local. Importante considerar que, se o imóvel estivesse sendo locado nesta data, indubitavelmente, o valor locatício seria inferior ao contratado, ante a impossibilidade de uso ao fim a que se destina”, afirma o magistrado. 

Ainda segundo ele, a revisão dos contratos por onerosidade excessiva é uma medida excepcional que busca restabelecer o equilíbrio contratual em virtude de um acontecimento extraordinário e imprevisível. 

“Em sede de cognição sumária, mostra-se razoável a tentativa de distribuição equitativa dos prejuízos e dos riscos sociais e econômicos em razão da pandemia, o que não significa transferir-lhe, todo ou em maior parte, aos credores e locatários”, prossegue o magistrado. 

A defesa da empresa foi feita por Guilherme Corona Rodrigues Lima, do Corona e Bio Sociedade de Advogados.

Clique aqui para ler a decisão

1002953-72.2020.8.26.0048

 é repórter da revista Consultor Jurídico.

Revista Consultor Jurídico, 15 de maio de 2020, 18h30

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Severi, Maito e Moyses: Os direitos humanos das mulheres

Ficar em casa. Essa é uma das principais orientações de governos e de organismos internacionais de saúde para o enfrentamento à pandemia da Covid-19. Mas essa recomendação não é algo simples de ser cumprido para muitas pessoas e grupos sociais. Como se manter em casa, por exemplo, quando não se tem acesso à moradia, ou quando a diminuição da renda decorrente das medidas de distanciamento social impacta negativamente na capacidade de se manter em dia o contrato de aluguel?

A ONU Mulheres, por exemplo, publicou um documento [1] em março de 2020 alertando para a necessidade de que os poderes públicos considerassem a dimensão de gênero, em perspectiva interseccional, na gestão da situação de emergência da Covid-19, a fim de mitigar os efeitos desproporcionais das medidas de distanciamento social sobre a vida das mulheres e meninas. Já temos acompanhando o efeito da redução da atividade econômica sobre as trabalhadoras informais, por exemplo. Muitas mulheres, chefes de família, perderam seu meio de subsistência imediatamente e tiveram um acréscimo da carga de trabalho não remunerado relacionada ao cuidado de familiares.

A incorporação da perspectiva de gênero no processo de tomada de decisão pública, em todos os processos de tomada de decisão, já era uma exigência decorrente da Lei Maria da Penha e dos diversos tratados internacionais de direitos humanos das mulheres, antes da pandemia se instalar. Mas vamos deixar para outro momento a discussão sobre o grau de compromisso com o qual os poderes públicos brasileiros vinham realizando tal empreitada antes da pandemia provocada pelo novo coronavírus se instalar. Aqui, nosso interesse é discutir uma das respostas recentes do sistema de Justiça sobre revisão temporária de contrato de aluguel. Entendemos que ela buscou levar a sério as consequências econômicas extremas que mulheres chefes de família estão enfrentando em tempos de pandemia e constitui um tipo de resposta do sistema de Justiça que pode servir de referência tanto na decisão de outros casos semelhantes, quanto na expansão do uso da abordagem de gênero na análise de casos judiciais em outras áreas do Direito.

A Defensoria Pública do Estado de São Paulo (DPESP), procurada por uma mulher, chefe de família, ingressou com uma ação judicial de revisão contratual com pedido de tutela provisória de urgência cumulado com interdito proibitório de despejo. Por meio da atuação das defensoras Gabriele Estábile Bezerra e Carolina Gurgel Lobo, o processo tramitou perante a 2ª Vara Cível do Foro Regional VII Itaquera do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. A ação buscou garantir o direito à moradia da família, na qual a mãe, única responsável por suas duas filhas menores, ficou desempregada como consequência das medidas de distanciamento social e, por isso, não conseguia mais arcar com o aluguel de sua moradia em sua totalidade, pois única fonte de renda da família passou a ser a pensão alimentícia recebida por uma de suas duas filhas. Como locatária do imóvel em que reside, ela havia pedido ao locador uma diminuição temporária do valor de R$ 1 mil referente à prestação do aluguel. Além de não aceitar qualquer acordo, o locador ameaçou expulsar a mulher e as filhas à força caso ela não pagasse o valor previsto.

As defensoras embasaram o pedido nas chamadas teorias da imprevisão e da onerosidade excessiva (artigos 317, 478 e 480 do Código Civil). A primeira prevê, como medida de garantia da justiça contratual, que o valor das prestações de uma obrigação possa ser corrigido judicialmente, quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier uma desproporção entre o valor devido no ato da contratação e o momento de sua execução. A teoria da imprevisão admite a revisão ou resolução do contrato em caso de acontecimento superveniente e imprevisível que desequilibre a base econômica do negócio, impondo a uma das partes uma obrigação excessivamente onerosa.

O contrato em questão estava vigente desde novembro de 2019 e tinha o prazo de duração de um ano, portanto, não cumpria o requisito de três anos de vigência previsto na lei do inquilinato (Lei nº 8.245/1991) para a revisão judicial do aluguel. Por isso, foram invocadas as teorias acima apontadas, considerando que a pandemia da Covid-19 e a consequente perda do emprego da inquilina são acontecimentos supervenientes e imprevisíveis que desequilibraram a base econômica do aluguel, impondo-lhe uma obrigação impossível de ser adimplida nas atuais circunstâncias.

O juiz Antonio Marcelo Cunzolo Rimola, reconhecendo a situação excepcional em que se encontram a autora do pedido e sua família, deferiu, liminarmente, a diminuição do aluguel, no valor de 30% do valor original, e concedeu o interdito proibitório para assegurar a posse da locatária no imóvel. A decisão, ao mesmo tempo em que assegurou o direito de moradia da família, reconheceu também a necessidade de manutenção de algum valor a título de aluguel, para que o proprietário não tenha prejuízos desproporcionais. Não há, na decisão, menção explícita de que o juiz tenha feito uso da abordagem de gênero na apreciação do caso. Mas, ao analisarmos a resposta judicial sob essa perspectiva, podemos perceber um tipo de juízo que dirigido a assegurar a garantia do direito à igualdade e não-discriminação.

No Brasil, a maioria da população que vive abaixo da linha da pobreza é composta de mulheres negras e chefes de família [2]. Em 2018 [3], a participação das mulheres no mercado de trabalho era quase 20% inferior à dos homens e, além disso, das mais de 6,2 milhões de pessoas desempregadas, 4,5 milhões eram mulheres. Em relação aos rendimentos das pessoas ocupadas [4], as mulheres, de um modo geral, recebem 78,7% do valor dos rendimentos dos homens e as mulheres negras, 44,4% do valor dos rendimentos dos homens brancos. Aliado a essa situação há o fato de que, segundo o CNJ [5], no ano de 2011 cerca de 5,5 milhões de crianças e adolescentes não tinham o nome do pai no registro de nascimento. São esses grupos de mulheres, portanto, que possivelmente sofrerão os efeitos econômicos extremos da pandemia.

Há diversas perspectivas jurídicas feministas que, há muito tempo, têm desenvolvido críticas profundas aos modelos de tomada de decisão com base em raciocínios puramente abstratos, essencialistas ou formulados em modelos de opostos duais. Em substituição, elas sugerem modelos de tomada de decisão que partem das experiências sociais de exclusão das mulheres ou de outros grupos e categorias vulneráveis para a construção de verdades situadas contextualmente que possam diminuir a arbitrariedade. Há, nesse campo, muitos modelos críticos que ajudam a revelar aspectos de um problema jurídico que os métodos tradicionais tendem a ignorar.

A autora Katharine Bartlett [6] é conhecida por sistematizar alguns destes métodos, classificando-os da seguinte maneira: 1) a “pergunta pela mulher”, que consiste tentar compreender quais as implicações de determinada norma ou decisão para as mulheres afetadas, levando em consideração outros marcadores da diferença que se interseccionam com o gênero; 2) o “raciocínio prático feminista”, que, à semelhança da razão prática aristotélica, busca a atenção às múltiplas particularidades de cada caso, que podem determinar novas interpretações de regras e princípios abstratos (no caso da razão prática feminista, explicitamente, busca-se a atenção a dimensões e perspectivas não representadas por teorias e raciocínios jurídicos tradicionais, que geralmente refletem uma estrutura de subordinação feminina); e 3) o “aumento da consciência”, que consiste em compartilhar experiências individuais, de modo a ser possível encontrar padrões que emergem destas e teorizar a respeito destes, em uma relação dialética entre teoria e prática.

Na decisão mencionada, a pergunta pela mulher foi realizada, ao se considerar a condição socioeconômica concreta da autora e os efeitos desproporcionais que a manutenção dos termos do contrato ou do seu rompimento trariam para a mulher e filhos em meio à atual crise sanitária. As particularidades do caso foram o suporte para organização da argumentação jurídica realizada pelas defensoras e acatadas pelo juiz responsável pela análise do caso. Além de atender às especificidades do caso concreto, a decisão também amplia os contornos das teorias da imprevisão e da onerosidade excessiva e se coloca como um precedente importante tanto para outros casos similares, quanto para a discussão sobre os direitos das mulheres.

A aplicação de uma perspectiva de gênero na tomada de decisão judicial permite explicar como as relações entre as pessoas são perpassadas pelo poder e como a desigualdade no exercício do poder gera violência e discriminação. Uma decisão judicial que toma como ponto de partida a situação de maior vulnerabilidade das mulheres, que se encontram hoje expostas às consequências econômicas mais severas da gestão da crise sanitária, contribui, sem dúvida, para evitar a perpetuação da violência e para ampliar a consciência jurídica em favor do respeito ao princípio da igualdade e não-discriminação.

 


[1] Ver: ONU Mulheres. Gênero e Covid-19 na América Latina e no Caribe: dimensões de gênero na resposta. ONU Mulheres, março de 2020. Disponível em: http://www.onumulheres.org.br/wp-content/uploads/2020/03/ONUMULHERES-COVID19_LAC.pdf?fbcl id=IwAR0EEDjzesLlTMu4tHG7P5hvBwZ_aDbnY0bPnZ4LMC2RTNrRGDlbz71OuZ4.

[6] Publicado em Harvard Law Review, v. 103, n. 4, fevereiro de 1990. Tradução de Diego Aranda. BARTLETT, Katharine. Métodos Legales Feministas. Seminario de Integración en Teoría General del Derecho: Feminismo y Derecho. 2008.

 é professora no curso de graduação e no programa de pós-graduação da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FDRP-USP) e coordenadora do Centro de Estudos em Direito e Desigualdades (CEDD) da FDRP-USP.

Juliana Fontana Moyses é advogada, mestra pela FDRP-USP, doutoranda na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo e professora no Centro Universitário Unifafibe.

Deíse Camargo Maito é advogada, mestra pela FDRP-USP e doutoranda na Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo.

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Opinião: O uso das videoconferências na Justiça do Trabalho

O acesso à Justiça é um dos direitos humanos fundamentais. A preocupação com o pleno acesso à Justiça por intermédio da prestação jurisdicional célere e efetiva como uma das principais formas de tutelar os direitos fundamentais nas relações de trabalho ainda é grande no Brasil.

A permanente evolução e modificação das relações de trabalho e dos meios de produção no mundo é uma realidade. A cada dia nos deparamos com novas tecnologias, muitas delas impulsionadoras de novos negócios e formas de trabalho. Assim como a tecnologia impacta as relações de trabalho e os modos de produção, também produz reflexos no processo judicial e no Poder Judiciário.

Manuel Castells destaca que “a era da internet foi aclamada como o fim da geografia” [1]. Como a internet é uma tecnologia da comunicação e como a comunicação é a essência da atividade humana, todos os domínios da vida social estão sendo modificados pelos usos disseminados da Internet” [2].

Não é diferente no Poder Judiciário brasileiro. A tecnologia proveniente dos novos meios informáticos (processo judicial em meio eletrônico, audiência por teleconferência, uso do aplicativo WhatsApp para negociar conciliações, realizar notificações, teletrabalho, etc.) desempenha papel fundamental não apenas na ampliação do acesso à justiça mas também na implementação de medidas que possibilitem o funcionamento do Poder Judiciário e a manutenção da prestação jurisdicional mesmo em tempo de pandemia da Covid-19, já que esta impõe a vedação de expediente presencial no Poder Judiciário como forma de evitar a disseminação do contágio.

Esse é o cenário em que nos encontramos na atualidade e é evidente que a continuidade dos serviços somente é possível porque o processo judicial tramita em meio eletrônico, o que permite que a demanda seja ajuizada perante a Justiça do Trabalho de qualquer lugar do Brasil. Para juízes, servidores e advogados, o processo judicial em meio eletrônico significa quebra do paradigma de necessidade de presença física em determinado local, que os processos sempre estão acessíveis pelo computador e que seu campo de atuação não precisa ficar restrito ao âmbito de uma Vara do Trabalho ou cidade.

Embora a previsão de realização de audiências por videoconferência não seja uma novidade, foi a necessidade de manutenção do isolamento social para evitar a contaminação pelo coronavírus que tornou urgente a utilização dessa tecnologia específica para viabilizar a continuação de uma parcela importante dos processos que tramitam na Justiça do Trabalho.

Antes da pandemia de coronavírus já havia prática de atos processuais à distância, com uso de imagem e voz, a exemplo da oitiva de depoimentos de partes ou testemunhas que estavam em lugar distinto daquele onde havia sido ajuizada a demanda judicial. Há notícias de realização de oitivas pelos aplicativos Whatsapp, Skype, entre outros.

Foi a necessidade de manter os serviços da área fim da Justiça do Trabalho em pleno funcionamento que levou a publicação de normas regulamentando a utilização das audiências telepresenciais ou por videoconferência.

Não faria sentido ter um processo judicial que se desligasse da forma física (autos de papel) e embarcasse na modernidade (um processo imaterial, acessível por meio da rede mundial de computadores e que se alinhasse com as avançadas tecnologias disponíveis no mundo) como é o processo judicial em meio eletrônico e não utilizar as ferramentas existentes e já previstas em lei para permitir a realização das audiências por videoconferência.

A realização de audiências por videoconferência é a melhor solução existente no momento para possibilitar uma continuidade mais ampla da prestação jurisdicional e a manutenção do isolamento social exigido em razão do perigo de contaminação pelo coronavírus.

Para demonstrar que a utilização de meios tecnológicos no processo judicial não é uma novidade ou extravagância, faremos um breve relato histórico em torno de algumas normas jurídicas que tratam do assunto.

Otávio Pinto e Silva [3] aponta que a Lei 7.244, de 7 de novembro de 1984, que dispôs sobre a instituição dos então chamados juizados especiais de pequenas causas, previu utilização de tecnologia no §3º do artigo 14, que assim dispôs: Os atos realizados em audiência de instrução e julgamento deverão ser gravados em fita magnética ou equivalente (…)”. Em ambos os casos, não se trata de utilização de meio eletrônico, mas sim do uso de algum tipo de tecnologia no processo e para prática de ato processual.

Observe-se que o artigo 1º da Lei 9.800, de 26 de maio de 1999, abriu a possibilidade de prática de atos processuais por meio de “(…) sistema de transmissão de dados e imagens tipo fac-símile ou outro similar (…)”. Portanto, a lei não limitou a transmissão de dados e imagens à transmissão por fax, mas anteviu a possibilidade do surgimento de outras tecnologias que pudessem cumprir a mesma tarefa de maneira mais eficaz.

A Lei 10.259, de 12 de julho de 2001, previu que as Turmas Recursais dos Juizados Especiais Federais poderão reunir-se pela via eletrônica na hipótese dos juízes componentes da respectiva turma serem domiciliados em cidades diversas (§3º do artigo 14 da Lei 10.259, de 12 de julho de 2001).

Trata-se de dispositivo moderno até hoje, pois embora já haja exemplos de sessões de tribunais em que os advogados das partes manifestam-se oralmente por meio de videoconferência, a lei dos Juizados Especiais Federais prevê expressamente a reunião dos julgadores por meio eletrônico, o que privilegia o princípio constitucional da razoável duração do processo, entre outros.

A Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006, tratou especificamente da informatização do processo judicial.

Como anotam José Carlos de Araújo Almeida Filho [4] e Cláudio Mascarenhas Brandão [5], a polêmica sobre a utilização de videoconferência para realização de interrogatório de réu preso e outros atos processuais no âmbito do processo penal cessou com a publicação da Lei 11.900, de 8 de janeiro de 2009.

Por meio dela, os artigos 185 e 222 do Código de Processo Penal foram alterados. O §2º do artigo 185 do Código de Processo Penal passou a permitir, como excepcionalidade, que de ofício ou por requerimento das partes, sempre por decisão fundamentada do juiz, o réu preso possa ser interrogado por videoconferência ou “outro recurso tecnológico de transmissão de sons e imagens em tempo real”  o que demonstra que a legislação abriu caminho para novas tecnologias que possam se desenvolver além da videoconferência.

A medida é excepcional porque a lei determina quais são as situações em que a videoconferência pode e deve ser utilizada nos quatro incisos do §2º do artigo 185 do Código de Processo Penal [6].

Embora não mencionados por esses autores, são dignos de nota outras alterações promovidas também as disposições da Lei 11.900, de 8 de janeiro de 2009. Ao réu foi garantido o direito de acompanhar também por videoconferência os atos da audiência de instrução e julgamento previstos nos artigos 400, 411 e 531 do Código de Processo Penal (§4º do artigo 185 do Código de Processo Penal). Se o interrogatório ocorrer por videoconferência, é assegurado ao réu comunicar-se com o advogado que esteja no ato da videoconferência por via telefônica. Além disso, o defensor que está no presídio e o advogado que está na sala de videoconferência podem se comunicar por telefone (§5º do artigo 185 do Código de Processo Penal).

A previsão do §3º do artigo 222 do Código de Processo Penal é de que se a testemunha tiver domicílio fora da jurisdição em que deva ser ouvida, sua inquirição poderá ser realizada por meio de videoconferência ou outro recurso tecnológico em tempo real. Essa disposição é importante por diversas razões. Dentre elas, pode-se dizer que é importante porque: prestigia o princípio constitucional da duração razoável do processo; se preocupa com a economia processual; revela a tendência de extinção da remessa de cartas precatórias inquiritórias; e demonstra o uso eficaz de meios tecnológicos para encurtar distâncias e fazer valer o princípio da eficiência.

Consideramos a Lei 11.900, de 8 de janeiro de 2009, uma legislação avançada, pois antecipou a utilização de registros de sons e imagens em tempo real (no caso, a videoconferência) para prática de ato processual (audiência) em razão das peculiaridades do direito e processo penal. Ainda hoje aproximadamente dez anos após a publicação da Lei 11.900 estão em desenvolvimento sistemas para gravação de sons e imagens em tempo real para utilização no sistema previsto pela Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. Por isso o pioneirismo da Lei 11.900.

O Código de Processo Civil brasileiro (Lei 13105, de 16 de março de 2015) criou várias disposições sobre a utilização da videoconferência em processos judiciais a exemplo dos artigos 236, §3º; 385, §3º; 453, §§1º e §2º; 461, §2º; e 937, §4º.

A videoconferência é uma ferramenta cada vez mais popular para evitar deslocamentos, cortar custos, facilitar e ampliar o acesso à justiça. Têm se tornado comuns as notícias sobre uso da videoconferência não só no âmbito criminal para salvaguardar a segurança de partes, juízes, servidores e advogados como também no âmbito cível e trabalhista para garantir o efetivo acesso à Justiça quando qualquer das partes encontra-se distante do local de realização da audiência, dentro ou fora do Brasil.

A aparente novidade que parece causar burburinho é a utilização ampla da videoconferência para realização das audiências na Justiça do Trabalho, sejam elas audiências de conciliação ou mesmo de instrução (o que implica tomar os depoimentos pessoais das partes e ouvir as testemunhas), como forma de manter o isolamento social exigido para evitar contaminação pelo coronavírus e dar prosseguimento aos processos judiciais que necessitem da realização de audiências como proposto pelo Ato Conjunto CSJT GP VP e CGJT n.006, de 4 de maio de 2020.

A realização de audiências por videoconferência possui vantagens e desvantagens. Como vantagens podemos apontar: manutenção do isolamento social necessário para evitar a propagação do coronavírus; possibilita o acesso à Justiça; possibilita que qualquer pessoa com acesso à internet participe da audiência por videoconferência, o que alarga o espectro do acesso à Justiça; prestigia, amplia e maximiza o princípio da oralidade, que é princípio específico do Direito Processual do Trabalho, já que a audiência por videoconferência pode ser reduzida a termo na ata de audiência ou mesmo gravada; torna ainda mais efetivo o princípio da desterritorialização criado pelo processo judicial eletrônico, pois não há necessidade de presença física em determinado local geográfico para qualquer pessoa (juízes, servidores, partes, advogados, testemunhas, peritos, etc.) participar da audiência; e amplia o princípio da imediatidade da prova pois qualquer magistrado de qualquer grau de jurisdição terá amplo contato com a prova oral coletada, já que a audiência por videoconferência é gravada.

No rol das desvantagens da realização das audiências por videoconferência podemos citar: necessidade de conexão com a internet; utilização de aparelho de telefone celular, tablet ou computador; problemas de conexão com a internet; e insegurança demonstrada por juízes e advogados quanto ao aspecto da realização da audiência de instrução e a garantia de que partes e testemunhas não ouvirão os depoimentos umas das outras.

De fato, os problemas de ordem técnica e material (problemas de conexão com a internet, acesso das partes e testemunhas a dispositivos que permitam acesso à videoconferência como telefone celular e computador, por exemplo) dependem de situações particulares incontroláveis pelo Poder Judiciário. Entretanto, como contra-argumento, vale lembrar que em notícia publicada no sítio do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), afirma-se que no ano de 2013 metade dos brasileiros teve acesso à internet e 130,8 milhões de pessoas na faixa etária de dez anos ou mais de idade tinham telefone celular para uso pessoal. A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios 2013 (PNAD) demonstrou que dos 32,2 milhões de domicílios do país que tinham microcomputador (49,5% do total de residências), 28 milhões tinham acesso à internet. Segundo a pesquisa, esse número representa 43,1% do total de domicílios em todo o país. [7]

Os dados obtidos pela pesquisa elaborada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística confirmam uma realidade vivida pela sociedade brasileira, na qual as pessoas utilizam cada vez mais a internet para realizar as mais diversificadas atividades: desde consultar o horóscopo, ler as notícias no jornal, ouvir músicas, assistir a vídeos no YouTube, realizar transações bancárias, adquirir produtos, até realizar consultas ao andamento de processos judiciais seja por meio de sítios na internet seja por meio de aplicativos disponibilizados pelo Poder Judiciário.

Portanto, pode-se considerar desvinculada da realidade a afirmação de que as pessoas teriam menos acesso às audiências por videoconferência porque não têm acesso à internet.

Quanto à preocupação quanto à validade ou incolumidade da prova oral colhida por meio de audiência por videoconferência vale lembrar que da mesma forma que não adianta pensar o processo judicial em meio eletrônico como mera reprodução do processo de papel, não se deve pensar na audiência por videoconferência como mera repetição daquilo que se praticava nas audiências presenciais.

Novas soluções, novas práticas devem ser implementadas, com ou sem o uso da tecnologia, para viabilizar a prática do ato de colher provas orais na audiência por videoconferência com a necessária segurança. Para isso propomos a realização de compromisso diferenciado das partes e testemunhas visando a assegurar que estejam livres da interferência de terceiros, seja de forma presencial ou por meio de utilização de aparelhos de transmissão de sons e imagens, além da criação de salas de videoconferência separadas de forma que fique assegurado que uma parte ou testemunha não ouvirá o depoimento da outra.

Importante lembrar que as partes podem celebrar negócio processual (artigo 190 do CPC), o que significa que elas próprias poderiam solicitar a realização de audiência por videoconferência ou convencionar sobre seus ônus e poderes, o que pode dizer respeito a requisitos específicos do depoimento de partes e testemunhas.

Em conclusão, a realização das audiências por videoconferência tem previsão legal desde 2015 com o advento do Código de Processo Civil e atende às necessidades de acesso à Justiça e continuidade da prestação jurisdicional. A prudência, colaboração e a criatividade de juízes, advogados e demais atores processuais contribuirá para que atravessemos esse momento excepcional e que a utilização de meios tecnológicos no processo judicial continue a ser utilizada de forma ágil, segura e prática.

 


[1] CASTELLS, Manuel. A galáxia da internet: reflexões sobre a internet, os negócios e a sociedade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, edição digital setembro 2015, p. 172.

[3] SILVA, Otavio Pinto e. Processo eletrônico trabalhista. São Paulo, LTr, 2013, p. 52.

[4] ALMEIDA FILHO, José Carlos de Araújo. Processo eletrônico e teoria geral do processo eletrônico: a informatização judicial no Brasil. 5.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015, p.68.

[5] BRANDÃO, Cláudio Mascarenhas. Processo eletrônico na Justiça do Trabalho. In: CHAVES, Luciano Athayde (Org.). Curso de processo do trabalho. 2. ed. São Paulo: LTr, 2012, p. 754.

[6] “Artigo 185 § 2o Excepcionalmente, o juiz, por decisão fundamentada, de ofício ou a requerimento das partes, poderá realizar o interrogatório do réu preso por sistema de videoconferência ou outro recurso tecnológico de transmissão de sons e imagens em tempo real, desde que a medida seja necessária para atender a uma das seguintes finalidades: I – prevenir risco à segurança pública, quando exista fundada suspeita de que o preso integre organização criminosa ou de que, por outra razão, possa fugir durante o deslocamento; II – viabilizar a participação do réu no referido ato processual, quando haja relevante dificuldade para seu comparecimento em juízo, por enfermidade ou outra circunstância pessoal; III – impedir a influência do réu no ânimo de testemunha ou da vítima, desde que não seja possível colher o depoimento destas por videoconferência, nos termos do artigo 217 deste Código; IV – responder à gravíssima questão de ordem pública”. BRASIL. Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Diário Oficial da União, Rio de Janeiro, 3 out. 1941. Disponível em: <https://goo.gl/j44Cxv>. Acesso em: 3/4/2018.

 é juíza do Trabalho titular da 1ª Vara do Trabalho de Sobral (CE) e doutora em Direito do Trabalho pela PUC-SP.

 é juiz do Trabalho substituto no TRT da 17ª Região e doutor em Direito do Trabalho pela PUC-SP.

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Mediação é saída mais eficiente para entraves do Direito Privado

No momento em que a crise causada pela epidemia impacta profundamente as relações contratuais no Brasil, levar as demandas por renegociação e readequação ao Judiciário não é uma saída viável. A mediação surge como opção mais eficiente.  É a opinião dos especialistas que participaram, nesta segunda-feira (11/5), de debate promovido pela TV ConJur.

ConJur

O seminário virtual “Saída de Emergência” teve como tema Judiciário, Mediação e Direito Privado e foi mediado por Otavio Rodrigues, do CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público) e da USP. Ele abriu os trabalhos destacando iniciativas como o Projeto de Lei 1.179/2020.

Para o presidente do Superior Tribunal de Justiça, ministro João Otávio de Noronha, a saída para a crise não está no ajuizamento de demandas, mas na renegociação — preferencialmente fora dos autos judiciais. Ela deve ser feito caso a caso, de acordo com as especificidades de cada relação contratual.

“Não adianta querer cobrar das empresas aéreas, que agora não têm faturamento. Dinheiro não se inventa. Não se pode permitir que se faça a revisão de todos os contratos se o direito decorresse para todos. Isso não pode ser verdade. Temos segmentos que estão se beneficiando da crise, funcionando normalmente. E outros, profundamente prejudicados”, afirmou o ministro.

O presidente do STJ destacou que o ideal seria que toda demanda passasse por tentativa de mediação antes da chegar ao Judiciário, que já está combalido em cenário que deve piorar por conta da crise. “A melhor maneira de intermediar o diálogo entre as partes é a mediação. Ela não é da nossa tradição, nossa cultura. Não vamos impor da noite para o dia. Mas precisamos continuar tentando, como estamos fazendo”, disse.

Diante desse cenário, o advogado e professor da USP Eneas Matos aponta como positivas iniciativas como a do Conselho Nacional de Justiça, que estuda a instituição de uma plataforma online para mediação, o que pode facilitar o processo e diminuir os custos.

“As partes conseguirem chegar a um acordo com boa-fé traz resultado mais eficaz e rápido para o Judiciário. Vamos ter a vantagem na questão do abarrotamento de processos. E tem algo que não podemos esconder: o aumento do número de demandas. Toda crise faz aumentar as demandas, e isso traz um custo elevado. Com a plataforma, podemos diminuir os custos”, apontou.

Destravamento e cooperação

Dentre os benefícios para adoção da mediação apontados durante o evento, a professora Maria Cândida Kroetz, da UFPR, destacou a manutenção de uma das premissas do Direito Privado: a liberdade. Ao buscar um reequilíbrio do contrato pela mediação, as partes assumem de novo uma autonomia para fazer essa repactuação.

“Só os próprios envolvidos vão saber quais são as necessidades e como a crise impactou a relação entre eles. Eles precisam de um campo, um espaço para isso, e é o que a mediação oferece. Às vezes a gente pensa em algo vinculado ao processo judicial, mas a mediação oferece outras possibilidades”, explicou. 

Já o advogado Gabriel Nogueira Dias chamou atenção que a preocupação número 1 das empresas nesta crise econômica é o travamento das cadeias produtivas. Empresa que é credora, muitas vezes, é também devedora. Pela mediação ou pela via judicial, será necessário impedir que haja esse travamento.

“A função da Justiça é ser meio para uma solução, não para mais confusão. Aí acho que é perfeita a ideia de separar o joio do trigo: permitir o que é legítimo por parte da necessidade das partes não terem chegado a um acordo em comparação com o que é mero oportunismo. Não podemos, enquanto advogados, tornar a crise um meio para oportunismo”, disse.

Ele ainda destacou dados que indicam o aumento das mediações realizadas e a desjudicialização, mas apontou que ainda há falhas no processo: demora excessiva e restrições a causas de alto valor. “Os instrumentos para mediação estão postos normativamente, mas no momento de crise precisamos de diálogo e boa-fé”, afirmou.

Assista abaixo ao seminário

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Loja de calçados não é essencial na crise do coronavírus, diz TJ-MG

Loja de calçados não é atividade essencial na crise do coronavírus. Esse foi o entendimento do presidente do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, Nelson Missias de Morais, ao suspender liminar que havia autorizado a Marcos Calçados, em Belo Horizonte, a funcionar normalmente durante o estado de calamidade pública.

Loja de calçados não é essencial na crise do coronavírus, diz desembargador

A empresa afirmou que deveria poder seguir aberta, uma vez que não possui potencial de aglomeração nem oferece riscos exagerados aos consumidores. O juízo de primeira instância aceitou o pedido, apontando que a atividade econômica é livre. O município de Belo Horizonte recorreu, sustentando que a liminar impacta o combate ao coronavírus.

Em sua decisão, Nelson Morais apontou que o Decreto municipal 17.328/2020 não proibiu a loja de calçados de exercer suas atividades, apenas a submeteu a regras adotadas para conter a propagação da Covid-19 em Belo Horizonte. Ele lembrou que municípios têm competência para legislar sobre medidas de isolamento social, como decidido pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADI 6.341.

O desembargador também destacou que a empresa não provou que a venda de calçados é atividade essencial. “Caso as atividades da impetrante fossem fundamentais para a prestação dos serviços públicos, como ela defende, certamente a Administração seria a primeira a defender seu funcionamento como atividade essencial, o que, conforme se vê, não ocorreu na espécie”.

Assim, para o magistrado, não seria razoável permitir que a loja operasse normalmente. Afinal, isso pode estimular outras empresas a fazerem pedidos semelhantes, sabotando as medidas adotadas pelo poder público.

Interesse local

Segundo reportagem publicada pela ConJur, os Tribunais de Justiça têm determinado a prevalência de decretos estaduais sobre os municipais, pois os municípios não teria competência para legislar sobre saúde pública — a não ser que exista interesse local, conforme determina o artigo 30, I, da Constituição, o que também ficou cristalizado pelo ministro do STF Alexandre de Moraes na ADPF 672. No caso concreto, esse interesse local foi identificado pelo julgador.

Clique aqui para ler a decisão

Processo 1.0000.20.050581-6/000

 é correspondente da revista Consultor Jurídico no Rio de Janeiro.